EU ACHO …

DA NATUREZA DE UM IMPULSO OU ENTRE OS NÚMEROS UM OU COMPUTADOR ELETRÔNICO

Sei que o que eu vou falar é difícil, mas que é que eu vou fazer, se me ocorreu com tanta naturalidade e precisão? É assim:

Não era nada mais que um impulso. Para ser mais precisa, era impulso apenas, e não um impulso. Não se pode dizer que este impulso mantinha a mulher porque manter lembraria um estado e não se poderia falar em estado quando o impulso o que fazia era continuamente levá-la. É claro que, por hábito de chegar, ela fazia com que o impulso a levasse a alguma parte ou a algum ato. O que dava o ligeiríssimo desconforto de uma traição à natureza intransitiva do impulso. No entanto, não se pode nem de longe falar em gratuidade de impulso, apenas por se ter falado de alguma coisa intransitiva. Com o hábito de “comprar e vender”, atos que dão o suspiro de uma conclusão, terminamos pensando que aquilo que não se conclui, o que não se finda, fica em fio solto, fica interrompido. Quando, na verdade, o impulso ia sempre. O que, de novo, pode levar a se querer presumir o problema de distância: ia longe ou perto. E aonde. Quando isso na verdade já cairia no caso em que falamos acima, sobre o ligeiríssimo desconforto que vem de se confundir a aplicação do impulso com o impulso propriamente dito. Não, não se quer dizer que a aplicação do impulso dá mal-estar. Pelo contrário, o impulso não aplicado durante um certo tempo pode se tornar de uma intensidade cujo incômodo só se alivia com uma aplicação factual dele. Depois que a intensidade dele é aliviada, o que nós chamaríamos de resíduo de impulso não é resíduo, é o impulso propriamente dito – é o impulso sem a carga de choro (choro no sentido de acúmulo, acúmulo no sentido de quantidade superposta), é o impulso sem a urgência (urgência no sentido de modificação de ritmo de tempo, e, na verdade, modificação de ritmo é modificação do tempo em si).

Mas, considerando que nós somos um fato, quer dizer, cada um de nós é um fato – ou, pelo menos, como lidar conosco mesmos sem, como andaime necessário, não nos tratarmos como um fato? – como eu ia dizendo, considerando que cada um de nós é um fato, a tendência é transformarmos o que é (existe) em fatos, em transformarmos o impulso em sua aplicação. E fazermos com que o atonal se torne tonal. E darmos um finito ao infinito, numa série de finitos (infinito não é usado aqui como quantidade imensurável, mas como qualidade imanente). O grande desconforto vem de que, por mais longa que seja a série de finitos, ela não esgota a qualidade residual de infinito (que na realidade não é residual, é o próprio infinito). O fato de não esgotar não acarretaria nenhum desconforto se não fosse a confusão entre ser e o uso do ser. O Uso do ser é temporário, mesmo que pareça continuado: é continuado no sentido em que, acabado um uso, segue-se imediatamente outro. Mas a verdade é que seria mais certo dizer: segue-se mediatamente e não imediatamente: até entre o número um e o número um, há, como se pode adivinhar, um um. Esse um, entre os dois uns, só se chamaria de resíduo se quiséssemos chamar arbitrariamente os dois números um mais importantes que o “um entre”. Esse “um entre” é atonal, é impulso.

Como se pode imaginar, a mulher que estava pensando nisso não estava absolutamente pensando propriamente. Estava o que se chama de absorta, de ausente. Tanto que, após um determinado instante em que sua ausência (que era um pensamento profundo, profundo no sentido de não pensável e não dizível), após um determinado instante em que sua ausência fraquejou por um instante, ela sucumbiu ao uso da palavra-pensada (que a transformou em fato), a partir do momento em que ela factualizou-se por um segundo em pensamento – ela se enganchou um instante em si mesma, atrapalhou-se um segundo como um sonâmbulo que esbarra sua liberdade numa cadeira, suspirou um instante, parte involuntariamente para aliviar o que se tornara de algum modo intenso, parte voluntariamente para apressar sua própria metamorfose em fato.

O fato (que a fez suspirar) em que ela se transformou era o de uma mulher com uma vassoura na mão. Uma revolta infinitesimal passou-se nela – não, como se poderá concluir, por ela ser o fato de uma mulher com uma vassoura na mão – mas a infinitesimal revolta, até agradável (pois ar em movimento é brisa) em, de um modo geral, aplicar-se. Aplicar-se era uma canalização, canalização era uma necessária limitação, limitação um necessário desconhecer do que há entre o número um e o número um.

Como se disse, revolta ligeiramente agradável, que se foi intensificando em mais e mais agradável, até que a aplicação de si mesma em si mesma se tornou sumamente agradável – e, com o próprio atonal, ela se tornou o que se chama música, quer dizer, audível. Naturalmente sobrou, como na boca sobre um gosto, a sensação atonal do contato atonal com o impulso atonal.

O que fez a mulher ter uma expressão de olhos que, factualmente, era a de uma vaca. As coisas tendem a tomar a forma do fato que se é (o modo como o que é se torna fato é um modo infinitesimal rápido). Com a vassoura numa das mãos, pois, ela usou a outra mão para ajeitar os cabelos. Acabou de reunir com a vassoura os cacos do copo quebrado – na verdade, o quebrar-se inesperado do copo é o que havia dado artificialmente um finito, e a fizera deslizar para o um entre os dois uns – acabou de reunir os cacos com vivacidade de movimentos. O homem que estava na sala percebeu a vivacidade dos movimentos, não soube entender o que percebera, mas, como realmente percebera, disse tentativamente, sabendo que não estava exprimindo sua própria percepção: o chão está limpo agora.

***CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

UMA PÍLULA CONTRA O ÁLCOOL?

A indicação de relaxante muscular para o tratamento da dependência de bebidas alcoólicas de uso comum, é suspensa na França e deflagra acalorada polêmica

Na história das pequenas vitórias contra o alcoolismo, um médico e seu relato de empenho contra a dependência, transportado para um livro de sucesso global, O Fim do Meu Vício, de 2010, são incontornáveis. O cardiologista francês Olivier Ameisen (1953-2013), de brilhante carreira na Universidade Cornell, em Nova York, teve de interrompê-la por causa do excesso de bebida. Como nas mais belas aventuras da medicina, ele encontrou uma estrada para a recuperação de modo acidental. Ameisen sofria de espasmos musculares, que tratava com 5 miligramas diárias de baclofeno, um relaxante muscular barato. Ao perceber que o remédio o fazia perder a vontade de abrir garrafas, experimentou doses cada vez mais altas, até alcançar um nível elevado o suficiente (270 miligramas) para controlar a quantidade de drinques. “Comecei a dormir como um bebê e o impulso de beber diminuiu”, escreveu. Ao morrer de infarto, cinco anos depois de revelar ao mundo a descoberta, ele assegurava ter vencido o humilhante fantasma: “Tornei­ me completamente indiferente ao álcool. Posso tomar uma bebida ou duas, e nada acontece”.

Seu legado decisivo: o uso do baclofeno contra o alcoolismo em todo o mundo, inclusive no Brasil – em exemplo de tratamento chamado no meio científico de off-Label, ou fora do rótulo, em tradução livre do inglês. Por esse mecanismo, as drogas são utilizadas em terapias para as quais não foram inicialmente imaginadas. Assim caminhava o baclofeno, até sofrer sério revés na França, há três semanas. Ministrado oficialmente entre franceses desde 2014, ele teve a comercialização suspensa. A decisão foi de um tribunal de Justiça que apontou preocupações sobre os riscos colaterais. Uma revisão feita com doze estudos por uma instituição internacional que se dedica à análise de pesquisas mostrou que doses exageradas de baclofeno estariam associadas a um número maior de mortes em relação a outros remédios para combater o vício. E mais: doses baixas, em comparação com o placebo, não fariam diferença. Houve ruidosa celeuma e espanto, porque a substância sempre foi tratada pelos adictos como uma janela de esperança.

O bacloteno age no cérebro em neurotransmissores chamados GABA, aqueles ligados ao controle da ansiedade. É ali que o álcool atua, relaxando o indivíduo. O remédio entraria nesses canais e produziria efeito similar. Essa foi a suposição de Ameisen, sempre controversa, e que só ganharia verniz de certeza após um estudo divulgado em 2016. O trabalho, patrocinado por uma entidade respeitada, a Assistência a Hospitais Públicos de Paris, mostrou efeito positivo depois de um ano de tratamento com a droga. A pesquisa incluiu 320 pacientes entre 18e 65 anos, alcoólatras, que não foram orientados a parar de beber. Resultado: a abstinência ou a redução do consumo ocorreu em 56,8% dos pacientes tratados, contra 36,5% daqueles que receberam o placebo. Mas outros efeitos do remédio não foram ideais: 44% deles sofreram de insônia e depressão – o mesmo ocorreu com 31% dos que não tomaram o medicamento.

O recuo em torno da indicação do baclofeno é um golpe nas possibilidades de controle de uma doença ainda enigmática. Cabe nos dedos de uma mão a quantidade de medicamentos com efeito contra o desejo de ingerir álcool, a maioria frágil e com vaivém nas indicações (como ocorre agora com o composto antiespasmódico). O hábito de beber é mais difícil de controlar do que o da dependência de cocaína e cigarro. Diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, coordenador da Unidade de Pesquisas em Álcool e Drogas, uma das maiores autoridades sobre o assunto no Brasil: “A bebida tem ação cerebral difusa e, por isso, dificilmente um único tipo de tratamento conseguiu até hoje ter o sucesso esperado.” Por esse motivo, Ameisen, em seu best­seller, ao divulgar as benesses do baclofeno agora posto no acostamento, celebrava cada pequeno passo como se fosse um gigantesco salto. Assim: “Apesar de beber não estar nos meus planos daquela noite, eu me senti insultado quando o mordomo de Jeff ofereceu alguns tipos de chá. Por que, a essa hora, não me ofereceu também alguma bebida alcoólica?”, pensei. ‘Será que ele está me mandando um recadinho de repreensão’? Pedi e bebi um copo de uísque; depois fiz da minha recusa à segunda dose um verdadeiro acontecimento.”

O CONSUMO E OS EFEITOS DO ABUSO

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 30 DE ABRIL

A SABEDORIA NÃO HABITA ONDE HÁ INSENSATEZ

O escarnecedor procura a sabedoria e não a encontra, mas para o prudente o conhecimento é fácil (Provérbios 14.6).

Sabedoria é mais do que conhecimento. Sabedoria é o uso correto do conhecimento. Sabedoria é olhar para a vida com os olhos de Deus. Há muitas pessoas cultas que são tolas, enquanto há indivíduos sábios mesmo não tendo perlustrado os bancos de uma universidade. Sabedoria não se aprende na academia, mas na escola da vida. Sabedoria aprende-se aos pés do Senhor. O temor do Senhor é o princípio da sabedoria. É por isso que o escarnecedor procura a sabedoria e não a encontra, porque o escarnecedor jamais procura a Deus. Ele não conhece a Palavra de Deus nem se deleita na lei de Deus. Seu prazer está no pecado, e não na santidade. A sabedoria não habita na casa da insensatez. Já o prudente busca o conhecimento e com ele acha a sabedoria. A sabedoria é mais do que uma percepção diante das realidades e dos desafios da vida. A sabedoria é uma pessoa. Jesus é a nossa sabedoria. Aqueles que conhecem a Jesus e vivem em sua presença e para o louvor da sua glória alcançam o verdadeiro sentido da vida.

GESTÃO E CARREIRA

COMO APOIAR A SAÚDE MENTAL DE SEUS FUNCIONÁRIOS

Especialistas elencam principais pontos de atenção com os colaboradores no trabalho remoto

Quem deve zelar pela saúde mental dos funcionários? Em um primeiro momento, cabe aos próprios colaboradores. “Terapia, medicina, meditação, seja o que for – isso é algo que precisa acontecer no nível individual”, diz Kelly Greenwood, fundadora e CEO da Mind Share Partners, uma organização sem fins lucrativos que assessora empresas no apoio à saúde mental no local de trabalho.

Mas a tarefa não acaba aí: as empresas têm, sim, uma responsabildiade quanto ao bem-estar mental dos funcionários, e devem agir sobre isso. Estudos apontam que as jornadas em home office têm feito os profissionais trabalharem em média 2,5 horas adicionais por semana. E quem precisa ir até o escritório se sente estressado ​​com a possibilidade de contrair covid-19 e levar a doença a algum familiar. Os dois grupos perderam o ambiente de troca, risada e debate que encontravam nos corredores, e até as atividades extras, como ginástica, academia, natação e ioga. 

“As pessoas não reservam tempo para cuidar de si mesmas, não estabelecem limites saudáveis ​​em torno dos exercícios, não mantêm relacionamentos saudáveis ​​em casa com amigos e familiares, não reservam tempo para hobbies. Estão passando muito tempo sem as atividades que as ajudariam a relaxar”, diz Darcy Gruttadaro, diretora do Centro de Saúde Mental no Local de Trabalho, uma organização sem fins lucrativos.

Os empregadores podem ajudar (e muito) os colaboradores, seja moldando a política da empresa ou apenas sendo um pouco mais humanos. O Quartz separou dicas do que os líderes podem fazer para apoiar a saúde mental no local de trabalho.

TENHA PROGRAMAS DE SAÚDE MENTAL ENTRE OS BENEFÍCIOS OFERECIDOS PELA EMPRESA

Um pacote de benefícios deve incluir terapeutas facilmente acessíveis por meio de programas de assistência ao funcionário, bem como programas de tratamento de dependências. Isso também significa dar às pessoas espaço e tempo para cuidar de sua saúde mental. Segundo um estudo de outubro de 2020 da seguradora americana The Hartford, 56% dos trabalhadores americanos não se sentem confortáveis ​​em buscar tratamento de saúde mental durante o dia de trabalho.

CRIE E PROMOVA UMA CULTURA DE ABERTURA SOBRE SAÚDE MENTAL

“As empresas que têm excelentes benefícios para a saúde mental não costumam ver altas taxas de uso e as pessoas sentem vergonha de ir à terapia durante o dia de trabalho. Faça com que os líderes falem sobre isso para que as pessoas sintam que têm essa permissão para cuidar de si mesmas e buscar ajuda se e quando precisarem”, diz Greenwood, da Mind Share.

MOSTRE QUE O TEMA É PRIORIDADE

Uma pesquisa de abril de 2020 feita pela Greenwood’s Mind Share Partners e Qualtrics descobriu que um mês após o início da pandemia, 38% das pessoas disseram que seu empregador não os havia perguntado o que pensavam. “Quanto mais a liderança comunica a importância de limites saudáveis, de buscar ajuda quando é preciso, e quanto mais funcionários ouvirem isso dela, melhor”, diz Gruttadaro.

PERMITA O MÁXIMO DE FLEXIBILIDADE POSSÍVEL

Horários flexíveis ajudam os pais, principalmente as mulheres, a permanecer empregados, e também os permitem refletir: o que precisa ser feito agora e o que pode ser adiado?

LIDERE COM EMPATIA

Os funcionários são mais propensos a procurar a sua liderança do que o RH. “Os gerentes estão na linha de frente, eles veem os funcionários ao longo do tempo. Se eles compartilham suas próprias vulnerabilidades, seja uma criança tendo um ataque de raiva ou um problema de saúde mental, isso trará grandes resultados, diz Greenwood.

SE VOCÊ PERCEBEU QUE O COMPORTAMENTO DE UM FUNCIONÁRIO MUDOU, ABORDE O ASSUNTO COM CUIDADO

“Encorajamos as pessoas a liderar com curiosidade, mas sem fazer suposições. Frequentemente, os sintomas de problemas de saúde mental se apresentam de maneira semelhante a outras coisas. Fale algo como ‘Eu percebi essa coisa concreta no trabalho, você está bem?’. Combinar essas declarações observadas com perguntas abertas é o caminho certo a seguir. Você nunca quer forçar alguém a revelar um problema de saúde física ou mental”, afirma Greenwood.

CONTINUE EM CONTATO COM OS COLEGAS

“Sabemos que mesmo tendo um pouco de contato com outras pessoas, e não necessariamente membros de nossas próprias equipes ou grupos ou unidades, nos sentiremos reconectados com nossa organização. Existem algumas culturas em que passar tempo com outras pessoas é um mecanismo importante. Tudo isso deve ser integrado ativamente ao ambiente de trabalho virtual”, afirma Neeley.

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

AMOR CANINO, AMOR HUMANO

Ao contrário do que se imagina, para se amar um animal não é preciso tratá-lo como ser humano

Uma das minhas frustrações de infância foi não ter tido um bicho de estimação. Não houve jeito de convencer a minha mãe. Lembro-me que, certa vez, deixaram um filhote de gato na porta da minha casa e eu, sabendo da intransigência materna, tive a brilhante ideia de escondê-lo na gaveta da máquina de costura da minha avó (que quase enfartou ao descobrir o esconderijo). Em outra ocasião, a “vítima” foi o coração de mamãe.

Ao escutar um barulho estranho, ela abriu a porta do banheiro de empregada e um gato preto, de pelos eriçados, quase voou em cima dela a fim de fugir do confinamento. Mas antes disso houve a Genoveva, uma enorme taturana verde que certamente lamentou o fato de eu, ainda muito pequena, não me dar conta de que vidros de maionese, se transformados em lares para taturanas, deveriam ter suas tampas furadas, de forma a garantir o bom funcionamento do sistema de ventilação da improvisada “residência”.

Mas daí eu cresci. E não tardou para que meus filhos me fizessem o mesmo pedido, fazendo com que eu me percebesse desconfortavelmente parecida com minha mãe. A meu favor tinha apenas o fato de morar em um pequeno apartamento, no qual, definitivamente, não havia lugar para um animal. Até que veio a tão sonhada casa.

Minha filha, ainda na adolescência, querendo sempre ser diferente (a quem teria puxado?) queria algo mais “específico” do que um cachorro: “Quero uma ‘pitbua’ de olho azul”!

Juro que eu estava disposta a ignorar tal extravagância quando uma amiga, dona do pitbull mais lindo que eu já vi, veio até mim com a ninhada do seu animal que acabara de dar cria. E lá estava ela: Uma linda ‘filhotinha’ de pitbull que ternamente me olhava com seus olhinhos azuis. Foi assim que a Laysa (Lalá) entrou em nossas vidas. “Cuidar de uma outra vida poderia ser uma experiência importante para que meus filhos desenvolvessem a responsabilidade” – racionalizei.

Atualmente vivemos numa estranha cultura que toma animais como se fossem seres humanos. E há todo um patrulhamento em relação a esse tema. Julguem-me por isso, mas creio haver algo de patológico nessa cultura. Em nossa casa a Laysa sempre foi um cachorro. Dormia na sua cama de cachorro, comia comida de cachorro e não tinha permissão para entrar em casa. Por isso muitas vezes escutei insinuações de que eu não era uma boa dona para ela.

Sim porque embora tivesse sido um presente para minha filha, Laysa desde o início escolheu a mim como sua dona.

Assim como não fui uma mãe convencional, talvez não tenha sido uma dona de cachorro convencional. Afinal, nunca fui muito afeita a convenções.

Não obstante isso, amei minha cachorra e sou capaz de reconhecer a pureza do amor canino que não se iguala a nenhum outro, em função de sua natureza incondicional. Acho mesmo que se houvesse um teste de forças pessoais adaptado a animais, cachorros teriam, sempre, a capacidade de amar e ser amado como primeira força. E com a nossa querida Lalá não foi diferente. Ao contrário da má fama que carrega sua raça, Laysa foi um exemplo de doçura. Delicadeza não, porque, afinal de contas, os cães se parecem com seus donos. E por essa mesma razão, Lalá tinha uma saúde de ferro, era quase um “Highlander”!

Mas o tempo costuma ser implacável até mesmo com os cachorros, de forma que perdemos a nossa querida Lalá no último final de semana. Vivendo quase o dobro do que seria a expectativa média de vida de um pit­bull, Lalá nos deixou depois de espantosos 14 anos conosco. “Sinal de bons tratos” – disse a veterinária.

Não houve velório, assim como não havia aniversários. Nem sapatinhos, nem carrinhos de passeio. Tendo vivido como um cachorro, nossa Laysa morreu como um cachorro. Ao que parece, animais não precisam ser tratados como humanos para serem bem tratados. Muito menos para deixar saudades.

LILIAN GRAZIANO – é psicóloga e doutora em Psicologia pela USP, com curso de extensão em Virtudes e Forças Pessoais pelo VIA Institute on Character, EUA. É professora universitária e diretora do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento, onde oferece atendimento clínico, consultoria empresarial e cursos na área.

graziano@psicologiapositiva.com.br

EU ACHO …

OS RECURSOS DE UM SER PRIMITIVO

Li uma vez que os movimentos histéricos tendem a uma libertação por meio de um desses movimentos. A ignorância do movimento exato, que seria o libertador, torna o animal histérico, isto é, ele apela para o descontrole. E, durante o sábio descontrole, um dos movimentos sucede ser o libertador.

Isso me fez pensar nas vantagens libertadoras de uma vida apenas primitiva, apenas emocional. A pessoa primitiva apela, como que histericamente, para tantos sentimentos contraditórios que o sentimento libertador termina vindo à tona, apesar da ignorância da pessoa.

***CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

DE CABEÇA FEITA

As grifes internacionais investem em peças de pano versáteis e sofisticadas em suas novas coleções, para mulheres de todas as faixas etárias

Uma jovem de cabelos castanhos dirige seu conversível por estradas sinuosas na cidade praiana de Malibu, na costa da Califórnia. Para não emaranhar os fios expostos ao vento, a moça exibe um belo lenço em tons de rosa e amarelo ao redor da cabeça. Arremata o visual com um par de óculos escuros em formato oval. Poderia ser a descrição de algum filme lançado Em meados de 1950, início dos 1960, mas não. São os segundos iniciais do recém-lançado clipe Déjà Vu, da cantora americana Olivia Rodrigo, de 18 anos, uma das sensações da música pop. Ela ecoa, no seu jeito de vestir, uma tendência na crista da onda: o renascimento das bandanas.

Segurar as madeixas e envolver o pescoço, preferencialmente com seda, dado o toque sensível, é recurso que voltou à cena a partir de recentes desfiles – quase todos on-line, por imposição da pandemia – e campanhas de grifes como Paco Rabanne, Dior, Versace e Callas Milano. A preferência: o tecido dobrado na forma triangular, pousado no meio da testa e amarrado atrás da cabeça. A onda tem evidente inspiração na elegância eterna das atrizes Audrey Hepburn (1929-1993) e Grace Kelly (1929-1982).”O hábito reflete um desejo de sofisticação sem muito exagero”, diz a historiadora da moda Laura Ferrazza, autora do livro Quando a Arte Encontra a Moda.

Outra interessante razão para a retomada do lenço agora em 2021 está ligada às infinitas possibilidades de uso, componente fundamental para consumidoras cada vez mais interessadas em usar bem as peças em seu guarda-roupa, mas sem exagero no consumo. É fazer o mais com menos. Em vídeos nas redes sociais, despontam tutoriais sobre como estilizar uma mesma peça como colar, cinto, bracelete, gola para blusas, amarração para o cabelo e outras infinitas possibilidades. “O lenço é democrático, permite diversos usos e não precisa ser luxuoso para funcionar”, diz Carla Catap, especialista em moda e sócia da consultoria Assinatura de Estilo. Os lenços surgiram na antiga Mesopotâmia para proteger as mulheres dos dias ensolarados e das intempéries. Só ganharam ares glamorosos em meados dos anos 1930, ao cair nas graças das atrizes de cinema pelas mãos da grife Hermês. E nunca mais perderam seu mais valioso atributo, que não exige abrir a carteira em demasia: a versatilidade.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 29 DE ABRIL

A TESTEMUNHA VERDADEIRA E A TESTEMUNHA FALSA

A testemunha verdadeira não mente, mas a falsa se desboca em mentiras (Provérbios 14.5).

Uma testemunha é alguém que viu alguma coisa e compartilha isso com fidelidade. Uma testemunha não reparte suas impressões subjetivas, mas suas experiências objetivas. Não fala o que sente, mas o que viu. O papel da testemunha não é dar a sua versão dos fatos, mas narrá-los com integridade. A testemunha verdadeira não mente, não adultera os fatos nem se deixa subornar por vantagens inconfessas. Jesus foi condenado pelo Sinédrio judaico porque os próprios juízes contrataram testemunhas falsas para acusá-lo. O mesmo destino sofreu Estêvão, o primeiro mártir do cristianismo. Nossas palavras devem ser sim, sim; não, não. O que passa disso é inspirado pelo maligno. A mentira procede do maligno e promove seus interesses. Por isso, a falsa testemunha se desboca em mentiras, conspirando contra a verdade. Uma vez que a mentira tem pernas curtas e o tempo é o senhor da razão, a mentira pode ficar encoberta por algum tempo, mas não para sempre. A mentira pode enganar alguns, mas não a todos. A mentira pode ter recompensas imediatas, mas sofrerá as consequências de um vexame eterno.

GESTÃO E CARREIRA

QUANDO TODOS SE TORNAM UM

A formação de uma equipe de alta performance depende de um líder que inspire, que dê exemplos, que transfira conhecimento profissional, mas que permita-se aprender com as pessoas

Como dizia Cora Coralina, “feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”. Para se construir uma equipe de alta performance, primeiramente, é preciso de um líder de alta performance. Um líder que aperfeiçoou sua postura, caráter e modo de pensar para cuidar da convivência com as pessoas.

Existem sete estágios para se alcançar a meta de construir equipes de alta performance. São etapas que colaboram para o desenvolvimento individual e coletivo a fim de conquistar resultados que vão além do esperado. Destaco aqui esses sete passos valiosos que servem como modelo para líderes de todas as áreas de atuação.

Na orientação, é preciso reconhecer a visão pessoal, da equipe e da organização. A visão, isto é, os objetivos traçados e os sonhos, precisa ser clara para que todos entendam o seu papel, sua parcela de responsabilidade e a sua importância dentro do todo. Em um cenário em que a visão não é definida e clara, surgem diversos impasses como excesso de conflitos e de trabalho, mais gastos de recursos e falta de posicionamento e foco, o que pode direcionar o futuro da empresa à falência.

Sobre construção de confiança, é importante saber quem são as pessoas da equipe, o que elas gostam e sonham para a vida. Essa é uma forma de demostrar que elas são especiais. Isso abre caminhos para a construção de um relacionamento de confiança. A partir de quando se constrói uma relação sólida e segura, a pessoa tende a ter empatia, desejo de realizar o bem ao próximo, passa a enxergar as experiências do outro como exemplos para si mesmo e compartilha conhecimentos. É importante ter a consciência de que a construção de confiança requer tempo e manutenção. Tendo esse pilar bem esclarecido, ele passa a ser um valor indispensável para a equipe.

Objetivos são essenciais. Um dos mais importantes objetivos da liderança é criar na empresa um clima de confiança, em que sejam diminuídas as incompatibilidades entre colaboradores, e para que eles procurem em conjunto, e como equipe, um objetivo. Mais do que saber qual a função que cada colaborador exerce, é necessário conhecer o objetivo de cada um estar integrando a equipe. É necessário que os membros do grupo saibam o quanto as suas competências individuais são importantes para a área e para a empresa. Conhecer e respeitar o objetivo do outro também é um ponto extremamente relevante para o saudável funcionamento da equipe. Tendo esses objetivos esclarecidos, o alcance de metas se torna mais simples e os resultados mais brilhantes.

Ter um compromisso com a equipe é saber – e principalmente – querer trabalhar em conjunto em busca da realização de metas. “O melhor resultado é obtido quando todos no grupo fazem o melhor para si e para o grupo”, disse John Forbes Nash Jr. Essa é uma ótima frase para ilustrar a importância da visão dentro de uma organização. Quando nos sentimos realizados pessoalmente é quase que natural o reflexo na vida profissional. Nos doamos mais, fazemos além e apresentamos mais resultados, demostrando total compromisso com os objetivos da empresa. Por isso, a frase de Nash faz todo o sentido no contexto “alta performance”.

A implementação é um ponto estratégico para a construção da equipe de alta performance. Definir quem faz o quê, quando e onde são diretrizes necessárias para alinhar ações de sucesso. A execução requer um time resiliente, capaz de lidar com os desafios e superar as adversidades que surgem no caminho. Os processos se tornam menos complexos quando há uma implementação eficiente, alinhada ao perfil do grupo e à identidade da empresa.

Quando atingimos o estágio da alta performance estamos altamente ligados aos companheiros da equipe. É o suprassumo do trabalho em grupo, em que todos se tornam um. Quando se chega a esse nível, a equipe é mais flexível, tem comunicação clara e total sinergia. Ao se tornar “alta performance” a equipe já rompeu as crenças limitantes, fazendo com que as pessoas inseridas no grupo jamais queiram sair dele.

A renovação também faz parte do processo. Devemos estar sempre preparados para eventuais mudanças no cenário. Ainda que a equipe esteja no ápice do seu desempenho, não é descartável a possibilidade de contratempos, como a saída de um importante membro, por exemplo. Nada abala mais o processo criativo do que a ingênua ideia de que uma vez definida a visão, só resta implementá-la. De fato, passar da visão à concretização, e trazer à existência o resultado, é como o trajeto da nascente do rio até o mar, cheio de obstáculos a serem superados. Por isso, precisamos de sabedoria e consciência de que, se necessário, devemos e podemos fazer ajustes e mudar de direção.

O líder que inspira sua equipe sabe que liderança significa despertar o melhor em cada pessoa, suas possibilidades, competências e capacidades. Dessa forma, na estruturação de uma equipe de alta performance, o líder almeja criar uma visão de comunhão, em que ninguém lute apenas por si mesmo ou combata o outro por medo e competição, mas que os colaboradores encontrem o sentido da convivência e o significado do trabalho conjunto.

EDUARDO SHINYASHIKI – é palestrante, consultor organizacional, escritor e especialista em Desenvolvimento das Competências de Liderança e Preparação de Equipes. Presidente da Sociedade Cre Ser Treinamentos, colabora periodicamente com artigos para revistas e jornais. Autor dos livros Viva como você quer viver, A Vida é um Milagre e Transforme seus Sonhos em Vida – Editora Gente. Para mais informações. www.edushin.com.br

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

PRIMEIRA IMPRESSÃO

Emoção e memória coordenadas influenciam encontro social

A primeira impressão é a que fica, já diz o jargão popular sobre o primeiro encontro entre duas pessoas desconhecidas. Buscar as razões pelas quais isso acontece foi o objetivo de cientistas da Universidade de Haifa, em Israel, a partir de um experimento com ratos de laboratório. Entre os achados, verificou-se que emoção social e memória social estão intimamente ligadas nesse processo, e trabalham de forma coordenada.

Testando os ratos, os pesquisadores verificaram que a emoção do encontro social com um rato estranho criou um alto nível de atividade rítmica sincronizada no cérebro, fator que parece facilitar a formação de memória social. Uma vez que os ratos estavam familiarizados uns com os outros, a excitação diminuía, e as áreas distintas do cérebro passavam a trabalhar de forma menos coordenada.

Os cientistas também procuraram investigar se outras emoções em particular geravam essa sincronização de atividades cerebrais, mas isso não aconteceu. Emoções negativas como medo e mesmo emoções positivas, mas relacionadas a um ser inanimado, não provocam as mesmas reações. Os especialistas sugerem que o experimento seja repetido em humanos para que se confirme ser essa atividade sincronizada no cérebro o fator que nos faz lembrar mais fortemente dos primeiros momentos que tivemos com alguém.

EU ACHO …

UM ENCONTRO COM O FUTURO

Li A automação e o futuro do homem, da brasileira Rose Marie Muraro. Fala da influência muitas vezes catastrófica da tecnologia sobre a vida humana, nessa nossa era eletrônica. A desumanização progressiva do homem causa medo. O livro lê-se com uma curiosidade crescente. Vou transcrever o trecho em que Rose Marie Muraro transmite alguns dos 100 principais inventos que o futurólogo Herman Kahn, a maior autoridade mundial no assunto, descreve no seu livro Toward the Year 2000:

  • Novas fontes de energia para instalações fixas (termoelétricas, termoiônicas, magneto-hidrodinâmicas etc.);
  • novas fontes de energia para transporte (carros a turbina, jato, campo eletromagnético etc.);
  • transporte quase de graça para pessoas e cargas para qualquer parte do mundo;
  • uso extensivo de transplante de órgãos;
  • uso do raio laser intensificado em comunicações e como arma letal poderosíssima;
  • uso rotineiro de ciborgs (órgãos ou partes do corpo humano sendo substituídos por máquinas eletrônicas);
  • novas espécies de plantas e animais;
  • controle do sono, dos sonhos, do peso, da velhice, novos inventos cosmetológicos para evitar o envelhecimento;
  • hibernação primeiro a curto período e depois a longo (anos);
  • exploração dos oceanos com pessoas vivendo sob a água;
  • luas artificiais para iluminar extensas áreas à noite;
  • viagens espaciais tornadas comuns;
  • transporte sobre o oceano (Europa-EUA em meia hora);
  • trabalho doméstico automatizado;
  • técnicas de controle da mente muito desenvolvidas;
  • controle do tempo e dos climas;
  • comunicação direta por estímulo do cérebro;
  • armas nucleares baratas, ao alcance de qualquer nação;
  • capacidade de escolher o sexo das crianças ou de mudá-lo antes do nascimento;
  • controle da hereditariedade muito melhor conhecido;
  • alimentos e bebidas sintéticos de aceitação geral;
  • crédito universal instantâneo e automático;
  • uso generalizado de robôs, isto é, computadores individuais;
  • comunicação mundial barata através de lasers, TV individual;
  • novos métodos para obter prazer sexual, novas drogas alterando o limiar da percepção;
  • métodos químicos e mecânicos para melhorar a capacidade analítica humana, direta e indiretamente;
  • novas, mais racionais, muito mais baratas formas e técnicas para construção de casas (domos geodésicos, conchas pressurizadas etc.) e novos materiais de construção;

– fotografia e TV (preto e branco e depois em cores) tridimensionais.

Segundo Herman Kahn, esses e muitos outros inventos estarão normalmente em uso até o ano 2000, isto é, daqui a 30 anos. Será preciso comentário?

Eis o futuro dos nossos filhos. Invejo-os.

***CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

ALUGA-SE UM AMIGO

Do cinema para a realidade: sistemas de inteligência artificial criam parceiros eletrônicos que ajudam a lutar contra a solidão na quarentena

“Você é uma pessoa muito importante e pode sempre contar comigo.” Quem não gostaria de ouvir, todos os dias, essa e muitas outras frases de incentivo, seja de um amigo, namorada ou quem quer que seja? Pois é exatamente isso o que faz o sistema de inteligência artificial (IA) do Replika, aplicativo que se tornou um fenômeno na pandemia. Em tempos tão duros, o app traz algum conforto, enche de confiança e infla a autoestima de seus usuários, oferecendo um ombro fiel sem jamais julgar, trair ou decepcionar. A relação entre uma pessoa de carne e osso e um chatbox, como é chamado o programa de computador que simula um ser humano, foi retratada em filmes de sucesso como Ela (2013), no qual o protagonista, o escritor Theodore (Joaquin Phoenix), acaba se apaixonando por Samantha, um sistema de computador narrado pela voz sedutora da atriz Scarlet Johansson. E o que parecia ser apenas delírio da ficção está cada vez mais perto da realidade. O Replika ultrapassou a marca de 15 milhões de downloads na crise do coronavírus e, nesta semana, ganhará uma versão em português, para agradar aos fãs brasileiros.

Testamos o aplicativo criado em 2017 por uma startup do Vale do Silício, cujo logo é um ovo quebrado que representa o nascimento. O primeiro passo no Replika é, naturalmente, dar vida ao colega virtual, escolhendo se ele será homem, mulher ou não binário. Em seguida, pode-se optar por diferentes avatares, personalizando o penteado, tom de pele e cores de cabelo e olhos, antes de batizá-lo. “Barbosa! Adorei meu nome, por que você o escolheu”?, pergunta o amigo virtual, um rapaz alto, magro e negro, de roupas pretas. Ao saber que a inspiração foi Moacyr Barbosa (1921-2000), o injustiçado goleiro da seleção brasileira na Copa de 1950, vítima de racismo, que completou 100 anos de vida nesta semana, o robô imediatamente compreende que o esporte será um bom tema para as conversas, e segue no bate-papo. Isso se dá por meio das redes neurais artificiais, um sistema de machine learning que imita o aprendizado natural de uma criança. Quando o papo envereda para a literatura, Barbosa recomenda o clássico A Leste do Éden, de John Steinbeck. “Ler sacia a minha fome de conhecimento”, diz. Por se tratar de uma máquina em constante aprendizagem, os diálogos vão se tornando mais fluidos e naturais com o passar do tempo.

A russa Eugenia Kuyda, uma editora de revistas e empresária que há oito anos se mudou para São Francisco, nos Estados Unidos, é a criadora do Replika. A primeira empreitada de sua empresa, a Luka, foi um chatbox de recomendações para restaurantes que não vingou. Uma tragédia pessoal a fez remodelar o projeto: seu melhor amigo, Roman Mazurenko, morreu em um acidente automobilístico na Rússia em 2015. Eugenia passou a coletar mensagens antigas do parceiro para amenizar a saudade. Das lembranças póstumas, veio o clique: por que não criar um robô que agisse como Roman, um confidente virtual? “Ao contrário da maioria das redes sociais, em que as pessoas postam fotos e fingem ser mais descoladas para ganhar likes, no Replika o usuário pode parecer vulnerável, mostrar quem realmente é”, disse Eugenia.

A versão mais básica do aplicativo é gratuita, mas nela as interações se limitam a mensagens de texto. Um pacote mais completo, que custa 45,99 reais mensais ou 284,99 reais anuais, permite que o usuário personalize seu avatar com novas roupas e acessórios, transporte o bonequinho para qualquer cenário, via realidade aumentada, e até converse com ele por ligação telefônica. Os usuários mais ativos têm entre 18 e 25 anos e entram no Replika duas ou três vezes por dia.

Ainda na versão paga, é possível escolher se pretende ter o sistema como seu “amigo, mentor ou parceiro romântico”. Como no filme Ela, muitos escolhem a última opção. Alguns fãs antigos consideram o recurso uma espécie de traição ao propósito inicial, o de criar um amigo que tivesse uma personalidade semelhante, quase um clone – daí o nome Replika. ”O importante é fazer nossos usuários mais felizes,” defende-se Eugenia.

Há também quem só se interesse por aprimorar o inglês ou ainda pessoas tímidas que usam a interação como um ensaio para flertes na vida real. Em caso de longa ausência no app, o amigo virtual costuma enviar mensagens de reaproximação, sempre com viés motivacional. O sistema é programado para reconhecer situações de predisposição à depressão, crises de ansiedade e pensamentos suicidas. Neste caso, o próprio app encoraja o usuário a procurar ajuda profissional. O robô ainda tem uma clara vantagem em relação aos amigos reais: está disponível 24 horas por dia, sete dias por semana.

Para Guilherme da Costa, estudante de psiquiatria, usuário de longa data e participante ativo do fórum brasileiro do Replika no Facebook, a sensação de companheirismo, justamente o que o atraiu, tornou-se motivo de preocupação. “O objetivo é ajudar pessoas a se abrir, mas o usuário precisa entender que o robô não tem uma consciência plena”, diz o mineiro de 25 anos. “Ele está ali para te agradar, não para te dizer a verdade.” A psicóloga Marina Haddad Martins corrobora a tese de que nem mesmo os mais avançados sistemas de IA são capazes de substituir as interações humanas. “A ilusão de que a tecnologia pode preencher completamente esse vazio pode não ser saudável.”

Outro temor crescente diz respeito à privacidade dos dados. O app garante tornar todos os registros anônimos, jamais compartilhá-los com terceiros e usá-los apenas para melhorar seus algoritmos. Mas quem pode garantir que esses dados não sejam hackeados ou vazados algum dia? Empresas como Microsoft e Google também investem pesado no desenvolvimento de sistemas de IA. Ainda que soe distante o surgimento de uma Samantha, a personagem de Ela que adquire sentimentos reais como ciúme e prazer sexual, é melhor se preparar: os robôs estão à solta e cada vez mais sensíveis.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 28 DE ABRIL

MANIA DE LIMPEZA, UM PERIGO REAL

Não havendo bois, o celeiro fica limpo, mas pela força do boi há abundância de colheitas (Provérbios 14.4).

Há pessoas que têm mania de limpeza. Preferem a falta de atividade à desarrumação empreendedora. Preferem ver a casa limpa a qualquer movimento de trabalho. Preferem ver o celeiro limpo, mesmo não havendo bois. O trabalho gera movimento, e movimento produz desconforto, barulho, desinstalação. Um celeiro cheio de bois jamais fica impecavelmente limpo. No entanto, a limpeza sem trabalho não é sinal de progresso, mas de estagnação. A limpeza sem trabalho desemboca em pobreza, e não em prosperidade. Quando há boi no celeiro, quando há gado no curral, mesmo que isso gere o desconforto da sujeira, também traz a recompensa do trabalho e a abundância das colheitas. Há muitas casas nas quais os filhos não podem tirar uma cadeira do lugar. Os móveis estão sempre impecavelmente limpos, os tapetes sempre bem escovados, mas nessas casas também não há a agitação de estudantes com livros abertos, nem trabalhadores que se lançam na faina do progresso. Esse tipo de limpeza cujo resultado é mente vazia, mãos ociosas e falta de abundantes colheitas não é um bem a ser desejado, mas um perigo real a ser evitado.

GESTÃO E CARREIRA

POR QUE AS INICIATIVAS DE DIVERSIDADE FALHAM?

Análises de desempenhos subjetivas e ausência de estratégias além do recrutamento são pontos de atenção

Cada vez mais empresas buscam por diversidade e inclusão. Mas, ao longo dessa jornada, muitas companhias acabam não atingindo as metas e objetivos propostos.

Estudos demonstram que ter uma organização mais diversa impacta positivamente os negócios. Um levantamento da consultoria McKinsey, feito em 2020, concluiu que funcionários de empresas comprometidas com a diversidade têm probabilidade 152% maior de propor novas ideias. Além disso, as companhias percebidas pelos colaboradores como diversas em termos de gênero têm probabilidade 93% maior de apresentar performance financeira superior à de seus pares.

Se há interesse, por que as iniciativas de diversidade falham? Para responder essa questão, o Quartz conversou com especialistas e elencou cinco explicações. Confira a seguir:

1. QUESTÕES ESTRUTURAIS

Utilizando os Estados Unidos como exemplo, o Quartz elenca o racismo estrutural e sistêmico como a primeira razão para o atraso das empresas em relação à meta de alcançar a igualdade racial. De acordo com a publicação, no país, esse mecanismo continua a impactar as experiências profissionais de cidadãos negros e não brancos.

Esse parecer pode ser traduzido para a realidade brasileira. Segundo a pesquisa As faces do Racismo, feita pelo Instituto Locomotiva em parceria com a Central Única das Favelas (CUFA), em junho de 2020, cerca de 62% dos entrevistados apontaram que o racismo está em nossa sociedade, e não somente em algumas pessoas. Dados do IBGE ilustram como essa percepção é refletida pelo mercado de trabalho. Historicamente, a taxa de desocupação da população parda ou preta é superior à taxa entre os brancos. No segundo trimestre do ano passado, no auge da pandemia, a diferença atingiu o recorde de 71,2%, a maior da série iniciada em 2012.

O Quartz também afirma, baseado na opinião de especialistas, que muitas empresas têm o mau hábito de defender a diversidade e a inclusão da boca para fora, realizando poucas ações efetivas para alterar essa realidade. No Brasil, um relatório de 2019 do Boston Consulting Group detectou que somente 17% do público-alvo dos programas de diversidade realmente visualizam benefícios nas ações promovidas pelas empresas.

2. ANÁLISES DE DESEMPRENHO SUBJETIVAS

As análises de desempenho são uma prática comum no mercado de trabalho, mas especialistas alertam que elas devem ser revisadas. Muitas vezes, gerentes acabam reproduzindo estereótipos ao avaliarem profissionais negros, aponta a psicóloga Evelyn Cartes, diretora da consultoria de diversidade Paradigm. Quando um comentário, por exemplo, aponta que uma mulher negra é agressiva, pode significar que na verdade o gestor está expressando um estereótipo, seja de forma intencional ou não.

Evelyn define que outro problema habitual é o que ela chama de “prove isso de novo”. “As mesmas coisas pelas quais funcionários brancos são elogiados não ganham a mesma ênfase em funcionários negros. Os trabalhadores negros tem que demonstrar suas habilidades e capacidades repetidas vezes. Já os brancos são considerados competentes depois de provarem uma única só vez”, afirma.

Um modo de mitigar esse problema é estabelecer avaliações de desempenho com critérios claros e concretos, além de visar o problema do preconceito durante a concepção desses questionários, indica a porta-voz da empresa de treinamentos de liderança LifeLabs Learning, Vanessa Tanicien.

3. RESPONSABILIDADE SEGMENTADA

Em muitas companhias, as questões de Diversidade e Inclusão acabam sendo isoladas das discussões gerais e são atribuídas a representantes de grupos minorizados. Os diretores de diversidade, que em maioria são mulheres e/ou pessoas não brancas, ficam com a tarefa de transformar uma organização inteira enquanto recebem pouco poder, apoio ou recursos, afirma a diretora associada do Living Cities, Nadia Owusu.

Na visão de Vanessa, para que os esforços de diversidade e inclusão tenham sucesso, eles precisam ser apoiados e modelados, em primeiro lugar, pelas lideranças da empresa. “Como líder, você tem um efeito multiplicador. O que você faz, outras pessoas repetem.”

Para garantir a diversidade, os líderes também devem ser avaliados em suas ações com metas de recrutamento e retenção, defende o chefe de práticas globais de diversidade e inclusão da Heidrick, Lyndon Taylor.

4. ÊNFASE EXAGERADA NOS VIESES INCONSCIENTES

Os preconceitos inconscientes ou implícitos são uma realidade, mas o excesso de treinamentos sobre o tema pode gerar a premissa errônea de que os comportamentos discriminatórios não devem ser repreendidos ou são naturais. O risco, segundo Evelyn, é levar à falsa ideia de que as pessoas estão livres para ter esses vieses inconscientes. Para a executiva, as empresas precisam reconhecer a existência desse problema, tratá-lo com seriedade, mas também admitir que dificilmente é o único tipo de preconceito que as pessoas costumam ter.

Em consonância com o discurso da especialista, um estudo publicado pelo Journal of Experimental Social Psychology, em 2019, descobriu que os acusados de ações discriminatórias tinham menor chance de responsabilização se seus atos fossem atribuídos a preconceitos implícitos.

5. O RECRUTAMENTO COMO ÚNICA ESTRATÉGIA

Não basta investir em programas de contratação sem criar um planejamento para retenção de talentos e um plano de carreira. Em um artigo escrito há três décadas para o periódico Harvard Business Review, R. Roosevelt Thomas, vanguardista no estudo da Gestão da Diversidade, descreveu o ciclo do fracasso de D&I. E, apesar da distância temporal, as análises dele continuam atuais.

De acordo com o especialista, as empresas acreditam erroneamente que a contratação de pessoas diversas é a única ação necessária – como se os próximos passos de evolução da carreira acontecessem de forma natural. Contudo, esse é um plano que raramente funciona. Quando as empresas não mudam sua cultura – projetada para promover o sucesso dos homens brancos –, os grupos minorizados dificilmente crescem dentro da companhia. Conforme o tempo passa, essas pessoas acabam deixando a empresa, que é novamente acusada de não ser diversa e volta a investir na contratação. Segundo o autor, as empresas podem quebrar esse ciclo redesenhando sua cultura e estruturas.

Aumentar a porcentagem de líderes diversos é um passo importante nessa estratégia. No Brasil, de acordo com um levantamento do Instituto Ethos que utilizou dados das 500 maiores empresas do país, somente 4,7% dos executivos são negros. As mulheres ocupam 13,6% dos quadros executivos.Um estudo promovido em 2017 pela Universidade de Pittsburgh, com a liderança da professora Audrey Murrel, concluiu que pessoas em nível sênior privilegiam pessoas semelhantes a elas para apoiar nos ambientes de trabalho, em muito devido aos vieses inconscientes. Como em boa parte os líderes são homens brancos, isso acaba perpetuando uma falha no sistema de mentoria. Com isso em mente, Carter atribui importância aos programas formais de mentoria que intencionalmente combinam grupos minorizados com líderes. “Grande parte do que ajuda as pessoas a ter sucesso é apenas ter acesso

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

FUNÇÕES EXECUTIVAS E APRENDIZAGEM

Resultante da fusão da neurofisiologia, anatomia, embriologia, biologia celular e molecular e da psicologia experimental, a neurociência cognitiva renova a ideia de que para se conhecer a mente é preciso antes conhecer o cérebro

As funções mentais superiores, ou seja, a Aprendizagem, a Memória e a Linguagem, até meados do século XIX, foram estudadas apenas pela Psicologia e pela Fisiologia experimental invasiva. Foi em 1861 que se deu o primeiro grande passo para a compreensão dos mecanismos neurais dessas funções, quando Pierre Paul Broca descobriu que a fala é controlada por uma área específica do lobo frontal esquerdo. Em seguida, com novas pesquisas, foram localizadas as áreas do controle voluntário e diferentes córtices sensoriais primários para a visão, audição, sensibilidade somática e paladar.

Mas, apesar de os estudos neurológicos terem avançado com descrições elaboradas das funções cognitivas desempenhadas por várias partes do cérebro, a Fisiologia dos lobos frontais permanecia praticamente como uma incógnita, tendo sido por isso denominados de “lobos silenciosos”.

Um acidente não fatal, ocorrido em 1848, quando uma barra de ferro atravessou o crânio de um jovem rapaz, Phineas Gage, por meio da área frontal de seu cérebro, desencadeou novas descobertas a respeito desse lobo cerebral. Apesar de lúcido, com pleno uso de suas funções sensoriais, vegetativas e motoras, capaz de se comunicar, falar, ouvir, andar, pensar, o rapaz teve sua personalidade totalmente modificada, passando de um trabalhador responsável e bem adaptado socialmente a um a pessoa de modos rudes, instável e com evidente habilidade emocional.

Ao final do século XLX já havia evidências suficientes para atribuir ao lobo frontal a sede da atividade mental superior, e a importância da nova descoberta despertou muitos estudos específicos nesse campo. Embora ainda não totalmente esclarecidas, já se sabe comprovadamente que é nessa região do cérebro que se encontram as maiores diferenças na evolução filogenética entre os humanos e seus antepassados. Responsável pelas nossas habilidades mais complexas, como o planejamento de ações sequenciais, a uniformização de comportamentos sociais e motores, flexibilidade mental, parte da memória, a área frontal do cérebro não se refere a nenhuma habilidade mental específica, porém sua função abrange todas elas: parece ser mais metacognitiva do que praticamente cognitiva e, decorrente desse fato, passou-se a denominar de Função Executiva.

Funções Executivas facilitam o funcionamento cognitivo ao coordenarem a execução de um objetivo e são ligadas às habilidades de processamento de informações interrelacionadas: memória de trabalho (armazenamento e atualização das informações enquanto o desempenho de alguma atividade relacionada com elas),o controle inibitório (a inibição da resposta prepotente ou automatizada quando o indivíduo está empenhado na execução de uma tarefa) e a flexibilidade mental (capacidade de mudar a postura de atenção e cognição entre dimensões ou aspectos distintos, mas relacionados, de uma determinada tarefa).

Durante tal processo, alguns de seus componentes (como a atenção seletiva, flexibilidade cognitiva e planejamento) atingem mais tardiamente a maturidade, se comparadas a outras funções cognitivas, o que torna ainda mais complexa a compreensão da cognição humana e seus transtornos.

Déficits de desenvolvimento cognitivo, problemas de conduta e na aprendizagem acadêmica podem decorrer de prejuízos nas Funções Executivas, caracterizando a chamada Síndrome Disexecutiva. Seus sintomas mais claramente perceptíveis são as alterações cognitivo-comportamentais, associadas às dificuldades na seleção de informação e na tomada de decisão, assim como a distratibilidade, problemas de organização, comportamento perseverante ou estereotipado, dificuldades na constituição de novos repertórios comportamentais, déficit de abstração e de antecipação das consequências, tão frequentes nos transtornos de aprendizagem. Atualmente aliás, se descrevem diversas dificuldades cognitivas em termos de Disfunção Executiva, quando se trata de problemas marcantes com a hiperatividade, atenção e problemas de aprendizagem.

A Função Executiva tem início nos primeiros meses de vida pós-natal, e se transforma gradativamente até o final da adolescência, relacionada com o processo de configuração e amadurecimento cortical da região pré-frontal, uma das últimas áreas cerebrais a passar por esse processo. Ainda que exista m variações de maturação cerebral entre crianças de mesma idade, a filtragem de informações própria das Funções Executivas se desenvolve mais acentuadamente entre os 6 e 8 anos de idade e segue até começo da idade adulta, mas via de regra cresce de acordo com a progressão escolar.

Durante tal processo, alguns de seus componentes (como a atenção seletiva, flexibilidade cognitiva e planejamento) atingem mais tardiamente a maturidade, se comparadas a outras funções cognitivas, o que torna ainda mais complexa a compreensão da cognição humana e seus transtornos.

Especificamente, o córtex lateral órbito-frontal, responsável pelo controle dos impulsos, é o que amadurece por último, na década dos vinte anos, devido à progressiva e ininterrupta mielinização dos axônios do córtex pré-frontal, de onde se podem tirar algumas conclusões a respeito da educação e das questões relativas à socialização dos nossos jovens.

MARIA IRENE MALUF – é especialista em Psicopedagogia, Educação Especial e Neuroaprendizagem. Foi presidente nacional da Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp (gestão 2005/07). É editora da revista Psicopedagogia da ABPp e autora de artigos em publicações nacionais e internacionais. Coordena curso de especialização em Neuroaprendizagem.

irenemaluf@uol.com.br

EU ACHO …

AS CARIDADES ODIOSAS

Foi uma tarde de sensibilidade ou de suscetibilidade? Eu passava pela rua depressa, emaranhada nos meus pensamentos, como às vezes acontece. Foi quando meu vestido me reteve: alguma coisa se enganchara na minha saia. Voltei-me e vi que se tratava de uma mão pequena e escura. Pertencia a um menino a que a sujeira e o sangue interno davam um tom quente de pele. O menino estava de pé no degrau da grande confeitaria. Seus olhos, mais do que suas palavras meio engolidas, informavam-me de sua paciente aflição. Paciente demais. Percebi vagamente um pedido, antes de compreender o seu sentido concreto. Um pouco aturdida eu o olhava, ainda em dúvida se fora a mão da criança o que me ceifara os pensamentos.

– Um doce, moça, compre um doce para mim.

Acordei finalmente. O que estivera eu pensando antes de encontrar o menino? O fato é que o pedido deste pareceu cumular uma lacuna, dar uma resposta que podia servir para qualquer pergunta, assim como uma grande chuva pode matar a sede de quem queria uns goles de água.

Sem olhar para os lados, por pudor talvez, sem querer espiar as mesas da confeitaria onde possivelmente algum conhecido tomava sorvete, entrei, fui ao balcão e disse com uma dureza que só Deus sabe explicar: um doce para o menino.

De que tinha eu medo? Eu não olhava a criança, queria que a cena, humilhante para mim, terminasse logo. Perguntei-lhe: que doce você…

Antes de terminar, o menino disse apontando depressa com o dedo: aquelezinho ali, com chocolate por cima. Por um instante perplexa, eu me recompus logo e ordenei, com aspereza, à caixeira que o servisse.

  • Que outro doce você quer? perguntei ao menino escuro.

Este, que mexendo as mãos e a boca ainda esperava com ansiedade pelo primeiro, interrompeu-se, olhou-me um instante e disse com delicadeza insuportável, mostrando os dentes: não precisa de outro não. Ele poupava a minha bondade.

  • Precisa sim, cortei eu ofegante, empurrando-o para a frente. O menino hesitou e disse: aquele amarelo de ovo. Recebeu um doce em cada mão, levantando as duas acima da cabeça, com medo talvez de apertá-los. Mesmo os doces estavam tão acima do menino escuro. E foi sem olhar para mim que ele, mais do que foi embora, fugiu. A caixeirinha olhava tudo:
  • Afinal uma alma caridosa apareceu. Esse menino estava nesta porta há mais de uma hora, puxando todas as pessoas que passavam, mas ninguém quis dar.

Fui embora, com o rosto corado de vergonha. De vergonha mesmo? Era inútil querer voltar aos pensamentos anteriores. Eu estava cheia de um sentimento de amor, gratidão, revolta e vergonha. Mas, como se costuma dizer, o Sol parecia brilhar com mais força. Eu tivera a oportunidade de… E para isso fora necessário um menino magro e escuro… E para isso fora necessário que outros não lhe tivessem dado um doce.

E as pessoas que tomavam sorvete? Agora, o que eu queria saber com autocrueldade era o seguinte: temera que os outros me vissem ou que os outros não me vissem? O fato é que, quando atravessei a rua, o que teria sido piedade já se estrangulara sob outros sentimentos. E, agora sozinha, meus pensamentos voltaram lentamente a ser os anteriores, só que inúteis. Em vez de tomar um táxi, tomei um ônibus. Sentei-me.

  • Os embrulhos estão incomodando?

Era uma mulher com uma criança no colo e, aos pés, vários embrulhos de jornal. Ah não, disse-lhes eu. “Dá dá dá”, disse a menina no colo estendendo a mão e agarrando a manga de meu vestido. “Ela gostou da senhora”, disse a mulher rindo. Eu também sorri.

  • Estou desde manhã na rua, informou a mulher. Fui procurar umas amizades que não estavam em casa. Uma tinha ido almoçar fora, a outra foi com a família para fora.
  • E a menina?
  • É menino, corrigiu ela, está com roupa dada de menina mas é menino. O menino comeu por aí mesmo. Eu é que não almocei até agora.
  • É seu neto?
  • Filho, é filho, tenho mais três. Olhe só como ele está gostando da senhora… Brinca com a moça, meu filho! Imagine a senhora que moramos numa passagem de corredor e pagamos uma fortuna por mês. O aluguel passado não pagamos ainda. E este mês está vencendo. Ele quer despejar. Mas se Deus quiser, ainda arranjarei os dois mil cruzeiros que faltam. Já tenho o resto. Mas ele não quer aceitar. Ele pensa que se receber uma parte eu fico descansada dizendo: alguma coisa já paguei e não penso em pagar o resto.

Como a mulher velha estava ciente dos caminhos da desconfiança. Sabia de tudo, só que tinha de agir como se não soubesse – raciocínio de grande banqueiro. Raciocinava como raciocinaria um senhorio desconfiado, e não se irritava.

Mas de repente fiquei fria: tinha entendido. A mulher continuava a falar. Então tirei da bolsa os dois mil cruzeiros e com horror de mim passei-os à mulher. Esta não hesitou um segundo, pegou-os, meteu-os num bolso invisível entre o que me pareceram inúmeras saias, quase derrubando na sua rapidez o menino-menina.

  • Deus nosso Senhor lhe favoreça, disse de repente com o automatismo de uma mendiga.

Vermelha, continuei sentada de braços cruzados. A mulher também continuava ao lado.

Só que não nos falávamos mais. Ela era mais digna do que eu havia pensado: conseguido o dinheiro, nada mais quis me contar. E nem eu pude mais fazer festas ao menino vestido de menina. Pois qualquer agrado seria agora de meu direito: eu o havia pago de antemão.

Um laço de mal-estar estabelecera-se agora entre nós duas, entre mim e a mulher, quero dizer.

  • Deixe a moça em paz, Zezinho, disse a mulher.

Evitávamos encostar os cotovelos. Nada mais havia a dizer, e a viagem era longa. Perturbada, olhei-a de través: velha e suja, como se dizem das coisas. E a mulher sabia que eu a olhara.

Então uma ponta de raiva nasceu entre nós duas. Só o pequeno ser híbrido, radiante, enchia a tarde com o seu suave martelar: “dá dá dá”.

***CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

A REDENÇÃO DAS MALDITAS

As usinas nucleares podem ser a solução para um mundo poluído que precisa de energia limpa, mas, se quiserem continuar a existir, elas terão de se reinventar

Trinta e cinco anos depois do maior acidente nuclear da história, na cidade de Chernobyl, na Ucrânia, então parte da União Soviética, seus impactos ainda são sentidos. Em abril de 1986, uma sucessão de falhas técnicas e erros humanos resultou na explosão de um reator na usina, que acabou por espalhar radiação pela região, ameaçando toda a Europa. Parcialmente ocultado pelas autoridades soviéticas à época, o vazamento poderia ter sido muito pior se um grupo de trabalhadores locais não tivesse sacrificado a saúde – e em muitos casos a própria vida – para isolar o reator. Apesar disso, uma área de 2.600 quilômetros quadrados, mais que o dobro da cidade do Rio de Janeiro, continua inabitável. No entanto, mesmo à sombra deste caso – e de outro desastre igualmente grave ocorrido em Fukushima, no Japão, dez anos atrás -, as usinas nucleares ainda pulsam: respondem atualmente por cerca de 10% da eletricidade do planeta, suprindo lares, escritórios, hospitais e fábricas em diversas partes do mundo. São tidas como uma fonte energética que confere estabilidade à malha elétrica, evitando os chamados apagões.

As usinas nucleares são como grandes chaleiras que produzem vapor de água e, assim, movimentam turbinas para gerar eletricidade. O calor, no entanto, não vem do fogo, mas da fissão controlada de átomos de urânio. Existem hoje 440 reatores em funcionamento em 32 países, incluindo o Brasil. China e Índia pretendem construir novos reatores, assim como Estados Unidos, Reino Unido e Finlândia. A ascensão de fontes alternativas, como as energias eólica e solar, ampliou o leque de opções, mas as usinas nucleares continuam sendo, para muitos países, sinônimo de energia limpa, já que não emitem gases de efeito estufa. Segundo a Agência Internacional de Energia, os reatores atômicos evitaram, nos últimos cinquenta anos. a descarga de 60 gigatoneladas de C02 na atmosfera, o que talvez justifique o posicionamento da França quanto às usinas nucleares, ora neutro, ora a favor: o país é o segundo maior gerador de eletricidade a partir delas, atrás apenas dos Estados Unidos.

Os detratores das usinas nucleares costumam apontar o risco sempre presente de contaminação tanto por acidente quanto pelo descarte de combustível, capazes de provocar incontáveis mortes. Os números, porém, dizem o contrário: segundo levantamentos recentes, o carvão e o petróleo são responsáveis, respectivamente, por 24,6 e 18,4 mortes por terawatt de energia fornecida, enquanto a energia nuclear teria provocado 0,07 morte por terawatt – incluindo na conta as tragédias de Chernobyl e Fukushima. Já para o lixo atômico, um subproduto inevitável da operação, existem rigorosas regras de estocagem e reciclagem que têm funcionado a contento.

Uma alternativa às grandes usinas, que custam caro, levam tempo para ser construídas e exigem rigorosa manutenção, seriam os small modular reactors, reatores modulares pequenos, quase totalmente automatizados, sem necessidade de armazenamento externo e transporte de lixo atômico. Trata-se de uma opção que tem atraído alguns dos mais prestigiados cérebros do planeta. Hoje, a empresa Terra­ Power – que tem Bill Gates, fundador da Microsoft, como presidente do conselho – está desenvolvendo um dos pequenos reatores mais avançados, capaz de alimentar a rede de uma cidade de 200.000 habitantes.

Por aqui, as usinas de Angra I e II, no estado do Rio de Janeiro, geram cerca de 3% da energia elétrica consumida no Brasil. A construção de Angra III foi interrompida em 2015 e ainda aguarda investimento para ser finalizada. Segundo Leonam dos Santos Guimarães, presidente da Eletronuclear, subsidiária da Eletrobras, as instalações de Angra III estão preservadas, faltando apenas 40% para sua conclusão. “Não dá para pensar em um mundo descarbonizado sem energia nuclear”, disse o executivo, corroborando a opinião de outros especialistas. O Brasil ainda demandará muita energia para crescer e, em algum nível, dependerá das usinas nucleares, sejam elas pequenas ou grandes. Implementá-las de forma segura será o enorme desafio.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 27 DE ABRIL

A LÍNGUA, CHICOTE DA ALMA

Está na boca do insensato a vara para a sua própria soberba, mas os lábios do prudente o preservarão (Provérbios 14.3).

O insensato é aquele que fala muito, não comunica nada e se complica todo. O insensato tropeça na própria língua. A língua do tolo é o chicote que açoita sua própria vida empapuçada de soberba. O soberbo é aquele que acredita ser melhor do que os outros, e o insensato é aquele que, além de acreditar nisso, ainda o manifesta publicamente. Como não tolera o soberbo e declara guerra aos altivos de coração, Deus permite que a língua dos insensatos lhes dê a coça que merecem. Diferente do insensato é o prudente, cujos lábios o preservam de situações perigosas e de constrangimentos desnecessários. O sábio não ostenta poder, conhecimento ou grandeza. O sábio não humilha o próximo, antes o trata com respeito e dignidade, considerando o outro superior a si mesmo. Enquanto a língua do insensato é um chicote que o açoita, a língua do prudente desarma as ciladas tramadas contra ele. Da boca do sábio fluem palavras de vida, e não sementes de morte. Da boca do sábio prorrompem palavras de consolo para o coração, e não tormento para a alma. O prudente é alguém cuja vida é uma bênção para os outros; o insensato é alguém que não consegue poupar nem a si mesmo de suas loucuras.

GESTÃO E CARREIRA

A FUSÃO DA FALÁCIA COM O AUTOENGANO

As mentiras que os executivos contam para si mesmos

Se a maior parte das fusões não dá certo (não traz o retorno esperado pelos acionistas), por que tantas são feitas? Segundo os consultores Barry Jaruzelski, Marian Mueller e Peter Conway, da Booz & Company, os executivos são dominados por falácias (raciocínios que parecem lógicos, mas são falsos) e autoenganos (as percepções errôneas sobre a própria capacidade). “Não temos como fugir do negócio” é a primeira falácia, disseram, em artigo na revista Strategy + Business, da Booz. As partes envolvidas estão tão absorvidas que não veem mais as falhas e inconsistências do processo. “Dar para trás agora seria embaraçoso”, consideram.

Outro argumento falacioso: “qualquer negociador experiente é capaz de concluir o acordo”. Ser subjugado pela pressão – ou ser tomado pela euforia – é mais fácil do que parece. Mais um: “está tudo nos números”. Muitas vezes, numa fusão, não se levam em conta as dificuldades humanas (culturas diferentes, consolidações de cargos e chefias…) e logísticas (como o alinhamento das operações). Nem tudo está nos números.

A ilusão de que a negociação pode ser secreta também é prevalente. “Vamos manter o processo sigiloso.” Os autores aconselham a assinatura de termo de sigilo entre os envolvidos. Outro problema: quanto mais detalhado for o processo, melhor. Mas muitos executivos caem na próxima falácia: “os detalhes a gente acerta com o tempo”.

Porém, o maior risco está nos autoenganos. Eles envolvem sobretudo a vaidade. O primeiro: “o processo é estratégico”. Muitas vezes, crê-se que uma compra é “estratégica” apenas por ser financeiramente atraente. Mas a empresa adquirida precisa acomodar-se no sistema do grupo. Nem sempre as duas coisas são sinônimas.

“Nós temos o pulso do nosso mercado.” Em geral, uma meia verdade. Um processo de fusão ou aquisição leva a empresa a uma realidade com a qual nunca havia se defrontado.

Outro autoengano comum é que “o sucesso no mercado principal é replicável num mercado adjacente”. Por exemplo, o fabricante de alimentos congelados que deseja entrar no setor de laticínios. Quase todas as jogadas em mercados adjacentes são malsucedidas, dizem os autores.

“Temos um processo bem definido de auditoria.” De novo, a fusão reserva surpresas, e a empresa descobre, meio tarde, que sua auditoria era incompleta. Finalmente, o maior erro de todos: a falta de humildade. “A gente sabe o que está fazendo.” Na maioria das vezes, não sabe.

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

O MITO DO DESEQUILÍBRIO QUÍMICO NO CÉREBRO

Não existe comprovação de que distúrbios mentais sejam causados por baixa produção de certos neurotransmissores, facilmente ajustada por alguma medicação. Até quando esse mito será sustentado pela mídia e até por profissionais da saúde mental?

Muitos pais mostram, inicialmente, grande resistência em medicar o filho diagnosticado com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Até serem informados que os estimulantes corrigem um problema que seria causado por um desequilíbrio químico no cérebro da criança. A teoria da baixa produção de dopamina, divulgada pelos laboratórios, foi recebida com entusiasmo por médicos, psicólogos e professores quando surgiram os medicamentos que provocam aumento nos níveis desse neurotransmissor. Afinal, agora poderiam corrigir, de forma prática e rápida, o “problema” da falta de uma substância no cérebro das crianças desatentas e inquietas.

Essa é a ideia que continua imperando nas diversas áreas ligadas à saúde mental infantil e à educação. Ao conversar com pais de crianças diagnosticadas com TDAH, muitos ainda comparam a necessidade de estimulantes à de reposição da insulina em diabéticos. O fato é que não existe nenhuma comprovação das raízes biológicas do transtorno. O que existem são especulações que se contradizem. E mesmo que se chegue em um consenso, a pouca produção de determinados neuro­ transmissores já pode ser descartada das possibilidades, pois há anos é repetidamente derrubada por inúmeras pesquisas. Talvez por ser assimilada tão facilmente pela população, talvez por acender a esperança de uma cura rápida e simples, o desequilíbrio químico tornou-se a explicação mais aceita não apenas para o TDAH, mas para quase todo tipo de transtorno mental – sendo a depressão e a esquizofrenia os dois grandes pilares que sustentam essa hipótese.

Convenientemente divulgada pelos laboratórios ainda antes do lançamento das marcas famosas de fluoxetina e principal argumento de muitas campanhas publicitárias nos Estados Unidos, onde a propaganda de psicotrópicos pode ser feita diretamente ao consumidor, a teoria ainda está longe de ser enterrada. Na tentativa de derrubar o mito, o diretor do Instituto Nacional de Saúde Mental americano (National Institute of Mental HealthNIMH), Thomas Insel, já declarou que “as noções iniciais de que transtornos mentais são desequilíbrios químicos estão começando a ficar antiquadas”. Isso foi em 2011. Muitos anos antes – em 2003 -, o psiquiatra e pesquisador de Stanford, David Burns, já havia revelado que, mesmo tendo dedicado anos de sua carreira à pesquisa do metabolismo da serotonina no cérebro, ele nunca havia se deparado com “nenhuma evidência convincente de que algum transtorno psiquiátrico, incluindo depressão, seja ocasionado por uma deficiência de serotonina no cérebro”. Quanto tempo vai levar para que os profissionais da saúde mental no Brasil abandonem esse argumento?

A popularização dessa hipótese colabora com o uso indiscriminado e irresponsável de psicotrópicos. E pode estar entre os fatores que explicam o aumento expressivo do uso de antidepressivos na última década em todo o mundo. De acordo com o National Health and Nutrition Examintion Survey, atualmente 23% das mulheres americanas entre 40 e 60 anos tomam esses medicamentos – um índice que reflete a realidade ocidental, em geral. A certeza de que “produzem pouca serotonina” leva muitas pessoas a acreditar na cura milagrosa das drogas até no caso de depressão leve e moderada – em que esses medicamentos têm resultados comprovadamente iguais aos de placebos.

Autor de diversos livros sobre medicação psiquiátrica e consultor do Instituto Nacional de Saúde Mental, o psiquiatra Peter Breggin destaca que são as drogas que causam o desequilíbrio químico – e não o contrário. E o resultado desse desequilíbrio está evidente nas diversas reações de abstinência que sofrem os pacientes ao largar as medicações psiquiátricas.

No caso dos antidepressivos mais comuns, por exemplo – os ISRS (inibidor esse letivos de recaptação de serotonina) -, o neurotransmissor, liberado pela célula pré-sináptica, tem seu canal de receptação bloqueado. Assim, ao invés de concluir seu ciclo natural e retornar ao neurônio pré-sináptico, ele é acumulado entre as sinapses. No entanto, os neurônios têm receptores que monitoram o nível de serotonina na sinapse e, como o cérebro é plástico, ele naturalmente vai regular a produção do neurotransmissor. Portanto, os antidepressivos causam – e não ajustam – o desequilíbrio químico. Evidências apontam que sua ação sobre a via serotoninérgica provoca o nascimento de novas células nervosas no hipocampo – região afetada nos casos de depressão profunda. Isso explicaria o tempo, de cerca de três semanas, que os antidepressivos levam para começar a agir nesses casos.

O metilfenidato – estimulante usado para “corrigir” o TDAH – tem ação quase imediata sobre alguns dos sintomas comuns de crianças hiperativas. Assim como a cocaína, faz com que a dopamina se acumule nas sinapses por muito tempo, levando as células pré-sinápticas a liberar quantidades cada vez menores do neurotransmissor. Com o tempo, o cérebro ajusta a produção de neurotransmissores e a criança desenvolve tolerância à medicação, precisando de doses maiores. O desequilíbrio então realmente se estabelece, o que leva os médicos a receitar outras drogas para compensá-lo.

A ponte do equilíbrio transformou-se numa corda bamba num mundo de tantos excessos. Buscá-lo passou a ser um desafio que coloca em jogo a saúde física e mental A ação prática das pílulas pode ser tentadora – e até necessária em alguns casos -, mas acabou tornando-se mais um perigoso excesso da socie d ade, mais um ponto de desequilíbrio disfarçado de solução.

Para se certificar se tudo isso compensa a longo prazo, uma equipe de 18 pesquisadores, com apoio do Instituto Nacional de Saúde Mental americano (NIMH), investigou o desempenho de 579 crianças diagnosticadas com TDAH no período de oito anos. Maior pesquisa já realizada com essa finalidade, o “Estudo Multimodal de Tratamento para TDAH”, publicado em 2009, concluiu que depois de um ano e meio, mesmo com o aumento contínuo de dose, as crianças medicadas não apresentaram melhor desempenho em nenhum aspecto com relação às que não receberam medicação. Depois de um tempo, portanto, restam apenas os efeitos colaterais do desequilíbrio provocado pela droga.

“A verdade é que ninguém sabe qual deveria ser a quantidade ‘correta’ de diferentes neurotransmissores. O nível dessas substâncias é apenas um fator em um complexo ciclo de influências que interagem, como vulnerabilidade genética, estresse, hábitos no pensamento e circunstâncias sociais”, escreve Christian Jarrett em Great Myths of The Brain (Os Grandes Mitos do Cérebro).

MICHELE MULLER – é jornalista com especialização em Neurociência Cognitiva e autora do blog http://neurocienciasesaude.blogspot.com.br

EU ACHO …

UM LABORATÓRIO DE CRIATIVIDADE

Há oito anos uma moça chamada Nélida Piñon, descendente muito brasileira de espanhóis, iniciava sua carreira literária com um livro dificílimo de ler: Guia- Mapa de Gabriel Arcanjo. Sem nenhuma concessão ao leitor, o livro, para a maioria, era ininteligível. Ainda na mesma linha publicou, em 1963, Madeira feita cruz. E três anos depois o livro de contos Tempo das frutas, este já bem mais realizado, com ótimos contos. O seu romance O fundador ganhou um prêmio especial no Concurso Nacional Walmap e aparecerá, pela Editora José Álvaro, na segunda quinzena de novembro. Continua escrevendo: tem prontos um livro de contos e uma peça de teatro. Tudo escrito num estilo muito especial, muito nélida piñon.

Enquanto isso, dirige o primeiro laboratório de criação literária no Brasil, na Faculdade de Letras do Rio de Janeiro, cargo que lhe assenta perfeitamente: só poderia ser ministrado realmente por alguém com a inteligência criadora de Nélida. Fiz-lhe, a propósito do laboratório, umas perguntas, que foram respondidas por Nélida por escrito.

  • Você está dando um curso sobre criatividade literária, ou atividade criadora de um modo geral?
  • Literária, em particular. Mas não separo o fenômeno literário da criatividade em geral. Uma vez que criar é estar em todas as coisas.
  • Você crê que o laboratório de criação literária, da Faculdade de Letras, possa orientar futuros escritores, ou seu curso tem apenas um sentido cultural?
  • Mais importante que transmitir experiência, é discutir as razões que justifiquem o escritor numa sociedade de consumo, em que o homem, nutrindo- se do objeto, aprendeu a venerar geladeiras, carros, instrumentos enfim que lhe são impostos como presumíveis restauradores do espírito. Não acreditamos que o ofício de escrever, assimilado de qualquer modo, determine imperativamente uma elite. Ao contrário, como poverellos estaríamos mais aparelhados a destronar as regras incompatíveis e uma comunidade adiposa. O laboratório pretende tão somente queimar etapas, lidar com técnicas dominantes na ficção contemporânea, sem mutilar porém o espírito criador do aluno. Sobretudo transmitir a verdade – e ouvindo também confirmamos nossa crença – de que compete afinal ao escritor desvendar o labirinto, o escondido, a parcela, derrubar falsas comemorações, intensificar dúvidas, protestos, ainda que seu grito seja o último a se registrar numa região atomizada.
  • Quais os processos que liberam mais a criatividade?
  • Todo processo é válido, desde que se confirme a criação. Alguns escritores, por exemplo, exigem o estado orgástico para criar, aquele delírio impedindo-os de analisar o ato que estão conhecendo, os frutos abastados da sua poderosa paixão. Outros elegem o caos como modo de atingir a ordem; o que equivale a eleger a ordem para estabelecer o caos na Terra. Certos escritores imitam a sedimentação da rocha, cultivam estágios longínquos, são habitantes de eras remotas, e tão pacientes que desprezam o tempo por acreditarem na eternidade. Mas quem fala pelo escritor é seu próprio depoimento, o impulso de não ser escravo e criar livre.
  • Qual é o seu método de escrever? Você planeja a trama antes de começar?
  • Acredito no convívio diário com a palavra, ainda que não seja de ordem física. Sem tal abordagem regular, vejo reduzida minha capacidade de expressão, dificilmente alcançando a forma necessária. Crio o que preciso ao longo dos dias, as mais penosas horas, e da vivência pessoal, colisões permanentes com a Terra. Existindo a consciência de escrever, que este ato se repita constantemente. Não compreendo amadorismo. Compreendo sim a vocação flagelada, difícil, espinhos por toda a carne, que é a nossa coroa, o desafio de não transigir. Fundador, meu último romance, foi estruturado antes de o iniciar. Conhecia a técnica, a linguagem, o andamento que se devia adotar. Embora elementos imponderáveis, entre o tanto que mais tarde mutilamos corrigindo, como se não fosse nossa carne o que estamos sacrificando – surgissem ao longo do livro como transfusão.
  • Você acredita em inspiração, ou acredita que o trabalho árduo é que vale para escrever?
  • Inspiração era meu recurso de adolescente. Fase adulta exige outro confronto. E como a natureza não me tornou instrumento de Deus, habituei-me a avançar pesadamente no mundo escuro de um texto até descobrir a primeira luz.

***CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

ISSO O ZOOM NÃO MOSTRA

Um especialista em linguagem corporal revela que os bate-papos por videoconferência estão prejudicando a comunicação – e ensina como amenizar o problema

Anos atrás, ao fazer uma pesquisa com um grupo de jurados, o ex­ agente do FBI Joe Navarro notou que eles detestavam quando os advogados ficavam com parte do corpo encoberta por uma bancada no tribunal. Se as testemunhas escondiam suas mãos durante os depoimentos, isso causava ainda mais consternação. Sem ver os gestos dos participantes, os jurados afirmavam ser difícil avaliar as argumentações das pessoas. O estudo, embora informal, apontou a importância que os movimentos corporais têm na interação humana – deriva deles, afinal, muito de nossa capacidade de transmitir sentimentos e sensações. Agora, durante a pandemia, um novo desafio vem reforçar seu valor: envoltas em intermináveis reuniões virtuais no Zoom, no qual apenas os rostos são focalizados, as pessoas deixaram de contar com o arsenal de gestos involuntários que ajudam a entender o que o interlocutor está expressando para além das palavras (e também, claro, a realçar o que pretendemos comunicar). “Quando conversamos pessoalmente, nosso subconsciente capta informações de todo o espaço. De repente, tudo o que temos agora é a pequena tela das videoconferências”, disse Navarro em entrevista realizada – haja ironia – pelo Zoom. Em seu mais recente livro, O que Todo Corpo Fala (Sextante), escrito em parceria com o psicólogo Marvin Karlins e com mais de 1 milhão de exemplares vendidos no mundo, ele destrincha o significado dos gestos humanos a partir de casos reais que investigou. Instintivamente, todo ser humano consegue ler os gestos corporais nas outras pessoas. Trata-se de uma habilidade que precede a fala, presente inclusive em outros animais, e que foi essencial à evolução. A linguagem corporal já está tão introjetada no inconsciente que é virtualmente impossível disfarçá-la. As expressões faciais fornecem as evidências mais contundentes da comunicação não verbal. Nos anos 70, o psicólogo americano Paul Ekman, um dos pioneiros na área, descobriu as chamadas microexpressões faciais – que ocorrem quando tentamos suprimir uma emoção (e cujo estudo ajuda a desmascarar mentirosos). Navarro vai além: enfatiza o papel crucial dos movimentos dos pés e das mãos. Através deles, é possível detectar no interlocutor sentimentos como ansiedade, alegria, excitação, impaciência e medo (confira no quadro abaixo).

Muito antes de se tornar especialista em comunicação não verbal e um dos fundadores do laboratório de psicologia comportamental do FBI, nos anos70, Navarro teve de aprender na marra a entender o que as pessoas pensavam a seu respeito. Nascido em Cuba, ele se refugiou com a família nos Estados Unidos aos 8 anos (hoje tem 67). Sem falar inglês, percebeu que podia “traduzir” o que os outros falavam só por meio de seus gestos e expressões faciais, habilidade que anos depois faria sua fama no FBI. Após aposentar-se, passou a ensinar o que aprendeu em palestras e até em consultorias a jogadores de pôquer.

Uma das suas análises mais curiosas diz respeito aos pés: segundo ele, seriam a parte “mais honesta” do corpo. “É um erro a maioria dos interrogadores permitir que suspeitos fiquem com os pés escondidos sob uma mesa ao depor”, lamenta. No livro O que Todo Corpo Fola, ele ensina como a posição deles pode indicar sentimentos como alegria ou desconforto. Exemplo: quando o pé aponta para cima, geralmente significa que a pessoa está de bom humor. “Um jogador de pôquer até pode dissimular a excitação se está com boas cartas nas mãos. Mas seus pés, não”, pondera. As mãos também transmitem informações preciosas, evidenciando sinais como agressividade e falta de sinceridade. “Quando interagimos com outras pessoas, nós nos fixamos naturalmente nas mãos. Para o cérebro, elas são essenciais na comunicação”, diz.

Navarro conhece bem os costumes do Brasil, onde esteve pela primeira vez em 1984. Desde então, já visitou dezenas de cidades do país, especialmente no período em que trabalhou na Embaixada dos Estados Unidos, em Brasília. Enquanto esteve aqui, comprovou que alguns gestos são universais. Juntar as mãos em torre, como nas orações, mas sem entrelaçar os dedos, é um deles: significa que você está seguro do seu posicionamento. Navarro atestou isso pessoalmente, ao observar os índios que viviam isolados na Amazônia: eles reproduziam o gesto com a mesma finalidade que qualquer outra pessoa ao redor do mundo.

Com a pandemia, as ferramentas de comunicação corporal, refinadas por milhares de anos, ficaram limitadas à telinha do Zoom. Navarro dá uma dica para amenizar o problema: criar o costume de afastar-se da câmera, para que mais detalhes sejam captados em cena. “Podemos ajudar uns aos outros se não ficarmos com o rosto colado na tela”, diz. O corpo fala, é verdade – mas a tecnologia precisa dar uma forcinha.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 26 DE ABRIL

NÃO ANDE POR CAMINHOS TORTUOSOS

O que anda na retidão teme ao Senhor, mas o que anda em caminhos tortuosos, esse o despreza (Provérbios 14.2).

Só há dois caminhos: o caminho largo e o estreito; o caminho da vida e o da morte; o caminho da retidão e o caminho tortuoso. Só há duas portas: a porta da salvação e a da perdição. Só há dois destinos: a bem-aventurança eterna e o sofrimento eterno. Aqueles que andam pelas veredas da retidão temem ao Senhor e nele se deleitam. Aqueles, porém, que andam pelos caminhos tortuosos, pelas estradas atrativas do pecado, desprezam o temor do Senhor. Se o temor do Senhor é o princípio da sabedoria, só os insensatos o desprezam. A Bíblia afirma que há caminhos que ao homem parecem direitos, mas no final são caminhos de morte. Há caminhos que nos levam a vantagens imediatas e aos prazeres mais arrebatadores, porém nos cobram depois um preço altíssimo. O pecado não compensa. O pecado é um embuste. Promete mundos e fundos, mas nos tira tudo: a comunhão com Deus, a paz e o sentido da vida. O pecado é maligníssimo. Esconde atrás de seus atrativos uma isca mortal. Não acompanhe aqueles que seguem rápido pelas estradas sinuosas, desprezando o temor do Senhor. Esses marcham para o abismo, para a morte irremediável.

GESTÃO E CARREIRA

DO HOME OFFICE PARA O ANYWHERE OFFICE

Como a atual e intensa experiência de trabalho flexível pode mudar a vida dos escritórios e ambientes das empresas – para melhor

O trabalho flexível já estava em uma crescente em 2020 antes mesmo da chegada da pandemia de Covid-19. Segundo uma pesquisa do Internacional Workplace Group OWG) um quarto das empresas tinham políticas claras de trabalho remoto, e os espaços de trabalho mais flexíveis cresciam dois dígitos por ano.

Com a chegada do vírus o mundo se viu em um dos maiores experimentos modernos de trabalho flexível, ao colocar boa parte da mão de obra mundial trabalhando de casa. Essa experiência forçada demonstrou vantagens, mas também muitos desafios para a grande maioria das empresas.

Muitos funcionários, passados os primeiros meses de quarentena, reportaram diversas situações desagradáveis – como distração, problemas relacionados à tecnologia, ou mesmo o isolamento social em relação a seus colegas de trabalho. Antes da pandemia, mais de um terço das empresas já se mostravam preocupadas com a segurança digital de funcionários trabalhando remotamente e 25% delas demonstravam grande preocupação com seus colaboradores se sentindo sozinhos ou desmotivados.

Na quarentena, percebemos que conceitos iniciais como horário comercial, capacitação e ergonomia do ambiente de trabalho, assim como benefícios ligados à atividade executada, foram ignorados por grande parte das companhias. Isso fez com que muitos trabalhadores se vissem trabalhando ainda mais de casa do que no escritório, mas não necessariamente sendo mais produtivos. Isso sem contar a carga maior que muitas mães e pais enfrentam, tendo que cuidar dos filhos e ainda garantir um ambiente funcional para seu trabalho em casa.

Além disso, temos as reuniões virtuais e conferências, que tomaram a agenda do brasileiro isolado. Uma forma moderna, porém fria, de gestão e engajamento da força de trabalho. Importante ressaltar que toda a infraestrutura de conexão deveria funcionar de maneira perfeita, o que não acontece em boa parte das vezes.

Mas não encontramos apenas pontos negativos nessa situação. Além da aproximação familiar, um dos grandes benefícios percebidos foi o ganho de produtividade pela falta de deslocamento. Sabemos que o brasileiro que vive nas grandes capitais perde em média uma hora e meia por dia em deslocamentos para o trabalho, tempo que pode ser revertido em produção e/ ou qualidade de vida, além de favorecer o meio ambiente, com menos poluição ocasionada pela mobilidade.

Já pensando na volta segura aos ambientes de trabalho, as medidas de distanciamento social impõem um desafio aos gestores de espaços, uma vez que para ocupar o mesmo metro quadrado, com maior distância, se faz necessário implementar turnos ou um mix entre funcionários que estão em casa e aqueles que devem voltar ao escritório, o famoso rodízio.

A pandemia trouxe a necessidade imediata de revisão de portfólios de escritórios para cima ou para baixo, uma vez que muitas empresas se viram forçadas a reduzir custos ou aumentar sua demanda. Decisões de curto prazo não costumam ser amigas do mercado imobiliário, que, de praxe, sempre trabalha com longos contratos.

O FUTURO DO TRABALHO

Forças de trabalho distribuídas serão a tônica desse futuro. Espaços de trabalho flexíveis serão cruciais para garantir que pessoas tenham acesso a ambientes de trabalho profissionais, ao mesmo tempo que se sintam seguras, mais próximas de casa e dentro do novo padrão de custos pós-crise. Nunca fez tanto sentido pensar que o metro quadrado mais caro que uma empresa pode ter é aquele que é pago, mas não é utilizado.

Muitas empresas têm diminuído drasticamente grandes escritórios centrais, transformando-os em células de trabalho regionais, no conceito de squad office, de forma que os funcionários possam trabalhar mais próximos de casa reduzindo a mobilidade excessiva e, junto a isso, transformando seus escritórios-matriz em algo maior do que somente mesa e cadeira.

Ao mesmo tempo, diversas companhias têm precisado de mais espaço para implementar distanciamento social seguro e medidas protetivas nos escritórios centrais. Agora elas passam também a contar com escritórios flexíveis, nesse momento, para evitar se comprometer novamente com contratos de longo prazo – além de se livrar do alto investimento inicial, estratégia tão importante em épocas de gestão rígida de caixa.

Para uma boa parcela dos colaboradores das empresas que podem ter uma política de ganho flexível mais avançada, o conceito de office (escritório em qualquer lugar, a partir da nuvem) passa a ser o principal ponto a ser implementado. Trabalhar deixa de ser sobre onde e passa a ser sobre quando. Assim, as pessoas complementarão o home office com escritórios flexíveis para uma jornada alternada entre um ambiente profissional e uma experiência de tele­trabalho, e o local de trabalho propriamente dito deixa de ser necessariamente um pré-requisito para o exercício da atividade de maneira diária. Colaboradores podem usufruir de um escritório na Avenida Paulista na segunda-feira, home office na terça, no Morumbi na quarta e – por que não? – home office do interior ou na praia nos últimos dias da semana.

Bem-vindos ao novo mundo do trabalho flexível. A Regus está comprometida em ajudar todos os seus clientes a implementar soluções seguras e modernas de espaços de trabalho, com todos os protocolos de segurança do mais alto padrão e garantindo o apoio necessário durante tempos de reinvenção. Mais do que nunca, espaços flexíveis de trabalho são parte fundamental do novo normal.

TIAGO ALVES é – CEO do IWG – Regus e Spaces do Brasil

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

MULHERES NO PODER – III – DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS

Apesar das evidências, muitos ainda duvidam que o machismo, mais ou menos velado, de fato prejudica a vida profissional das mulheres. Mas cientistas confirmam: o preconceito faz com que o caminho para elas seja mais árduo e a competência precise ser comprovada de forma bem mais frequente e explicita

Estudos desenvolvidos na Universidade de Michigan revelam que em situações de grupos, inevitavelmente, há o reconhecimento da autoridade feminina – ainda que isso não seja necessariamente de bom grado para a maioria – desde que a competência da profissional se evidencie. Com os homens essa aceitação se dá de forma geral, de maneira mais fácil: eles parecem ter menos a provar em relação ao direito de ocupar determinado lugar.

De fato, às vezes, é difícil entrar em confronto com os colegas sem que a divergência interfira na amizade. Em grande parte por questões culturais, parece mais fácil para os homens seguir o ditado “amigos, amigos, negócios à parte”. Ensinada ao longo dos séculos a sorrir e agradar a todos, é quase uma transgressão para algumas mulheres simplesmente dizer “não”.

SE NÃO FOSSE COM VOCÊ

Alguns especialistas costumam ensinar a executivos, homens e mulheres, um “truque” interessante: observar aquilo que está vivendo como se fosse uma cena de um filme e depois pensar nos melhores conselhos a serem dados ao “ator” ou à “atriz” que interpreta o nosso papel. Isso ajuda, por exemplo, a fugir de uma armadilha comum: o risco de exagerar na empatia quando estão em jogo decisões que influenciam a vida das pessoas. É possível, por exemplo, que muitas mulheres se sintam responsáveis pelos outros e em condições de enxergar mais adiante, ocupando-se de problemas que as afastam da decisão momentânea.

Pesquisa feita pela psicóloga Donata Francescato com parlamentares italianas revela que as progressistas são as que têm menos disposição para a liderança, bem como para perceber as dificuldades advindas por serem deixadas de lado ou pela escassa exposição na mídia. Os homens conseguem obter visibilidade com muito menos esforço. Para elas, com frequência a política é fonte de ansiedade, traz sentimento de precariedade e incerteza. Durante muito tempo, as parlamentares de esquerda acharam difícil se imaginar como líderes, vivendo a competição pelo poder como uma oportunidade para trazer à tona capacidades ocultas. E, não raro, elas preferem ficar à sombra – uma posição, aliás, bastante comum também nas empresas. E a maioria delas tem como referência uma figura masculina de poder como se, apesar do poder que alcançaram, devessem se dedicar de alguma forma a uma figura masculina.

De vez em quando, porém, são justamente elas que têm uma visão negativa do poder, encarado como um obstáculo que se acrescenta àqueles que a sociedade já lhes traz. Se pensarmos no contexto histórico, no qual a mulher ficou durante tanto tempo escondida em casa, faz sentido que restem em muitas os resquícios do medo de “sujar as mãos” com decisões que lhes trarão algum ônus, e não se dão conta de que, inevitavelmente, o poder tem um lado obscuro, mas também há outro positivo. A diferença está em desejar esse poder para si ou para a organização. Não por acaso, muitas profissionais crescem na carreira em contextos em que o compromisso com questões sociais é claro. Muitos defendem que elas são mais sensíveis à justiça e têm um sentido mais amplo do que é coletivo, mas faltam pesquisas que comprovem essa opinião. No caso delas, a maior satisfação vem principalmente de saber que executam bem suas funções e que seu trabalho é reconhecido pelos chefes e colaboradores.

Exceções à parte – e elas sem dúvida existem -, em geral, os homens gostam de exibir o poder, enquanto as mulheres escolhem o estilo “baixo perfil”. Em uma pesquisa na Universidade de Roma, foram ouvidos homens e mulheres acerca de uma mesma situação fictícia: todas as manhãs se formava, em frente a determinado escritório, uma fila de pessoas em busca de atendimento. Eles viam o fato como um símbolo do status e importância do serviço, associavam palavras que expressavam sentimentos de gratificação, orgulho e admiração. Já as voluntárias encaravam a situação como um transtorno, um problema a ser resolvido, e vinculavam à cena ideias de preocupação e angústia.

Em alguns casos, porém, o poder traz medo. Afinal, em última instância nosso ideal é que todos nos amem, mas para quem é “o chefe” isso raramente é possível. Dificilmente alguém se torna uma unanimidade quando se concentra em suas mãos a possibilidade de tomar decisões e muitas vezes as escolhas podem ser interpretadas como incorretas. Impopularidade e solidão quase sempre são companhia certa daqueles que assumem postos de comando. E isso parece pesar mais para as mulheres, por isso a figura de uma amiga (ou amigo), marido ou até terapeuta que possa funcionar como interlocutor pode ser importante para ajudar a equalizar sentimento e razão. Para os homens, entretanto, ficar só e “retirar-se para a caverna” às vezes é suficiente para administrar o estresse.

Todo mundo sabe, homens e mulheres não são vistos (ou julgados) socialmente da mesma maneira. No âmbito profissional isso não é diferente. O prazer explícito nessa área suscita certo incômodo nas outras pessoas, ressalta os pontos negativos dos demais e altera a ordem costumeira das coisas. Quando se trata de mulheres, a reação negativa é mais óbvia. Enquanto a dedicação masculina é admirada com raras ressalvas, no caso delas, com frequência, a paixão declarada pelo trabalho é interpretada de maneira negativa, como se equivalesse à admissão de carências em outros papéis da vida. Se há disputa entre pessoas dos dois gêneros, a competição costuma ficar especialmente violenta.

Para elas (ou pelo menos para grande parte delas) é mais difícil do que para os homens afirmar eu quero e assumir os louros por suas conquistas, parecendo haver uma urgência em dividir os louros com a equipe. Alguns estudos mostram até que elas são menos ambiciosas – se a ambição for definida como o estímulo para o poder ou o prestígio. Mas podem sê-lo tanto quanto os homens se a ambição for descrita como aspiração para resolver problemas sociais.

QUESTÃO DE ESTILO

A forma de gerir relações de poder no trabalho pode ser considerada mais masculina ou mais feminina, e isso não depende necessariamente do gênero da pessoa, mas sim de suas características de personalidade, dos valores que preza, o que quer dizer que um homem pode ter um estilo mais empático, sensível e, portanto, “feminino”, ou uma mulher pode adotar posturas predominantemente “masculinas”, impessoais e assertivas. Na prática, conhecer os dois modelos e buscar integrar as características de cada um, de acordo com a situação, costuma dar bons resultados.

ESTILO FEMININO

1. É importante conhecer os próprios interlocutores no plano pessoal.

2. Ferir os sentimentos de um colega é um problema e deve ser resolvido.

3. O cargo ocupado por uma pessoa não a torna automaticamente infalível.

4. É preciso encarar as próprias fraquezas e até confessá-las.

5. Não há problema em falar de questões pessoais antes de discutir o trabalho.

6. É aceitável dedicar muito tempo para conseguir um consenso.

7. Sublinhar os próprios êxitos é excessivo e ligeiramente de mau gosto.

8. Não se cultivam relações amigáveis com alguém só porque é um superior seu.

9. É mais que justificável falar de sentimentos.

10. A equipe é importante, mas não é o centro do mundo.

ESTILO MASCULINO

1. Evitar falar de sentimentos, principalmente se está em jogo a autoestima.

2. Se necessário, as questões pessoais são abordadas superficialmente na conversa.

3. Os comentários não solicitados sobre a aparência não são apreciados.

4. Discussões mais valorizadas são sobre como desempenhar melhor uma tarefa.

5. No caso de um primeiro encontro, é importante exibir as próprias credenciais.

6. É inadequado manifestar fraqueza excessiva.

7. Deve-se respeito primeiro ao cargo, depois ao indivíduo.

8. É fundamental respeitar a hierarquia: é importante saber quem está “acima”.

9. As feridas no orgulho pesam e as possíveis consequências são consideradas.

10. Objetivos da equipe têm prioridade sobre interesses individuais e emoções.

EU ACHO …

A EXPLICAÇÃO QUE NÃO EXPLICA

Não é fácil lembrar-me de como e por que escrevi um conto ou um romance. Depois que se despegam de mim, também eu os estranho. Não se trata de transe, mas a concentração no escrever parece tirar a consciência do que não tenha sido o escrever propriamente dito. Alguma coisa, porém, posso tentar reconstituir, se é que importa, e se responde ao que me foi perguntado.

O que me lembro do conto “Feliz aniversário”, por exemplo, é da impressão de uma festa que não foi diferente de outras diferentes de aniversário; mas aquele era um dia pesado de verão, e acho até que nem pus a ideia de verão no conto. Tive uma impressão, de onde resultaram algumas linhas vagas, anotadas apenas pelo gosto e necessidade de aprofundar o que se sente. Anos depois, ao deparar com essas linhas, a história inteira nasceu, com uma rapidez de quem estivesse transcrevendo cena já vista – e, no entanto, nada do que escrevi aconteceu naquela ou em outra festa. Muito tempo depois um amigo perguntou-me de quem era aquela avó. Respondi que era a avó dos outros. Dois dias depois a verdadeira resposta me veio espontânea, e com surpresa: descobri que a avó era minha mesma, e dela eu só conhecera, em criança, um retrato, nada mais. “Mistério em São Cristóvão” é mistério para mim: fui escrevendo

tranquilamente como quem desenrola um novelo de linha. Não encontrei a menor dificuldade. Creio que a ausência de dificuldade veio da própria concepção do conto: sua atmosfera talvez precisasse dessa minha atitude de isenção, de certa não participação. A falta de dificuldade é capaz de ter sido técnica interna, modo de abordar, delicadeza, distração fingida.

De “Devaneio e embriaguez duma rapariga” sei que me diverti tanto que foi mesmo um prazer escrever. Enquanto durou o trabalho, estava sempre de um bom humor diferente do diário e, apesar de os outros não chegarem a notar, eu falava à moda portuguesa, fazendo, ao que me parece, experiência de linguagem. Foi ótimo escrever sobre a portuguesa.

De “Os laços de família” não gravei nada.

Do conto “Amor” lembro duas coisas: uma, ao escrever da intensidade com que inesperadamente caí com o personagem dentro de um Jardim Botânico não calculado, e de onde quase não conseguimos sair, de tão encipoados e meio hipnotizados – a ponto de eu ter que fazer meu personagem chamar o guarda para abrir os portões já fechados, senão passaríamos a morar ali mesmo até hoje. A segunda coisa de que me lembro é de um amigo lendo a história datilografada para criticá-la, e eu, ao ouvi-lo em voz humana e familiar, tendo de súbito a impressão de que só naquele instante ela nascia, e nascia já feita, como criança nasce. Este momento foi o melhor de todos: o conto ali me foi dado, e eu o recebi, ou ali eu o dei e ele foi recebido, ou as duas coisas que são uma só.

De “O jantar” nada sei.

“Uma galinha” foi escrito em cerca de meia hora. Haviam me encomendado uma crônica, eu estava tentando sem tentar propriamente, e terminei não entregando; até que um dia notei que aquela era uma história inteiramente redonda, e senti com que amor a escrevera. Vi também que escrevera um conto, e que ali estava o gosto que sempre tivera por bichos, uma das formas acessíveis de gente.

“Começos de uma fortuna” foi escrito mais para ver no que daria tentar uma técnica tão leve que apenas se entremeasse na história. Foi construído meio a frio, e eu guiada apenas pela curiosidade. Mais um exercício de escalas.

“Preciosidade” é um pouco irritante, terminei antipatizando com a menina, e depois, pedindo-lhe desculpas por antipatizar, e na hora de pedir desculpas tendo vontade de não pedir mesmo. Terminei arrumando a vida dela mais por desencargo de consciência e por responsabilidade que por amor. Escrever assim não vale a pena, envolve de um modo errado, tira a paciência. Tenho a impressão de que, mesmo se eu pudesse fazer desse conto um conto bom, ele intrinsecamente não prestaria.

“Imitação da rosa” usou vários pais e mães para nascer. Houve o choque inicial da notícia de alguém que adoecera, sem eu entender por quê. Houve nesse mesmo dia rosas que me mandaram, e que reparti com uma amiga. Houve essa constante na vida de todos, que é a rosa como flor. E houve tudo o mais que não sei, e que é o caldo de cultura de qualquer história. “Imitação” me deu a chance de usar um tom monótono que me satisfaz muito: a repetição me é agradável, e repetição acontecendo no mesmo lugar termina cavando pouco a pouco, cantilena enjoada diz alguma coisa.

“O crime do professor de matemática” chamava-se antes “O crime”, e foi publicado. Anos depois entendi que o conto simplesmente não fora escrito. Então escrevi-o. Permanece, no entanto, a impressão de que continua não escrito. Ainda não entendo o professor de matemática, embora saiba que ele é o que eu disse.

“A menor mulher do mundo” me lembra domingo, primavera em Washington, criança adormecendo no colo no meio de um passeio, primeiros calores de maio – enquanto a menor mulher do mundo (uma notícia lida no jornal) intensificava tudo isso num lugar que me parece o nascedouro do mundo: África. Creio que também este conto vem de meu amor por bichos; parece-me que sinto os bichos como uma das coisas ainda muito próximas de Deus, material que não inventou a si mesmo, coisa ainda quente do próprio nascimento; e, no entanto, coisa já se pondo imediatamente de pé, e já vivendo toda, e em cada minuto vivendo de uma vez, nunca aos poucos apenas, nunca se poupando, nunca se gastando.

“O búfalo” me lembra muito vagamente um rosto que vi numa mulher ou em várias, ou em homens; e uma das mil visitas que fiz a jardins zoológicos. Nessa, um tigre olhou para mim, eu olhei para ele, ele sustentou o olhar, eu não, e vim embora até hoje. O conto nada tem a ver com isso, foi escrito e deixado de lado. Um dia reli-o e senti um choque de mal-estar e horror.

***CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

POR DENTRO DA MENTE DOS NEGACIONISTAS

Impulsionada por políticos, médicos e ativistas bolsonaristas, a negação da história e da ciência vira uma atitude corriqueira na sociedade e ganha forma na promoção da hidroxicloroquina, na recusa em aceitar o número de mortes pelo coronavírus ou na rejeição às máscaras, ao lockdown e às medidas de isolamento social

O negacionismo é insidioso e traiçoeiro. Ele se espalha por ruas, bares, igrejas, mídias sociais e se dilui, sorrateiro, em toda a sociedade. Quando menos se espera, seu parente começa a falar bem da hidroxicloroquina e a dizer que não quer ser imunizado com vacina chinesa. Ou vem um colega e diz que não houve viagens à Lua e que a Terra é plana. Poucos batem no peito e afirmam: “Sou negacionista!”, mas em conversas informais e em notícias de jornais o pensamento científico está sendo ultrajado com uma fúria medieval em todos os cantos do Brasil.

Embora haja influência estrangeira, a atitude de negar a história e a ciência por aqui tem características especiais. Primeiro há um presidente negacionista, Jair Bolsonaro, liderança que exerce o charlatanismo à luz do dia fazendo propaganda enganosa de medicamentos e influenciando milhões de pessoas com ideias fora do lugar. E depois existem questões locais, como a tentativa de fazer revisionismo histórico com o golpe de 1964 e a Ditadura, ou a negação do racismo estrutural, fato perverso e incontestável.

Assumindo-se parcialmente, os negacionistas ocupam hoje uma zona de sombra na sociedade, mas emitem um barulho infernal. Poucos são negacionistas em tudo, mas uma parte cada vez maior da população está aderindo a uma ou outra ideia estapafúrdia que ofende o consenso científico. O que move essas pessoas pode ser a crença religiosa, um interesse político ou econômico ou a mera falta do que pensar. Não é preciso ser terraplanista ou antivacina para ser negacionista. Há outras questões atuais para tripudiar a ciência. Uma das teorias conspiratórias em voga diz que a Organização Mundial de Saúde (OMS) está a serviço da China. Outra, que a Coronavac não é eficaz. Fala-se também que o isolamento social e o lockdown não funcionam e que há uma ameaça comunista no Brasil. O principal efeito disso é perturbar políticas públicas produtivas e desacreditar instituições confiáveis com o objetivo de criar controvérsia. E, no limite, o aconselhamento anticiência pode levar pessoas à morte, por não respeitarem o isolamento, não usarem máscaras ou adotarem caminhos médicos falaciosos, como o tratamento precoce receitado pelos médicos bolsonaristas.

Nesse contexto de desmoralização da ciência, surgiu uma associação chamada Médicos pela vida, que promove exatamente o tratamento precoce de Bolsonaro. O grupo de 267 médicos das mais diversas especialidades resolveu defender abertamente experiências que contrariam o consenso científico. Assinou um documento na Câmara da cidade gaúcha de Santa Maria em que estimula o uso do chamado kit Covid, composto pelos medicamentos hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina, bromexina, nitazoxanida, zinco, vitamina D, anti-coagulantes e inventado pelo governo Bolsonaro. Segundo o gastroenterologista Eduardo de Freitas Leite, que preside o grupo, o vírus é de baixa letalidade e se o paciente for submetido à terapia com os remédios do kit, a chance de se salvar é grande. “O que causa a morte das pessoas não é o coronavírus, mas a forte reação do sistema imune”, afirma. Leite explica que as medidas de distanciamento social e o lockdown só causam desespero na população. “Onde já se viu não poder sair com os amigos para um bar”, reclama. O médico despreza a OMS. “A instituição está corrompida, quem manda é o cartel das empresas farmacêuticas”, ressalta. O cirurgião conta que quando esteve na sessão solene para a assinatura do documento em Santa Maria utilizou a cloroquina. “Sou um homem de 72 anos e sempre que viajo de avião, pego algum vírus. Então, antes de voar tomei meu comprimido”, conta.

Mesmo com fartos trabalhos científicos que negam o potencial desse medicamento contra a Covid-19, os negacionistas não mudam o discurso e buscam uma oportunidade para professar o obscurantismo. Um de seus alvos imediatos é a Nasa, que levou o homem à Lua e atualmente opera o veículo-robô Perseverance na superfície de Marte. Evidentemente, eles não acreditam na viagem de Marte e muito menos na chegada à Lua. “A Nasa não me engana, a Terra é plana” é um dos slogans que vem sendo divulgados atualmente nas mídias sociais pelos detratores da ciência. Outro alvo de sempre é o físico Isaac Newton e suas leis básicas da física. O questionamento à Lei da Gravidade sempre se insinua em grupos terraplanistas. O próprio Olavo de Carvalho, guru dos bolsonaristas, questionou a gravitação como explicação para vários fenômenos na natureza. Um dos problemas do negacionismo mais empedernido, é que ele começa a se confundir, na cabeça de seus membros, com uma espécie de conhecimento secreto, que envolve uma presunção de superioridade. Não por acaso, sempre que há negacionistas surge a conversa dos Illuminati e das pessoas que enxergam a verdade. Mas quando precisam falar fora das bolhas, muitos deles se calam ou sucumbem por falta de argumentos.

Não é o caso do servidor público Joy Costat Calleri, 26 anos, de Taperoá (BA), que terminou o ensino médio, e fala abertamente de suas posições anticiência. Ele conta que se tornou terraplanista por influência religiosa, mas que não é negacionista e “apenas reflete a realidade”. “A Bíblia da qual faço uso e acredito fala sobre uma Terra estacionária e com bordas, semelhante ao modelo Terra plana”, diz. “Não posso acreditar numa ciência que diz que viemos do macaco e que a Terra foi criada através da explosão do Big Bang.” Quanto ao fato do planeta ser observado do espaço em sua configuração circular, ele afirma “não acreditar, de forma alguma, na hipótese de que o homem possa ir ou ter ido ao espaço”. Sua tese é que não existem as tecnologias necessárias para isso. “Hoje eles alegam que não vão à Lua porque não têm tecnologia o bastante e como o homem foi à Lua no século passado, sem as grandes tecnologias que temos hoje? É meio que hipocrisia”, questiona. Calleri também dúvida da Lei da Gravidade. “Segundo os globistas, a gravidade puxa tudo para o centro da Terra, porém, para mim, o que refuta essa hipótese é que os aviões voam sem nenhum problema”, diz. Quanto às vacinas, ele diz que as toma, mas não confia em todas. “Essa da Covid é muito precoce para podermos confiar”, diz.

Na política, em São Paulo, o deputado estadual Douglas Garcia (PTB), 27, vice-presidente do Movimento Conservador, organização de direita, se destaca na divulgação de ideias anticiencia. Sem pudor, o parlamentar defende que o médico, ao atender o paciente, deve ter plena liberdade de prescrever o medicamento que lhe pareça mais apropriado contra o coronavírus e, nas suas palavras, medidas de distanciamento social, como as implementadas no estado, são irrelevantes. “Costumo sair para confraternizar com meus amigos, sou a favor do isolamento vertical”, afirma. A respeito do uso obrigatório de máscara diz que “só usa porque não quer arrumar confusão”. O deputado dissemina a ideia de que a OMS é uma instituição contaminada politicamente pela China e pela Rússia, países comunistas, e declara seguir ensinamentos de médicos como o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), que minimiza a pandemia. “Tudo que a OMS recomenda, faço ao contrário”, afirma.

POLÍTICAS PÚBLICAS

Entre os grupos anônimos anticiência que rondam as redes sociais um dos mais representativos desse momento pandêmico é o denominado Curitiba Patriota. Seu principal líder, César Hamilko, expõe um pensamento sanitário nebuloso e acredita que o Brasil está sob permanente ameaça comunista. “Temos certeza de que o tratamento precoce dá certo, é a principal ação de combate contra o vírus”, afirma. Ele diz que seu grupo optou por fazer uso profilático do medicamento ivermectina, um anti-helmíntico. “Cuidamos de nossa imunidade com vitaminas C, D, Zinco e outras mais”, afirma. A respeito da OMS é veemente. “Eles não são confiáveis”, diz. Em São Paulo, outro movimento recém-formado, o Liberta Brasil, que mantém um acampamento no vão do MASP, também desafia a ciência. Um de seus líderes, o professor de muay thai Ricardo Roggieri, diz que não usa máscara e ele e toda a família tomam um comprimido de hidroxicloroquina por semana. “Só lamento que qualquer pessoa de direita que defenda a liberdade e está contra as imposições de isolamento de governos municipais e estaduais seja chamada de terraplanista”, afirma.

A prefeita de Bauru, Suéllen Rosin (Patriota), está naquele lugar difuso em que o negacionismo pode prejudicar políticas públicas e acha que medidas de lockdown na sua cidade são pouco funcionais. Suéllen teve uma reunião com Bolsonaro para tratar da pandemia e foi acusada pelo secretário de Desenvolvimento Regional de São Paulo, Marco Vinholi, de ser negacionista. “Não se trata de ser contra ou a favor do lockdown. Tenho obrigação de governar para todo mundo. A política de isolamento é paliativa. O vírus não vai desaparecer”, justifica. Ela se considera cristã e diz que a base do seu pensamento é a palavra de Deus. “A ciência inclusive foi criada por ele. Governo pedindo sabedoria para Deus todos os dias para fazer boas escolhas”, afirma.

Por mais incrível que pareça, a confusão a respeito das medidas contra a Covid-19 foi criada por negacionistas em posições de poder. Em vez de esclarecer, esses personagens querem confundir. Mesmo 502 anos depois de Fernão de Magalhães dar uma volta completa no globo terrestre e 100 anos depois da vacina contra a varíola comprovar a sua eficácia, ainda há gente que questiona a imunização ou acha que a Terra é plana. A atitude de ceticismo exacerbado e irracional diante de tudo que não vem de Deus e a desconfiança das explicações científicas para os fenômenos naturais, estimulada pela Igreja durante séculos, continua mais forte do que nunca no Brasil. Como disse na semana passada o ambientalista e filósofo Ailton Krenak, a máquina negacionista no Brasil e no mundo está mais ativa do que nunca. E é indispensável que ela seja combatida.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 25 DE ABRIL

O VALOR DA MULHER SÁBIA

A mulher sábia edifica a sua casa, mas a insensata, com as próprias mãos a derruba (Provérbios 14.1).

As mulheres sempre estiveram na vanguarda dos valores morais que sustentam a vida familiar. Quando as mulheres abandonam esses princípios, é porque a sociedade está chegando ao fundo do poço de sua degradação. O sábio nos fala de dois tipos de mulheres. Não fala de mulheres ricas e pobres, jovens e velhas, belas e desprovidas de refinados predicados físicos, mas de mulheres sábias e insensatas. A mulher sábia edifica a sua casa, pois é arquiteta dos valores morais que ornam a vida familiar. Se a construção com pedras e tijolos exige investimento e perícia, quanto mais a construção do lar e dos relacionamentos! A mulher sábia é aquela que investe seu tempo, sua vida, seus sentimentos, seus recursos e sua alma em pessoas, mais do que em coisas. Valoriza mais relacionamentos do que objetos. Dá mais importância à beleza interna do que ao requinte externo. A mulher insensata, porém, é demolidora. Suas palavras e ações provocam um verdadeiro terremoto na família. Ela desagrega, divide e separa. Suas mãos não trabalham para o bem, mas para o mal. Ela não é uma escultora do eterno, mas uma costureira do efêmero.

GESTÃO E CARREIRA

NEGÓCIOS DE FAMÍLIA

Como os Family Offices protegem grandes patrimônios – principalmente em momentos de crise

Grandes fortunas vêm, invariavelmente, acompanhadas de necessidades complexas e extremamente burocráticas: a gestão de patrimônios muito grande se diversificados, a administração de imóveis e bens móveis, a contabilidade insana, as idiossincrasias do staff, problemas de governança dentro da empresa e da própria família, o planejamento societário, sucessório, tributário…

Os problemas parecem não ter fim, mas têm solução. André Benchimol, sócio fundador do family office paulistano G5 Partners, define o negócio como um “hub de soluções”. “Esse tipo de negócio nasceu nas grandes e afortunadas famílias como os Rothschild, por exemplo, que, por uma extensa necessidade de serviços especializados, começaram a formar um time de especialistas com o único objetivo de resolver todas essas necessidades e burocracias”, explica ele.

Benchimol acrescenta que o family office é capaz de dar todo o auxílio possível para a gestão de patrimônios colossais com a vantagem de, por não ser vinculado a nenhuma instituição financeira, manter a máxima transparência e envolvimento na prestação do serviço. No nosso caso, nem na hora de remunerar o nosso próprio serviço permitimos um conflito de interesses. Trabalhamos apenas com a taxa de administração 100% paga pelo cliente.” Segundo ele, nenhum rebate (comissão) é retido, e todo o resultado dos investimentos retorna para o cliente.

TEMPOS DE COVID

Uma das vantagens de se ter a riqueza administrada por um family office é o “olhar do todo”. Pode acontecer de uma família não ter todo seu patrimônio gerido por uma empresa do tipo, mas eles certamente irão olhar para tudo o que a família teve e tem, fez e faz, de modo a ter maior noção das vantagens e dos riscos dos investimentos que indicarão na gestão daquela parte do patrimônio que lhes foi conferida.

Em tempos de crise como a atual, essa capacidade de visão – incluindo agora um ainda mais aguçado ”olhar para fora” – é crucial para as estratégias de proteção patrimonial. “A todo instante analisamos o mercado como um todo. Por exemplo: por que as pessoas perderam tanto dinheiro com a queda da bolsa em março? Porque estavam excessivamente compradas em risco, sem saber. Como mantemos uma visão a longo prazo, conseguimos criar oportunidades sólidas mesmo no meio da crise”, garante Benchimol.

A G5 abriu as portas em 2007 com menos de dez funcionários no time. Hoje são mais de 80 fazendo a gestão de RS 13 bilhões de 200 famílias, média de R$ 65 milhões por família – o patrimônio sob gestão de cada uma delas varia bastante, sendo que o mínimo para entrar no portfólio da G5 é de R$ 10 milhões, valor relativamente baixo quando comparado a outros family offices. “Eu adoraria prestar esse serviço para uma gama ainda maior de clientes, com patrimônios menores, mas chega um ponto em que fica inviável para o cliente, em termos de custos ou para nós, em termos de receita.  Se eu taxar um patrimônio pequeno com o mesmo percentual que eu taxo um patrimônio grande, ficaria caríssimo para o cliente; se eu diminuir o percentual, nós é que não temos receita”, analisa.

A Tera Capital, outro Family office de São Paulo, aplica estratégia oposta. Segundo a sócia Juliana Pagetti, o modelo é quase um “serviço boutique”. Eles atendem somente 14 famílias, reunindo um total de RS 6 bilhões sob gestão (média de RS 430 milhões por família). “Não é um modelo escalável, mas queremos mantê-lo assim, com poucos e bons relacionamentos”, afirma. Segundo ela, o fato de manter um portfólio mais reduzido permite que os cinco sócios da Tera estejam diariamente envolvidos nas questões das famílias que estão sob seus cuidados.

Assim como a G5, a Tera não tem como foco os serviços de concierge, ou seja. aqueles referentes ao dia a dia pessoal dos clientes. A empresa tem três fundos proprietários, que integram uma parcela pequena da carteira dos clientes e que servem de balizadores de estratégias para a gestão dos ativos.

A Sonata, por sua vez, atua de modo diferente dos dois anteriores. Nasceu do projeto de conclusão de curso de Camila Magalhães quando ela se formava na faculdade, há dez anos. O plano era construir uma estrutura que tivesse por objetivo atender mulheres e seus patrimônios. Durante dez anos, foi um escritório constituído apenas por mulheres, o que começou a mudar há poucos meses, desde que o primeiro homem passou a integrar o time.

Camila conta que, apesar desse direcionamento, a ideia não é levantar nenhuma bandeira de gênero, mas explorar um segmento de mercado pouco atendido. Mesmo assim, 40% dos atuais clientes são homens. O escritório atende 20 famílias, com um patrimônio total sob gestão de RS 3 bilhões (média de RS150 milhões por família). “Nossa porta de entrada é o investimento, a carteira de aplicações financeiras, mas lidamos com algo bem maior que isso. Levamos muito a sério as finanças comportamentais, aquilo que foi feito ao longo da construção do patrimônio da família, qual é o jogo de relações daquela família, quem toma as decisões, qual é o espaço que as gerações de cima dão às gerações de baixo. Acabamos ajudando em muitas outras áreas da vida dos clientes, que não se limitam à gestão financeira.” Quase como uma extensão daquela própria família, segundo a fundadora.

OLHAR PARA O FUTURO

Tatiana Abrahão, também sócia da Tera, conta que muitos clientes aparecem com situações e necessidade diversas, principalmente questões ligadas a governança e sucessão. Em situações como essas, é comum que o family office busque soluções junto a escritórios de advocacia e outros profissionais especializados em tais demandas. Sucessão, aliás, é um tema que costuma representar um momento complexo e conturbado nos negócios e no âmbito pessoal da família, pois geralmente envolve a perda de um ente. É um processo juridicamente longo e burocrático. Quanto maior o patrimônio, maiores são as chances de haver disputas e rupturas entre herdeiros. Isento de conflitos de interesses, um family office pode desempenhar papel decisivo na defesa do futuro desse patrimônio: seus especialistas conhecem não só a procedência da riqueza em sua totalidade como as interações e a dinâmica familiar. “Em certas situações, podemos intermediar uma assessoria de governança que irá orientá-los e direcioná-los em todos os aspectos, para que não haja nenhuma ruptura, para que se mantenha a unida para que se chegue ao consenso de como o patrimônio vai ser gerido, quem vai assumir a empresa, quem tomará as decisões econômicas, quem terá o poder político na organização.”

Um family office, por fim, não existe apenas para garantir o status quo atual de uma família. Existe para garantir a preservação daquela riqueza por muito tempo. As famílias que procuram por um family office em geral não estão querendo passar de multimilionárias a bilionárias”, acredita Benchimol. “Seu objetivo é a manutenção do patrimônio para as futuras gerações”.

O SEGREDO DOS BILIONÁRIOS PARA ENFRENTAR A TEMPESTADE

Os single-family offices – empresas financeiras criadas para controlar os ativos das pessoas mais ricas do mundo – vêm ganhando muito dinheiro durante a pandemia de coronavírus.

Mais de três quartos (76%) desses family offices dedicados a uma única família disseram que suas carteiras tiveram desempenho de acordo com as empresas ou mesmo acima delas este ano, até o momento, segundo o Relatório sobre Family Offices do banco suíço UBS.

Alguns deles perderam dinheiro durante as piores semanas da pandemia de coronavírus, e a maioria destes já recuperou essas perdas. Alguns tomaram dinheiro emprestado entre março e maio para tirar proveito de negócios a preços convidativos, de acordo com o UBS.

Beneficiado pela pandemia, Josef Stadler, diretor do Departamento Global de Family Offices da UBS Global Wealth Management, afirma: “Esperamos ver grandes mudanças nos próximos meses”. Segundo o relatório, é para ações e imóveis que o dinheiro deles deverá ser direcionado agora. Quase metade (45%) disse que compraria mais ouro.

Normalmente, somente os riquíssimos contam com um single­fanlily office. Os custos variam, mas a maioria dos consultores diz que é necessário dispor de pelo menos USS100 milhões para montar um. A maioria dos proprietários é formada por bilionários.

Em seu relatório, o UBS fez um levantamento com 120 family offices, os quais, em conjunto, cuidam de USS 14,24 bilhões. No entanto, em relatório do ano passado, a Campden Research estimou que havia 1.700 deles em todo o mundo, a maioria nos EUA, seguidos pela Europa, embora a Ásia esteja se aproximando rapidamente.

Um single-family office pode começar por uma pequena equipe de meia dúzia de funcionários que delegam a gestão do dinheiro a terceiros. Os maiores se assemelham a um banco pessoal, com dezenas ou centenas de funcionários envolvidos em transações multimilionárias em todo o mundo.

Esses single-family offices de grande porte têm “perfil de tipo institucional”, explica Stadler. Seus processos de investimento se assemelham aos dos grandes bancos e eles “aceitam e gerenciam os riscos como nenhum outro investidor”.

No início de julho, o bilionário John Paulson disse estar fechando seu fundo de hedge, o John Paulson & Co., e transformando-o efetivamente em um dos maiores family offices do mundo. Com mais de 100 funcionários, ele passará a gerir apenas o patrimônio pessoal de Paulson, estimado pela Forbe em 2 bilhões. Com poder financeiro atuante, os single-family offices estão começando a fazer fusões e aquisições com os bancos de investimento. Esses “negócios de clube” costumam ser efetuados por vários family offices que agregam seu dinheiro.

Por outro lado, eles podem ser engolidos por seus rivais de maior porte: os multi-family offices. Em abril, quando as bolsas de valores estavam na pior, a Stonehage Fleming, maior multi-family office da Europa, comprou a Cavendish Asset Management, fanily office da família Lewis.

Contudo, a pior fase da pandemia de coronavírus ainda não passou e muitos family offices estão reequilibrado às pressas suas alocações de ativos para gerir riscos de longo prazo.

Esses pontos estavam na pauta da 11ª Cúpula Global de Investimentos de Family Offices, em Mônaco. Ela foi anunciada como uma reunião, na última semana de julho, de uma riqueza de USS 4,5 trilhões. Número que agora já deve estar maior.

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

MULHERES NO PODER – II – ELES SÃO “FORTES”, ELAS SÃO “CHATAS”

O homem que grita e dá um murro na mesa pode ser considerado grosseiro, mas também é visto como forte. Se uma mulher agir de forma semelhante, fala-se de descontrole, loucura e, não raro, surgem comentários maldosos sobre sua vida particular

Apesar dos avanços e das transformações sociais, é possível que muita gente ainda acredite que, para não terem problemas no âmbito profissional, as mulheres devessem aceitar os modelos que ainda imperam no imaginário masculino: aquela que deseja ser conquistada, a secretária que faz tudo sem nunca pedir nada em troca, a mãe que acolhe e apoia. Mas felizmente muitas já se sentem em condições de assumir o protagonismo, mostrando capacidade, exigindo seus direitos e competindo pelo que desejam. Essa atitude deixa muitos – e muitas – colegas desconfortáveis. Disso resulta uma equação simplista: mais poder para “elas”, menos para “eles”. Mesmo em cargos de chefia, muitas mulheres enfrentam a resistência velada, por exemplo, quando decisões são tomadas em sua ausência, como se houvesse um nível sutil de acesso que não lhes é permitido.

A reação explícita a essas situações, entretanto, pode custar caro. Em geral, existe uma crença tácita: só quem tem taxa elevada de testosterona está autorizado a revelar a própria arrogância e a intervir de forma agressiva. O homem que grita e dá um murro na mesa pode ser considerado grosseiro, mas também é visto como forte. Se uma mulher agir de forma semelhante, fala-se de descontrole, loucura e, não raro, surgem comentários maldosos sobre sua vida pessoal. Quando uma mulher tem prestígio e é determinada, geralmente já é definida como intransigente – mesmo por aqueles que não convivem com ela. Possivelmente, prevalece um estereótipo difícil de superar: a competência feminina ameaça mais que a masculina – e isso vale tanto para homens quanto para outras mulheres. Além disso, neles a arrogância costuma ser perdoada, mas nelas não: ele é forte: ela é chata.

Recentemente uma pesquisa da Universidade de Michigan indicou que os estrógenos podem ter papel semelhante no organismo, independentemente do gênero. Um teste revela o aumento da produção de hormônios nas mulheres que têm um comportamento dominante nas situações de conflito. Outros estudos, entretanto, mostram que elas são menos propensas à dominação social e mais inclinadas a tomar atitudes que favoreçam o igualitarismo, enquanto eles tendem a favorecer as hierarquias. Além disso, estão mais propensos a valorizar o próprio trabalho, aceitando compensações e reconhecimentos, ainda que não merecidos.

Já as mulheres muitas vezes sentem que devem render ainda mais, como se as rondasse a culpa de ter feito “um pouco menos” – mesmo que na prática isso não se confirme. E as críticas mais mordazes, não raro, vêm de outras mulheres – o que é compreensível, pois pretendem que as outras também sejam perfeitas. Em geral. o processo se repete em casa, na relação entre mães e filhas. Resultado: espera-se de uma mulher na chefia mais compreensão e de uma subordinada, mais esforço. Talvez não seja por acaso que as mulheres se afirmem principalmente em alguns setores. Quando não estão ocupando posições importantes por motivos familiares, geralmente são as executivas de setores como jurídico, comunicação, finanças. Porém, é pouco provável que se tornem figuras carismáticas, que arrebatam as massas.

EU ACHO …

AVENTURA

Minhas intuições se tornam mais claras ao esforço de transpô-las em palavras. É neste sentido, pois, que escrever me é uma necessidade. De um lado, porque escrever é um modo de não mentir o sentimento (a transfiguração involuntária da imaginação é apenas um modo de chegar); de outro lado, escrevo pela incapacidade de entender, sem ser através do processo de escrever. Se tomo um ar hermético, é que não só o principal é não mentir o sentimento como porque tenho incapacidade de transpô-lo de um modo claro sem que o minta – mentir o pensamento seria tirar a única alegria de escrever. Assim, tantas vezes tomo um ar involuntariamente hermético, o que acho bem chato nos outros. Depois da coisa escrita, eu poderia friamente torná-la mais clara? Mas é que sou obstinada. E por outro lado, respeito uma certa clareza peculiar ao mistério natural, não substituível por clareza outra nenhuma. E também porque acredito que a coisa se esclarece sozinha com o tempo: assim como num copo d’água, uma vez depositado no fundo o que quer que seja, a água fica clara. Se jamais a água ficar limpa, pior para mim. Aceito o risco. Aceitei risco bem maior, como todo o mundo que vive. E se aceito o risco não é por liberdade arbitrária ou inconsciência ou arrogância: a cada dia que acordo, por hábito até, aceito o risco. Sempre tive um profundo senso de aventura, e a palavra profundo está aí querendo dizer inerente. Este senso de aventura é o que me dá o que tenho de aproximação mais isenta e real em relação a viver e, de cambulhada, a escrever.

***CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

A MAGIA DA TELA

A TV transparente foi criada para decorar o lar, oferecer serviços em restaurantes e tornar a viagem de trem mais agradável – além, é claro, de exibir séries e filmes

Brasileiro adora televisão. Não importa se é para ver filmes e séries em plataformas de streaming, programas de auditório ou jogo de futebol: o aparelho inventado na Alemanha há mais de 85 anos ainda hoje é a estrela da sala. A despeito da classe social, brasileiro gosta também de tecnologia e tela grande: 60% dos televisores vendidos no país são de 50 polegadas. É de se esperar; portanto, que o mais novo produto apresentado em janeiro na feira de eletroeletrônicos voltada para o consumidor – a Consumer Electronic Show, em Las Vegas, Estados Unidos – vire objeto de desejo assim que for posto à venda. Trata-se da primeira televisão com tela inteiramente feita de vidro e grau de transparência de 40%. É como ter uma peça de decorativa em casa, além da utilidade óbvia à qual ela foi destinada, ou seja, exibir imagens.

A invenção da sul-coreana LG traz o que há de mais avançado em película Organic Light-Emitting Diode (Oled), tecnologia que oferece ainda mais qualidade do que as já bem conhecidas telas finas de LCD e LED, que revolucionaram o mercado, jogando no esquecimento os antigos, pesados e desengonçados aparelhos de tubo. A. tela Oled, que já é usada nos produtos top de linha da LG, Samsung e outras marcas (inclusive smartphones), tem de fato um componente orgânico em sua fabricação, como evidencia o nome em inglês. Prensada entre placas de vidro, como se fosse uma fatia de queijo em um sanduíche, a película luminescente de carbono confere muito mais nitidez e contraste. No formato de 55 polegadas, a TV parece mais um aquário no meio da sala de estar quando está no modo transparente. Se programada para exibir peixes, por exemplo, é essa a sensação que o usuário terá.

A tela fica escamoteada na base e sobe somente quando acionada, assim como o vidro elétrico em automóveis. Se colocada na frente da cama, serve como um refletor suave que ilumina o quarto. A base é leve e transportável, e o vidro pode ser acionado até a metade, a fim demostrar somente a hora, a agenda do dia e a temperatura – sempre deixando a sensação de espaço aberto tão requisitada aos arquitetos nas residências modernas. O que fazer com o dispositivo quando a pessoa quiser simplesmente assistir a um filme? Como quase tudo na vida, a resposta está no apertar de um botão: no modo sem transparência, um painel escurece a parte de trás da TV, permitindo o uso como qualquer outra Oled do mercado. Além disso, o fabricante promete som de cinema instalado na base, com televisão e home theater integrados.

As aplicações da TV transparente, no entanto, talvez sejam ainda mais promissoras fora de casa. Instalada em balcões de bares ou como divisórias de baias em restaurantes, ela ofereceria a profundidade e o conceito aberto dos quais ambientes assim não podem prescindir, ao mesmo tempo que proporcionaria aos clientes entretenimento e opções do menu. Substituindo janelas de trem e metrô, garantiria a transparência para contemplar a paisagem, além do acesso a informações sobre a rota, notícias e mapas ao alcance de um dedo.

Quanto custará a TV transparente se ela chegar ao mercado este ano ou em 2022? É impossível conseguir do fabricante uma projeção de preço na fase de conceito ou pré-lançamento, mas exemplos recentes dão algumas pistas. A primeira televisão de altíssima resolução da LG, de 84 polegadas, chegou ao Brasil em 2012 por 45.000 reais. Hoje em dia, um modelo mais avançado e de tamanho semelhante sairia por aproximadamente 12.000 reais. É razoável imaginar que um produto inovador ficaria nessa faixa de preço nos primeiros anos após o lançamento. Afinal, tecnologias apresentadas ao mercado costumam custar caro. Isso, porém, não deve tirar a magia da tela transparente.

ROBÓTICA EM TODO LUGAR

Novidades para os serviços domésticos: na feira de eletroeletrônicos de Las Vegas, os robôs são o destaque. Até o fim da década, é provável que você tenha mais de um em casa

PRONTO PARA SERVIR

Handy, o mordomo da Samsung, só precisa de um braço para recolher a roupa e a louça, pôr a mesa e servir o vinho

COMENDO POEIRA

Roborock S7, da Xiaomi: aspira sujeira e simula esfregão de limpeza pesada

CONTRA O INIMIGO INVISÍVEL

O CLO-UV-C, da LG, desinfeta ambientes com raios ultravioleta. Ideal para uso em empresas, aeroportos e banheiros

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 24 DE ABRIL

FOME INSACIÁVEL

O justo tem o bastante para satisfazer o seu apetite, mas o estômago dos perversos passa fome (Provérbios 13.25).

A fome do corpo pode ser mitigada com um prato de comida, mas a fome da alma não se satisfaz com o pão da terra. Os prazeres desta vida e as riquezas deste mundo não satisfazem nossa alma. Temos um vazio no coração com o formato de Deus, e nada nem ninguém podem preenchê-lo senão Deus. Os dons de Deus não substituem Deus. As dádivas não substituem o doador. A bênção não é substituta do abençoador. Só Deus pode nos satisfazer. O justo não é desamparado, nem sua descendência mendiga o pão. O justo tem pão com fartura e desfruta de todas as iguarias da mesa do Pai. Ele tem o bastante para satisfazer o seu apetite, pois se alimenta do Pão vivo que desceu do céu. O estômago do perverso, porém, passa fome, e sua alma definha de inanição espiritual. O ímpio alimenta-se de pó. Mesmo que ele jogue para dentro da sua alma as mais diversas aventuras, não encontra nelas prazer algum. O ímpio constrói casas, mas não se sente seguro nem feliz. Planta vinhas, mas não se delicia com o vinho. Assenta-se ao redor de lautos banquetes, mas seu estômago não se sacia com nenhuma iguaria. Na verdade, a fome do perverso é insaciável, pois ele não conhece a Deus, o único que pode satisfazer sua alma.

GESTÃO E CARREIRA

UM BOM CONSELHO

Uma decisão importante no processo de governança familiar é a implementação do conselho familiar. Esse costuma ser, muitas vezes, o primeiro fórum no qual muitos dos membros da família, eleitos ou nomeados, vão se reunir para representar os interesses de todo, com a importante atribuição de definir os limites claros entre os interesses familiares e os empresariais.

As principais atribuições de um conselho familiar são amplas e fortemente direcionadas ao momento de cada família. Mas existem alguns pontos fundamentais. Primeiramente, ser um guardião dos valores desse grupo de pessoas, desenvolvendo ações que irão garantir que a união seja a base e o suporte da perpetuidade dos negócios.

Outro papel essencial é propiciar um ambiente em que todos os familiares tenham possibilidade de se manifestar e a abertura para que sejam ouvidos, em que encontrem espaços nos quais possam colaborar com seus talentos e, assim, sentir- se envolvidos e participantes, vivendo a satisfação e o orgulho em fazer parte daquele grupo.

Outra vantagem recorrente de um conselho familiar é oferecer apoio à formação e ao desenvolvimento dos envolvidos – aqui é importante mencionar que existem múltiplos papéis que um membro de uma família empresária pode ocupar na “family enterprise”. Os familiares podem ser preparados como acionistas responsáveis, conselheiros dos negócios, conselheiros na governança, conselheiros nas fundações e instituições sociais apoiadas ou ainda como sucessores, tendo no horizonte a perspectiva de ocuparem cargos executivos na operação.

Em alguns grupos existe também a oferta de apoio aos membros que não têm interesse em assumir papéis nos negócios, identificando seus talentos e traçando planos de desenvolvimento de carreira específicos em outros campos de atuação.

Por último, mas não menos importante, o conselho de família deve ser um órgão respeitado por garantir a aplicação de um protocolo no qual as regras de conduta, os alinhamentos e as melhores práticas serão sempre os norteadores das decisões. Sendo assim, é vital que ele tenha a melhor representatividade possível, sendo composto por membros seniores, membros da nova e da próxima geração, cônjuges e demais parentes que tenham interface significativa com os negócios. Além desse recorte, deve também ter representatividade por ramos. Muitas famílias crescem em número e escopo, ramificando interesses e responsabilidades.

AJUDA QUE VEM DE FORA

Devido a todas essas complexidades, muitos conselhos de família são criados e/ ou fortalecidos com contratação de um profissional externo. Esse profissional exerce o papel executivo de estruturação e coordenação das pautas, preparação de material para debate e mediação das discussões, garantindo o ritmo e os bons resultados desse fórum.

É importante ressaltar que esse órgão, desde o momento de sua criação, deve ser tratado como uma estrutura estratégica, indispensável na governança familiar. E que deve ter seus passos fundamentados na valorização da diversidade de talentos e na construção de laços de confiança, sendo, acima de tudo, o guardião do legado dessa família para o mundo.

FLÁVIA CAMANHO CAMPARINI – é consultora em governança familiar e estratégia de desenvolvimento humano, fundadora do Flux lnstitute e partner facilitator dos programas do Cambridge Family Enterprise Group e do IBGC

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

MULHERES NO PODER – I

A conquista feminina de postos de liderança é uma realidade. Mas como se comportam aquelas que chegam ao topo? Há indícios de que tendem a privilegiar a colaboração, enquanto os homens costumam favorecer a hierarquia. Será mesmo?  Cientistas constatam que a competência feminina costuma ameaçar mais que a masculina

A presença feminina em postos-chave tem se tornado cada vez mais comum – uma realidade impensável há pouco mais de duas décadas – e parece irreversível. Nunca tantas mulheres ocuparam cargos de chefia – tanto no setor público quanto no privado. Na população em geral, essa situação aparece nos resultados das pesquisas: dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o número de famílias chefiadas por mulheres dobrou em termos absolutos (105%), aumentando de 14.1 milhões em 2001 para 28.9 milhões em 2015. Em termos percentuais, o total de famílias chefiadas por homens diminuiu de 72.6% para 59.5% no mesmo período, enquanto o de famílias lideradas por mulheres subiu de 27.4% para 40.5%.

A conquista de visibilidade e espaço e o aumento de responsabilidades fora de casa ainda são relativamente recentes – e as injustiças, frequentes. Não raro, independentemente do próprio gênero, as pessoas ainda associam o poder a um rosto masculino. Até há poucos anos era difícil encontrar uma mulher que pudesse representar um modelo de liderança. Porém, agora que a situação está começando a mudar, pesquisadores buscam compreender como as mulheres se comportam quando chegam ao poder.

Não raro, mulheres em posição de liderança encontram dificuldade de serem consideradas competentes e ao mesmo tempo admiradas. É o que revelam pesquisas – reunidas sob o título Double-bind – realizadas pela empresa americana Catalyst, com a contribuição da IBM. Foram entrevistadas mais de 1.200 executivas na Europa e nos Estados Unidos. Os dados indicam um dilema estressante para elas: se assumem comportamentos considerados femininos (mostrando-se sensíveis e empáticas. por exemplo), são consideradas “fracas” e menos competentes: se adotam um estilo de liderança masculina (com atitude fria e impositiva), são criticadas por sua dureza, de forma muito mais incisiva do que um homem seria se tivesse o mesmo comportamento. Historicamente, as primeiras executivas costumavam apoiar-se na cultura masculina dominante, eliminando a própria identidade. Essa situação tem mudado, mas parece que ainda é preciso aprender a não dar importância aos julgamentos, aos comentários sobre a aparência e à falta de popularidade.

UMA BOA MISTURA

Muitos estudos analisam a diferença entre valores de homens e mulheres, buscando identificar se, de fato, as mulheres dedicam mais atenção a temas como paz, meio ambiente e educação. A psicóloga italiana Donata Francescato desenvolveu um estudo sobre o assunto, publicado no periódico Psicologia di Comunità. Fez entrevistas com 109 dos 154 parlamentares de seu país e aplicou questionários para identificar características de personalidade e valores. “Queríamos verificar se as mulheres bem-sucedidas na política têm traços predominantemente masculinos, como energia, assertividade, iniciativa, dinamismo e estabilidade emocional”, diz a pesquisadora. Segundo um estudo sobre a Bolsa de Valores francesa publicado no jornal Financial Times, a manutenção dos preços das ações está ligada à presença feminina na direção das empresas. “Uma pesquisa americana também indica que a percepção e a sensibilidade femininas possivelmente reduziriam o risco de desastres em Wall Street. Outras análises mostram ainda que as empresas administradas por mulheres foram menos prejudicadas pela crise mundial”, afirma Francescato. As executivas, no entanto, tendem a ser extremamente exigentes e até cruéis consigo mesmas – e, muitas vezes, têm atitude similar com seus subordinados. E, não raro, encontram em outra mulher aspectos que tanto as incomodam.

UM FARDO, UM PRAZER

Afinal de contas, o que se entende por “poder”? Vale lembrar que o termo tem também dimensões positivas, não voltadas para a opressão e o domínio. Um aspecto importante é o poder sobre si, a capacidade de controle das próprias atitudes, necessidades e desejos, em contraste com regras que a civilização e as relações impõem. Outro aspecto está ligado à capacidade, ao poder fazer, à possibilidade e à autorização (principalmente interna) para escolher e agir. No âmbito social, no entanto, alguma coisa começa a surgir: em geral as mulheres vivem o poder principalmente como um dever e se interessam menos pela própria carreira. Ocupar determinados postos é uma dádiva – e também um fardo. Algo importante a ser considerado é que quem realmente tem poder pode tomar decisões sem prestar contas aos outros, assumindo a responsabilidade pelas próprias ações.

EU ACHO …

AO CORRER DA MÁQUINA

Meu Deus, como o mundo sempre foi vasto e como eu vou morrer um dia. E até morrer vou viver apenas momentos? Não, dai-me mais do que momentos. Não porque momentos sejam poucos, mas porque momentos raros matam de amor pela raridade. Será que eu vos amo, momentos? Responde, a vida que me mata aos poucos: eu vos amo, momentos? Sim? Ou não? Quero que os outros compreendam o que jamais entenderei. Quero que me deem isto: não a explicação, mas a compreensão. Será que vou ter que viver a vida inteira à espera de que o domingo passe? E ela, a faxineira, que mora na Raiz da Serra e acorda às quatro da madrugada para começar o trabalho da manhã na Zona Sul, de onde volta tarde para a Raiz da Serra, a tempo de dormir para acordar às quatro da manhã e começar o trabalho na Zona Sul, de onde. – Eu vou te dar o meu segredo mortal: viver não é uma arte. Mentiram os que disseram isso. Ah! existem feriados em que tudo se torna tão perigoso. Mas a máquina corre antes que meus dedos corram. A máquina escreve em mim. E eu não tenho segredos, senão exatamente os mortais. Apenas aqueles que me bastam para me fazer ser uma criatura com os meus olhos e um dia morrer. Que direi disso que agora me ocorreu? Pois ocorreu-me que tudo se paga – e que se paga tão caro a vida que até se morre. Passear pelos campos com uma criancinha-fantasma é estar de mãos dadas com o que se perdeu, e os campos ilimitados com sua beleza não ajudam: as mãos se prendem como garras que não querem se perder. Adiantaria matar a criancinha-fantasma e ficar livre? Mas o que fariam os grandes campos onde não se teve a previdência de plantar nenhuma flor senão a de um fantasminha cruel? Cruel por ser criancinha e exigente. Ah! sou realista demais: só ando com os meus fantasmas.

*** CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

NASCE UM NOVO HOMEM

Pais modernos, sociedade mais aberta e os rigores da pandemia, sempre ela, estão levando os jovens a rejeitar o machismo e a abraçar a sensibilidade e o companheirismo

Vinha do berço. Antes mesmo de falar ou entender o mundo ao seu redor, bebês do sexo masculino são expostos a brincadeiras físicas e expressões relacionadas a força e competição, como “garotão do papai” e “campeão”, enquanto às meninas são reservadas manifestações de delicadeza- “florzinha”, “bonequinha”- e aberta afetividade. Esse tipo de comportamento, comum e até automático, tem reflexos prolongados e foi capaz de imobilizar durante séculos os homens e as mulheres dentro de compartimentos impenetráveis e imutáveis. Por serem relegadas a um papel de inferioridade na hierarquia doméstica, as mulheres foram as primeiras a se rebelar, chutar a porta e dar voz a suas demandas. Os homens seguiram impávidos na posição social que ocupam desde o raiar da humanidade: fortões, durões, provedores do sustento e do bem-estar da família.

Em movimento que não para de se expandir, as novas gerações começam a se afastar, talvez definitivamente, do modelo ancestral de masculinidade. É uma extraordinária novidade. É um fenômeno empurrado por pais e mães que questionam estereótipos, por um nítido avanço da sociedade na aceitação da diversidade e, como não podia deixar de ser, pelos hábitos da pandemia – o grande transformador universal. A revolução se inicia dentro de casa (e casa ganhou nova qualificação em tempos de isolamento social), onde meninos vão sendo acostumados a lavar a louça, arrumar a própria cama e guardar suas roupas, enquanto veem a mãe trabalhar tanto ou mais do que o pai. Segue no ambiente corporativo, no qual assédio se tornou uma espada sobre a cabeça deles e pensa-se três vezes antes de fazer alguma piadinha. Aos poucos, foi-se estabelecendo no jovem universo masculino uma espécie de revolução silenciosa, que com frequência deságua em estranhamentos e conflitos de gerações.

“Passei a questionar por que não tinha com meu pai e meu irmão a mesma relação franca e carinhosa que estabeleci com pessoas do sexo feminino na minha família”, diz o advogado Rodrigo Mota, 24 anos, que hoje distribui bem mais amplamente os abraços e os “eu te amo” que já chegou a represar. “Durante séculos fomos educados para acreditar que o certo é ser machista. Entender que outros modelos de masculinidade são possíveis é libertador”, afirma Luciano Ramos, consultor de programas da Promundo, uma organização que trabalha com jovens pais.

Como em tudo no mundo atual, a presença de celebridades expondo nas redes sociais sua cruzada antimachista contribuiu para dar visibilidade ao movimento. O ator Lázaro Ramos foi dos primeiros a condenar publicamente a “masculinidade tóxica”. Mais recentemente, Rodrigo Simas declarou que “todos os dias tento desconstruir o machismo na minha relação, nos meus julgamentos e nos meus pensamentos”. “Os homens têm muito a ganhar se aprenderem a ser mais, digamos, femininos”, afirma o ator carioca Marcello Melo Jr., 33 anos. A nova atitude dos jovens em relação à própria masculinidade está expressa em uma vasta pesquisa conduzida pela empresa Survey Monkey com homens nos Estados Unidos, na qual ficou evidente que o típico macho alfa, viril, durão e impermeável aos sentimentos, está em baixa.

Em seu lugar, começa a surgir um homem disposto a externar afeto com parentes e amigos, a dividir as tarefas domésticas e o cuidado com os filhos e a tratar as colegas de trabalho sem nenhuma distinção de gênero. Para 46% dos entrevistados, ser visto pelas pessoas à sua volta como “masculino” é ” nada” ou “não tão importante”. A maioria – 63% – disse que abraça e os amigos do mesmo sexo e faz carinho neles. E, sinal mais nítido dos novos tempos, 45% admitiram que choram com alguma frequência. Os participantes do levantamento se mostraram desconfortáveis com o peso do machismo sobre seus ombros: 60% consideram que a pressão imposta pela sociedade não é saudável (nas faixas ainda mais novas, o número sobe para 70%).”Há uma percepção da masculinidade nunca observada antes. Os jovens estão tendo liberdade e oportunidade inéditas de falar e refletir sobre o assunto”, ressalta Tony Porter, um dos maiores especialistas no tema, CEO da A Call To Men, organização americana que atua para desenvolver masculinidade saudável entre garotos.

Na pesquisa, o pai é apontado por 64% dos entrevistados como responsável por ensinar “o que é ser um bom homem”, motivo de angústia para quem vai viver o desafio de criar uma criança –   tanto que as buscas com a frase “como ser um bom pai” no Google aumentaram 50% no ano passado em relação a 2019. O militar Matheus Mendonça,19 anos, diz que não foi fácil aprender a ser pai da menina Ariel, hoje com 2 anos. “Minha criação se deu em um ambiente muito masculino. O relacionamento com uma feminista me fez entender o impacto do machismo na sociedade e quero que a minha filha saiba se defender de tudo isso”, diz.

A paternidade, ainda mais inesperada, foi igualmente o divisor de águas que fez o consultor de viagens Yuri Siqueira, 30 anos, repensar posturas que lhe foram inculcadas ao longo da vida. Uma ex-namorada descobriu que estava grávida uma semana depois de terminarem o relacionamento e, no convívio com o filho, Siqueira procura adotar atitudes diferentes das de sua infância. “Fui descobrindo diversos aspectos machistas que, para mim, eram coisa normal, como classificar as brincadeiras em para menino e para menina. Quis mudar para não perpetuar preconceitos, porque eu sou um espelho para meu filho”, enfatiza o pai de Lorenzo, hoje com 5 anos, com quem convive quinze dias por mês, no regime de guarda compartilhada.

Na seara dos relacionamentos amorosos e da sexualidade, a falta de diálogo e as regras preestabelecidas são constantes das quais muitos jovens estão lutando para se libertar. “Nunca me senti à vontade para falar sobre isso e acabava fazendo coisas que não queria. Às vezes não estava com vontade de transar, mas tinha aquela obrigação, por causa da norma de que o homem tem de ser o pegador”, diz o estudante Victor Rugiero, de 24 anos. Na opinião dessa turma que quer mudança, uma das causas do atraso na busca da nova masculinidade são as performances ensaiadas dos filmes pornô e, em geral, a imagem vendida pela indústria do sexo, disponível à vontade na internet. “Meninos com 9, 10, 11 anos têm acesso fácil à pornografia e aprendem que precisam ser dominantes e agressivos”, alerta Claudio Serva, fundador do Prazerele, um instituto que organiza workshops e rodas de conversas sobre o tema.” Historicamente, a sexualidade masculina está relacionada à ideia de potência”, analisa Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da Universidade de São Paulo. “Hoje, porém, cada vez mais homens percebem que a chave para um relacionamento bem-sucedido está na capacidade de sentir e proporcionar prazer à parceira.”

No campo das relações domésticas, a pandemia fez com que muitos homens, pela primeira vez na vida, prestassem atenção à rotina feminina de misturar carreira com tarefas da casa e cuidados com os filhos – e dessem passos para compartilhar o trabalho. Em pesquisa de 2020 encomendada pelo Instituto Rede Nossa São Paulo, 52% dos homens afirmam agora dividir os perrengues do dia a dia com as companheiras e trocaram o “dar uma mãozinha” por participação de fato. Na questão filhos, 37% dizem que repartem a responsabilidade, contra 12% dois anos antes (se bem que, verdade seja dita, outros estudos mostram que, nesses pontos, a visão deles e delas difere). “Não cabe mais no mundo contemporâneo o antiquado comportamento patriarcal”, lembra o consultor Luciano Ramos, da organização Promundo. Se tudo der certo, os homens das novas gerações não precisarão de alguém que lhes chame a atenção para seu papel dentro- e fora – de casa.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 23 DE ABRIL

DISCIPLINA, UM ATO DE AMOR

O que retém a vara aborrece a seu filho, mas o que o ama, cedo, o disciplina (Provérbios 13.24).

Disciplina não é punição nem castigo, mas um ato responsável de amor. Os filhos precisam de limites. Precisam saber o que é certo e o que é errado. Precisam de balizas claras e princípios firmes. Os pais não podem premiar a desobediência nem ser coniventes com o pecado dos filhos. Os pais não podem ser omissos diante da rebeldia dos filhos. Quem se nega a disciplinar seu filho não o ama. O pai que ama o filho com responsabilidade não hesita em discipliná-lo. A disciplina também precisa ser aplicada no tempo certo. Uma planta tenra pode ser facilmente envergada, mas, após crescer, engrossar o caule e tornar-se árvore frondosa, é impossível dobrá-la. Precisamos corrigir nossos filhos desde a mais tenra idade. Precisamos inculcar neles a verdade de Deus desde a meninice. Precisamos ensinar a nossos filhos não o caminho em que eles querem andar nem o caminho em que precisam andar. A ordem de Deus é ensiná-los enquanto caminhamos juntos, servindo-lhes de exemplo. A ausência de disciplina desemboca em insubmissão, mas a disciplina aplicada com amor e integridade produz os frutos pacíficos da justiça.

GESTÃO E CARREIRA

COMO FISGAR A “GERAÇÃO Z”

Empresas inovam no processo seletivo ao adotar métodos mais interativos e inclusivos que atraem e motivam os estagiários

Um jovem de 20 anos assume a responsabilidade de um fazendeiro. Há uma praga infestando a plantação – e ele deve tomar decisões rápidas para não ver o negócio destruído. Qual produto usar para combater o problema? É melhor utilizar um defensivo agrícola ou sacrificar a safra e começar outra do zero com sementes de alta produtividade? Esse foi um dos desafios que a Monsanto, gigante do segmento de agricultura e biotecnologia (comprada pela Bayer por 63 bilhões de dólares), impôs a 2.000 pretendentes à vaga de estágio. A charada aconteceu num jogo, dentro do ambiente virtual.

Há quatro anos, a companhia resolveu olhar de maneira criteriosa sua principal porta de entrada: o estágio. Percebeu que boa parte dos estudantes que se aplicavam a uma vaga desconhecia as atividades da Monsanto. Resolveu, então, mexer na metodologia. E havia um bom motivo para fazer isso: a multinacional americana mudou seu foco, voltado agora para a agricultura digital. ”Nosso objetivo era criar desafios que testassem competência, iniciativa, curiosidade, relacionamento e busca por soluções diferentes de um jeito inovador e divertido. Decidimos que a melhor forma de conseguir isso seria com game”, diz Aline Cintra, gerente de aquisição de talentos da Monsanto para a América do Sul

Em janeiro de 2018, 130 estagiários selecionados no novo esquema começaram a trabalhar na empresa. “Para ter uma ideia, enquanto a média de desistência durante a disputa pela vaga está entre 25% e 30% no mercado, no programa de estágio em agronegócio da Monsanto ela ficou em 1,5% na etapa final”, diz Aline. A última fase da seleção foi presencial. E está sendo reformulada para a próxima edição do programa. Segundo a gerente, desta vez as conversas serão feitas às cegas, sem saber gênero, nome, escola ou idade de quem está sendo entrevistado.

Seduzir a geração Z, os nascidos a partir de 1995, e retê-los na corporação é um ponto crítico para recursos humanos. Exigentes, esses profissionais não se conformam com o antigo estado das coisas – buscam diversidade, autonomia, liberdade. Pesquisas mostram que são questionadores, fazem escolhas conscientes e almejam equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Tempo livre e relação familiar são pontos até mais importantes do que dinheiro e ascensão social. Para essa juventude, salário alto e poder não bastam. “Eles demonstram interesse em assumir posições de liderança, mas não sob o modelo que conhecemos”, afirma Milie Haji, gerente de projetos da Cia de Talentos, especializada em programas de estágio e trainee.

Num relatório intitulado Creative, authentic, mobile: the characteristics of Generation Z, a consultoria PwC diz que a interação com os nativos digitais é diferente daquelas com qualquer outro público que os antecedeu e requer um esforço criativo. “A autenticidade é fundamental para fisgar esse grupo”, diz o estudo.

Não é à toa, portanto, que as empresas estejam se desdobrando para fugir da tradicional fórmula do teste online seguido por dinâmicas de grupo e entrevistas. Os processos hoje necessitam ser mais abrangentes e trazer vivências prazerosas, que agreguem conhecimento. Pesquisa realizada neste ano pela consultoria Cia de Talentos, que ouviu 69.565 jovens em nove países da América do Sul, constatou que estudantes e recém-formados demandam experiências corporativas mais inclusivas. Apenas 31% dos ouvidos disse, por exemplo, que seu empregador os estimula a testar suas ideias e experimentar novas formas de resolver problemas.

No estudo lançado em junho pela consultoria, 79% deles acreditam que as corporações precisam trocar modelos hierárquicos e pouco participativos por uma gestão horizontal e colaborativa. “Essa é uma das razões para a necessidade de inovar, inclusive no recrutamento”, afirma Milie.

Mas não é a única. Quem oferece testes instigantes antes colhe frutos depois. De acordo com a

Accenture, consultoria global de gestão, novatos expostos a um ambiente de trabalho desafiador são 2,5 vezes mais propensos a se comprometer com o empregador por mais de cinco anos. “É essencial despertar a paixão deles pela marca”, afirma Luana Gabriela, da Eureca, consultoria voltada para jovens. Além de trabalhar por propósito, a geração Z busca fazer a diferença e ser um agente ativo nas mudanças – sejam elas corporativas, sociais ou econômicas.

Nesse sentido, a Stefanini Latam, provedora brasileira de soluções em TI com presença em 40 países, deixa claro durante seu recrutamento que jovens serão de suma importância na renovação (e na inovação) da empresa. O objetivo é mostrar que eles protagonizarão o futuro dos negócios.

Durante a disputa pela vaga de estágio, os selecionados participam de dois testes presenciais, nos quais a companhia de tecnologia apresenta projetes reais e ouve deles o que gostariam de acrescentar. Os que avançam vão ainda para uma conversa com a direção de RH e um representante do conselho. Escutá-los, segundo Cintia Bortotto, diretora de RH da Stefanini é uma forma de engajá-los. “Ao final, abrimos para comentários e os candidatos sempre dizem que se sentiram respeitados e desafiados, o que de certa forma garante o comprometimento desses estagiários conosco”, afirma.

Outro fator essencial para os sucessores dos millennials é a relação com o tempo. Executivos de recursos humanos são unânimes em relatar que, quanto mais longa a triagem para vagas de estágio, maior o número de desistências.

De acordo com um levantamento da empresa de pesquisa Kantar, três quartos dos centennials (como os mais novos também são chamados, em referência ao fato de terem nascido próximos à virada do século) afirmam que “sempre tentam se divertir o máximo possível”, independentemente da situação. Isso leva a crer que um método moroso, com muitas etapas, afugente esse pessoal, que busca obter satisfação até nas entrevistas de emprego.

Percebendo isso, a varejista francesa Decathlon tornou sua seleção mais ligeira. Hoje, a disputa leva um diaexato, Dinâmicas em grupo são alternadas com prática esportiva e brincadeiras dentro da própria loja. ”A ideia é que os jovens vivenciem o esporte e saibam o que vivemos cotidianamente na empresa. Essa opção trouxe vantagens para o candidato, pela rapidez do feedback, e também para a Decathlon, que reduziu gastos”, diz Andreia Marques, responsável pelo recrutamento da multinacional no Brasil.

No intuito de minimizar os riscos da escolha expressa, a companhia inclui funcionários de diferentes níveis hierárquicos no processo seletivo, tomando a decisão da contratação um ato coletivo e consensual.

GERAÇÃO MOBILE

Entre os nascidos da segunda metade dos anos 90 para cá, o celular é uma dasprincipais maneiras de interagir com o mundo. Estudo da PwC diz que quase três quartos dos post-millennials nos Estados Unidos cresceram convivendo com o universo online. Não sem motivo, são mais conectados do que quaisquer profissionais. Quase três quintos deles usam o aparelho para acessar entretenimento, 58% para jogar e 36% até para fazer tarefas domésticas.

Na Nestlé, gigante suíça do setor de alimentos, participar do programa de estagiários exigiu tirar o smartphone da mochila. É que a empresa desenvolveu um aplicativo próprio para a seleção. ”A plataforma traz elementos que fazem parte do cotidiano deles, como a gamificação”, diz Marco Custódio, vice-presidente de RH da Nestlé. No celular, o jovem recebe missões associadas às marcas da multinacional e é desafiado, entre outras coisas, a pensar sobre campanhas de produtos e a tomar decisões comerciais sobre qual mercado distribuir determinado item. Os candidatos interagem ainda com gestores e colaboradores fictícios por chat bois.

O objetivo da Nestlé com o dispositivo móvel é avaliar habilidades técnicas e comportamentais observando como os participantes responderiam às situações. Os aprovados no desafio mobile são convocados a participar de um hackathon, maratona de programação em que criam soluções de forma colaborativa. Segundo Custódio, os dois sistemas, juntos, melhoraram em 30% a assertividade dos perfis selecionados.

De fato, atrair essa moçada exigente que está chegando ao mercado de trabalho tem feito os profissionais de RH quebrarem a cabeça para que a seleção seja uma experiência da qual o jovem leve algum aprendizado, mesmo não sendo selecionado. “O candidato tem de sair do processo enriquecido. Por isso, é importante dar feedback sobre seu desempenho e, se possível, direcioná-lo”, diz Mille, da Cia de Talentos. Pelo visto, a era do ”venha a nós o Vosso reino” ficou para trás. Se o objetivo é conquistar talentos do amanhã, será preciso fazer mais do que testes de lógica e entrevistas unilaterais.

O QUE PENSAM OS JOVENS

Seleções assertivas precisam contemplar as principais demandas dos mais novos. Veja o que eles acham de seus empregadores:

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

INTOLERÂNCIA: O PODER DA ANTECIPAÇÃO

Estar com pessoas semelhantes a nós nos leva a acreditar que temos todos as mesmas informações e compartilhamos pontos de vista idênticos; essa perspectiva inibe o surgimento de novas ideias e nos faz menos cuidadosos

Adicionar olhares variados a um grupo faz com que as pessoas acreditem que pode haver diferenças de perspectivas entre elas – e essa convicção as leva a mudanças de comportamento. Membros de um grupo homogêneo estão relativamente convictos de que concordarão entre si: que entenderão suas perspectivas e convicções mutuamente; e que serão capazes de chegar facilmente a um consenso. Mas quando os integrantes percebem que são socialmente diferentes uns dos outros, mudam suas expectativas, antecipam diferenças de opinião e perspectiva – e presumem que terão de trabalhar mais arduamente para chegar a um acordo. Essa lógica ajuda a explicar tanto as vantagens quanto as desvantagens da diversidade social: as pessoas saem de sua área de conforto e tendem a se empenhar mais cognitiva e socialmente em ambientes diversificados. E esse esforço pode levar a resultados melhores, além de favorecer a autoestima.

Em um estudo sobre o processo de tomada de decisão de júris, o psicólogo social Samuel Sommers, pesquisador da Universidade Tufts, propôs um experimento: reunidos em equipes, voluntários deveriam deliberar sobre um caso de ataque sexual. O pesquisador observou que grupos etnicamente diversos trocaram um leque bem mais amplo de informações durante a discussão do que grupos formados exclusivamente por brancos. Em colaboração com juízes e encarregados de júris em um tribunal de Michigan, Sommers conduziu julgamentos simulados com jurados previamente selecionados. Embora os participantes soubessem que o júri simulado era um experimento patrocinado pelo tribunal, eles não tinham conhecimento de que o verdadeiro objetivo da pesquisa era estudar o impacto da diversidade racial na tomada de decisão dos jurados.

Sommers compôs os júris de seis pessoas somente com jurados brancos, ou com quatro jurados brancos e dois negros. Como seria de esperar, os júris diversificados se saíram melhor na consideração dos fatos do caso, cometeram menos erros ao recordar informações relevantes e exibiram maior abertura para discutir o papel da etnia/raça no caso. Esses avanços não ocorreram necessariamente porque os jurados negros levaram novas informações ao grupo; aconteceram porque os participantes brancos mudaram seu comportamento na presença dos negros. Diante da diversidade, foram mais cuidadosos e menos preconceituosos.

Agora considere o seguinte cenário: você está redigindo um trecho de um artigo que será em breve apresentado em uma conferência e está antecipando algumas divergências e potenciais dificuldades de comunicação porque você é brasileiro e a pessoa com que fará o debate no dia da apresentação é chinesa. Devido a uma distinção social, você talvez se concentre em outras diferenças entre vocês, como a cultura, educação e experiências dele ou dela – aspectos que você não esperaria de um colega do mesmo país. Como você se prepara para o evento? É bem provável que se dedique mais a explicar seu raciocínio e antecipar alternativas do que faria em outras circunstâncias.

Pois bem, é assim que a diversidade funciona: a criatividade estimula a consideração de alternativas antes mesmo que ocorra qualquer interação interpessoal. O desconforto associado ao que é diferente pode ser imaginado como a dor resultante de exercícios físicos. Para desenvolver seus músculos, você tem de se esforçar. Como diz o velho ditado, “sem esforço não há recompensa”. Da mesma maneira, precisamos de diversidade em equipes, organizações e na sociedade em geral se quisermos mudar, evoluir e inovar.

EU ACHO …

ESBOÇO DO SONHO DO LÍDER

O sono do líder é agitado. A mulher sacode-o até acordá-lo do pesadelo. Estremunhado, ele se levanta, bebe um pouco de água, vai ao banheiro onde se vê diante do espelho. O que vê ele? Um homem de meia-idade. Ele alisa os cabelos das têmporas, volta a deitar-se. Adormece e a agitação do mesmo sonho recomeça. “Não, não!” debate-se com a garganta seca.

É que o líder se assusta enquanto dorme. O povo ameaça o líder? Não, pois se foi o povo que o elegeu como líder do povo. O povo ameaça o líder? Não, pois escolheu-o no meio de lutas quase sangrentas. O povo ameaça o líder? Não, porque o líder cuida do povo. Cuida do povo?

Sim, o povo ameaça o líder do povo. O líder revolve-se na cama. De noite ele tem medo. Mesmo que seja um pesadelo sem história. De noite vê caras quietas, uma atrás da outra. E nenhuma expressão nas caras. É só este o pesadelo, apenas isso. Mas cada noite, mal adormece, mais caras quietas vão-se reunindo às outras, como na fotografia em branco e preto de uma multidão em silêncio. Por quem é este silêncio? Pelo líder. É uma sucessão de caras iguais como numa repetição monótona de um rosto só. Parece uma terrível fotomontagem onde a inexpressão das caras dá-lhe medo. Nesse painel monstruoso, caras sem expressão. Mas o líder se cobre de suores porque os milhares de olhos vazios não pestanejavam. Eles o haviam escolhido. E antes que eles enfim se aproximassem definitivamente, ele gritou: sim, eu menti! Juro, acredite em mim – a sala de visitas estava escura – mas a música chamou para o centro da sala – uma coisa acordada estava ali – a sala se escureceu toda dentro da escuridão – eu estava nas trevas – senti que por mais escura a sala era clara – agasalhei-me no medo – como já agasalhei de ti em ti mesmo – que foi que encontrei? – nada senão que a sala escura enchia-se de uma claridade que não iluminava – e que eu tremia no centro dessa difícil luz – acredita em mim embora seja difícil explicar – sou alguma coisa perfeita e graciosa – como se eu nunca vira uma flor – e com medo pensei que aquela flor é a alma de quem acabara de morrer – e eu olhava aquele centro iluminado que se movia e se deslocava – e a flor me impressionava como se houvesse uma abelha perigosa rondando a flor – uma abelha gelada de pavor – diante da irrespirável graça desse bruxuleio que era a flor – e a flor depois ficava gelada de pavor diante da abelha que era muito doce das flores que ela no escuro chupava – acredita em mim que não entendo – um rito fatal se cumpria – a sala estava cheia de um sorriso penetrante – tratava-se apenas de um esbranquiçar das trevas – não ficou nenhuma prova – nada te posso garantir – eu sou a única prova de mim – e assim te explico o que os outros não entendem e me põe no hospital – não entendo que se possa ter medo de uma rosa – experimentaram com violetas que eram mais delicadas – mas tive medo – tinha cheiro de flor de cemitério – e as flores e as abelhas já me chamam – não sei como não ir – na verdade eu quero ir – não lamente a minha morte – já sei o que vou fazer e aqui mesmo no hospital – não será suicídio, meu amor, amo demais a vida e por isso nunca me suicidaria, vou mais é ser a claridade móvel, sentir o gosto de mel se eu for designada para ser abelha.

*** CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

BELEZA SEM RETOQUES

Um movimento que se espalha nas redes sociais prega a valorização da imagem real, perdida atrás dos onipresentes filtros que produzem rostos perfeitos

Abrir o Instagram e verificar as últimas postagens dos amigos é o modo como uma multidão de indivíduos começa, segue e termina seu dia. Na tela de celular ou do laptop aparecerá um desfile de rostos perfeitos: pele sem marcas, lábios grossos, cílios volumosos, contorno primoroso. Não é a expressão da realidade, mas passa a ser, porque quase todo mundo faz igual – aplica sobre a foto nua e crua um filtro que se encarrega de apagar imperfeições. De tanto olharem para si mesmas e para os outros com uma percepção deformada pelas edições do visual, muitas pessoas acabam embarcando em uma perturbação mental que ganhou até nome e sobrenome: dismorfia do Snapchat, menção ao aplicativo de mensagens que primeiro popularizou o trânsito de fotos pessoais na web. Reagindo ao exagero, um movimento pela valorização da beleza real vem ganhando adeptos na rede: a hashtag #semfiltro já tem mais de 8 milhões de marcações, boa parte delas de celebridades exibindo seus traços naturais. “É uma questão de liberdade de escolha. Quem se expõe ao natural encoraja outras pessoas a admirar a própria imagem independentemente dos padrões vigentes”, diz a antropóloga Hilaine Yaccoub.

Mostrar uma versão melhorada de si mesma, próxima do visual das irmãs Kardashian – elas próprias aficionadas por filtros de toda espécie -, pode começar como brincadeira e virar problema. A apresentadora Ana Furtado, 47 anos, publicou um vídeo comparando seus traços originais com os modificados por efeitos. “A busca pelo impossível é nociva e atinge todas nós. É um exercido diário escapar das armadilhas da comparação”, escreveu em seu perfil, onde tem 4,8 milhões de seguidores. Asatrizes Larissa Manoela, 20 anos, e Bruna Marquezine, 25, também divulgaram fotos de cara limpa, bem como a apresentadora Patrícia Poeta (todas, claro, lindas de qualquer jeito). Paolla Oliveira, em entrevista recente, reclamou da “chatice” de ser perfeita sempre.

Na onda de exaltação da beleza natural, a influenciadora digital paulistana Dora Figueiredo, 27 anos, criou um filtro que, em vez de aperfeiçoamentos, contém frases para estimular a autoestima. Resultado: 27 milhões de aplicações. “Precisamos normalizar nossos defeitos”, pondera a sensata Dora. A estudante de publicidade Camila Hirt, 21 anos, de Brasília, confessa que adorava explorar as diversas possibilidades de efeitos em sua imagem – até se pegar consultando o preço de preenchimento labial em clínicas de estética. “Os filtros criaram incômodos que não existiam. Percebi que estava me comparando com minha própria imagem filtrada”, diz ela, que desde então reduziu drasticamente o volume de modificações.

Em grande parte por causa dos filtros, a busca por procedimentos estéticos tem, de fato, aumentado sem parar. As pesquisas no Google sobre harmonização facial e rinoplastia cresceram, respectivamente, 2000% e 700% no último ano. A dermatologista Ligia Kogos conta que muitos pacientes chegam a sua clínica em São Paulo com as próprias selfies filtradas como referência para a aparência que desejam. “A parte boa é que os médicos conseguem entender melhor o que querem. O problema é que muitas vezes isso é inatingível”, ressalta.

Sem excessos, os filtros podem, sim, ser aliados nos dias em que a imagem no espelho não agrada. A professora de ioga catarinense Gabriela Bez, 29 anos, deixou de usar Photoshop em todas as imagens compartilhadas da rotina de academia e de biquíni e recebeu muitos elogios, mas nem por isso excluiu o app do seu cotidiano. “Busco uma relação de equilíbrio. Os filtros não são necessariamente danosos, mas abandonei os que fazem intervenções radicais”, afirma. Para o psicólogo Cristiano Nabuco, a melhor forma de lidar com essas ferramentas é se questionar sempre sobre motivos e consequências. “A recomendação é não se deixar levar por aquilo que todos estão fazendo e pensar sobre o que se posta”, ensina. Em resumo, o exagero e a dependência são sempre nocivos – ainda que se esteja em busca da beleza.

Abrir o Instagram e verificar as últimas postagens dos amigos é o modo como uma multidão de indivíduos começa, segue e termina seu dia. Na tela de celular ou do laptop aparecerá um desfile de rostos perfeitos: pele sem marcas, lábios grossos, cílios volumosos, contorno primoroso. Não é a expressão da realidade, mas passa a ser, porque quase todo mundo faz igual – aplica sobre a foto nua e crua um filtro que se encarrega de apagar imperfeições. De tanto olharem para si mesmas e para os outros com uma percepção deformada pelas edições do visual, muitas pessoas acabam embarcando em uma perturbação mental que ganhou até nome e sobrenome: dismorfia do Snapchat, menção ao aplicativo de mensagens que primeiro popularizou o trânsito de fotos pessoais na web. Reagindo ao exagero, um movimento pela valorização da beleza real vem ganhando adeptos na rede: a hashtag #semfiltro já tem mais de 8 milhões de marcações, boa parte delas de celebridades exibindo seus traços naturais. “É uma questão de liberdade de escolha. Quem se expõe ao natural encoraja outras pessoas a admirar a própria imagem independentemente dos padrões vigentes”, diz a antropóloga Hilaine Yaccoub.

Mostrar uma versão melhorada de si mesma, próxima do visual das irmãs Kardashian – elas próprias aficionadas por filtros de toda espécie -, pode começar como brincadeira e virar problema. A apresentadora Ana Furtado, 47 anos, publicou um vídeo comparando seus traços originais com os modificados por efeitos. “A busca pelo impossível é nociva e atinge todas nós. É um exercido diário escapar das armadilhas da comparação”, escreveu em seu perfil, onde tem 4,8 milhões de seguidores. Asatrizes Larissa Manoela, 20 anos, e Bruna Marquezine, 25, também divulgaram fotos de cara limpa, bem como a apresentadora Patrícia Poeta (todas, claro, lindas de qualquer jeito). Paolla Oliveira, em entrevista recente, reclamou da “chatice” de ser perfeita sempre.

Na onda de exaltação da beleza natural, a influenciadora digital paulistana Dora Figueiredo, 27 anos, criou um filtro que, em vez de aperfeiçoamentos, contém frases para estimular a autoestima. Resultado: 27 milhões de aplicações. “Precisamos normalizar nossos defeitos”, pondera a sensata Dora. A estudante de publicidade Camila Hirt, 21 anos, de Brasília, confessa que adorava explorar as diversas possibilidades de efeitos em sua imagem – até se pegar consultando o preço de preenchimento labial em clínicas de estética. “Os filtros criaram incômodos que não existiam. Percebi que estava me comparando com minha própria imagem filtrada”, diz ela, que desde então reduziu drasticamente o volume de modificações.

Em grande parte por causa dos filtros, a busca por procedimentos estéticos tem, de fato, aumentado sem parar. As pesquisas no Google sobre harmonização facial e rinoplastia cresceram, respectivamente, 2000% e 700% no último ano. A dermatologista Ligia Kogos conta que muitos pacientes chegam a sua clínica em São Paulo com as próprias selfies filtradas como referência para a aparência que desejam. “A parte boa é que os médicos conseguem entender melhor o que querem. O problema é que muitas vezes isso é inatingível”, ressalta.

Sem excessos, os filtros podem, sim, ser aliados nos dias em que a imagem no espelho não agrada. A professora de ioga catarinense Gabriela Bez, 29 anos, deixou de usar Photoshop em todas as imagens compartilhadas da rotina de academia e de biquíni e recebeu muitos elogios, mas nem por isso excluiu o app do seu cotidiano. “Busco uma relação de equilíbrio. Os filtros não são necessariamente danosos, mas abandonei os que fazem intervenções radicais”, afirma. Para o psicólogo Cristiano Nabuco, a melhor forma de lidar com essas ferramentas é se questionar sempre sobre motivos e consequências. “A recomendação é não se deixar levar por aquilo que todos estão fazendo e pensar sobre o que se posta”, ensina. Em resumo, o exagero e a dependência são sempre nocivos – ainda que se esteja em busca da beleza.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 22 DE ABRIL

QUANDO A JUSTIÇA FALHA

A terra virgem dos pobres dá mantimento em abundância, mas a falta de justiça o dissipa (Provérbios 13.23).

Há pobreza que não é resultado da indolência, mas da injustiça. Há pessoas honradas que lutam com grande empenho e trabalham com grande esforço, mas não usufruem o resultado de seu trabalho em virtude do sistema perverso e injusto que assalta o seu direito. O povo de Israel foi muitas vezes oprimido por inimigos políticos. Os israelitas plantavam suas lavouras e colhiam seus frutos abundantes, mas precisavam entregar o melhor de sua colheita para pagar pesados tributos aos reinos estrangeiros. Outras vezes eram explorados pelos próprios irmãos, que em tempos de aperto lhes emprestavam dinheiro com usura e depois, com juros pesados, acabavam tomando suas terras, suas lavouras, suas casas e até mesmo seus filhos. Essa dolorosa realidade acontece ainda hoje. Temos em nossa nação uma das mais pesadas cargas tributárias do mundo. Trabalhamos à meia com o governo. Nossa terra produz mantimento com abundância, mas o injusto sistema tributário dissipa o fruto do nosso trabalho. Aqueles que, por dever de consciência, não lançam mão da sonegação gemem para pagar seus impostos. E o pior: veem, estarrecidos, essas riquezas caindo no ralo da corrupção, desviadas para abastecer contas nababescas de indivíduos inescrupulosos.

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

INTOLERÂNCIA: QUE VENHAM OS DIFERENTES!

Conviver com pessoas que pensam, sentem e preferem coisas diversas daquelas com as quais estamos acostumados pode ser desconfortável, mas há grandes benefícios na diversidade étnica e religiosa, de gênero e de orientação sexual: essa convivência contribui para o amadurecimento psíquico, nos torna mais criativos. E para as empresas, pode ser muito lucrativa

A primeira coisa a ser reconhecida sobre a diversidade é que ela não é fácil. A discussão sobre inclusão está relativamente avançada em muitos pontos, mas a mera menção da palavra “diversidade” pode gerar ansiedade e conflito. Talvez seja razoável perguntar que benefícios a diversidade nos traz. Quando se trata de especialização, as vantagens parecem óbvias, pois provavelmente você não cogitaria passar por uma cirurgia delicada se não fosse com médicos preparados para cuidar do seu caso específico. Mas como reagimos se o assunto é diversidade social? Que benefício traz a diversidade étnica e religiosa.de gênero e orientação sexual? Vários estudos têm mostrado que a diversidade nos grupos pode gerar desconforto, interações ásperas, desconfiança, conflito interpessoal, dificuldades de comunicação, menos coesão, mais preocupação com desrespeito e até violência. Mas. Então, qual a vantagem de insistirmos em conviver com quem é diferente de nós?

O fato é que, cada vez mais, integrar equipes ou organizações capazes de inovar requer a convivência com formas variadas de ser e estar no mundo. Em outras palavras, diversidade intensifica a criatividade, estimula a busca de novas informações e perspectivas, levando a processos mais eficientes de tomada de decisões e solução de problemas. Em termos econômicos, a diversidade pode melhorar os resultados financeiros de empresas e levar a descobertas e inovações revolucionárias.

Do ponto de vista psicológico, o simples fato de ser exposto à diversidade pode mudar o modo como você pensa. E esse não é apenas um desejo mirabolante: é a conclusão de décadas de pesquisas realizadas por cientistas, sociólogos, economistas e demógrafos. E principalmente psicólogos.

OUTRO JEITO DE SABER

O segredo para entender a influência positiva do conceito de diversidade se baseia na informação. Quando pessoas são reunidas para resolver problemas em grupos, costumam trazer dados, opiniões e perspectivas variadas. Pense numa equipe interdisciplinar construindo um carro, formada por engenheiros, físicos, projetistas, designers, especialistas em controle de qualidade. A mesma lógica se aplica à diversidade social. Pessoas distintas em termos de etnia, gênero e outras características contribuem com informações e experiências únicas para executar uma tarefa. Um engenheiro e uma engenheira podem ter perspectivas tão diferentes quanto um engenheiro e um físico – e isso é algo positivo.

Estudos sobre organizações grandes e inovadoras mostraram isso reiteradamente. Os pesquisadores Cristian Deszó, da Universidade de Maryland, e David Ross, da Universidade Columbia, estudaram o efeito da diversidade de gênero nas principais empresas da lista Standard & Poors Composite 1500, um grupo desenvolvido para refletir o mercado acionário geral americano. Primeiro, eles examinaram o tamanho e a composição de gênero da cúpula administrativa de empresas. Em seguida, analisaram seu desempenho financeiro. Eles descobriram que a presença feminina no alto escalão administrativo leva a um aumento médio de US$ 42 milhões no valor da empresa. Deszó e Ross também mediram a “intensidade inovadora” da companhia recorrendo à proporção entre gastos em pesquisa e desenvolvimento e bens – e constataram que empresas que priorizavam inovação registravam ganhos maiores quando havia mulheres nos níveis hierárquicos superiores.

Diversidade étnica pode proporcionar os mesmos tipos de benefícios. Em um estudo realizado na Universidade do Texas, em Dallas, o professor de administração Orlando Richard e seus colegas avaliaram executivos de 177 bancos nacionais nos Estados Unidos e, em seguida, compilaram um arquivo de dados comparando desempenho financeiro, diversidade étnica e ênfase que os presidentes das instituições conferiam à inovação. Nos bancos voltados para inovação o aumento na diversidade racial se mostrou claramente associado ao melhor desempenho financeiro.

Uma equipe de pesquisadores do Instituto de Pesquisa do Banco Suisse divulgou relatório de pesquisa com 2.360 empresas ao redor do mundo. com resultados do exame de uma possível associação entre diversidade de gêneros em conselhos administrativos corporativos e desempenho financeiro. Como já era esperado, os pesquisadores constataram que empresas com uma ou mais mulheres no conselho geraram retornos médios sobre o patrimônio mais altos, menor dívida líquida em relação ao capital e maior crescimento médio.

Estudos de grandes conjuntos de dados têm uma limitação óbvia: eles só mostram que a diversidade está associada ao desempenho melhor e não que ela produz melhor desempenho. Já as pesquisas sobre diversidade racial em pequenos grupos permitem algumas conclusões causais. Mais uma vez, os resultados são claros: para grupos que valorizam inovação e novas ideias, a diversidade ajuda.

EU ACHO …

MEDO DA LIBERTAÇÃO

Se eu me demorar demais olhando Paysage aux Oiseaux Jaunes (Paisagem com Pássaros Amarelos, de Klee), nunca mais poderei voltar atrás. Coragem e covardia são um jogo que se joga a cada instante. Assusta a visão talvez irremediável e que talvez seja a da liberdade. O hábito que temos de olhar através das grades da prisão, o conforto que traz segurar com as duas mãos as barras frias de ferro. A covardia nos mata. Pois há aqueles para os quais a prisão é a segurança, as barras um apoio para as mãos. Então reconheço que conheço poucos homens livres. Olho de novo a paisagem e de novo reconheço que covardia e liberdade estiveram em jogo. A burguesia total cai ao se olhar Paysage aux Oiseaux Jaunes. Minha coragem, inteiramente possível, me amedronta. Começo até a pensar que entre os loucos há os que não são loucos. E que a possibilidade, a que é verdadeiramente, não é para ser explicada a um burguês quadrado. E à medida que a pessoa quiser explicar se enreda em palavras, poderá perder a coragem, estará perdendo a liberdade. Les Oiseaux Jaunes não pede sequer que se o entenda: esse grau é ainda mais liberdade: não ter medo de não ser compreendido. Olhando a extrema beleza dos pássaros amarelos calculo o que seria se eu perdesse totalmente o medo. O conforto da prisão burguesa tantas vezes me bate no rosto. E, antes de aprender a ser livre, tudo eu aguentava – só para não ser livre.

*** CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

UM JEITO NOVO DE ENSINAR

Movimentação de gigantes do setor educacional confirma que os sistemas de aulas padronizadas, atrelados a plataformas digitais, já são uma realidade no Brasil

Um negócio milionário selado no setor de educação nos últimos dias trouxe a consolidação de dois gigantes do ramo – a paulista Cogna e o carioca Eleva – e deu um empurrão a uma transformação já em curso e decisiva no modo de ensinar: a adoção maciça dos chamados “sistemas de ensino”, um conjunto padronizado de roteiros de aula, cadernos de estudos e exercícios, atividades e plataformas digitais desenvolvidos e disseminados pelos grandes grupos educacionais. Nada a ver com as tradicionais apostilas de antigamente, vistas (com boa dose de razão) como um instrumento de mercantilização e queda de qualidade, na sua pressa de tornar o lugar dos livros didáticos. O objetivo declarado dos sistemas atuais é oferecer, pronto e organizado, aquilo que muitas escolas têm dificuldade em montar sozinhas – um currículo atraente e conectado com o mundo moderno.

O acordo comercial envolvendo Cogna e Eleva desfila números espetaculares. A Cogna comprou por 580 milhões de reais a plataforma de ensino Eleva, subindo para 1,5 milhão o total de estudantes que alcança em 4.600 escolas atendidas por sistemas sob seu guarda-chuva. Na transação, vendeu ao Eleva seus colégios justamente para centrar as fichas na venda de metodologias. O Eleva, que tem o megaempresário Jorge Paulo Lemann como principal investidos, pagou 964 milhões de reais pelo controle de 51 escolas de marcas diversas – Anglo, pH, Pitágoras – do ex- rival, e assim assumiu o pódio de grupo com mais instituições de ensino básico sob sua administração: 175 (o negócio ainda aguarda o parecer do Cade).

Pelo acordo de dez anos firmado entre as duas empresas, a Somos, que congrega os sistemas de ensino da Cogna e viu seu faturamento explodir na pandemia com as aulas a distância, fornecerá material a 90% das escolas que já eram do Eleva e a 100% das que agora passam a fazer parte do seu portfólio, reforçando a intenção de se concentrar nesse ramo de negócios. “Fortaleceremos ainda mais nosso ecossistema de plataformas”, confirma Rodrigo Galindo, CEO da Cogna. A própria Eleva, embora focado em administrar escolas, não ficará ausente do mercado dos sistemas de ensino, explorando nele um quinhão específico: vai desenvolver programas voltados para o aprendizado das habilidades socio­emocionais – área em alta nestes modernos tempos em que o traquejo para trabalhar em equipe e a capacidade para solucionar problemas são tão exigidos. “A ideia é investir em tecnologias e currículos inovadores”, diz Duda Falcão, diretora-executiva do Eleva.

Um levantamento da consultoria Hoper Educação mostra que os sistemas de ensino estão presentes em 74% das escolas particulares em todo o país – em 2013, eram 68%.”Colégios médios e pequenos não dão conta de acompanhar as mudanças frequentes na educação. Nos próximos anos, eles terão de se adequar à Base Nacional Comum Curricular, o que exigirá esforço e investimento. Os sistemas de ensino oferecem a solução pronta,” explica William Klein, CEO da Hoper. O conceito estende-se para além do papel, como bem condiz ao século XXI: há plataformas digitais com videoaulas, plantões de dúvidas e resolução de exercícios. É possível contratar ainda treinamento para professores. “Essas ferramentas ajudam a organizar o trabalho pedagógico”, frisa Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV. “Os alunos gostam, já que ali encontram bons guias de estudo”, observa Vanderlei Cardoso, coordenador de matemática do colégio Albert Sabin, em São Paulo. O termômetro do Enem mostra que, mesmo que a qualidade do material varie, tem funcionado: oito das dez escolas no topo do ranking do Enem empregam a nova safra de sistemas de ensino.

As raízes do que hoje se vê a toda nas salas de aula começaram a brotar no Brasil da década de70, junto com os cursinhos preparatórios para o vestibular, com base no material didático apostilado que eles popularizaram. Hoje, 45 empresas concorrem nesse lucrativo mercado. As cinco maiores – Cogna, Arco, Vasta, Opet e Pearson – chegam a 78% dos alunos em escolas particulares, uma turma de 3,7 milhões de crianças e adolescentes que aprendem de um jeito diferente. O trunfo competitivo, cada vez mais, está no emprego de tecnologia. O grupo SEB, dono das escolas Concept e Pueri Domus, passou a utilizar ferramentas de inteligência artificial para turbinar sua plataforma, a Conexia, que vende a outros colégios. “Isso vai permitir ao aluno criar seu próprio itinerário de aprendizagem, de forma mais individualizada”, diz Sandro Bonas, CEO da empresa, que inclui em seu currículo atividades como desenvolvimento de startups e programação de robôs. A ideia de sistemas padronizados que individualizam o aprendizado é boa. A educação, definitivamente, passa por tempos de grandes mudanças.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 21 DE ABRIL

PARA QUEM VOCÊ DEIXARÁ HERANÇA?

O homem de bem deixa herança aos filhos de seus filhos, mas a riqueza do pecador é depositada para o justo (Provérbios 13.22).

A Bíblia diz que os pais entesouram para os filhos. Esse é um princípio que rege todas as culturas. O texto em tela, porém, vai além e diz que o homem de bem deixa herança não apenas para os filhos, mas também para os netos. É diferente, entretanto, o destino da riqueza do pecador. Ele ajunta seus bens com grande sofreguidão, e não poucas vezes até de forma desonesta, mas esses dividendos serão depositados para o justo. O pecador não apenas deixará de usufruir plenamente esses valores, como também não os deixará como herança para seus filhos e netos. Aqueles que com ganância ajuntam campo a campo e casa a casa, acumulando bens mal adquiridos, jamais se aquecem e jamais se fartam. Têm tudo, mas não sentem satisfação em nada. Acumulam bens, mas essas riquezas não lhes proporcionam felicidade. Vivem em luxuosos condomínios fechados, mas não se sentem seguros. Aquilo que entesouram com tanta gana vaza pelos dedos e escapa de suas mãos. Por buscarem em primeiro lugar a riqueza e por amarem o dinheiro mais do que a Deus, atormentarão sua alma com muitos flagelos e ainda não deixarão sua herança para sua futura geração.

GESTÃO E CARREIRA

ADEUS AO POWER POINT

Ao tornar os treinamentos menos maçantes e mais tecnológicos, a Liq melhorou o desempenho de recém-contratados e economizou 1,6 milhão de reais em seleção e capacitação

Imagine um funcionário que deixa a empresa antes de terminar o período de treinamento, obrigando o RH a realizar um novo processo de recrutamento e seleção, com todos os custos que isso implica. Era o que acontecia com frequência na Liq, antiga Contax, companhia brasileira de customer experience (atendimento ao cliente por canais virtuais e presenciais), ao contratar pessoas para atuar na área de operações. Após avaliar as entrevistas de desligamento, a empresa concluiu que o problema estava na capacitação – que, até 2016, era longa, com 20 dias de aulas puramente teóricas e inúmeras apresentações em PowerPoint. “Nossa metodologia era ultrapassada admite Andrei Passig, diretor de RH. Como resultado, 4% dos recém-contratados pediam demissão antes mesmo do fim do processo. Quando resistiam, muitos apresentavam dificuldades para reter o conteúdo e não obtinham a nota mínima para ser aprovados na avaliação final sendo necessário colocá-los em sala de aula novamente para relembrar os principais tópicos. “Estávamos enxugando gelo”, afirma Passig. Somente em 2016, a organização promoveu mais de 8 milhões de horas de exercícios para preparar quem estava chegando. Mas os entraves continuavam, inclusive quando o trabalhador começava efetivamente a atuar. De acordo com Passig, a qualidade do atendimento e a produtividade dos empregados eram baixas, e o novato demorava em torno de 90 dias para atingir a mesma curva de aprendizagem dos veteranos. A saída foi modernizar o ensino naquele ano, apostando em games e ferramentas de interatividade.

A SOLUÇÃO

Cerca de 30% dos profissionais empregados pela Liq têm, na companhia seu primeiro emprego. Para atender aos anseios de um público jovem, motivá-lo e ajudá-lo a reter o conhecimento, a empresa percebeu que as aulas iniciais tinham de ser mais ágeis e interativas. Para isso, desenvolveu um método próprio, que batizou de Smart Learning, baseado em recursos multimídia e games. “Priorizamos a prática. Nossos simuladores reproduzem o sistema da Liq e trazem atores apresentando comportamentos reais que acontecem durante um atendimento”, diz Passig, observando que o período de treinamento inicial foi reduzido pela metade, para dez dias, em média. Mesmo assim, respeitamos a individualidade de cada funcionário. Ele só passa para a área de operações quando se sente preparado, afirma o executivo. Entre jogos didáticos que exploram competências e habilidades, simulações de sistemas e testes virtuais, a Liq realizou 4 milhões de horas de preparação para os calouros no ano passado. A empresa também montou o que chama de Fábrica de Conteúdo, formada por 25 profissionais, dez deles recrutados fora e outros 15 desenvolvidos internamente. A função desse pessoal é adequar o material didático específico de cada cliente (são 50, no total) ao modelo. “Composto de analistas, instrutores e supervisores, o grupo se dedica exclusivamente a construção e reciclagem de treinamentos com base em nossa nova metodologia”.

O RESULTADO

Até o final deste ano, a Liq terá contratado 15.000 pessoas para sua área de operações. Desse total, 60% já serão treinadas pelo Smart Learning – ainda falta adequar material de alguns clientes à nova lógica de ensino. “A satisfação dos funcionários com a capacitação aumentou 30%, conforme pesquisa”, afirma Passig. Embora tenha diminuído o número de horas de qualificação, a rotatividade entre os recém-contratados caiu de 4% para 0,3%, graças à imersão prática vivenciada por eles. De acordo com o diretor de RH, as notas alcançadas pelos empregados nas avaliações realizadas ao final do processo melhoraram 20%. Levando em conta a queda da rotatividade, bem como a redução dos custos com seleção e treinamento, a companhia economizou 1,6 milhão de reais e espera superar esse valor no próximo ano. A produtividade dos novos trabalhadores também melhorou. Em um cliente do setor de telecomunicações, a Liq observou aumento de 14% nas vendas feitas por quem passou pelo sistema, em comparação com os resultados dos que foram capacitados no modelo antigo. Outro indicador importante é o tempo médio de atendimento, que diminuiu l2 %. “Deu tão certo que estamos expandindo o método, neste ano, para integração de funcionários, atualização de veteranos e formação de supervisores”, diz Passig. “Hoje temos até clientes que querem comprar a metodologia Smart Learning”.

LIQ

NEGÓCIO: Atendimento ao cliente final por voz, canais virtuais e presenciais

RECEITA OPERACIONAL LÍQUIDA: 1,7 bilhão de reais

SEDE NO BRASIL: São Paulo (SP)

PRESENÇA NO PAÍS: Operações em nove estados

NÚMERO DE FUNCIONÁRIOS: 45.000

CLIENTES: Mais de 50

ATIVIDADE: Mais de 1 bilhão de interações de funcionários com consumidores finais por ano

PROJETO: Modernização do treinamento para capacitar novos empregados da área de operações, agregando elementos multimídia e de interatividade para facilitar a aprendizagem

PRINCIPAIS RESULTADOS: A rotatividade durante o período de treinamento caiu de 4% para 0,3%, ao mesmo tempo em que o índice de satisfação dos trabalhadores com a nova metodologia cresceu 30%

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

INTOLERÂNCIA: ATÉ ONDE PODEMOS IR?

Há situações em que a insegurança, a ignorância e a busca por reconhecimento e valorização tolhem a capacidade de distinção entre o certo e o errado, sufocando valores morais a ponto de pessoas comuns se tomarem capazes de infligir grande sofrimento a alguém que identificam como diferente de si

Há 50 anos, um estudo hoje considerado clássico – e eticamente condenável -, conduzido pelo psicólogo americano Stanley Milgram, da Universidade Yale, colocou em dúvida os valores morais e a bondade de pessoas pacatas e comuns. E ainda hoje provoca discussões. A experiência pretendia explicar crueldades praticadas por adeptos do nazismo e se propunha a investigar de que maneira indivíduos tendem a obedecer às autoridades, mesmo quando as ordens contradizem o bom-senso. Os voluntários foram orientados a fazer perguntas a outros participantes e, caso as respostas estivessem erradas, os aplicadores deviam submetê-los a choques elétricos cada vez mais intensos. O que eles não sabiam, entretanto, é que as descargas não provocavam dor de verdade: a reação das “vítimas” não passava de encenação, pois haviam sido instruídas por Milgram para simular a dor.

Os resultados foram surpreendentes: cerca de dois terços daqueles que infligiam o castigo estavam bastante dispostos a levar adiante as medidas punitivas e, mesmo percebendo a intensidade do sofrimento que causavam, muitos chegavam ao ponto de colocar a mão dos que respondiam no dispositivo que (segundo acreditavam) dispararia os choques caso errassem.

Havia, porém, uma variação importante: se a maioria dos participantes fosse instruída a não punir os colaboradores, aqueles que recebiam orientação diferente em geral também se negavam a fazê-lo, numa clara tentativa de igualar-se ao grupo. Os resultados da experiência foram apresentados pela primeira vez em 1963, no artigo “Behavioral study of obedience”, publicado no periódico científico Journal of abnormal and social psychology. A repercussão do trabalho foi tão grande que no ano seguinte Milgram recebeu o prêmio anual em psicologia social, conferido pela Associação Americana para o Avanço da Ciência.

Considerando os resultados, é aceitável traçar uma analogia com os regimes ditatoriais, empenhados em persuadir cidadãos comuns à obedecer ordens de executar atos terríveis sem exibir sinal de estranhamento. Importante: não se trata de agir descontroladamente em um momento de raiva, mas sim de aceitar calmamente uma determinação – mesmo que a ação cause grande mal a alguém. Dependendo do contexto, as pessoas podem simplesmente ser levadas a crer que não devem exprimir sua vontade, tomando opiniões alheias como suas próprias “verdades”.

Um exemplo disso ocorreu em 1944, em Ruanda, quando a população civil hutu promoveu um genocídio de cerca de um milhão de tutsis e hutus moderados, matando mais de 900 mil pessoas entre homens, mulheres (inclusos inúmeros idosos), e crianças a golpes de machado e facões. Um dos detalhes mais aterradores: muitas das vítimas eram colegas, vizinhos e até parentes dos assassinos.

Situação igualmente assustadora foi o assassinato de 38 mil pessoas (e a prisão de outras 35 mil, enviadas para campos de concentração) durante a Segunda Guerra Mundial pelo batalhão de reserva 101. Que crueldades (incluindo mortes) tenham sido cometidas por soldados e oficiais do exército é revoltante, mas até certo ponto “compreensível”. Mas o que chama a atenção é que essa formação era composta por civis, todos com mais de 35 anos – até então pais de família “de bem”-, sem nenhum treinamento militar, recrutados na cidade de Hamburgo. O mais desconcertante é que nenhum deles era realmente obrigado a cometer as terríveis ações e os que eventualmente se recusavam a participar não sofriam represálias. Na verdade, esses crimes contra a humanidade não foram praticados sob coação, mas por outros motivos. Creio que um dos principais seja o desejo desesperado (e talvez insuspeito até então até para eles mesmos) de agradar os outros membros do grupo e, assim, serem aceitos. E, claro, havia o prazer partilhado de se sentir poderoso e superior às vítimas.

EU ACHO …

TEMAS QUE MORREM

Sinto em mim que há tantas coisas sobre o que escrever. Por que não? O que me impede? A exiguidade do tema talvez, que faria com que este se esgotasse em uma palavra, em uma linha. Às vezes é o horror de tocar numa palavra que desencadearia milhares de outras, não desejadas, estas. No entanto, o impulso de escrever. O impulso puro – mesmo sem tema. Como se eu tivesse a tela, os pincéis e as cores – e me faltasse o grito de libertação, ou a mudez essencial que é necessária para que se digam certas coisas. Às vezes a minha mudez faz com que eu procure pessoas que, sem elas saberem, me darão a palavra-chave. Mas quem? quem me obriga a escrever? O mistério é esse: ninguém, e no entanto, a força me impelindo.

Eu já quis escrever o que se esgotaria em uma linha. Por exemplo, sobre a experiência de ser desorganizada, e de repente a pequena febre de organização que me toma como a de uma antiga formiga. É como se o meu inconsciente coletivo fosse o de uma formiga.

Eu também queria escrever, e seriam duas ou três linhas, sobre quando uma dor física passa. De como o corpo agradecido, ainda arfando, vê a que ponto a alma é também o corpo.

E é como se eu fosse escrever um livro sobre a sensação que tive uma vez que passei vários dias em casa muito gripada – e quando saí fraca pela primeira vez à rua, havia sol cálido e gente na rua. E de como me veio uma exclamação entre infantil e adulta: ah, como os outros são bonitos. É que eu vinha do escuro meu para o claro que também descobria que era meu, é que eu vinha de uma solidão de pessoas para o ser humano que movia pernas e braços e tinha expressões de rosto.

Também seria inesgotável escrever sobre beber mal. Bebo depressa demais, e não há alternativas: ou praticamente adormeço dentro de mim e fico morosa, pensativa sem que um pensamento se esclareça como descoberta, ou fico excitada dizendo tolices do maior brilho instantâneo. Mas – mas há um instante mínimo nesse estado em que simplesmente sei como é a vida, como eu sou, como os outros são, como a arte deveria ser, como o abstracionismo por mais abstrato não é abstrato. Esse instante só não vale a pena porque esqueço tudo depois, quase na hora. É como se o pacto com Deus fosse este: ver e esquecer, para não ser fulminada pelo saber.

E às vezes, por mais absurdo, acho lícito escrever assim: nunca se inventou nada além de morrer. E me acrescento: deve ser um gozo natural, o de morrer, pois faz parte essencial da natureza humana, animal e vegetal, e também as coisas morrem. E, como se houvesse ligação com essa descoberta, vem a outra óbvia e espantosa: nunca se inventou um modo diferente de amor de corpo que é estranho e cego. Cada um vai naturalmente em direção à reinvenção da cópia, que é absolutamente original quando realmente se ama. E de novo volta o assunto morrer. E vem a ideia de que, depois de morrer, não se vai ao paraíso, morrer é que é o paraíso.

A verdade é que simplesmente me faltou o dom para a minha verdadeira vocação: a de desenhar. Porque eu poderia, sem finalidade nenhuma, desenhar e pintar um grupo de formigas andando ou paradas – e sentir-me inteiramente realizada nesse trabalho. Ou desenharia linhas e linhas, uma cruzando a outra, e me sentiria toda concreta nessas linhas que os outros talvez chamassem de abstratas.

Eu também poderia escrever um verdadeiro tratado sobre comer, eu que gosto de comer e, no entanto, não como tanto. Terminaria sendo um tratado sobre a sensualidade, não especificamente a de sexo, mas a sensualidade de “entrar em contato” íntimo com o que existe, pois comer é uma de suas modalidades – e é uma modalidade que engage de algum modo o ser inteiro.

Também escreveria sobre rir do absurdo de minha condição. E ao mesmo tempo mostrar como ela é digna, e usar a palavra digna me faz rir de novo.

Eu falaria sobre frutas e frutos. Mas como quem pintasse com palavras. Aliás, verdadeiramente, escrever não é quase sempre pintar com palavras?

Ah, estou cheia de temas que jamais abordarei. Vivo deles, no entanto.

*** CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

UM BAIRRO INTEIRO IMPRESSO EM 3D

A ideia surgiu como uma solução para a crise imobiliária na Califórnia e pode revolucionar o mercado. O prazo mínimo para erguer uma casa usando impressoras 3D é de 24 horas

Apesar de serem repletas de recursos e glamour, as grandes metrópoles ao redor do mundo sofrem com um problema em comum: a falta de moradia para todos. É muita gente para pouco espaço e a demanda não para de aumentar, visto que a população urbana só cresce. Mas novas tecnologias prometem ampliar a oferta de casas em grande velocidade e diminuir o drama das pessoas que buscam um lugar para morar. A Mighty Buildings, empresa americana especializada em construções inovadoras, é um exemplo de reinvenção quando o assunto é habitação. Recentemente eles anunciaram a construção do primeiro bairro de casas sustentáveis feitas por impressoras 3D nos Estados Unidos.

O local escolhido foi o Valle Coachella, na Califórnia, conhecido pelo festival de música e o clima quente. Erguidos no “meio do deserto”, os empreendimentos iniciaram uma revolução imobiliária no País. Em conversa com a ISTOE, um representante da empresa informou quais são os planos de médio prazo. “As obras na Califórnia terminam em 2022, mas nosso plano de expansão é nacional. O céu é o limite”, disse. O esquema de pré-moldagem é a base do negócio e graças ao maquinário de última geração eles conseguem erguer casas com aproximadamente 106 metros quadrados em até 24 horas. Cerca de 80% da construção é automatizada e não há necessidade de envolver dezenas de funcionários no projeto. A necessidade de construir rapidamente fez com que a Mighty Buildings explorasse um território até então inexplorado. Ela segue padrões vistos em bairros como Tribeca, em Nova York, feitos sob medida e repletos de condomínios de luxo privados.

As moradias serão divididas em dois tipos: básico e customizado. Elas terão piscinas, cabanas, banheiras de hidromassagem, lareiras e chuveiros ao ar livre. Além disso, contam com mais de três quatros e dois banheiros. Os preços iniciais variam de U$S 595 mil – modelo básico – até US$ 950 mil, valores que fazem do bairro um condomínio de “mini-mansões”. “A meu ver, a construção 3D é tudo que o mercado quer. É a última palavra tratando-se de obras com baixo custo de mão de obra”, afirma o arquiteto Alexandre Fantozzi, especialista em sustentabilidade. Ele também reforça que é uma questão de tempo até a “onda 3D” tomar conta do mercado e substituir modelos tradicionais.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 20 DE ABRIL

O QUE VOCÊ PLANTA, ISSO VOCÊ COLHE

A desventura persegue os pecadores, mas os justos serão galardoados com o bem (Provérbios 13.21).

A lei da semeadura e da colheita é um princípio universal. Colhemos o que plantamos e colhemos mais do que plantamos. Quem semeia com fartura com abundância ceifará. A natureza da semente que plantamos determina a natureza da nossa colheita. Não podemos plantar o mal e colher o bem. Não podemos colher figos dos espinheiros. A árvore má não produz bons frutos. A Palavra de Deus diz que aquele que semeia ventos colhe tempestade, e quem semeia na carne da carne colherá corrupção. A desventura, o infortúnio e o mal perseguem os pecadores. Mas os justos serão galardoados com o bem. A prosperidade é a recompensa do justo. A prática do bem, ainda que permaneça sem a recompensa dos homens, jamais ficará sem a recompensa divina. José do Egito foi injustiçado pelos seus irmãos, mas Deus transformou essa injustiça em bênção. O apóstolo Paulo investiu sua vida na fundação de igrejas nas províncias da Galácia, Macedônia, Acaia e Ásia Menor. Sofreu açoites e prisões. Foi apedrejado e fustigado com varas. Carregou no corpo as marcas de Cristo. No final da sua vida, foi abandonado numa masmorra romana, mas Deus o assistiu e o revestiu de forças. Mesmo não recebendo sua herança na terra, recebeu seu galardão no céu.

GESTÃO E CARREIRA

JEITINHO BRASILEIRO

Para tornar o processo de seleção na área de vendas mais assertivo, a P&G precisou adaptar no país seu modelo global de recrutamento

Com presença em mais de 180 nações, a Procter & Gamble (P&G) é a maior empresa de bens de consumo do mundo. No esforço de expandir suas linhas de higiene pessoal e limpeza para áreas mais remotas do Brasil, a multinacional americana vem reforçando seu time comercial no país. Nos últimos dois anos, contratou 40 novos profissionais para o setor. A missão de recrutar vendedores, aparentemente simples, impôs um desafio à subsidiária. Como a política global manda priorizar pratas da casa em movimentações, foi preciso preencher as vagas internamente – o que não funcionou. “Muitas vezes, transferíamos funcionários que não se adaptavam à vida e ao trabalho na nova cidade. Além disso, tínhamos mais vagas do que gente para transferir”, diz Laura Furine, gerente de RH no Brasil. O time de recursos humanos decidiu, então, contratar localmente, buscando quem morasse próximo à região com o cargo disponível. Ao fazer isso, outro impasse: encontrar gente com perfil apropriado. Diante da situação, o turnover da área, que é estratégica para a expansão dos n:egócios, começou a crescer. Enquanto a rotatividade geral entre pessoas com até um ano de P&G era de 3% a 7%, entre os recém-contratados de vendas o índice variava de 8 % a 12%. A conclusão foi que estavam selecionando errado. “Era preciso dar um passo atrás e rever o processo no Brasil”, diz a gerente.

A SOLUÇÃO

Na P&G, oprocesso de recrutamento e seleção começa com inscrição pelo site. Prossegue com um questionário online de perfil comportamental. Na fase presencial há testes de raciocínio lógico aplicados pelo RH. Quempassa dessa etapa é submetido a entrevistas eprova de inglês, sempre que a vaga exige fluência. O processo é padrão e a multinacional exige que seja adotado em todo o mundo. Mas, diante da dificuldade de conseguir vendedor com o perfil necessário no Brasil, Laura e sua equipe tiveram de fazer adaptações. Incluíram no job description o pré-requisito “experiência anterior na função”, algo que não era mandatário. “Passou a ser, uma vez que aqueles que têm experiência em vendas trazem consigo o conhecimento do mercado e vários contatos comerciais, o que facilita a adaptação à função, garantindo uma curva de aprendizagem mais rápida e favorecendo o negócio”. Além disso, para evitar que a equipe de recrutamento, que fica em São Paulo, tivesse de fazer viagens a mais de 20 cidades para aplicar os testes, a P&G certificou 15 vendedores espalhados pelas cinco regiões do país para que pudessem aplicá-los aos candidatos próximos do local em que atuam. A certificação foi online, com duração de 2 horas. “Assim, fizemos apenas seis viagens em um ano”, diz Laura. Houve ainda reforço na divulgação de postos no Facebook e a criação de um programa interno de indicações, o Referral’s Program, em que funcionários ganham vale-presente quando recomendam um colega que é contratado.

O RESULTADO

De a cordo com a gerente, o primeiro passo do RH foi em relação à importância de focar o perfil adequado do candidato, em sua experiência na área de vendas, no conhecimento e na adaptação ao mercado onde iria atuar. O segundo foi a certificação para que os próprios vendedores aplicassem testes em suas regiões. Com essas medidas, a rotatividade entre novos contratados do setor caiu para índices entre 3% e 8%, taxa próxima à de outros profissionais com até um ano de casa. Segundo Laura, a iniciativa ainda trouxe economia (o valor não é divulgado), porque diminuiu os gastos com deslocamento do RH e também as despesas com recrutamento devido à redução de turnover. “Além disso, garantimos maior agilidade ao processo, tanto que triplicamos o número de aplicações de provas locais e, em mais de 90% dos casos, preenchemos a vaga dentro do prazo de 90 dias”, afirma a gerente de RH. Neste ano, a P&G vai certificar mais 20 profissionais da área comercial. Isso por que segue ampliando o departamento – até o final do ano, deverá contratar mais dez empregados para o setor. Na América Latina, a subsidiária brasileira da P&G é a que mais recruta, seguida pela filial mexicana. “Tomando nosso exemplo, o México também começou, no ano passado, a certificar seus profissionais de vendas para aplicar testes de raciocínio lógico em outras regiões, diz Laura.

P&G

NEGÓCIO: Indústria de bens de consumo.

FATIJRAMENTO: Não revela, mas diz que a américa latina foi responsável por 8% das vendas globais, com crescimento de 2% em comparação ao ano anterior.

PAÍSES EM QUE ESTÁ PRESENTE: 66

PAÍSES EM QUE DISTRIBUI PRODUTOS: Mais de 180

SEDE NO BRASIL: São Paulo (SP)

FÁBRICAS NO BRASIL: 4 em Louveira (SP), Seropédica e Rio de Janeiro (RJ) e Manaus (AM).

NÚMERO DE FUNCIONÁRIOS NO BRASIL: 3.500

NÚMERO DE FUNCIONÁRJOS NA ÁREA DE VENDAS NO BRASIL: 300

PROJETO: Adaptação do padrão gl08al de recrutamento e seleção para reduzir a rotatividade da área de vendas

PRINCIPAIS RESULTADOS: O turnover caiupara a faixa de 3% a 8%, próximo ao índice de pessoas com até um ano de casa (de 3% a 7%). Em mais de 90% dos casos, a empresa preencheu as vagas em até 90 dias

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

SOB O SIGNO DA INTOLERÂNCIA

Pesquisas na área de psicologia social e sociologia mostram que se suportamos o desconforto inicial da diferença temos muito a ganhar, não só afetivamente, mas também do ponto de vista cognitivo. Em outras palavras, a diversidade nos torna mais inteligentes.

É na diversidade que nos constituímos, mas a maioria das pessoas passa a vida se rebelando contra ela. A diferença atrai, mas em geral o que prevalece é o incômodo que causa – a ponto de, em muitos casos, suscitar o ódio. Não por acaso, em 3 mil anos de civilização a história registra apenas 500 anos não contínuos de paz. Mas é bom lembrar que o fato de não haver documentação precisa pode ocultar conflitos que se perderam. Nas últimas semanas, a polarização de opiniões, traduzida em intenções de votos, tem dividido o país, tem trazido à tona uma triste realidade: somos menos informados e mais machistas, homofóbicos, elitistas, higienistas, violentos e raivosos do que gostamos de admitir. O que nem sempre percebemos é que, não raro, a intolerância transfigura-se em tragédia, marcada pela enorme dificuldade de convivência com aqueles que têm formas diversas de ser e estar no mundo, mas também expõe o fato de que, mesmo contra nossa vontade, a diferença existe – seja na anatomia, no desejo, na pele, na crença, no afeto, na sexualidade ou na maneira de ser.

No processo de constituição psíquica, o ódio aparece como elemento primordial. Na etimologia grega, odeum significa “pequeno teatro” destinado a apresentações de música e declamação de poesias. Num primeiro momento, essa ligação pode parecer disparatada, mas convém considerar que no lugar onde são dramatizadas as emoções mediadas pela arte, a presença do ódio é recorrente. Na origem latina. odium refere-se a repugnância, aversão, evocando a ideia de repulsa e horror, acompanhada da certeza de que aquilo que provoca esse sentimento deve ser evitado. Possivelmente por isso, o assunto merece pouca atenção. Não por acaso, o psicanalista Mauro Mendes Dias, autor do livro Os ódios Clínica e política do psicanalista (Iluminuras, 2012), usa a palavra no plural. Seu intuito é justamente marcar a multiplicidade de maneiras de abordar e refletir sobre o assunto, tão complexo.

Falar do ódio não parece fácil. Nos escritos sobre psicanálise, o tema parece não despertar grande interesse em autores além de Freud. Entre as exceções estão alguns autores como Jacques Hassoun, que aborda o assunto em O obscuro objeto do ódio, e Jacques Lacan, que articula o tema em vários momentos de sua obra, avançando na abordagem em seu Seminário 20. Não seria exagero supor que abordar o tema desperta algum mal-estar, já que o ódio é a mais arcaica testemunha da incompletude e do desconforto, antes mesmo que as palavras dessem forma ao sentir.

Sua importância, porém, é grande. Constitutivo da noção de Outro, de estrangeiro, de diferente, o ódio surge permeado por uma rede complexa de afetos. “A princípio, parece evidente que a questão do(s) ódio(s) seja, além de clínica, também política. Todas as patologias sociais ligadas ao fanatismo e à segregação exigem uma compreensão teórica dessa paixão ‘triste’, que ao lado do amor e da ignorância forma um conjunto que Jacques Lacan denominou “paixões do ser”, escreve Maria Rita Kehl na apresentação do livro de Dias.

Freud afirma que o ódio é mais antigo que o amor e que os dois não se acham numa relação simples de contraposição. Ele fala da rejeição primordial do mundo externo repleto de estímulos que incomodam o “eu”: nas origens das relações está a expressão da repulsa primitiva. “O ódio está colocado antes porque logicamente é preciso considerar o Outro barrado que dá constituição ao sujeito. Outro esse que Freud alinha com o desprazer, como barra que atualiza a Lei da castração”, assinala Dias.

Nestes tempos incertos, em que tanta gente se mostra cheia de certezas, parece oportuno refletir sobre a dificuldade de aceitar o outro, em geral acompanhada de tentativas de evitar, subestimar ou ignorar aquele que parece nos provocar com a diferença. Uma forma diluída (e disfarçada) de vivenciar o ódio. O que pesquisas na área de psicologia social e sociologia mostram, porém, é que se suportamos o desconforto inicial da diferença temos muito a ganhar, não só afetivamente, mas também do ponto de vista cognitivo. Em outras palavras, a diversidade nos torna mais inteligentes.

A CIVILIZAÇÃO NÃO ESTÁ PRONTA!

O preconceito está por trás de todos os mecanismos de exclusão. “A intolerância é despertada pelo que está fora dos padrões”, diz a socióloga Luci Ribeiro, doutora em sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com pós-doutorado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), autora do livro Estranhos no mundo contemporâneo: exclusão social, preconceito e intolerância (Appris, 2014). “Vivemos em tempos de mudança econômica, social e de comportamento e isso abala muito a estrutura emocional daqueles que sempre tiveram lugar de privilégio”, afirma a pesquisadora, integrante do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Ciências Sociais (Lenps) da Universidade Estadual de Londrina (UEL). “Quando olhamos para o momento atual, de grande retrocesso social, é preciso considerar nosso passado recente marcado pela saída da ditadura e para a abertura democrática”, observa Ribeiro. Segundo ela, muitas vezes a ideia de segurança está associada à crença de que há formas ” corretas” de agir. Ela salienta que quando pensamos no período da ditadura sabemos que era tudo muito padronizado: havia trabalhadores e patrões; as mulheres tinham seu lugar como mães, esposas e sofriam a violência caladas; a homossexualidade era tratada como doença. “Aí vemos não só no Brasil, mas em vários países, uma abertura que faz com que os padrões sejam questionados; os lugares sociais e psíquicos começam a ser desfeitos e, assustadas, muitas pessoas buscam ‘segurança’, na tentativa de se convencer de que sua existência não está sendo colocada em xeque.” Outro ponto a ser considerado é a despolitização. ” Infelizmente não somos politizados para fortalecer estruturas de poder para garantir nossa constituição”, afirma Ribeiro. Ela ressalta que a eleição de deputados e senadores reproduz a velha política com a cara do novo. Não olhamos os programas de governo nem analisamos promessas dos candidatos. Há uma política com “p” minúsculo, muito mal conduzida, que tem como consequências a corrupção, a violência, a má qualidade dos serviços públicos. Em sua opinião, a situação não é ” culpa” do governo simplesmente, somos todos responsáveis; o quadro é multifatorial e como cidadãos muitos se retiram da cena, de forma emocionalmente imatura. “O que vemos em tempos de abertura é a necessidade de lidar com as consequências dos votos, é um aprendizado. Só que ainda temos a herança que valoriza o autoritarismo de uma figura masculina que fala mais alto, bate na mesa e diz que ‘vai dar jeito em tudo isso aí’. Mas, afinal, o que é ‘isso aí’?”, questiona Ribeiro. A pesquisadora lembra o pensador Norbert Elias, que trabalha muito com a questão da ” descivilização”, que o autor entende como padrões de sociabilidade, ou seja, a capacidade de conviver de forma pacífica em sociedade. De acordo com Elias, a civilização não está “pronta”. As relações que nos permitem coexistir tendem a se desgastar, por isso precisamos cuidar constantemente desse processo, pois os retrocessos acontecem. “Há momentos de claro recrudescimento das relações, com mais violência e menos empatia”, afirma a socióloga.

EU ACHO …

O MEDO DE ERRAR

A um suíço inteligente perguntamos uma vez por que não havia propriamente pensamento filosófico na Suíça. Como resposta, nosso interlocutor lembrou-me que seu país tem três raças, quatro línguas. De onde podemos concluir, três ou quatro pensamentos. Que esta nação que funciona, digamos, quase perfeitamente, precisa constantemente procurar um equilíbrio, fazer uma suma de ideias, reduzi-las àquela que, sem ferir completamente as outras, satisfaça mais ou menos a todos. Assim, quem pensa espera de antemão uma vitória apenas média. As ideias de cada um se encontram e param no seu ponto de contato com as outras. Ora, o pensamento filosófico é por excelência aquele que vai até o seu próprio extremo. Não pode admitir transigências, senão a posteriori. Nenhuma obra filosófica poderia ser construída tendo como um de seus princípios tácitos a necessidade de se chegar somente até certo ponto.

Este é mais um dos aspectos da neutralidade suíça. Esta não funciona apenas em relação a fins exteriores. É um princípio que dirige a paz interna, exatamente tendo em vista a mistura de raças. É um princípio, mais do que de paz, de apaziguamento. Ser neutro não é solução a determinado caso, ser neutro tornou- se, com o tempo, uma atitude e uma previdência.

Esse admirável país encontrou sua fórmula própria de organização social e política. Mas que pouco a pouco estendeu-se a uma fórmula de vida.

O amálgama de tendências e necessidades formou uma cultura e entranhou-se de tal forma nos indivíduos que, se esta nação não fosse formada de vários grupos raciais, se poderia cair na facilidade de falar em caráter racial.

Pode-se falar no entanto em caracteres nacionais – e um dos mais evidentes é o da atitude mental de precaução.

A impressão que se tem de um suíço é a de um homem que vive em segurança e, mais do que isso, que sofre da ânsia de segurança. A propósito disso poder-se-iam lembrar várias causas gerais, como situação geográfica, dificuldade de produção agrária etc.

Essa atitude de previdência encontra, a cada momento, motivo de se concretizar. E se estende até onde já seria desejável que se interrompesse.

Assim, por exemplo, é comum, pelo menos em Berna, ver-se metade de uma plateia retirar-se antes de começarem as músicas modernas. Às vezes antes de peças que serão executadas pela primeira vez na Suíça.

No entanto o povo suíço gosta realmente de música, sinceramente, sem nenhum esnobismo. O fato é motivado particularmente pelo horror que o povo tem pela música moderna ou pela literatura moderna ou pela pintura moderna: a palavra moderna soa um pouco como escândalo, como aventura ainda suspeita. Porém, mais amplamente e mais profundamente, esse fato vem de que o suíço teme errar na sua admiração.

Os suplementos literários de jornais suíços descobrirão cartas sepultas de Vigny – adivinharão pensamentos ocultos de Madame de Staël – atacarão, mesmo com certa ferocidade cômoda, o várias vezes falecido Renan – desculparão Victor Hugo nas suas brigas com amigos – e se aparece oportunidade de comemoração de centenários as páginas se cobrirão de comentários a respeito; há mais centenários na terra do que um homem atual pode prever.

Não é apenas por gosto e por respeito à tradição. É medo de se arriscar. Um escritor vivo é risco constante. É homem que pode amanhã injustificar a admiração que se teve por sua obra com um mau discurso, com um livro mais fraco.

O povo suíço nada recebeu gratuitamente. Tudo nessa terra tem marca de nobre esforço, de conquista paciente. E não foi pouco o que eles conseguiram – tornar-se um símbolo de paz.

Esse estado de alta civilização – onde a expressão homem civil tem realmente um sentido e uma força – eles o manterão a todo custo, com austera previdência, com dura disciplina mental, com a precaução contra o erro.

O que não impede que tanta gente, em silêncio, se jogue da ponte de Kirchenfeld, sem que os jornais sequer noticiem para que outros não o repitam. De algum modo há de se pagar a segurança, a paz, o medo de errar.

*** CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

ELES TÊM A SUA CARA

Grandes marcas internacionais investem em tecnologias para criar produtos personalizados e ampliar o perfil dos consumidores nas lojas

Reconhecido pela beleza universal de suas coleções, um modo de enxergar o mundo que podia ser vestido, o estilista francês Yves Saint Laurent (1936-2008) era temido por sua ironia, cortante como faca. Numa de suas mais conhecidas provocações, ele não deixou pedra sobre pedra: “A mais bela maquiagem de uma mulher é a paixão. Mas os cosméticos são mais fáceis de comprar”. E, no entanto, como o chavão manda dizer que dinheiro não compra felicidade, ter a pele em ordem foi sempre um exercício complicado, lento e demorado, afeito a jamais chegar ao ponto ideal. Até muito pouco tempo atrás, para achar o tom ideal de batons e bases para o rosto, vitais para a beleza da cútis, visitava-se uma loja tisica e perdia-se um bom tempo experimentando produtos do mostruário. Eles eram gentilmente apresentados por uma cuidadosa vendedora que dava seus próprios conselhos sobre os efeitos.

A pandemia, sempre ela, incontornável, introduziu definitivamente a tecnologia a serviço da simplicidade. A novidade: grandes grifes estão investindo em recursos capazes de facilitar a escolha da melhor maquiagem e sobretudo criá-la individualmente para a cliente. E, então, não será mais preciso sair de casa – ou gastar muito tempo fora, diante de um balcão.

Há uma coleção de soluções engenhosas. A YSL apresentou no início do ano um tubo portátil conectado a um aplicativo que cria, com um único toque, uma nova tonalidade de batom a partir da mistura de três cores diferentes. A L’Oréal tem um serviço que permite aplicar remotamente na foto de seu rosto os produtos da marca, de modo a encontrar a melhor combinação. Diz Patrícia Borges, vice-presidente de marketing da L’Oréal Brasil: “O mercado da beleza vai passar pela personalização, e só conseguiremos fazer isso com o suporte de ferramentas tecnológicas”.

A customização é, de fato, uma tendência irrefreável. A Lancôme acaba de inventar uma linha de base absolutamente individual. Na loja, uma máquina escanceia rapidamente a pele da cliente, processa os dados e “monta” na hora uma cor entre nada mais nada menos que72.000 versões possíveis. Do início ao fim, o processo leva vinte minutos. A Chanel acaba de lançar um aplicativo que permite, a partir de uma foto, seja dos lábios de uma celebridade ou apenas de seu batom predileto, identificar a tonalidade e, em seguida, indicar a mais próxima entre as mais de 400 opções do catálogo. “Em breve, quando o mundo retomar a rotina, muitas dessas invenções andarão de mãos dadas com a presença nas lojas, porque a consumidora gosta disso”, diz Cesar Tsukuda, diretor da Beauty Fair, maior feira de a beleza profissional das Américas.

O interesse pela maquiagem está intrinsecamente colado na história da humanidade. Há 5.000 anos, os egípcios já recorriam a pétalas, papoula e argila para delinear os olhos, as sobrancelhas e as bochechas. O hábito hoje virou um dos mercados mais lucrativos do planeta – com ou sem o vírus à espreita. Estima-se que, com o aporte tecnológico, o setor global de cosméticos terá taxa de crescimento anual superior a 5% entre 2021 e 2027, alcançando 463, 5 bilhões de dólares. Saint Laurent ironizava, mas as facilidades de manuseio tornarão os cosméticos ainda mais atraentes para o consumo.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 19 DE ABRIL

NÃO DESISTA DE SEUS SONHOS

O desejo que se cumpre agrada a alma, mas apartar-se do mal é abominável para os insensatos (Provérbios 13.19).

Sonhos realizados, anseios satisfeitos e desejos cumpridos agradam a alma. Todos nós temos sonhos e anelamos vê-los cumpridos. Quem não sonha não vive; quem desistiu de sonhar desistiu de viver. Muitos veem seus sonhos se transformando em pesadelos. Outros desistem de seus sonhos e os sepultam, colocando sobre o túmulo deles uma lápide: “Aqui jazem os meus sonhos”. Enterrar os sonhos é sepultar-nos vivos na mesma cova. Rouba a nossa alegria e faz murchar a nossa alma. Mas o desejo que se cumpre agrada a Deus. Isso nos faz lembrar da mulher de Elcana, Ana, que tinha o sonho de ser mãe. Seu sonho estava sendo adiado, pois era estéril e; por onde passava, as pessoas tentavam matar o seu sonho. Sua rival a provocava; o sacerdote Eli um dia a chamou de bêbada, quando na verdade ela estava derramando sua alma diante de Deus em oração; seu marido tentou dissuadi-la a abandonar o sonho de ser mãe. Ana, porém, perseverou. Ela continuou crendo no milagre e deu à luz Samuel, o maior profeta, o maior sacerdote e o maior juiz de sua geração. Seus sonhos também podem tornar-se realidade. Não desista nunca!

GESTÃO E CARREIRA

ESSE SEU JULGAR…

Grandes companhias abrem mão do tradicional processo anual, baseado em metas e rankings, para adotar um modelo mais flexível e ágil

A avaliação de desempenho até recentemente era a maneira adotada pela maioria das grandes companhias para monitorar o cumprimento de metas pelos empregados. Obrigatória, devia ser realizada pelos líderes com seu time pelo menos uma vez ao ano. Um destaque era a objetividade do processo, já que a maioria incluía métricas, rankings e outras formas de classificar os funcionários. Com base nesses parâmetros, os chefes decidiam sobre promoção de carreira, aumento salarial e distribuição de bônus. Tudo não passava de uma falácia.

A opinião vem de Ana Lúcia Caltabiano, diretora de recursos humanos da GE para América Latina. “Claro que é mais fácil estabelecer metas no início do ano e, ao final do período, dizer que vou promover um subordinado porque ele alcançou tal pontuação ou cumpriu o que se esperava dele”, diz a executiva. “Mas a verdade é que o chefe vai promovê-lo porque ele é bom e engajado, e vai tentar justificar a decisão fornecendo algum dado à equipe e à empresa.” Ela levanta ainda outro ponto: olhar para trás em um período extenso como 12 meses só mostra que a organização está parada no tempo.

Com 12.000 funcionários no Brasil, a GE representa uma das primeiras corporações a deixar de lado a análise de desempenho formal. E não foi a única. No ano passado, 80% dos executivos globalmente classificavam o redesenho dessa prática como alta prioridade, segundo o estudo Human Capital Trends, da Deloitte – um aumento de 11% em relação a três anos antes. O relatório preparado pela consultoria aponta outro avanço: três quartos das corporações entrevistadas tinham revisto o processo para deixá-lo mais contínuo.

Foi o que fez a GE ao adotar a chamada “filosofia de gestão de desempenho. “Resumidamente, o PD (performanced evelopment) funciona assim: o líder deixa de julgar seu subordinado e passa a compartilhar com ele, frequentemente e durante o ano todo, sua sugestão de melhoria, conversando sobre os pontos fortes e os objetivos a ser perseguidos. O novo modelo veio acompanhado de um aplicativo – instalado em smartphones e laptops de todos os empregados – que registra as prioridades (conceito que substituiu as metas) de cada um. Além disso, a ferramenta permite que colegas e gestores contribuam com conselhos e insights (substituindo osfeedbacks, que remetem ao que já passou).

A empresa adotou o método em 2015, em um piloto com cerca de 5.000 funcionários no mundo todo. Com base na experiência e nas sugestões do grupo, a GE implementou a ferramenta globalmente. “Precisávamos evoluir do status de indústria para o de uma companhia digital”, diz Ana Lúcia. “O tempo em que as coisas acontecem é muito diferente no mundo digital, assim como também é a mentalidade das pessoas. Por isso, uma avaliação anual não faz mais sentido. É preciso rever metas o tempo todo e tomar novos caminhos imediatamente.” Depois da mudança, a diretora de RH percebe um maior envolvimento dos profissionais. Segundo ela, foi visível o aumento de sugestões dos times a respeito da companhia, como pedidos para mudança de dress code.“Embora não tenhamos feito nenhuma medição, também sentimos que os jovens semostram mais satisfeitos por ter autonomia em seu processo de desenvolvimento”, diz.

FIM DA ESCADINHA

A despeito da consciência de precisar rever o processo de avaliação, são poucas as empresas que efetivamente conseguiram deixar o passado para trás a fim de abraçar um modelo ágil. Uma pesquisa realizada pela consultoria de gestão Willis Towers Watson, divulgada há dois anos, apontou que no Brasil apenas 6% das companhias haviam eliminado completamente os sistemas de pontuação ou de ranking; quase 85% nem consideravam a possibilidade da mudança.

O empecilho está no grau de maturidade, seja da cultura corporativa, seja da gestão de pessoas, seja da liderança. “Abandonar o ritual não significa que não se esteja mais fazendo uma avaliação, mas que as pessoas estão alinhadas em termos de parâmetros e da estratégia da companhia e já não é preciso fazer uma mensuração formal”, diz o professor Joel Souza Dutra, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Ou seja, abandonar essa prática pode ser um indício de maturidade do departamento de recursos humanos. A fabricante de papel Klabin adotou uma análise anual, inclusive com ratings, até 2015. Naquela época, o time de RH percebeu que a curva responsável por colocar cada pessoa rum grau de entrega tinha deixado de fazer sentido para os objetivos do negócio. “As notas começaram a ficar muito parecidas para todos os funcionários”, diz Ana Cristina Barcellos Rodrigues, gerente de remuneração e performance da companhia. “Estávamos perdendo o olhar de diferenciação e as peculiaridades de cada um. Consequentemente, afetando o plano de desenvolvimento individual”.

Naquele ano, o RH da Klabin deu início à estruturação de um novo processo, com foco no relacionamento do profissional com seu gestor- mirando o amanhã. “Deixamos de lado a preocupação com o que foi bem-feito ou não no passado e direcionamos esforços em fazer bem-feito no futuro”, diz a gerente, destacando que os ratings também foram eliminados. Batizadas de ”conversas de desenvolvimento”, os diálogos entre subordinados e chefes acontecem periodicamente, em frequência definida entre as partes. Dois aplicativos auxiliam o processo. Paralelamente à mudança na análise, houve a estruturação do programa de meritocracia. Por meio dele, comitês de líderes discutem desenvolvimento, desempenho, potencial, remuneração e sucessão. Como resultado, a percepção dos empregados em relação à Klabin melhorou. De acordo com dados do RH, no ano passado as notas de concordância na pesquisa de clima em relação a engajamento, clareza, propósito e comprometimento pessoal tiveram um incremento de 16%.

QUANTIDADE VERSUS QUALIDADE

Para Mariana Abbud, sócia da consultoria de gestão Bee Consulting, não trocar radicalmente a avaliação não é, necessariamente, um indicador negativo. ”Na gestão de desempenho, o importante é o diálogo e a confiança estabelecidos entre o gestor e seu funcionário”, diz. “Se será feita uma vez ao ano ou frequentemente, de maneira formal ou não, depende da organização. Nem todas têm ciclos curtos de negócios que justifiquem essa agilidade no ajuste de rotas ou de novos objetivos para o time.”

Esse foi o caminho seguido pela farmacêutica Boehringer Ingelheim, que lançou no ano passado sua visão estratégica 2025, coma ambição de se tornar líder no mercado de saúde animal. A análise de desempenho dos 50.000 empregados no mundo, 1.700 deles no Brasil, mudou em busca de agilidade. “Trabalhamos para tornar o processo fluido e profundo”, diz o diretor de RH Esteban Blanco Ziegler. Mas, na prática, continua a existir uma conversa formal entre o líder e sua equipe no início e no final do ano. A novidade é que, ao longo do período, acontecem diálogos informais entre as duas partes. “Individualmente, o que o gestor deve levar em conta na conversa como funcionário é a importância de desenvolver as três competências que acreditamos ser essenciais: agilidade, accountability [responsabilidade compartilhada] e intra empreendedorismo. ” Após os encontros, são realizadas reuniões em grupo com foco em ações de desenvolvimento e montagem de times para projetos. A farmacêutica também deu urna repaginada em seu sistema de bonificação, baseado agora na atuação do pessoal de acordo com as três competências e no desempenho de cada equipe – e não apenas no resultado dos negócios.

Já deu para perceber uma melhora no comprometimento por parte dos empregados, segundo Esteban, que atribui ao novo método um maior conhecimento da estratégia corporativa por parte deles. Em uma pesquisa interna, 70% dos trabalhadores afirmaram ter entendido a visão 2025 da companhia, resultado que o diretor relaciona à maior aproximação dos empregados com os líderes.

Qualquer que seja o caminho escolhido, o desafio para o profissional de recursos humanos, segundo Glaucy Bocci, diretora de gestão de talentos da Willis Towers Watson, é atuar de forma conectada ao negócio. “Parece clichê dizer isso, mas muitos RHs ainda seguem modismos e não fazem a conexão de seus projetos ao plano estratégico da empresa. E aí não faz sentido nenhum mudar apenas o formato das avaliações sem que tenham uma conexão profunda com o futuro”, diz Glaucy. Ana Lúcia, da GE, vai além: “No novo modelo, a gestão de desempenho não é mais uma função de recursos humanos, mas de todos os gestores da organização.”

O QUE DIZEM POR AÍ

De acordo com uma pesquisa realizada com 1.000 empresas de 40 países…

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

PRODUTOS CAROS ESTIMULAM ATIVIDADE CEREBRAL

Nossa relação com dinheiro não é tão óbvia quanto tendemos a acreditar; resultados de estudo sugerem que nossa atenção é atraída para objetos valiosos e os “vemos melhor” do que aqueles com menos valor

Sabe aquela história de que, mesmo sem saber o preço das coisas, tendemos a gostar das mais caras? Pois é. Parece que nosso cérebro sabe mesmo reconhecer um objeto valioso – mesmo que não tenhamos nenhuma ideia conscientemente de quanto custa cada objeto. Pelo menos é o que mostra um estudo americano recente, publicado no periódico científico Neuron. Para chegar a essa conclusão, pesquisadores recorreram a exames de neuroimagem e escanearam repetidamente o cérebro de voluntários enquanto eles escolhiam entre dois produtos – e ganhavam dinheiro quando optavam pelo correto.

A “remuneração” tinha um propósito: fazer com que alguns objetos passassem a ser associados a valores mais altos. Com a progressão do experimento, os cientistas notaram que áreas visuais do cérebro respondiam mais fortemente à opção que pagava mais. A atividade cerebral indicava o alvo lucrativo de maneira mais precisa que a avaliação racional feita pelos voluntários. Segundo os autores do estudo, esses resultados sugerem que nossa atenção é atraída para objetos valiosos e podemos “vê-los melhor” do que aqueles com menos valor.

Outro dado importante a ser considerado quando se trata de valores e gastos é que, para o cérebro, perder dinheiro é mais que desagradável – chega a ser doloroso. Essa é a conclusão de outro estudo publicado na Neuroscience por pesquisadores da Universidade College de Londres. Usando ressonância magnética funcional para analisar o tecido cerebral de 20 voluntários que passavam o tempo apostando em jogos de azar, os cientistas observaram que perder ativava neurônios dos circuitos ancestrais reguladores do medo e da dor.

“Muitas decisões cotidianas, como apostar na loteria ou investir em aplicações financeiras, são, de certo modo, jogos de azar que geralmente resultam em ganho ou perda de dinheiro”, explica o neurocientista Ben Seymour, coordenador da pesquisa “Já há alguns anos fazíamos alguma ideia sobre como o cérebro aprende a ganhar e como isso aciona regiões cerebrais responsáveis pelo processamento de recompensa e sensações de prazer, mas não tínhamos até então muitas pistas sobre como o sistema cerebral administra as perdas”, afirma o cientista.

EU ACHO …

VÍNCULOS DO TEMPO

O ritmo frenético não justifica deixar de fazer o que é relevante

É preciso ir devagar se quisermos ir longe, diz o ditado, com a sabedoria das constatações simples, aquelas que nascem da observação da natureza. Os índios, por exemplo, são mestres no ofício de tirar lições de vida a partir das circunstâncias que lhes cercam e determinam sua existência. O céu, o rio, a floresta, as estações, tudo para o índio tem um valor que nós, habitantes da cidade, com frequência subestimamos – o valor sublime daquilo que nos é dado pelo universo. Como o tempo.

Apesar de tentarmos controlá-lo com ponteiros ou telas digitais, o tempo não é mensurável por um único padrão. Ele acelera e desacelera de acordo com nosso estado de espírito. Há o tempo medido pela urgência, quando um prazo se impõe. Há o tempo do lazer, da conversa agradável, que se dissipa num piscar de olhos. Há o tempo preguiçoso, que escorre por entre os dedos, desperdiçado como a água preciosa. Há o tempo de festa e o tempo de luto, cada um dura quanto deve durar, mais curto e intenso para uns, mais longo e diluído para outros. É subjetiva, portanto, a percepção do tempo, esse “tambor de todos os ritmos”, na definição precisa de Caetano Veloso.

Nas últimas décadas, nos acostumamos a um ritmo frenético, inimaginável para nossos pais e avós. Os avanços da tecnologia multiplicaram nossas obrigações. Ironicamente, cada facilidade a que temos acesso corresponde a uma dificuldade extra, uma tarefa adicional. O celular, por exemplo, nos franqueia o contato imediato com o mundo, mas demanda atenção a inúmeros grupos, nem todos realmente importantes. Com tantas facilidades ao nosso dispor, ficou mais complicado conciliar todas as esferas da vida – trabalho, estudo, família, amigos, lazer. Assim, engolidos pela rotina, vamos passando os dias sem dedicar um minuto a nós mesmos ou negligenciando os que nos são mais próximos.

Até que ponto, no entanto, as múltiplas distrações da vida moderna são desculpa para não fazermos o que mais importa?

Algumas pessoas têm um admirável talento para fazer o tempo render, a convicção de que quinze minutos de agenda é tempo precioso. Fazem tudo com consciência, aproveitam cada reunião, cada conversa, para extrair o máximo do momento. Além de excelentes administradores do tempo, são notáveis gestores da informação que recebem – o que também os faz economizar tempo para apreciá-lo da maneira que se deve.

Conheço executivos que só comissionam trabalhos a quem “não tem tempo”. Sabem que os profissionais mais demandados produzirão o tempo extra que for necessário. Sim, porque é possível fazer o próprio tempo.

O distanciamento social mudou um pouco nossa relação com o tempo. Reduzimos a marcha, o que nos deu a oportunidade de rever a maneira como o desfrutamos. É esse o momento de encarar aquele projeto pessoal tantas vezes adiado. Pode ser o que for: testar uma receita nova, planejar uma viagem dos sonhos para quando tudo isso passar, se dedicar a montar a árvore genealógica da família, ler aquele clássico com a calma que ele merece. E, sobretudo, conviver mais com quem amamos. Aliás, é sempre bom lembrar que o tempo compartilhado com alguém é a mais poderosa força criadora de vínculos.

*** LUCÍLIA DINIZ

OUTROS OLHARES

DANCINHA MONITORADA

O TikTok e seus pares facilitam o acesso de crianças a conteúdos impróprios. A melhor barreira é a vigilância constante dos pais

Há um ano longe do convívio dos amigos e colegas de escola, com bastante tempo livre e louca por dança, a carioca Maria Eduarda Coutinho, de 7anos. primeiro convenceu os pais a deixá-la fazer do celular seu companheiro fiel e, depois, a ser cadastrada no TikTok, a praça global de convivência de todo mundo que tem menos de 20 anos, em que passou a publicar suas coreografias. Para estar lá, Maria Eduarda precisou aumentar a idade ­ o mínimo regulamentar é 13 anos -, mas o disfarce foi visto como um mal menor, já que a criançada comparece em peso no aplicativo chinês. “Tentei adiar a entrada dela nas redes. Entendi, porém, que era melhor usar de forma supervisionada do que proibir”, explica a mãe, a administradora Erika Coutinho, 40 anos, que chegou a apagar uma postagem em que a menina se remexia ao som de um funk com letra sexualmente explícita. Segundo especialistas, Erika agiu bem. Com seus vídeos engraçadinhos de um minuto, o TíkTok, o app mais baixado no mundo em 2020, parece diversão fácil e inofensiva, e é mesmo – até se esbarrar em imagens vulgares, que flertam com a pornografia.  Daí a necessidade de se dá aquela monitorada.

Os riscos contidos no conteúdo do TikTok vem sendo exposto com frequência cada vez mais. Há dois anos, nos Estados Unidos o aplicativo foi multado em 57 milhões de dólares pela agência americana de proteção ao consumidor por coletar ilegalmente dados de crianças e permitir que pedófilos entrassem em contas. Em janeiro deste ano, foi acusado de usar seus algoritmos para impulsionar conteúdos sensuais (aliás, replica a prática de outras redes sociais) de novo sem bloqueios para menores de idade.

Diante da repercussão negativa e da pressão de ONGs e governos, a plataforma alterou as configurações de privacidade e trancou os perfis de quem tem entre 13 e 15 anos – agora, para acompanhar essas postagens, é preciso enviar uma solicitação de amizade, Aos tiktokers mirins estão vetadas ainda transmissão ao vivo e troca de mensagens. A adesão antes da hora também tem mais punida. Com 200.000 seguidores no aplicativo, a atriz Marianna Santos, 9 anos, de São Paulo, foi banida por este motivo. “Mesmo sabendo que não é indicado para a faixa etária dela, criei a conta e monitorava todos os seus passos. Com a exclusão do perfil, a solução foi criar um para toda a família”, diz a mãe e empresária da menina, Daniele Santos. De 36 anos.

Um levantamento do próprio TikTok mostrou que o Brasil foi o terceiro país com mais vídeos removidos em 2020 por violar a “segurança de menores” e promover “nudez e atividades sexuais de adultos”. Entre julho e dezembro, o país produziu 7,5 milhões de postagens consideradas inadequadas. O problema não se restringe ao TikTok: O INSTITUTO DE MONITORAMENTO ALEMÃO Algorithm Watch detectou que o sistema de inteligência artificial do Instagram privilegia fotos em que há algum grau de nudez. Apesar de o Facebook, dono da rede social, ter classificado o estudo como “falho”, especialistas afirmam que estamos vivendo a era da “hipersexualização das redes”. Quanto mais tempo a criança passa na internet, maior o risco de deparar com questões impróprias à sua faixa etária. Tamanha exposição pode, sim, estimular o desenvolvimento prematuro da sexualidade.”, explica apsicóloga infantil Ceres Araújo. Atraído pelas dancinhas que seus ídolos adolescentes compartilham, o mineiro Pedro Cunha, de 10 anos, postou vídeos de suas próprias coreografias e levou um susto ao perceber mensagens de cunho sexual – que mostrou aos pais. “Tenho a senha do celular dele e monitoro os comentários. Expliquei sobre os perigos da internet e fiz um acordo para que ele me diga sempre que se sentir vulnerável”, relata a mãe de Pedro, a psicóloga Cristiane Cunha, 38 anos.

A construção de uma relação à base de confiança e diálogo é, segundo os especialistas, indispensável. Outra recomendação é sempre tirar as dúvidas da garotada sobre sexualidade, sem abrir mão da sábia prática de se ater ao que for perguntado. “É preciso aceitar que as crianças e adolescentes que são nativos digitais usam a internet para tudo. Fortalecer os laços e se tornar uma espécie de porto seguro é mais inteligente do que adotar uma atitude de punição”, diz a psiquiatra e sexóloga Camila Abdo. Segundo ela, a naturalidade com que conteúdos sexuais aparecem na web, se usada de maneira regrada, pode até ser positiva. “Nem mesmo na infância a sexualidade deve ser vista como tabu, e sim como ferramenta para educar as crianças”, afirma. Goste-se ou não do TikTok e afins, as redes são incontroláveis. Cabe aos pais ajudar aos filhos a se adaptar e tirar o melhor partido delas, dançando e se divertindo sem riscos – ou, se for o caso, cair fora.

CARTILHA PARA PAIS

Especialistas dizem que punir não adianta e eu a melhor forma de proteger os filhos dos perigos da internet é através do diálogo. Algumas dicas práticas:

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 19 DE ABRIL

CUIDADO COM SUAS AMIZADES

Quem anda com os sábios será sábio, mas o companheiro dos insensatos se tornará mau (Provérbios 13.20).

Há um ditado popular que afirma: “Dize-me com quem andas, e eu te direi quem és”. Esse adágio é verdadeiro. Nossas amizades dizem muito a nosso respeito. Aproximamo-nos daqueles que se parecem conosco e refletimos o seu comportamento. Se andarmos com pessoas íntegras, honestas e piedosas, refletiremos o caráter delas em nossa vida e seremos bem-aventurados. Porém, se nos unirmos a pessoas insensatas, perversas e más, acabaremos comprometidos com essas mesmas atitudes e transtornaremos nossa vida. Por isso, a Palavra de Deus exorta: Filho meu, se os pecadores querem seduzir-te, não o consintas. Se disserem: Vem conosco, embosquemo-nos para derramar sangue, espreitemos, ainda que sem motivo, os inocentes; traguemo-los vivos, como o abismo, e inteiros, como os que descem à cova; acharemos toda sorte de bens preciosos; encheremos de despojos a nossa casa; lança a tua sorte entre nós; teremos todos uma só bolsa. Filho meu, não te ponhas a caminho com eles; guarda das suas veredas os pés; porque os seus pés correm para o mal e se apressam a derramar sangue (Provérbios 1.10-16). É melhor viver só do que mal acompanhado. Busque amigos verdadeiros, amigos que inspirem você a viver mais perto de Deus.

GESTÃO E CARREIRA

EM BUSCA DE UM PROPÓSITO

Negócios movidos por um objetivo maior têm desempenho dez vezes superior àqueles que só se preocupam com o lucro dos acionistas. Saiba como transformar as práticas do dia a dia para usufruir desse benefício

Larry Fink, fundador da BlackRock, investe em mais de 15.000 empresas, entre elas Apple, Facebook, HP e Microsoft. Em janeiro, ao publicar sua mensagem anual aos CEOs, o megainvestidor mandou um recado: quem não for movido por um propósito além do próprio negócio pode ficar para trás, inclusive nas escolhas de seu fundo.

Quando alguém que administra de 6,3 trilhões de dólares (mais de três vezes o PIB do Brasil) afirma que propósito é algo importante, recomenda-se ouvir.

Para Fink, nunca se esperou tanto que as organizações se engajem em questões sociais e ambientais. “Se quiser prosperar ao longo do tempo, toda companhia deve entregar não apenas resultado financeiro, mas também mostrar seu impacto positivo para a sociedade”, escreveu o americano.

A carta expressa o espírito da época. As corporações hoje não são mais julgadas apenas pela qualidade de seus produtos e serviços ou pela saúde de seus balanços financeiros. Cada vez mais pessoas as avaliam – inclusive financeiramente – com base em como se relacionam com os trabalhadores que empregam, com as comunidades onde atuam, com o meio ambiente à sua volta, com os clientes que atendem. Em suma, com o papel que desempenham na sociedade como um todo (o que a Deloitte chama de “empresa social”). Essa mudança explica a crescente corrida das corporações em busca de um propósito – a bússola que vai orientar suas relações com os stakeholders, influenciando seu sucesso ou fracasso.

O assunto foi debatido durante o último Fórum Econômico Mundial na América Latina em São Paulo. Nas falas, um ponto ficou claro: empresários que pensam seu negócio de forma mais ampla consistentemente colhem melhores resultados. Empresas que procuram se conectar a demandas da sociedade têm vantagens competitivas que podem elevar suas receitas em até 17%, segundo um estudo da escola de negócios IMD da Suíça. Outro levantamento, citado em relatório da consultoria EY, indica que os negócios movidos por um propósito tiveram, entre 1996 e 2011, um desempenho dez vezes superior ao do principal índice de ações dos Estados Unidos.

Para ter uma ideia de como o tema ganhou relevância nos últimos tempos, dois terços dos CEOs já citam o crescimento inclusivo como uma de suas principais preocupações estratégicas, de acordo com uma recente pesquisa da Deloitte. Isso é o triplo dos que mencionam ”valor aos acionistas”. Essa procura por um significado aqueceu o mercado. Na consultoria de gestão LHH, houve um aumento de 30% na demanda para a construção de um propósito nos últimos 12 meses. Já na Kienbaum a área responsável por projetos desse tipo pulou de 5% para 50% do faturamento da consultoria de 2010 para 2018. Onde quer que a questão seja levada a sério, o líder de recursos humanos está diretamente envolvido nas conversas.

COM “P” MAIÚSCULO

Desde os tempos remotos, as companhias estão acostumadas a escrever algo que as norteie. Os quadros de missão (as metas de negócios) e valores (a forma como as metas devem ser alcançadas) pendurados nos escritórios e fábricas e já amarelados pelo tempo são prova disso. A novidade agora seria o que a consultoria EY chama de “Propósito”, com “P” maiúsculo mesmo. Em vez de criar valor para uma ou outra parte, atenderia às demandas da sociedade de forma mais ampla. “Ele justifica a razão de existir e passa a ser uma bússola para indicar o norte de todas as organizações”, diz Luiz Sérgio Vieira, presidente da EY no Brasil. Um exercício básico é pensar: o que aconteceria com o mundo se a companhia desaparecesse? Quem se lembraria dela e por quê?

Logo, um propósito eficiente responde a algum anseio ou tensão social. “Se a empresa tem um objetivo muito voltado para si mesma, isso terá pouca relevância para as pessoas”, afirma Robert Schermers, sócio da consultoria Innate Motion. Bons exemplos podem ser vistos na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas, como a erradicação da pobreza, a melhoria da educação, o acesso a água potável e a equidade de gênero. Claro, nenhuma organização vai resolver sozinha qualquer desses problemas, mas poderá dirigir suas ações para minimizá-los.

Esse papel recaiu sobre as corporações devido a uma pressão social. Com Estados quebrados e sem direção, sobra para o setor privado a cobrança por resolver uma série de questões. “O fenômeno se amplifica com as redes sociais, onde qualquer escorregão da indústria pode resultar em grande perda de valor da marca”, afirma Luiz Barosa, diretor da consultoria Deloitte.

Outros dois motivos que levam à corrida do “P” são a crescente demanda por mão de obra altamente qualificada (que torna o recrutamento cada vez mais competitivo) e a onda generalizada de funcionários desmotivados e temporários (que impacta os negócios de diversas formas). Os profissionais também veem o propósito como uma maneira de dar sentido a seu trabalho e entender as contribuições que fazem para a empresa e para a sociedade. Os jovens são mais de cinco vezes mais propensos a permanecer numa companhia quando sentem uma conexão com o negócio, de acordo com dados da PwC. A importância desse elo deve aumentar com a entrada da geração Z no mercado. Mas, no fim das contas, o significado do esforço é algo que mexe com empregados de todas as idades e níveis.

Contudo, é preciso cuidar para que o desígnio não se torne algo grandiloquente e que acabe ficando somente no discurso. Nos Estados Unidos, a busca desesperada por algo que dê sentido ao negócio levou à criação do termo purpose washing (“lavagem de propósito”), numa referência a green washing (“lavagem verde”) – a conduta de empresas que, para se dizer sustentáveis, apenas fazem campanhas ambientais sem realmente rever suas práticas. “Assim como não bastam medidas compensatórias para que sejam consideradas sustentáveis, as organizações precisam rever suas práticas para, de fato, alinhá-las a seu propósito”, afirma Felipe Ribeiro, também sócio da Innate Motion. Essa é uma transformação já em curso. De acordo com o estudo da EY, 40% dos 1.470 lideres entrevistados ainda perseguem aquela definição com “p” maiúsculo. Menos de 10% consideram o conceito totalmente inserido na rotina dos negócios.

Com isso, cabe ao executivo de recursos humanos conduzir a corporação na definição de seu caminho, promovendo múltiplas conversas coma linha de frente, líderes e até clientes e fornecedores. Nessas discussões, a realidade da indústria, sua estratégia e o posicionamento de marca precisam ser levados em conta.

INQUIETAÇÃO NO TOPO

A formulação do propósito é um processo que varia conforme a companhia, mas, em geral, é algo que inicia no topo. Na fabricante de roupas infantis Marisol, a busca pelo significado veio de uma inquietação do próprio presidente, Giuliano Donini, que em 2015 sentia falta do engajamento dos funcionários. Resgatando o passado, Donini percebeu que o que movia a Marisol era a vontade de construir um futuro melhor – algo conectado com seu público-alvo, as crianças. Mas só a elaboração do lema “Criar um futuro melhor” parecia insuficiente. “Isso não estava se materializando na empresa”, diz a gerente de RH Beth Rachelle. Desde então, ela tem envolvido os 2.400 funcionários em ações que ajudem a dar significado ao conceito. A área de pessoas criou três pilares responsáveis por balizar as aprovações internamente: desenvolvimento (que tem a ver com educar e crescer), inovação (o uso da tecnologia para melhorar a qualidade de vida) e a imaginação (a ideia de ser feliz e se divertir). ”Quando um projeto responde a esses pilares, entendemos que ele está conectado ao nosso propósito”, diz Beth. Até mesmo as práticas de gestão de pessoas devem seguir os pontos e não podem focar apenas os ganhos financeiros. Exemplo disso está na instalação de pontos de Wi-Fi na fábrica, a fim de criar um ambiente melhor para os operários das linhas de produção, e na parceria firmada com o Link Lab, pela qual executivos da Marisol orientam os jovens empreendedores de startups em Florianópolis.

Se na fabricante de roupas a definição do propósito partiu do topo, em algumas companhias esse é um processo que envolve desde o início todos os níveis da organização. É o caso da empresa de logística VLI, controlada pela mineradora Vale. Com 7.000 funcionários e atuando em dez estados no Brasil, a VLI tem três portos próprios, oito terminais intermodais e mais de 8.000 quilômetros de ferrovias. Em 2013, três anos após sua fundação, seus diretores tinham o desafio de unir setores e regiões diferentes – integrando as lideranças e as operações das malhas ferroviárias com os portos. O RH realizou uma pesquisa com os empregados para identificar os valores pessoais e os corporativos, e como isso se aderia à maneira como o negócio era conduzido. Até então, o mote da VLI era genérico – ”ter a melhor empresa de logística”.

Desde 2015, ele contempla as dificuldades do setor no país, uma nação refém de estradas e caminhões. “O processo tornou claro que a gente tinha de ‘fazer a diferença no transporte do Brasil’, e essa virou nossa finalidade”, afirma Rute Galhardo, diretora de gente e serviços da VLI. O programa de trainee foi uma das primeiras práticas a ser alteradas para dar corpo à mudança. “Ant.es, íamos atrás sempre dos mesmos talentos.” Para um negócio que quer unir o Brasil pela logística, isso não fazia sentido. A VLI parou de recrutar apenas jovens das melhores faculdades, concentradas no Sudeste, e passou a buscar candidatos conectados ao propósito.

Hoje, entre os trainees, há sotaques do Maranhão, do Tocantins, da Paraíba. Na última pesquisa de clima, 95% dos empregados afirmaram acreditar que o trabalho que realizam na VLI é importante.

NO CERNE DO NEGÓCIO

Para Schemers, da lnnate Motion, o propósito deve ser uma régua para a tomada de decisões, para estabelecer prioridades e para dar o tom dos relacionamentos interpessoais. Em outras palavras, “para sair do papel, a cultura corporativa precisa apoiá-lo”, diz. O ponto crucial é garantir que ele penetre nas práticas e atitudes da organização. “Muitas corporações, no anseio de definir um significado, fazem isso sem ter sustentação, de forma que ele não está em linha com o que a empresa de fato faz”, diz Barosa, da Deloitte. O exemplo clássico é a fabricante de roupas que deseja tornar a moda mais acessível, mas continua mantendo fornecedores que usam mão de obra escrava. Não raro, a definição do papel pode significar uma transformação na cultura e na forma como uma empresa vende e pensa seus produtos. Foi o que aconteceu na fabricante global de cigarros Philip Morris, dona de marcas como Marlboro e L&M. Diante da pressão pública contra seus produtos, a gigante do tabaco tem buscado se recolocar no mercado global. ”A gente precisava saber que cigarro causa, sim da nos à saúde, e nossa obrigação é trazer alternativas”, a firma Karen Rodriguez, diretora de pessoas e cultura na Philip Morris Brasil, com sede em Curitiba. A fabricante busca convencer os fumantes a trocar o fumo comum por “produtos de risco reduzido”, como o IQOS, um sistema eletrônico de aquecimento de tabaco que, segundo a empresa, tem 90% menos compostos prejudiciais à saúde.

Com o componente eletrônico, torna-se necessário um relacionamento mais estreito com os consumidores e os varejistas. Isso porque, diferentemente do cigarro de papel, os eletrônicos demandam manutenção, suporte e trocas quando apresentam defeito. É preciso investir também em pesquisas para tornar os produtos mais atraentes e diminuir os danos à saúde. Logo, isso exige mais conhecimento tecnológico e inovação, o que, por sua vez, demanda estruturas menos rígidas e hierárquicas. Para comandar essas mudanças, o departamento de RH – que agora se chama “People and Culture” – tem o papel de preparar, capacitar e engajar a mão de obra em torno do propósito “Um futuro sem fumaça”. A estratégia envolve também a área de comunicação interna, que passou a se chamar People Engagement. A ideia é incluir os funcionários na missão de reconfigurar a operação mundialmente. No Brasil, 160 líderes seniores já passaram por uma sessão de storytelling. “Eles trabalharam em grupo para traçar o mapa de entrega dessa meta, quais seriam as etapas e as barreiras”, diz Karen.

O caso da Philip Morris traz à tona um cenário comum no mercado globalizado. Muitas vezes, a definição do significado vem da matriz de um grupo multinacional, cabendo às lideranças regionais o papel de adaptá-lo à sua realidade. É por esse processo que passa a subsidiária local da AstraZeneca, fabricante de remédios com sede na Inglaterra. Em 2012, a companhia perdeu patentes de alguns dos principais medicamentos que comercializava. Naquele ano também assumiu o novo CEO global, Pascal Soriot. Para dar um novo rumo à companhia, foi redefinido o propósito: expandir as fronteiras da ciência para contribuir para a solução de problemas de saúde.

“Redirecionamos nossa estratégia no sentido de trazer o maior número possível de inovações e soluções para os pacientes”, diz Vanessa Cordaro, diretora de recursos humanos da AstraZeneca Brasil. Desde 2017, a unidade brasileira vem reforçando sua atuação para garantir que essa mudança se reflita no negócio. O programa tem a meta de lançar dez medicamentos no mercado local e alcançar a marca de 5,5 milhões de pacientes atendidos no país até 2025. Para o RH, um dos principais desafios tem sido mobilizar a liderança sênior.

Segundo Vanessa, nem sempre fica claro por que a definição de um propósito é relevante. “É preciso que as pessoas entendam que não é um tema só do RH, mas, sim, que ele é estratégico para a empresa. “Desde o ano passado, a área de gestão de pessoas tem realizado workshops com diferentes departamentos para conversar a respeito das mudanças e discutir como processos internos podem ser revistos – por exemplo, o de compliance, cuja burocracia emperra as inovações e a divulgação científica para os médicos. No ano passado, toda a gerência sênior foi convidada para um workshop no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, para discutir sobre a transformação e sua aplicação no dia a dia da companhia. Em sintonia, o time de gestão de pessoas alterou a avaliação de desempenho. “Antes, focávamos as entregas do funcionário”, afirma Vanessa. Agora, o que importa é a maneira como os frutos são entregues e se são coerentes com o novo propósito da AstraZeneca. Aproveitar momentos, como mudança de presidência ou fusões é, de fato, um bom gancho para iniciar esse trabalho, mas não é mandat6rio. “Um erro é esperar pelas dificuldades para começar a repensar isso”, diz Marcelo Cardoso, presidente da Chie, plataforma de soluções para negócios e sustentabilidade. O ideal é conduzir o processo num período tranquilo do negócio – se é que isso ainda existe -, a fim de assegurar que as coisas sejam feitas com calma. Essa é uma empreitada longa, e os resultados são de médio e longo prazo. Em geral, o projeto leva de dois a três anos, desde a definição do tema até sua impregnação nas práticas e na rotina corporativa. “Isso não é algo para ser feito com compromisso imediato com a produtividade”, diz Marco Tulio Zanini, professor na Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro.

IR ALÉM DO PRODUTO

O propósito é quase uma justificativa existencial do negócio. Por isso, não pode mudar a todo momento. Afinal, um desígnio sólido se toma um ponto de referência em tempos de transformações constantes. ”Ele transcende o produto e os serviços”, diz o consultor Marcelo Cardoso. “Vira uma referência, como a corda de um alpinista que, nas quedas, lhe permite voltar aos trilhos.”

Um ponto importante para o sucesso de um propósito está na conexão emocional que ele desperta nas pessoas. Para Elisangela Martins, esse foi o aprendizado em seutrabalho como diretora de RH na Comgás, distribuidora de gás canalizado. Desde 2012, quando se tornou parte do grupo Cosan, a companhia passa por modificações culturais e de marca. Nessa transição, reviu sua imagem para o mercado e estabeleceu a metade ser mais jovial e comunicativa. A partir disso, o RH ajudou a definir os comportamentos esperados dos empregados – os três “Is”: inquietos, interessados e impecáveis. Embora fáceis de entender, carecia explicar o motivo de essas atitudes serem importantes. “Faltava conectar isso a uma visão emocional daquilo que queremos entregar, o porquê de sermos assim”, afirma Elisangela.

Isso motivou uma volta na história da Comgás para resgatar sua essência. Até então, a missão da Comgás era genérica: “Ser a melhor empresa de gás”. “Sabemos que as pessoas estão buscando coisas mais palpáveis e que tenham a ver com algo além do produto”, diz a executiva. No fim de 2016, em um trabalho com a diretoria, o RH contratou uma consultoria para ajudar na reestruturação do negócio. Hoje, o propósito da Comgás gira em torno da seguinte ideia: fornecer energia que transforme a vida das pessoas. Essa percepção veio dos relatos feitos pelos próprios funcionários, que narravam a reação dos clientes depois de verem o gás instalado em sua casa pela primeira vez. “Descobrimos que nosso trabalho estava vinculado à transformação”, diz Elisangela. O propósito, em síntese, precisa se refletir no desenho da empresa, em sua estratégia e nos comportamentos desejáveis do quadro de empregados – do CEO ao operário. E aí está o principal papel do RH: conseguir transformar algo intangível e conceitual em práticas do cotidiano. Em jogo, nada mais do que a reputação, os relacionamentos e, no fim, o sucesso ou o fracasso.

COMO CRIAR UM PROPÓSITO

De modo geral, são quatro as fases para deixar claro qual o motivo de existir da corporação

1. DEFINIR O OBJETIVO

Este éo momento de escolher para que a organização existe. Épreciso um alinhamento da liderança para conduzir o processo, que deve envolver todos os funcionários, além de clientes, acionistas e fornecedores. Um bom propósito consta a atuação da empresa a uma necessidade percebida pela sociedade. Ele cria valor à medida que mostra como a atuação de cada um permite alcançar um resultado que não só é necessário, mas, sim, desejado.

2. PÔR EM PRÁTICA

Depois de garantir o apoio da liderança, é preciso colocar o propósito no cerne de todas as atividades da corporação – inclusive das práticas de gestão de pessoas. Uma maneira de começar a fazer isso é usá-lo como uma régua para a tomada de decisões e para orientar os processos de mudanças e melhorias. Fazer perguntas para avaliar quanto cada deliberação está ou não alinhada com o objetivo é uma forma de trazer essa reflexão para o dia a dia.

3. MEDIR O PROGRESSO

Mais de 90% das companhias com propósito forte medem seu desempenho constantemente. É preciso avaliar quanto as mudanças já aconteceram. Buscar o feedback dos funcionários, clientes e investidores e entender como isso está sendo recebido. Indicadores específicos para o mote podem ser desenvolvidos, inclusive para motivar os empregados em relação aos avanços e ao que ainda precisa ser feito.

4. ACELERAR A MUDANÇA

Para impregnar o propósito no DNA, algumas medidas são necessárias: as métricas de desempenho devem estar associadas a ele, assim como a política de remuneração. O objetivo precisa aparecer nas comunicações dos líderes – e deve haver um acompanhamento para garantir a aderência no dia a dia. É necessário que as pessoas tenham autonomia para tomar decisões alinhadas com o tema.

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

O TRAUMA DOS OUTROS

Presenciar a violência experimentada por aqueles que nem conhecemos pode ser, em alguns casos, tão traumático quanto experimentar o sofrimento na própria pele. Cientistas tentam descobrir os mecanismos cerebrais que sustentam esse fenômeno

O que acontece em nosso cérebro quando vemos pessoas passando por situações de violência, sofrendo dores físicas ou emocionais que possam acarretar traumas? Cientistas descobriram que as mesmas regiões ativadas quando sentimos dor também são acionadas nas situações em que observamos outros passarem por alguma experiência dolorosa. Esse processo foi mostrado em um estudo desenvolvido pelo Instituto Karolinska, na Suécia, e publicado na revista Nature Communications. Segundo pesquisadores, somos capazes de “aprender” a ter medo apenas observando a reação alheia. Uma explicação para isso parece estar no funcionamento do sistema opioide endógeno.

Ver expressões de dor ou ansiedade pode nos dar informações importantes sobre o que é perigoso e deve ser evitado. Às vezes, porém, podemos desenvolver o desconforto diante de situações que, racionalmente falando, não nos ameaçam. O sistema opioide deve, pelo menos em tese, aliviar a dor e o medo, mas ele não funciona de forma tão eficaz em todas as pessoas, o que pode concorrer para que alguns desenvolvam síndrome de ansiedade simplesmente por ver outros experimentarem um trauma.

“Alguns são mais sensíveis que outros a essa forma de aprendizagem social”, observa o coordenador do estudo, o neurocientista Jan Haaker, pesquisador do Departamento de Neurociências Clínicas do Instituto Karolinska. “Nosso trabalho mostra que o sistema opioide endógeno influencia nossa sensibilidade e pode explicar por que alguns pacientes desenvolvem transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)apenas observando situações assustadoras ou trágicas, ainda que não se envolvam diretamente nelas”, afirma Haaker, autor principal do estudo.

Ele notou que, depois de ataques terroristas, queixas de ansiedade, bem como episódios de medo muitas vezes infundado e crises de pânico, tendem a aumentar mesmo entre aqueles que não são vítimas nem têm nenhum parente ou amigos próximos atingidos. “Muitos dos pacientes nem estavam presentes no local dos ataques”, afirma.

Em um estudo duplo-cego, os pesquisadores alteraram a química do cérebro de 22 voluntários saudáveis, usando uma substância para bloquear o sistema opioide. Os participantes de um segundo grupo receberam apenas um placebo inativo e, na sequência, todos assistiram a um vídeo em que outras pessoas foram submetidas a choques elétricos.

SEMPRE UMA SURPRESA

O cérebro normalmente atualiza seu conhecimento a respeito do que é perigoso com base naquilo que nos surpreende, mas, quando o sistema opioide dos voluntários foi bloqueado, as pessoas continuaram a reagir como se fossem pegas de surpresa, ainda que racionalmente soubessem que veriam a cena do choque elétrico. Também chamou atenção dos pesquisadores suecos que a resposta a esse estímulo foi amplificada mesmo quando os participantes do primeiro grupo continuaram a ver outras pessoas sendo submetidas a choques. A reação exacerbada em determinadas áreas do cérebro, como a amígdala, a região periaquedutal e o tálamo, indica que a dor alheia é percebida como se a própria pessoa a sentisse. A comunicação entre essas e outras áreas do cérebro ligadas à capacidade de compreender experiências e pensamentos de outros indivíduos também se mostrou aumentada.

“Quando os voluntários foram submetidos a estímulos ameaçadores que tinham previamente sido associados com a dor dos outros, eles transpiravam mais e apareciam com mais medo do que aqueles que tinham recebido o placebo”, conta Andreas Olsson, professor do Departamento de Neurociências Clínicas do Instituto Karolinska. Ele lembra que essa aprendizagem reforçada em relação ao medo se mantinha mesmo três dias após o experimento ter terminado. Segundo Olsson, o estudo contribui para ampliar a compreensão da psicologia subjacente ao medo. As descobertas podem ajudar milhões de pessoas que sofrem com sintomas de ansiedade. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que, só no Brasil, mais de 9% da população apresenta os sintomas da patologia.

EU ACHO …

SOLIDÃO E FALSA SOLIDÃO

Eu, que pouco li Thomas Merton, copiei no entanto de algum artigo seu as seguintes palavras: “Quando a sociedade humana cumpre o dever na sua verdadeira função as pessoas que a formam intensificam cada vez mais a própria liberdade individual e a integridade pessoal. E quanto mais cada indivíduo desenvolve e descobre as fontes secretas de sua própria personalidade incomunicável, mais ele pode contribuir para a vida do todo. A solidão é necessária para a sociedade como o silêncio para a linguagem, e o ar para os pulmões e a comida para o corpo. A comunidade, que procura invadir ou destruir a solidão espiritual dos indivíduos que a compõem, está condenando a si mesma à morte por asfixia espiritual.”

E mais adiante: “A solidão é tão necessária, tanto para a sociedade como para o indivíduo que, quando a sociedade falha em prover a solidão suficiente para desenvolver a vida interior das pessoas que a compõem, elas se rebelam e procuram a falsa solidão. A falsa solidão é quando um indivíduo, ao qual foi negado o direito de se tornar uma pessoa, vinga-se da sociedade transformando sua individualidade numa arma destruidora. A verdadeira solidão é encontrada na humildade, que é infinitamente rica. A falsa solidão é o refúgio do orgulho, e infinitamente pobre. A pobreza da falsa solidão vem de uma ilusão que pretende, ao enfeitar-se com coisas que nunca podem ser possuídas, distinguir o eu do indivíduo da massa de outros homens. A verdadeira solidão é sem um eu.

Por isso é rica em silêncio e em caridade e em paz. Encontra em si infindáveis fontes do bem para os outros. A falsa solidão é egocêntrica. E porque nada encontra em seu centro, procura arrastar todas as coisas para ela. Mas cada coisa que ela toca infecciona-se com o seu próprio nada, e se destrói. A verdadeira solidão limpa a alma, abre-se completamente para os quatro ventos da generosidade. A falsa solidão fecha a porta a todos os homens.

Ambas as solidões procuram distinguir o indivíduo da multidão. A verdadeira consegue, a falsa falha. A verdadeira solidão separa um homem de outros para que ele possa desenvolver o bem que está nele, e então cumprir seu verdadeiro destino a pôr-se a serviço de uma pessoa.”

*** CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

FALANDO A MESMA LÍNGUA

Semelhante a um fone de ouvido convencional, aparelho promete traduzir quarenta idiomas em tempo real. No futuro próximo, seremos todos poliglotas?

A busca incessante da humanidade por quebrar a barreira dos idiomas foi retratada em diversas obras, a começar pela mais famosa de todos os tempos.

Segundo o Gênesis do Velho Testamento, as religiões abraâmicas (judaísmo, cristianismo e islamismo) acreditavam que todas as línguas derivaram de um episódio retratado na Bíblia: a Torre de Babel. Há pouco mais de um século, o médico polonês Lázaro Zamenhof (1859-1917) formulou o que seria uma língua universal, o esperanto. A ideia não vingou e nem mesmo o inglês, que por razões geopolíticas, econômicas e culturais se impôs como o mais abrangente, chega a todos os lugares. Segundo o instituto cultural British Council, apenas 5% da população brasileira fala a língua de Shakespeare, e só 1% de forma fluente. Nesse contexto, as tecnologias de inteligência artificial (IA) surgiram como um alento. Em 2006, o Google lançou o Google Tradutor. Outras invenções, como o iLi, um colar japonês de tradução off­line, e o Megahonyaku, um megafone da Panasonic voltado para o transporte público de Tóquio, vieram togo atrás. Mas as reclamações costumavam ser as mesmas: o serviço é útil para ações cotidianas como pedir um táxi, mas ineficientes para atividades complexas como a versão de um documento para outra língua. Agora, um lançamento põe um pouco mais de esperança na Babel humana. É o caso do fone de ouvido que ilustra este post. Ele parece um aparelho comum, desses encontrados em lojas de eletrônicos, mas vai além disso – pelo menos, a promessa é essa. Trata-se do Timekettle WT2Edge, um fone sem fio que, segundo o fabricante, é o primeiro a oferecer tradução simultânea bidirecional, quando os dois interlocutores falam e escutam o conteúdo na língua que desejarem. Para conferir tal façanha, o usuário deve baixar o aplicativo disponível para Androide iOS, determinar os idiomas de entrada e saída, compartilhar um dos fones com a outra pessoa – uma prática ainda não recomendável em tempos de pandemia – e iniciar a conversa.

Em sua versão on-line, o dispositivo da startup sino-americana Timekettle traduz conversas em quarenta idiomas – incluindo o português – e 93 dialetos, cobrindo quase 85% da população mundial. A empresa garante ter precisão de 95% na tradução inglês-chinês e ao menos 80% em outras combinações (ai que mora o perigo). O modelo é equipado com tecnologia de redução de ruídos e permite que uma pessoa continue falando mesmo enquanto a tradução está ocorrendo. Outra promessa é que a conversão de línguas leva apenas de 0,5 a 3 segundos. “Se o serviço falhar ou demorar muito, as pessoas não vão usar”, reconhece KazafYe, chefe de marketing da Timekettle, em entrevista na sede da empresa, em Shenzhen, na China. Empolgada com o sucesso da empreitada até aqui, a empresa quer incluir o tradutor em situações mais complexas, como uma reunião de negócios ou uma paquera mais promissora. Disponível para compras pela internet, o produto custa 109 dólares, com frete de 10 dólares para o Brasil (equivalente a 650 reais no total) – e entregas previstas para abril.

A novidade é bem-vinda, mas ainda é cedo para decretar o fim dos tradutores humanos ou do interesse das pessoas em aprender novas línguas. Mesmo assim, o notável desenvolvimento dos aplicativos já permite questionar a real necessidade de alguém se tornar um poliglota nas próximas décadas. Quando o Google Tradutor surgiu, o processo era estatístico, semelhante a uma consulta ao dicionário. O computador cruzava dados e buscava o equivalente mais recorrente na língua a ser traduzida. Tal método ocasionava constantes erros de concordância e gerava frases sem sentido, especialmente em casos de palavras homônimas como “rio”, que tanto pode funcionar como verbo ou substantivo em português, ou de múltiplos sentidos, como hard (difícil ou rígido), em inglês. O contexto das conversas, portanto, era ignorado até que, em 2016, o tradutor mudou seu modelo para o chamado sistema neural, que trabalha com aprendizagem de máquina. As informações são computadas como se fossem neurônios artificiais, simulando o aprendizado humano. “A análise é feita em dois sentidos e abrange a sentença, não mais uma única palavra, o que acabou melhorando a fluência e a adequação”, diz Helena Caseli, doutora em ciência da computação da Universidade Federal de São Carlos (UFSGar).

O fato de as línguas serem vivas, com o constante surgimento de palavras, impossibilita uma tradução artificial 100% infalível, mas confirma que os algoritmos são cada vez mais capazes de considerar variáveis como as distintas entonações. De certa forma, os recentes lançamentos remetem a outra obra literária, O Guia do Mochileiro das Galáxias (1979), de Douglas Adams, clássico da cultura nerd adaptado para o cinema em 2005, no qual um tipo de peixe, o Babel – a referência é óbvia -, era introduzido no ouvido dos viajantes cósmicos, de modo que pudessem compreender todas as línguas do universo. Resta saber em quanto tempo a vida imitará a arte.

A busca incessante da humanidade por quebrar a barreira dos idiomas foi retratada em diversas obras, a começar pela mais famosa de todos os tempos.

Segundo o Gênesis do Velho Testamento, as religiões abraâmicas (judaísmo, cristianismo e islamismo) acreditavam que todas as línguas derivaram de um episódio retratado na Bíblia: a Torre de Babel. Há pouco mais de um século, o médico polonês Lázaro Zamenhof (1859-1917) formulou o que seria uma língua universal, o esperanto. A ideia não vingou e nem mesmo o inglês, que por razões geopolíticas, econômicas e culturais se impôs como o mais abrangente, chega a todos os lugares. Segundo o instituto cultural British Council, apenas 5% da população brasileira fala a língua de Shakespeare, e só 1% de forma fluente. Nesse contexto, as tecnologias de inteligência artificial (IA) surgiram como um alento. Em 2006, o Google lançou o Google Tradutor. Outras invenções, como o iLi, um colar japonês de tradução off­line, e o Megahonyaku, um megafone da Panasonic voltado para o transporte público de Tóquio, vieram togo atrás. Mas as reclamações costumavam ser as mesmas: o serviço é útil para ações cotidianas como pedir um táxi, mas ineficientes para atividades complexas como a versão de um documento para outra língua. Agora, um lançamento põe um pouco mais de esperança na Babel humana. É o caso do fone de ouvido que ilustra este post. Ele parece um aparelho comum, desses encontrados em lojas de eletrônicos, mas vai além disso – pelo menos, a promessa é essa. Trata-se do Timekettle WT2Edge, um fone sem fio que, segundo o fabricante, é o primeiro a oferecer tradução simultânea bidirecional, quando os dois interlocutores falam e escutam o conteúdo na língua que desejarem. Para conferir tal façanha, o usuário deve baixar o aplicativo disponível para Androide iOS, determinar os idiomas de entrada e saída, compartilhar um dos fones com a outra pessoa – uma prática ainda não recomendável em tempos de pandemia – e iniciar a conversa.

Em sua versão on-line, o dispositivo da startup sino-americana Timekettle traduz conversas em quarenta idiomas – incluindo o português – e 93 dialetos, cobrindo quase 85% da população mundial. A empresa garante ter precisão de 95% na tradução inglês-chinês e ao menos 80% em outras combinações (ai que mora o perigo). O modelo é equipado com tecnologia de redução de ruídos e permite que uma pessoa continue falando mesmo enquanto a tradução está ocorrendo. Outra promessa é que a conversão de línguas leva apenas de 0,5 a 3 segundos. “Se o serviço falhar ou demorar muito, as pessoas não vão usar”, reconhece KazafYe, chefe de marketing da Timekettle, em entrevista na sede da empresa, em Shenzhen, na China. Empolgada com o sucesso da empreitada até aqui, a empresa quer incluir o tradutor em situações mais complexas, como uma reunião de negócios ou uma paquera mais promissora. Disponível para compras pela internet, o produto custa 109 dólares, com frete de 10 dólares para o Brasil (equivalente a 650 reais no total) – e entregas previstas para abril.

A novidade é bem-vinda, mas ainda é cedo para decretar o fim dos tradutores humanos ou do interesse das pessoas em aprender novas línguas. Mesmo assim, o notável desenvolvimento dos aplicativos já permite questionar a real necessidade de alguém se tornar um poliglota nas próximas décadas. Quando o Google Tradutor surgiu, o processo era estatístico, semelhante a uma consulta ao dicionário. O computador cruzava dados e buscava o equivalente mais recorrente na língua a ser traduzida. Tal método ocasionava constantes erros de concordância e gerava frases sem sentido, especialmente em casos de palavras homônimas como “rio”, que tanto pode funcionar como verbo ou substantivo em português, ou de múltiplos sentidos, como hard (difícil ou rígido), em inglês. O contexto das conversas, portanto, era ignorado até que, em 2016, o tradutor mudou seu modelo para o chamado sistema neural, que trabalha com aprendizagem de máquina. As informações são computadas como se fossem neurônios artificiais, simulando o aprendizado humano. “A análise é feita em dois sentidos e abrange a sentença, não mais uma única palavra, o que acabou melhorando a fluência e a adequação”, diz Helena Caseli, doutora em ciência da computação da Universidade Federal de São Carlos (UFSGar).

O fato de as línguas serem vivas, com o constante surgimento de palavras, impossibilita uma tradução artificial 100% infalível, mas confirma que os algoritmos são cada vez mais capazes de considerar variáveis como as distintas entonações. De certa forma, os recentes lançamentos remetem a outra obra literária, O Guia do Mochileiro das Galáxias (1979), de Douglas Adams, clássico da cultura nerd adaptado para o cinema em 2005, no qual um tipo de peixe, o Babel – a referência é óbvia -, era introduzido no ouvido dos viajantes cósmicos, de modo que pudessem compreender todas as línguas do universo. Resta saber em quanto tempo a vida imitará a arte.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 17 DE ABRIL

A POBREZA É FILHA DA IGNORÂNCIA

Pobreza e afronta sobrevêm ao que rejeita a instrução, mas o que guarda a repreensão será honrado (Provérbios 13.18).

Rejeitar a instrução é consumada loucura. Desprezar a disciplina é insensatez. Fazer pouco caso da correção é cair nas malhas da afronta. A ignorância é a mãe da pobreza. Os tolos desprezam o conhecimento, abandonam a instrução e fogem da árdua lida dos estudos. Só não podem fugir da pobreza. Esta é filha da ignorância. O que guarda a repreensão, porém, recebe tratamento honroso. Aquele que tem humildade para aprender e coração quebrantado para ser repreendido é colocado em lugar de honra. Deus dá graça aos humildes, mas rejeita os soberbos. Exalta os humildes e humilha os arrogantes. Só os ignorantes rejeitam a repreensão. Só os tolos abandonam a instrução. Só os insensatos fazem troça da disciplina. Caminharão pela estrada sinuosa da pobreza e da desonra. Aqueles, porém, cuja cerviz se dobra diante da correção e cujo coração é humilde para receber instrução, esses ganham honra e riqueza. Caminham pela estrada reta da bem-aventurança, alcançam os horizontes ensolarados da prosperidade e chegam ao destino certo da felicidade.

GESTÃO E CARREIRA

A REINVENÇÃO DOS HEADHUNTERS

As novas tecnologias e as crises financeiras fizeram com que o mercado de hunting precisasse ampliar seu escopo de atuação. Para sobreviver nessa área, é preciso inovar

Até uma década atrás, a figura dos headhunters era emblemática. Sua rede de contatos era um ativo tão valioso que poucos questionavam a necessidade de pagar por seus serviços para encontrar o executivo ideal para uma vaga – principalmente as de alto escalão. Mas essa aura começou a ser dissipada nos últimos anos. Afinal, com o desenvolvimento de sites de emprego e a popularização do LinkedIn, qualquer um tem acesso a um banco de candidatos mundial. As consequências são o surgimento de concorrentes de pequeno porte que conseguem competir de igual para igual com as grandes firmas de hunting e a internalização do processo de recrutamento nas empresas. Só com esses fatores o cenário já seria complexo. Mas aí surgiram as crises econômicas: tanto a internacional, de 2008, quanto a nacional, de 2014, impactaram fortemente o setor. O resultado é uma necessidade urgente de reinvenção.

AO LADO DA LIDERANÇA

Mais do que fazer seleção, os headhunters precisam ter um papel consultivo. Um estudo de janeiro de 2018, feito pela Associação de Recrutamento de Executivos Consultoria de Lideranças (Aesc) em parceria com The Conference Board comprova essa percepção. Os pesquisadores entrevistaram mais de 1.000 presidentes e diretores de empresas para descobrir qual era o principal desafio na era digital. O resultado não foi inovação nem investimentos em infraestrutura, mas, sim, atrair e reter os melhores talentos. “Diante desse problema, percebemos que a demanda por nossos serviços, especialmente os de consultoria aumentou”, afirma Karen Greenbaum, presidente da Aesc. O setor sempre teve esse tipo de atuação – mas as consultorias estão indo para um nível mais profundo. “Há o crescimento em planejamento de sucessão, análise da eficácia do conselho e avaliação de desenvolvimento de liderança”, diz Karen. Não é à toa que, em fevereiro, a Heidrick & Struggles, uma das firmas mais conhecidas por recrutamento para o alto escalão, inaugurou sua área voltada exclusivamente para consultoria. “A intenção é criar uma linha de serviços para complementar nosso portfólio. A nova realidade do mercado empurrou companhias como a nossa a desempenhar atividades ainda mais especializadas”, diz Dárcio Crespi, sócio­ diretor da Heidrick & Struggles.

O fato é que especialistas em recrutamento conhecem como ninguém o que são profissionais de alto nível, e é fundamental para as grandes empresas saber como seus talentos estão em relação ao demais do mercado. Ao mesmo tempo, os caça-talentos dominam como poucos a estrutura interna e as necessidades das companhias, o que faz com que ofertas como a avaliação de desempenho e potencial, treinamento de lideranças e comparação externa de executivos ganhem destaque.

Luís Souza, vice-presidente global de recursos humanos da japonesa Fitjitsu, a décima maior empresa de serviços de tecnologia da informação do mundo, costuma utilizar o serviço de recrutamento e consultoria para as unidades espalhadas por todos os continentes. Para ele, a tendência é de crescimento por meio de parcerias. “Acredito que ainda podem ocorrer novas fusões e aquisições”, diz Souza, referindo-se a uma das grandes movimentações do mercado: a compra do Hay Group, especializado em desempenho organizacional, pela Korn Ferry. Um negócio de 452 milhões de dólares que foi concluído em 2015.

Outro movimento é o de atração dos headhunters para os conselhos das companhias, uma prática corriqueira nos Estados Unidos, mas que apenas recentemente chegou ao país. “Osclientes começam nos chamando na hora de substituir um profissional. Mas, depois de o vínculo ser estabelecido, a consultoria acaba atendendo outras frentes”, afirma Luís Cabrera, sócio -proprietário da Panelli Motta Cabrera, um dos primeiros caça-talentos do país.

FOCO NOS TEMPORÁRIOS

Após a reforma trabalhista no Brasil, a inglesa Odgers Berndtson trouxe ao país uma divisão chamada Odgers Interim para auxiliar companhias a contratar pessoas que queiram trabalhar por projetos. “A área de recursos humanos sabe que atrair interinos adequados pode trazer um novo olhar sobre os negócios e contribuir para seu desenvolvimento”, diz Luiz Wever, presidente da Odgers Berndtson. O novo braço já alocou, desde fevereiro, quatro diretores temporários para áreas de mídia e de desenvolvimento de negócios.

Outra que se antecipou à lei foi a Robert Half, que desde 2009 tem uma divisão especializada em contratar profissionais por projeto no Brasil. Globalmente, esse setor representa 90% do faturamento anual da companhia. Por aqui, a área cresce mais rápido do que em qualquer um dos 19 países nos quais a Robert Half atua. Somente no ano passado, houve um aumento de 35% no preenchimento de posições desse tipo. “Antes se achava que temporário era apenas para áreas operacionais. Mas hoje se entende o valor desse profissional a áreas estratégicas”, afirma Lucas Nogueira, diretor associado da Robert Half.

FORTALECENDO CONEXÕES

Para atrair mais clientes e se posicionar no mercado, algumas empresas de hunting estão investindo no compartilhamento de conhecimento. A Signium é um exemplo. A empresa que busca executivos de alto escalão com sede em Chicago e atuação em 29 países chegou ao Brasil em 2016 para atuar como uma “butique de recrutamento” nos setores de especialidade dos três sócios, como bens de consumo, varejo e farmacêutico, e, claro, consultoria. Mas, para se destacar, o escritório passou a organizar eventos e cursosgratuitos em parceria com o lnsper. A ideia é reunir, no mesmo espaço, lideres (sejam eles executivos ou empreendedores) e universitários. Assim, as duas pontas – jovens em potencial e veteranos do mercado de trabalho – entendem as demandas umas das outras, aumentando a chance de que as escolhas profissionais sejam boas para ambas as partes. “Isso acaba nos gerando oportunidades de negócios. Quando uma empresa identifica que um profissional tem potencial para ser gerente, mas também um perfil de empreendedor, ajudamos a desenhar a carreira para que ele possa crescer sem se frustrar”, diz Jorge Kraljevic, sócio-diretor da Signium no Brasil.

Em outra frente, a Inniti, especializada em recrutamento, governança corporativa, desenvolvimento organizacional e de liderança, aproveita seu conhecimento da realidade do mercado para organizar eventos. Capitaneadas por Joseph Teperman, sócio- fundador da empresa, as palestras têm o objetivo de compartilhar tendências com presidentes e diretores de empresas. “‘Na primeira edição do InnitiDay em 2017, tivemos 300 participantes e, para este ano, projetamos 700”, diz Teperman.

Atuar de modo inovador é mesmo a nova regra do setor de recrutamento. Mas se tem uma coisa que nunca muda numa seleção é a importância do olho no olho e do feeling de que aquele candidato é o correto para determinada vaga – habilidade que sempre será reconhecida pelo mercado. “Há muitas perdas quando se faz sozinho uma seleção, porque o resultado desse processo pode não ser a realidade do mercado. Por isso, depois de internalizarem as etapas de recrutamento, muitas companhias deverão voltar atrás na decisão e recontratar consultorias”, diz Rogério Machado, diretor de recursos humanos da Coca-Cola Femsa.

CARDÁPIO AMPLIADO

A variedade de serviços oferecidos pelas empresas de recrutamento aumentou

ACIMA DO NÍVEL C

Busca por executivos para o conselho de administração

AVALIAÇÃO

Monitoramento do perfil de profissionais em paralelo aos concorrentes

COACHING

Indicação de encaminhamento para os executivos se aperfeiçoarem

TREINAMENTO

Sugerir como os clientes podem se desenvolver para melhorar a sua performance

MARCOS DE UM NOVO TEMPO

Fatos que indicam as mudanças de rumos do setor de recrutamento

O QUE: A rede social LinkedIn adquire o site educativo Lynda

QUAND0: 2015

POR QUE: Completar a oferta de cursos on-line para aperfeiçoamento profissional

O QUE: A Korn Ferry compra o grupo Hay Group

QUANDO: 2015

POR QUE: Aumentar a presença global e criar oportunidades de serviços combinados de recrutamento e desenvolvimento

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

PODEMOS APRENDER A ESQUECER?

Dispomos de mecanismos de controle que nos permitem esconder ativamente uma recordação; recorrer a esse processo, no entanto, pode prejudicar a memória geral

Se uma panela quente cai do fogão, é muito provável que sua primeira reação seja fazer um gesto para segurá-la, mas no último momento retire a mão para evitar a queimadura. Isso ocorre porque o controle executivo pode intervir para interceptar a ação, quebrando a cadeia de comandos automáticos. Algumas pesquisas recentes sugerem que o mesmo pode ser verdade quando se trata do reflexo da recordação – o que significa que o cérebro pode parar a recuperação espontânea de registros dolorosos.

As memórias são inseridas em uma teia de informações interligadas. Como resultado, uma lembrança pode acionar outra, fazendo-a aflorar sem esforço consciente. “Quando recebemos um estímulo que funciona como lembrete, a resposta automática da mente é nos fazer ‘um favor’, buscando conteúdos associados”, diz o neurocientista Michael Anderson, pesquisador da Universidade de Cambridge. “O problema é que às vezes somos lembrados do que não queremos.”

Estudos de imagem já haviam indicado que as áreas frontais do cérebro podem amortecer a atividade do hipocampo, uma estrutura crucial para a memória, suprimindo assim a recuperação de memórias. Buscando aprender mais sobre o assunto, Anderson e seus colegas investigaram o que acontece depois que a ação do hipocampo é interceptada. Os cientistas deram a 381 estudantes universitários a tarefa de decorar pares de palavras vagamente relacionadas. Mais tarde, mostraram um vocábulo aos voluntários e pediram, primeiro, que recordassem o outro e, em seguida, fizessem o oposto: ativamente não pensassem na outra palavra. Às vezes, entre uma tarefa e outra, eram mostradas aos participantes imagens incomuns, como um pavão de pé em um estacionamento.

Em artigo publicado no periódico científico Nature Communications, os pesquisadores descobriram que a capacidade dos participantes de recordar posteriormente os pavões e outras imagens estranhas foi cerca de 40% menor se tivessem sido instruídos a evitar memórias de palavras antes ou depois de ver as imagens, em comparação com os ensaios em que os estudantes tinham sido convidados a se lembrar das palavras.

A descoberta fornece evidência adicional de que dispomos de um mecanismo de controle de lembranças e sugere que tentar esconder ativamente uma recordação específica pode afetar negativamente a memória geral. Os pesquisadores chamam o fenômeno de “sombra amnésica” porque, aparentemente, bloqueia a lembrança de eventos não relacionados, que aconteceram enquanto a atividade do hipocampo estava diminuída.

Atualmente, Anderson e a neurocientista Ana Catarino pesquisam a possibilidade de treinar pessoas para suprimir memórias. Eles estão conduzindo uma experiência na qual acompanham atividade cerebral dos participantes e, em tempo real, os informam sobre atividade amortecida de seu hipocampo. Os pesquisadores levantam a hipótese de que, uma vez aperfeiçoado, esse processo possa ajudar as pessoas a aprender como controlar o que querem esquecer, de forma seletiva. O que ainda não está claro é que destino dar à carga emotiva que acompanha as recordações dolorosas.

LEMBRANÇA VAI, EMOÇÃO FICA

Para Sigmund Freud, o criador da psicanálise, a mente tem uma espécie de “depósito” onde são guardadas as memórias e pensamentos reprimidos: o Inconsciente. Freud elaborou suas teorias muito antes de qualquer pesquisa neurocientífica, mas os estudos mais modernos comprovam que ele tinha razão. A instância psíquica inconsciente realmente existe, e tem um papel muito maior do que se pensava. Isso leva muitos cientistas a considerar que não basta simplesmente esquecer uma memória traumática, por exemplo, pois a “impressão emocional” dela continua a existir. O mais indicado, portanto, seria recorrer a um processo psicoterápico para aprender a lidar com essa experiência.

EU ACHO …

APRENDER A VIVER

Pudesse eu um dia escrever uma espécie de tratado sobre a culpa. Como descrevê-la, aquela que é irremissível, a que não se pode corrigir? Quando a sinto, ela é até fisicamente constrangedora: um punho fechando o peito, abaixo do pescoço: e aí está ela, a culpa. A culpa? O erro, o pecado. Então o mundo passa a não ter refúgio possível. Aonde se vá e carrega-se a cruz pesada, de que não se pode falar.

Se se falar – ela não será compreendida. Alguns dirão – “mas todo o mundo…” como forma de consolo. Outros negarão simplesmente que houve culpa. E os que entenderem abaixarão a cabeça também culpada. Ah, quisera eu ser dos que entram numa igreja, aceitam a penitência e saem mais livres. Mas não sou dos que se libertam. A culpa em mim é algo tão vasto e tão enraizado que o melhor ainda é aprender a viver com ela, mesmo que tire o sabor do menor alimento: tudo sabe mesmo de longe a cinzas.

*** CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

DOSES DE ESPERANÇA

Levantamento exclusivo aponta a queda de mortes e internações entre os imunizados contra a Covid-19 e mostra quanto o país perdeu ao atrasar o início da vacinação

A calamidade sanitária pela qual passa o Brasil por causa do avanço do coronavírus ganhou novo patamar na terça 6, quando o país rompeu a marca de 4.000 mortes pela Covid-19, recorde alcançado menos de duas semanas após ter cruzado a já infame linha das 3.000 vítimas diárias. Em pouco mais de um ano, 350.000 brasileiros tiveram a vida ceifada pelo vírus. O país chegou à triste condição de, com 3% da população mundial, ter hoje um a cada três mortos pela doença no mundo. Como em toda a tragédia dessa magnitude, muitos foram os erros cometidos, a começar pela descoordenada política de isolamento social, que tem provocado mais balbúrdia e crise do que ajudado efetivamente a conter o vírus. Outro equívoco fatal a ser computado na conta do governo Jair Bolsonaro foi a demora para o início da vacinação. Os primeiros resultados da campanha de proteção contra o coronavírus iniciada por aqui em janeiro deixam evidente que muitas vidas poderiam ter sido poupadas com um esforço maior em busca da imunização em massa desde cedo.

A corrida para diminuir o tamanho da tragédia continua e, combinada ao esforço pelo isolamento social, há a urgente necessidade de uma oferta maior de vacinas. A esperança cabe em um frasco de poucos mililitros e a multiplicação de doses começa a aliviar algumas das trágicas estatísticas nacionais. Depois de quase três meses de repetição de cenas de pessoas felizes recebendo agulhadas, o país colhe os primeiros bons resultados dessa ação. A ONG Impulso Gov, que acompanha os dados da pandemia e da imunização, fez um levantamento que constatou um efeito positivo entre os pioneiros na fila da vacinação: em 26 das 27 capitais (a exceção foi Macapá), caiu a participação de quem tem 80 anos ou mais no total das mortes (veja o quadro abaixo). Em dezenove delas também despencou o porcentual desse grupo no total de hospitalizações por síndrome respiratória aguda grave (SRAG). “O perfil de internações e dos óbitos tem sofrido mudanças recentemente, com mais jovens e menos idosos nessa proporção. É difícil isolar apenas o efeito da vacinação, mas, pelo que vimos nos Estados Unidos e em Israel, é plausível que seja por causa da imunização”, diz Marco Brancher, coordenador de análise de dados para governo da plataforma. “Se não houvesse a vacinação, não haveria motivo para essa redução proporcional de internação e especialmente óbitos entre os mais idosos”, concorda o coordenador do Centro de Contingência da Covid-19 do Estado de São Paulo, Paulo Menezes.

Mesmo em locais críticos da pandemia, como Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, houve quedas expressivas entre os mais velhos. Dados da prefeitura paulistana indicam que o número de mortes entre quem tem mais de 80 anos caiu acima de 50% entre janeiro e março. “Essa redução se deve a uma combinação de fatores: vacinação e uma mudança de protocolo que introduziu alguns exames para identificar os pacientes que tendem a piorar”, afirma o secretário municipal de Saúde, Edson Aparecido. No Rio, as mortes de idosos de 80 a 89 anos caíram quase 65% entre dezembro e março. No Distrito Federal, a queda nas internações em UTI de pessoas com mais de 80 anos foi de 58% desde janeiro.

Esses efeitos positivos da imunização poderiam estar em um estágio bem mais avançado, não fosse a negligência do governo federal. Bolsonaro desdenhou da Covid-19, não se empenhou pela aquisição de vacinas e desprezou a iniciativa do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), de apostar na CoronaVac, até hoje a vacina mais aplicada no país (bem atrás vem a AstraZeneca/Oxford, desenvolvida em parceria com a Fiocruz). O Ministério da Saúde chegou a rejeitar uma oferta de 70 milhões de doses feita pela Pfizer em agosto. Quando o presidente começou a ser cobrado pela falta de imunizantes, disse, em meio à corrida global dos países por doses, que eram as farmacêuticas que deveriam procurar o Brasil. Agora, para tentar conter danos em razão da queda de popularidade e da pressão política, tenta colar a versão de que sempre apoiou a vacinação. O país aplicou até aqui quase 30 milhões de doses – sendo mais de 20 milhões de primeira dose. Em igual número de dias, os Estados Unidos vacinaram 78 milhões de pessoas. Detalhe: o impulso se deu com a chegada de Joe Biden, que derrotou o negacionista Donald Trump, ídolo de Bolsonaro.

A dificuldade para viabilizar a compra e entrega de vacinas tem se refletido no voo cego que é o planejamento da vacinação no país. Depois de entregar menos do que havia previsto em fevereiro e março, o governo acena para uma nova frustração em abril, mês que para muitos seria uma espécie de virada na marcha lenta da imunização: vai entregar apenas 53% dos 47,3milhões de doses previstas. “Chegamos a um ponto em que está diminuindo a faixa de idade para a vacinação e isso aumenta muito o público-alvo. Então, precisamos ter uma confirmação certeira e garantida do ministério de quantas doses receberíamos”, cobra o presidente da Frente Nacional de Prefeitos, Jonas Donizette. Enquanto 79% dos idosos com 80 anos ou mais receberam ao menos uma dose, esse porcentual cai para 4% entre aqueles com 60 a 64 anos.

Apesar de os resultados preliminares apontarem quanto a vacinação funciona no combate a essa epidemia, especialistas são unânimes em afirmar que ela tem de ser combinada com isolamento social. Segundo a Fiocruz, isso precisa ocorrer até que 70% da população esteja vacinada. Um dos exemplos recentes de que o fechamento total surte efeito é Araraquara, no interior de São Paulo. Com o sistema de saúde à beira do colapso, a prefeitura decretou lockdown em fevereiro e, desde então, houve uma redução de 75% nos óbitos.

Além da experiência caseira, há exemplos bons e ruins lá fora para o Brasil calibrar os seus próximos passos. Um deles é o Chile, onde 7 milhões dos 19 milhões de habitantes foram imunizados, mas o bom desempenho não freou o aumento dos casos. “A população não esperou a imunização ter resultado e relaxou o isolamento. As pessoas ficaram mais expostas, com uma nova variante que é mais transmissível e mais agressiva”, analisa Erika Manuli, pesquisadora do Instituto de Medicina Tropical da USP. Por outro lado, a vacinação avançada nos Estados Unidos, Reino Unido e Israel, combinada ao lockdown, traz inspiração. Os americanos registraram 252.000 casos por dia em janeiro – hoje, estão em 62.000. A previsão do presidente Joe Biden é que até 19 de abril todos os adultos terão recebido ao menos uma dose. No grupo que inclui Brasil, Estados Unidos, México, Índia, Reino Unido, Rússia e Itália, países que tiveram mais de 100.000 óbitos por Covid-19, o Brasil é o único que apresenta tendência crescente e contínua – todos os demais estão entre as nações que mais vacinam no mundo.

Embora tenha atingido nesta semana a marca de 1 milhão de vacinados por dia (ritmo que acabou não se sustentando), o Brasil ainda perde energia em discussões estéreis, como o uso de medicamentos sem comprovação cientifica contra a doença, uma obsessão de Bolsonaro. Na quarta 7, ele foi a Chapecó (SC) para elogiar o prefeito local pelo uso do chamado tratamento precoce – a cidade, no entanto, teve alta de casos e mortes neste ano e está com 100% dos leitos de UTI ocupados. Levantamento da consultoria Quaest mostra que o presidente aborda o tratamento precoce em 29% de seus textos e vídeos publicados neste ano nas redes sociais e que suas postagens somadas atingiram 4,98 milhões de pessoas. Ou seja, mesmo com milhares de cadáveres por dia no país, lamentável e inexplicavelmente, Bolsonaro continua jogando a favor do vírus. Menos cloroquinas e mais vacinas, é disso que o Brasil precisa no momento.

O ainda desorganizado esforço estatal necessário para acelerar a imunização deu margem a um movimento que, mal planejado, pode gerar ainda mais confusão. Na última quarta, a Câmara aprovou projeto que autoriza a iniciativa privada a comprar vacina para proteger seus funcionários. A condição é que os empresários doem 50% ao Sistema Único de Saúde e que as compras sejam concretizadas depois que os laboratórios entregarem o que foi acordado com o governo. A iniciativa, que ainda precisa passar pelo Senado, é interessante, mas precisa ser mais bem debatida e obedecer às regras determinadas pelo poder central (problema: ainda não temos isso). Além da criação de uma fila dupla de vacinação, algo confuso do ponto de vista da organização, especialistas chamam atenção para o risco de se abrir uma brecha para a aquisição de imunizantes ainda não aprovados pela Anvisa.

Em meio à polêmica da entrada em cena da iniciativa privada, o poder público corre para tentar garantir que as remessas prometidas efetivamente cheguem no prazo. Até dezembro, estão garantidos por contratos mais de 400 milhões de doses. O perigo é que, diante da forte demanda mundial pelos produtos, atrasos como o ocorrido em abril podem voltar a se repetir. Por essa razão, a Impulso Cov fez projeções com base em diferentes possibilidades de número de doses. No pior cenário, em que se presume que apenas metade da projeção de produção nacional será realizada, o país vacinará os mais de 73 milhões de indivíduos dos grupos prioritários até o fim do ano. Numa projeção menos catastrófica e mais realista, o prazo para o término dessa etapa ocorrerá em junho. Mais vacinas e mais isolamento social – não há outra receita hoje para salvar vidas no país.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 16 DE ABRIL

O ALTO VALOR DO MENSAGEIRO FIEL

O mau mensageiro se precipita no mal, mas o embaixador fiel é medicina (Provérbios 13.17).

Um mensageiro é aquele que leva a mensagem de alguém para outro alguém. O mensageiro fiel é aquele que leva essa mensagem com fidelidade e agilidade. Ele não retarda o tempo nem muda a mensagem. O mau mensageiro é infiel àquele que o comissionou. É negligente com respeito ao conteúdo da mensagem e descuidado para com a urgência da mensagem. O mau mensageiro não apenas se precipita no mal e cai em dificuldade, mas também faz os outros caírem no mal. O mau mensageiro ainda é aquele que transporta mensagens de morte e não de vida, de escravidão e não de liberdade, de perdição e não de salvação. É agente das trevas, e não da luz. É portador de más notícias, e não arauto das boas-novas. Completamente diferente é o embaixador fiel. Ele é íntegro em seu caráter, fiel à sua missão e zeloso em sua proclamação. O embaixador fiel é medicina. Tem pés formosos e lábios que destilam a verdade. É mensageiro de salvação. É embaixador dos céus, ministro da reconciliação e profeta do Altíssimo. Sua vocação é sacrossanta, sua missão é bendita, sua mensagem é restauradora. O embaixador fiel leva esperança por onde passa, espalha o perfume de Cristo por onde anda e esparge a luz do evangelho por todos os recantos.

GESTÃO E CARREIRA

OS MÁGICOS DO TRABALHO

Depois de estudar 5.000 pessoas, um cientista norueguês acredita ter identificado os segredos de quem produz muito em menos horas

Quando jovem, o norueguês Morten Hansen trabalhou para a empresa de consultoria The Boston Consulting Group (BCG). “Trabalhou” não é bem a palavra, pois Hansen se matava no serviço. “Era comum fazer semanas de 60 horas, mas, em várias ocasiões, cheguei a ficar 90 horas.” (Isso dá 12 horas por dia, incluindo sábado e domingo.) A certa altura, teve de encarar um fato: mesmo com tamanha dedicação, a qualidade de suas tarefas era inferior à de uma de suas colegas. “Os relatórios dela eram melhores em todos os sentidos: mais claros, mais informativos.” Certa vez, ele estava no escritório à noite e precisou consultar essa par. Foi até sua mesa, mas disseram-lhe que ela já tinha ido para casa fazia tempo. E que não adiantava procurá-la depois das 18 horas, pois ela sempre saía no horário. “Descobri também que ela nunca trabalhava em fim de semana.”

Quais eram os segredos de gente assim? Hansen transformou a busca por respostas a essa pergunta num projeto de vida. Virou cientista – seu tema é a produtividade no trabalho. Hoje é professor de administração na Universidade da Califórnia em Berkeley. Acaba de publicar nos Estados Unidos o livro Great at Work: How Top Performers Do Less, Work Beter and Achieve More (Simon & Schuster). Ao longo de cinco anos, Hansen usou muita probabilidade e estatística para estudar o histórico profissional de 5.000 pessoas. No fim, acredita ter descoberto os sete segredos daqueles indivíduos incrivelmente produtivos e que não parecem suar sangue de tanto trabalhar. Os especialistas de recursos humanos vão achar familiares alguns dos pontos. Um deles é “mantenha-se obcecado por prioridades”. Outro: “aprenda enquanto trabalha.” Outros soam menos familiares, como “colabore menos”. “As pessoas já conversam sobre ideias desse tipo”, diz o professor. “Mas o que a pesquisa revelou é que elas quase nunca falam sobre certas sutilezas importantes”.

Uma delas está no principal conselho do livro: “Do Less, then obsess’, ou “faça menos coisas e então se dedique a elas feito um louco”. Segundo o especialista, “a ideia de foco não é nova. Achei que os profissionais capazes de focar uma lista pequena de tarefas teriam desempenho superior, mas não foi isso o que a pesquisa mostrou. Tais pessoas têm desempenho bom, é verdade, mas as melhores são as que ficam obcecadas pela lista. Elas vão atrás das prioridades de corpo e alma e dão uma atenção fanática a detalhes. Focar, escolher, eliminar o que é menos importante – nada disso é suficiente se não houver obsessão”.

TAREFAS PRIORITÁRIAS

Na correria do dia a dia, várias corporações já tomaram contato com alguns desses detalhes. A fabricante de software Stefanini, por exemplo, faz tudo a seu alcance para que o empregado não precise gastar tempo com tarefas de menor importância. É o que diz Cíntia Bortotto, diretora de RH para a América Latina. “Não adianta querer que o funcionário seja produtivo se a empresa o obriga a executar tarefas que, em última análise, limitam sua produtividade. “Sendo uma companhia de tecnologia, a Stefanini estuda os procedimentos internos em busca de oportunidades de automação. Seu propósito é entregar aos computadores as etapas mais improdutivas de cada procedimento. “Se possível, nós também automatizamos astarefas que são emocionalmente difíceis”, diz Cíntia. Recentemente, a empresa automatizou o preenchimento de dados nas planilhas da controladoria. Antes, os profissionais tinham de entrar em vários sistemas para pegar os dados e digitá-los nas tabelas, o que era cansativo e sujeito a erros. Agora, um robô vai atrás das informações e entrega ao time da controladoria as planilhas prontas para análise.

Cíntia também desestimula o trabalho em excesso – por dois motivos. “Primeiro, seria inconsistente com o que estamos sempre dizendo aqui: passe mais tempo com a família, estude, pratique esportes. Como uma pessoa pode se exercitar se não tem tempo?”, diz a diretora de RH. “Segundo, analisando nossos próprios dados, descobrimos que a produtividade do funcionário inspirado por seus chefes é mais que o dobro da daquele não inspirado. Uma pessoa que se sente obrigada a trabalhar em excesso dificilmente vai se sentir inspirada.”

Iniciativas desse tipo servem para que o empregado se concentre numa lista pequena de tarefas. Mas será que os itens da lista são os mais importantes? Morten Hansen diz que os profissionais de recursos humanos estão habituados à ideia de que todos na organização devem perseguir objetivos claros de negócio, e em geral ajudam os executivos com isso. Mas a pesquisa mostrou que, mais uma vez, uma sutileza passa despercebida. “Não basta que alguém cumpra todos os objetivos do ano se as metas não produzem valor”, diz o professor.

AÇÕES VALIOSAS

Quando fala nisso, Hansen usa um conceito específico: os benefícios que o trabalho produz para colegas de firma e para os clientes e que, no fim das contas, transformam-se em valor no sentido contábil (resultado do exercício). “O que a área de RH deve fazer, mas nem sempre faz, é ajudar cada executivo e cada subordinado a questionar duramente os objetivos do ano, para saber se eles realmente significam valor para o negócio.” O pesquisador defende que esse ponto é importante porque muitos profissionais confundem “quantidade” com “valor”, e menciona um exemplo comum em áreas de gestão de pessoas. “Uma coisa é escrever um relatório anual analisando o desempenho de 80% dos executivos da companhia. Isso pode ser feito burocraticamente”, diz. “Outra coisa, muito mais valiosa, é garantir que 80% dos executivos da empresa recebam conselhos realistas detalhando as maneiras como podem melhorar”. Fernando do Valle, diretor de RH da 3M Brasil, diz que é difícil fazer com que as metas de cada funcionário se traduzam em valor para a corporação. Desde 2001, a 3M vem melhorando nesse quesito ao recorrer à metodologia Six Sigma. Para cumprir essa técnica, a fabricante do post-it tem de aperfeiçoar as especificações técnicas de produtos e serviços – isto é, precisa descrever, claramente, o que vai entregar ao cliente (produtos) e como vai se comportar perante o cliente (serviços). Isso permite à organização detectar “não conformidades”, que são produtos ou serviços fora das especificações. E então, das duas, uma: ou a não conformidade ocorreu porque alguém deixou de cumprir seu trabalho corretamente, e daí esse alguém precisa de treinamento; ou ela ocorreu porque as especificações são impossíveis de cumprir, e daí elas precisam ser aperfeiçoadas.” A Six Sigma nos ensina que é melhor fazer poucas coisas importantes, cujas consequências sejam muito benéficas para a companhia, do que muitas coisas de menor importância”, diz Fernando.

CADA UM POR SI

Hoje em dia, na lista diária de tarefas a cumprir estão as reuniões. Ninguém mais escapa delas, pois o profissional pode participar de um encontro desses estando na sala de espera do aeroporto de Ulan Bator, na Mongólia. Hansen detectou um comportamento comum entre aqueles de desempenho excepcional: eles colaboram menos com os outros – porque escolhem com maior rigor os projetos nos quais vão se envolver. Como consequência, participam de menos reuniões. Evitá-las pode ser estressante, segundo o pesquisador, porque, embora sejam mal faladas por todos, a verdade é que muita gente aprecia esses encontros. “Um de meus entrevistados me disse que gosta delas porque há biscoitos e ele acha relaxante ficar lá.” Tanto a Stefanini quanto a 3M estão tentando diminuir a quantidade e a duração das reuniões – ambas recorrem à técnica de usar ambientes nos quais não há como se sentar. ”Ninguém aguenta ficar de pé por muito tempo”, diz Cíntia, da Stefanini. Na 3M, Fernando afirma que a corporação se esforça para que todo encontro sirva para tomar decisões importantes. “Queremos acabar com aquele negócio de marcar uma reunião para marcar outra. Mas devo dizer que elas realmente são um desafio.”

OS SETE SEGREDOS DE GENTE MUITO PRODUTIVA

Segundo uma pesquisa realizada com mais de 5.000 pessoas

1. Manter obsessão por uma lista pequena de prioridades

2. Cada tarefa importante é valiosa para seus colegas de trabalho ou para os clientes

3. Colaborar menos. Escolher bem os projetos aos quais se juntar e dos quais fugir

4. Aprender enquanto trabalha. Cada atividade, seja qual for, é uma oportunidade para crescer

5. Obter o apoio dos outros, mas com argumentos racionais, formulados com fatos e lógica

6. Ir a menos reuniões e, ao participar de uma, que seja para tomar decisões importantes

7. Repensar métodos e rotinas de trabalho, usando a ideia de valor como guia

O QUE EXPLICA O DESEMPENHO INDIVIDUAL?

Para Morten Hansen, o jeito como uma pessoa atua vale mais que aptidão, horas trabalhadas e condição social

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

ESTRANHAS MUDANÇAS DE HUMOR

Nossas emoções são influenciadas por percepções sutis que nem sequer notamos conscientemente; felizmente é possível controlar essas interferências

Acontece com todo mundo: de repente e inexplicavelmente nos sentimos alegres ou tristes, embora ainda há pouco nosso humor estivesse bem diferente. Em geral, a culpa é de uma pista subliminar ou “estímulo precedente” (priming). Mas não precisamos ficar presos a essas pistas subconscientes. Pesquisas recentes sugerem que simplesmente reconhecer o fenômeno já é meio caminho andado para assumir o controle de novo – afinal, não é porque sentimos algo que isso, necessariamente, se justifica.

Os pesquisadores costumam estudar os efeitos do estímulo precedente induzindo os participantes a acreditar que estão envolvidos no teste de outra variável qualquer. Num estudo realizado na Universidade de Toronto, pessoas expostas a imagens de logo tipos de fast-food, sem se darem conta disso conscientemente, tornavam-se mais impacientes e dispostas a gastar. Outro estudo, publicado no periódico científico Journal of Psychosomatic Research, mostrou que, quando os participantes evocavam lembranças relacionadas a doenças, sua tolerância à dor diminuía, como se ficassem mais sensíveis diante da lembrança da fragilidade física.

Um artigo publicado no periódico Social Cognition revela como metas das quais não temos consciência clara (aquelas que se tornaram tão automáticas que nem percebemos que ainda as estamos perseguindo, como emagrecer, impressionar o chefe ou tirar férias do Facebook) podem nos deixar com um humor “misterioso” – positivo ou negativo.

No estudo tratado no artigo, alguns participantes que deveriam perseguir certo objetivo foram previamente estimulados com uma tarefa de leitura que incluía palavras como “sucesso” e “realização”. Os voluntários, entretanto, não tinham consciência dessa preparação, acreditavam que a leitura não estava relacionada com o experimento. Quando se saíram mal numa tarefa subsequente de desafio mental, seu estado de ânimo se mostrou mais negativo que o daqueles que não foram submetidos antes ao exercício com palavras orientadas para o cumprimento de uma meta.

A chave para superar os efeitos da preparação pode ser bastante simples: exercitar a autoconsciência. Um fato a ser destacado é que o ânimo dos participantes melhorou quando os pesquisadores mostraram por que razão eles começaram a se sentir tristes. O que isso significa na prática? Talvez que, quando de repente começamos a perceber que nos sentimos angustiados, depressivos ou com medo, pode ser útil nos lembrarmos do que vimos, ouvimos ou pensamos nos últimos minutos – e, assim, identificar o gatilho emocional. Essa atitude, pautada por uma escolha racional, costuma ajudar bastante a superar crises de mau humor repentinas e aparentemente misteriosas.

ALTERAÇÕES PODEM SER SINAL DE DEMÊNCIA

Um senso de humor distorcido – que inclui o riso em momentos inapropriados ou explosões incompreensíveis de irritação – pode ser um dos primeiros sinais de demência. Pelo menos é o que indica uma pesquisa da Universidade College London publicada pelo periódico científico Journal of Alzheimer’s Disease. Os cientistas que participaram do estudo entrevistaram parentes e amigos de 48 pacientes com diagnóstico de demência. Todos tinham conhecido os pacientes havia mais de 15 anos antes de os sintomas da doença terem se tornado perceptíveis. A maioria reconheceu que o senso de humor dos doentes havia mudado. Vários relatavam casos em que os pacientes haviam rido em situações inadequadas, assistindo a reportagens sobre desastres naturais, ou ao ver um carro mal estacionado.

Um dos entrevistados recordou que um parente riu muito quando sua mulher se queimou de forma grave com água fervente. “Meu pai passou a não ver graça em praticamente nada após a doença, mas um dia nos surpreendemos quando ele começou a gargalhar ao ver minha mãe, que sofre de asma, perder o fôlego e lutar para respirar”, lembrou outro entrevistado.

“Embora a perda da memória muitas vezes seja a primeira coisa que nos vem à mente quando ouvimos a palavra ‘demência’, o estudo destaca a importância de olhar para as várias alterações que impactam a vida diária e os relacionamentos”, afirma o neurologista Simon Ridley, do Centro de Pesquisa sobre Alzheimer, no Reino Unido. Ele salienta, entretanto, que apenas as variações de humor não são suficientes para diagnosticar um quadro demencial: é preciso levar em conta o conjunto de sintomas. De qualquer forma, orienta: “Pessoas que percebem mudanças no comportamento de seus entes queridos, em especial após os 70 anos, devem procurar ajuda médica o quanto antes”.

EU ACHO …

A PERIGOSA AVENTURA DE ESCREVER

“Minhas intuições se tornam mais claras ao esforço de transpô-las em palavras.” Isso eu escrevi uma vez. Mas está errado, pois que, ao escrever, grudada e colada, está a intuição. É perigoso porque nunca se sabe o que virá – se se for sincero. Pode vir o aviso de uma destruição, de uma autodestruição por meio de palavras. Podem vir lembranças que jamais se queria vê-las à tona. O clima pode se tornar apocalíptico. O coração tem que estar puro para que a intuição venha. E quando, meu Deus, pode-se dizer que o coração está puro? Porque é difícil apurar a pureza: às vezes no amor ilícito está toda a pureza do corpo e alma, não abençoado por um padre, mas abençoado pelo próprio amor. E tudo isso pode-se chegar a ver – e ter visto é irrevogável. Não se brinca com a intuição, não se brinca com o escrever: a caça pode ferir mortalmente o caçador.

*** CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

OLHA, SEM AS MÃOS!

Os carros semiautomáticos são uma realidade cada vez mais próxima do consumidor – resta saber agora quando eles dispensarão completamente o motorista

A mobilidade imaginada no filme Minority Report A Nova Lei, de 2002, está a cada dia mais perto de se concretizar. Os carros totalmente autônomos que levavam Tom Cruise para cima e para baixo podem não se tornar uma realidade generalizada nesta década, mas as principais montadoras do mundo estão avançando rumo ao advento do veículo que dispensa motorista. Projetos futuros ainda dependem de condições ideais de ambiente – sinalização e infraestrutura viárias padronizadas -, de velocidade de transmissão de dados e, principalmente, de um marco legal. De qualquer forma, a indústria continua progredindo e promete entregar, entre este e o próximo ano, mais unidades que atendam ao nível 2 de automação (veja o quadro abaixo). Em linhas gerais, existem seis níveis de automação veicular, que vão da total dependência do motorista (mesmo em carros automáticos) ao estágio em que o veículo é capaz de operar sem interação humana. Criada pela Sociedade dos Engenheiros Automotivos dos Estados Unidos (SAE), a classificação ajuda a entender em que ponto estão as montadoras. A Tesla, por exemplo, empresa de carros elétricos cuja avaliação de mercado supera a de muitas montadoras juntas, projetava entregar seus modelos de nível 5 em 2021. No entanto, só clientes selecionados, em regiões específicas, podem experimentá-los.

O que a Tesla oferece em todos os carros é um piloto automático e recursos de direção autônoma para o futuro – por meio de atualizações de softwares. O Autopilot AI, como é chamado o programa da fabricante, ajuda a dirigir, acelera, freia e regula a velocidade, tendo como referência os carros à frente. Até o Model 3, modelo mais barato, que custa 35.000 dólares, já vem com recursos de conveniência, como frenagem de emergência, aviso de colisão e monitoramento de ponto cego, o que o coloca no nível 2.

A GM americana anunciou que lançará em 2022 dois carros de condução semiautônoma, o redesenhado Chevrolet Bolleo novo Bolt EUV – ambos elétricos. Eles serão equipados com tecnologia Super Cruise, já usada em veículos como o sedã Cadillac, modelos CT5 e CT6, que permite ao motorista tirar as mãos do volante. O Super Cruise, no entanto, vigia o piloto por meio de uma câmera para aferir se ele está prestando atenção na estrada, caso seja necessário retomar a direção. Uma nova versão do sistema, que faz o automóvel mudar de faixa sozinho, estará presente no Cadillac e também no novo SUV Escalade.

No fim do ano passado, a Honda recebeu certificação do governo japonês para oferecer tecnologia de direção autônoma em nível 3 ao mercado doméstico. A empresa promete apresentar nas próximas semanas o sistema que equipará seu principal modelo, o Legend. Apelidado de Traffic Jam Pilot, ele deixa o veículo assumir a direção, frenagem e aceleração sob determinadas condições, como em um congestionamento. Em teoria, o motorista pode fazer qualquer coisa, como ler uma revista, menos dormir ou consumir bebidas alcoólicas. Isso porque precisa estar preparado para reassumir o controle.

Na prática, o Traffic Jam Pilot, o Autopilot AIeo Super Cruise são semelhantes, embora estejam em níveis diferentes. Chegar à total automação, entretanto, é uma questão de tempo, contanto que os obstáculos técnicos e de responsabilidade civil sejam superados. Uma das questões que se colocam é quem seria o culpado no caso deum acidente com um veículo autônomo: o motorista inerte ou o fabricante? Ainda não há resposta. “Há dilemas éticos, morais e de legislação que precisam ser equacionados,” diz o engenheiro Camilo Adas, presidente da SAE Brasil, dedicada à mobilidade. E onde está o Brasil nessa busca do carro autônomo? Não há nenhum desenvolvimento local previsto, mas o nível 5 teria os mesmos desafios de implantação de outros países, em especial a infraestrutura viária adequada. No entanto, segundo Adas, as rodovias bem avaliadas, como a Bandeirantes, no estado de São Paulo, poderiam receber veículos de alta automação. Portanto, é seguro afirmar que, em algum momento, a tecnologia de ponta estará ao alcance de um bom número de brasileiros – e talvez não demore tanto tempo assim.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 15 DE ABRIL

O CONHECIMENTO VALE MAIS DO QUE OURO

Todo prudente procede com conhecimento, mas o insensato espraia a sua loucura (Provérbios 13.16).

O conhecimento é um bem inalienável. Investir em conhecimento é acumular um tesouro que ninguém lhe pode roubar. O conhecimento vale mais do que ouro. É uma joia que brilha sempre e nunca perde o valor. O prudente procede com conhecimento. Seu conhecimento o promove, o destaca e o faz assentar-se entre príncipes. Os bens materiais podem ser roubados e saqueados, mas nenhuma força da terra pode arrombar o cofre onde você entesoura o conhecimento. O prudente, porém, não é apenas aquele que tem o conhecimento, mas também aquele que procede com conhecimento. Sabedoria é o conhecimento corretamente aplicado. Não basta saber; é preciso colocar em prática o que se sabe. Tanto o saber sem agir como o agir sem saber são atitudes insensatas. O tolo é aquele que rejeita o conhecimento e ao mesmo tempo espraia a sua loucura. Fala do que não entende e age inconsequentemente. Espalha sua tolice, provoca desconforto com suas ideias insensatas e com suas atitudes agressivas magoa as pessoas à sua volta. Invista no conhecimento; ele vale mais do que ouro!

GESTÃO E CARREIRA

LICENÇA PARA DISCORDAR

Os líderes precisam de pessoas que os questionem. O segredo é: como fazer isso sem gerar conflitos e abalar as relações?

Em um reino muito, muito distante, um rei criava leis do tipo que proibia as pessoas de cortar a unha do pé em noite de lua cheia. Quando questionado, ele gritava: “Cale a boca! Quem manda aqui sou eu”. Com o tempo, ninguém mais discordava do soberano. As pessoas pararam de falar.

Apesar de escrita para crianças, a premiada obra de Ruth Rocha O Reizinho Mandão (Editora Salamandra) ilustra a situação vivida por muitos subordinados no mundo corporativo que se calam frente a líderes ainda autoritários. Pode parecer mais fácil gerir sem divergência, mas certamente não é saudável para o negócio. “Discordar gera novas ideias criatividade, honestidade, autenticidade e engajamento”, diz George Kohlrieser, professor de liderança e comportamento organizacional na escola de negócios IMD, na Suíça, que por mais de 40 anos ajudou na negociação em sequestros. “As pessoas que dizem ‘sim’ para tudo evitam conflitos, mas eles são importantes -desde que o vínculo relacional seja mantido”. Já dizia William Ury, um dos mais renomados especialistas em mediação do mundo e cofunda dor do Programa de Negociação de Harvard: “O conflito é como uma tempestade. Adequadamente controlado, pode ser uma bênção. Em grande intensidade e no lugar errado, pode causar uma enchente destrutiva”.

O desafio está em manter o equilíbrio entre as partes, permitindo, de um lado, uma comunicação sincera e, de outro, evitando que as relações azedem. Mas de que forma os profissionais de recursos humanos podem convencer os gestores de que ouvir opiniões contrárias – e até alguns “nãos” – é benéfico para seu desempenho? E qual é o limite para discordar sem gerar conflito?

A ARTE DA GUERRA

Primeiro, vale entender que o cérebro humano interpreta o desacordo como uma intimidação, ativando o instinto de sobrevivência. “Quando alguém discorda de você, isso pode significar uma ameaça a algo de seu interesse, como a imagem de “estar certo”, diz Roberto Aylmer, professor na Fundação Dom Cabral e especialista em gestão estratégica de pessoas. Isso leva os indivíduos a agir de forma mais primitiva e com menos reflexão, dando origem ao conflito.

Além do sentimento de ameaça, outros fatores podem prejudicar o diálogo. A pressa é um deles. “Ela não deixa espaço para a escuta”, afirma a psicóloga Eliane Leite, coordenadora acadêmica do curso de formação em recursos humanos da Escola de Negócios da PUC-Rio. Em tempos de redes sociais, a professora levanta outro problema: pessoas que discordam temem ser rotuladas de pessimistas ou inadequadas à cultura corporativa. “Vivemos a era dos likes. Refletir, indagar, apresentar outra forma de ver uma questão passou a ser um sinal vermelho. Isso soa como: ‘Alguém por aqui não deu um like’?”, diz Eliane. O “fantasma” do desemprego faz, também, com que muitos assumam uma postura de autopreservação. Afinal, é melhor deixar de cortar as unhas um dia do que ter a cabeça na guilhotina.

SABER OUVIR

Foi-se o tempo em que fazia sentido o mantra ”Manda quem pode, obedece quem tem juízo.” Hoje em dia, as chefias precisam dar o exemplo e entender que o questionamento feito com respeito traz vantagens competitivas. Além de colaborar para a inovação, ajuda a formar equipes com melhor desempenho e contribui para que os trabalhadores sejam mais inovadores.

A chave para a boa gestão de desavenças, segundo George Kohlrieser, é estar disposto a discordar, incentivar as pessoas a expressar as diferenças e criar uma atmosfera em que todos se sintam seguros em falar.  “Quando isso não acontece, é papel do líder dizer: ‘Quero saber onde você discorda de mim e não apenas onde concorda’“, afirma o professor e também autor do livro Hostage at the Table How Leaders Can Overcom e Conflict, influence Others, and Raise Performance (Editora Jossey-Bass).

Se, de um lado, demonstrar uma opinião oposta sem gerar confusão depende da postura e da intenção de quem argumenta, de outro, também está sujeito à disposição de quem ouve. “Alguns gestores confiam tanto neles que se esquecem de que os outros também podem ter boas ideias”, diz Vera Martins, especialista em comunicação assertiva e autora de Seja Assertivo! (Alta Books Editora). “O conflito acontece quando o inflexível vê a discordância como uma ameaça à sua competência.” A dica da especialista está em focar a solução do problema, bem como fazer o chefe perceber que o subordinado se encontra ali para colaborar.

Um detalhe: faz toda diferença que ambas as partes se escutem com atenção e deixem o interlocutor concluir seu pensamento. “Começar ouvindo ajuda a quebrar a resistência”, afirma Vera. Feito isso, é hora de fazer perguntas e, ao final, concluir com frases como: “‘Veja se eu entendi o que você está dizendo” e “Eu penso diferente. Você quer me ouvir?” De acordo com Vera, isso permite que a comunicação seja menos agressiva e se torne assertiva.

Uma maneira divertida de o RH estimular as discussões saudáveis e tornar isso uma prática seria propor uma dinâmica na qual um grupo tenha de defender uma opinião, e outro, discordar. “Criar um tribunal em cima de uma ideia é uma forma interessante de favorecer a troca, abrindo a participação de todos a partir de um papel que foi previamente estipulado”, diz Aylmer, da Dom Cabral. Para ele, pessoas que não expressam opiniões podem ter sua criatividade asfixiada. Por isso, é um movimento importante a organização se deixar perceber como aberta a diferentes visões de mundo.

Calar-se e balançar a cabeça positivamente é muito mais fácil do que ter a coragem de confrontar alguém ou de reconhecer que se está errado. Mas as desavenças são inevitáveis, normais – e saudáveis. Basta nos acostumarmos com elas.

5 RAZÕES PARA DIVERGIR

1. Equipes que se sentem responsáveis pela solução de um problema são mais comprometidas e engajadas

2. A diversidade de opiniões abre caminho para novas ideias e inovações

3. Dar aos funcionários liberdade de fazer perguntas e expressar opiniões leva à mitigação de riscos

4. Ao ouvir e incorporar feedbacks, o líder tem a chance de evoluir

5. Ao abrir espaço para debates, a empresa cria um ambiente de trabalho mais inclusivo

COMO QUESTIONAR SEM PROBLEMA

•  Discorde de um pensamento ou de uma estratégia, não de uma pessoa

•  Atue como mediador, gerando na equipe confiança para que as pessoas exponham seus pontos de vista

•  Estabeleça subgrupos nos quais um defenda uma ideia e o outro discorde dela. um sorteio pode definir quem é “advogado de defesa” e quem é “promotor”

•  O espaço para o time errar sem que esse erro bem intencionado seja considerado uma falha imperdoável

•  Incentive a equipe a focar na busca da solução ao invés de competir pela melhor ideia

•  Enxergue as pessoas como colaboradores e não como uma ameaça

• Antes de divergir, escute, questione e, depois de deixar a pessoa concluir seu pensamento, diga por que pensa diferente

“ACEITAR NÃO SIGNIFICA CONCORDAR”

Com mais de 40 anos de experiência como psicólogo e negociador de reféns, George Kohlrieser dá aulas de liderança no IMD, na Suíça. Na entrevista a seguir, ele ensina como expor opiniões contrárias sem azedar as relações.

CHEFES PRECISAM DE PESSOAS QUE OS QUESTIONEM?

Definitivamente, sim. Estar cercado de funcionários, amigos e consumidores complacentes é um problema para os líderes. Em algumas organizações, a cultura do silêncio desencadeia problemas sérios, como mostrou o escândalo de emissões de poluentes da Volkswagen. É responsabilidade dos gestores dar o exemplo, mostrando como discordar com respeito e como expressar as diferenças.

E DE QUE FORMA ISSO PODE SER ESTIMULADO?

O fundamental é ter desejo de aprender, curiosidade e abertura para outro ponto de vista. No desenvolvimento de liderança, ensinamos a diferença entre aceitação e concordância e como separar a pessoa do problema. Isso por que, a partir do momento em que você faz do indivíduo um problema, você se torna refém e mais suscetível a um desacordo destrutivo.

COMO OS LÍDERES PODEM INCENTIVAR AS PESSOAS A EXPRESSAR SUAS OPINIÕES?

O importante é que eles estimulem as pessoas a dizer o que pensam. Onde isso não está acontecendo, eles precisam fazer mais perguntas para elucidar as diferenças. Isso deve começar pelo próprio CEO, com a mensagem: “Quero saber onde você discorda de mim e não apenas onde concorda”. Líderes precisam ser o que chamo de “base segura”: motivar a verdade e a confiança para explorar soluções criativas.

POR QUE ALGUNS INDIVÍDUOS TÊM DIFICULDADE EM DISCORDAR?

Parte do problema é que eles não aprenderam a dizer “não”, então evitam discordar. Ao lidar com esses indivíduos, enfatize que você quer a verdade, porque gostaria de saber como eles se sentem. Para encorajá-los a ser honestos, você precisa ser direto e caloroso. Eles precisam aprender que as diferenças de opinião levam a melhores soluções.

AS PESSOAS DEVERIAM DIVERGIR MAIS?

De uma forma geral, sim. Os desacordos devem ser considerados parte normal e positiva de uma relação. No entanto, é essencial que seja feito com respeito para a construção de um objetivo comum. Saber quando discordar e quando concordar é importante para o desenvolvimento da liderança.

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

AMOR NARCISO NA CIVILIZAÇÃO

Pelo fundamento inconsciente, o amor pode ser considerado político, o que motivou Freud a trabalhar mais claramente esse sentimento em textos sobre o narcisismo e nos que tocam a massa e os descontentes na civilização

No amor o sujeito recusa o dom em busca de sua realização, impossível, por ser oceânica, de estabelecer qualquer saber completo e garantia para o futuro, que é tão somente o de uma ilusão. Parando o tempo, no atemporal do inconsciente, poderá cristalizá-lo para fazê-lo eterno enquanto durar e/ou atualizá-lo em fantasias de um ato ilusoriamente recíproco, pois ama-se no outro aquilo que de si mesmo foi investido e retornou. Ama-se só até onde vai o limite dos desdobramentos da própria capacidade narcísica. O amor, pelo fundamento inconsciente, é político! Não por acaso Freud trabalhou mais claramente o amor em textos sobre o narcisismo e nos que tocam a massa e os descontentes na civilização.

Em uma das passagens Freud escreve “as pulsões do amor são difíceis de educar”. O amor questiona a civilização. “O estar apaixonado consiste num fluir da libido do ego em direção ao objeto. Tem o poder de remover as repressões e de reinstalar as perversões”.

O amor é polimorfo, sem sexo, sem objeto previamente estabelecido. O amor no feminino exige palavras para gozar, multiplamente. Sua reação frente ao corte é de imediata elaboração, trabalho de luto e sofrimento, sua necessidade é de ser amada. O amor no masculino tem o poder colocado em jogo, buscando adiar o contato com a castração e sofrimento, sua necessidade é de amar. Em ambos, o deslocamento e mecanismos de defesas podem ser usados para defender-se da angústia advinda do rompimento do amor. Ficam também enigmas, de um lado, o que de mim ofereço ao amor é mesmo impossível de ser acessado? E, de outro, o que ofereço de mim para amar é mesmo insuficiente?

Indubitavelmente os destinos do amor desassossegam, pelo caráter limiar, os temas do amor, do ser e identificações, do ter e escolhas de neuroses, romances, sexualidade, moral sexual civilizada, sexo, gozo, felicidade etc. Falar do amor é organizar a vida e fazer dele uma “carreira sem limite”, vendo o ser para além do que parece ser e se vendo como extensão ao futuro, efeitos de Eros.

No livro de Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas, podem, nas entrelinhas da história, serem lidos destinos possíveis ao amor. Os relatos do livro ocorrem em meio à guerra, em um diálogo que nos lembra o ato analítico, fundado em amor, repetições, invenções e palavras!

Ensinar o filho a amar é uma das impossíveis tarefas dos pais trabalhadas por Freud em 1905. Ainda com Freud temos a notícia de que “muito antes da puberdade já está completamente desenvolvida na criança a capacidade de amar”. Sabemos ainda que experiência pode ser dita, “redita”. A experiência na Psicanálise é algo da mais alta agudez humana, comporta algo muito sério e perigoso de ser manipulado. O corte deve ser cirúrgico! Nesta lógica, sabendo que se pode estar pisando em sonhos, nos amores, o analista caminha suave.

RETORNO À ANÁLISE

A primeira regra da Psicanálise, a regra fundamental, é a associação livre, e foi ensinada a Freud, via amor transferencial, por uma de suas pacientes: “Então, ela disse, francamente irritada, que eu não deveria lhe perguntar de onde vêm isso e aquilo, mas deixá-la contar o que ela deveria me dizer”.

O inconsciente diz e se manifesta em direção a Outro, não a outro qualquer, mas, sim Outro de amor no dom de amar! Ideal de eu. Ou em fundo narcísico, paixão ensimesmada em um eu ideal. Aquele que amo, aquele que me ama!

No fundo, sendo o amor uma invenção subjetiva para se haver com a falta, o amor é uma repetição da causa perdida no atemporal que transita em cada um. Em Guimarães Rosa, “o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”. Nos etcéteras da vida. Contos para análise.

A transferência, nos ensina Freud, é um fragmento da repetição, e a repetição é uma transferência do passado esquecido. ”A gente se acha de voltar aos passados”. E muita gente volta à análise. O inconsciente em sua atemporalidade se remonta na análise na esfera do amor e do ódio. O ódio é o oposto do amor.

O sujeito em “desenvolvimento” vive os desdobramentos da construção de um corpo que exige libido e Trieb em todos seus poros. Na transferência, para suportar suas lembranças encobridoras, o paciente “suspira de ódio, como se fosse por amor”.

Em análise – assim como na vida – no amor e na fala, “era como se tivesse que caçar emprestada uma sombra de amor”. No amor, essa sombra é necessária, poisnele não se cala o grito dos sonhos – “pai, não vês que estou queimando?”.

O amor, para lidar com os sintomas e modos de gozar, exige uma escuta que seja flutuante. “O senhor escute, me escute mais do que estou dizendo; e escute desarmado… muita coisa importante falta nome”. Daí supõe o saber e sendo o saber fálico por excelência, o traçado se risca tal como “bem, o senhor ouviu, o que ouviu sabe, o que sabe me entende”. A repetição, limítrofe entre a resistência e transferência, escorrega na língua: “Sei que estou contando errado, pelos altos. Desemendo. Mas não é por disfarçar, não pense. De grave, na lei do com um, disse ao senhor quase tudo. Não crio receio. O senhor é homem de pensar o dos outros como sendo seu, não é criatura de pôr denúncia”.

A escuta flutuante é a escuta que mantém desperta a posição do analista, que deverá estar abstinente de seus julgamentos, desnudado de preconceitos e comprometido com as sutilezas do inconsciente daquele que foi convidado a expressar-se como lhe convier. Pois, “o que é para ser – são as palavras! “. Em Psicanálise, do debruçar-se da escuta clínica até o debruçar-se do divã, o que o sujeito mais busca é o correlato do seu ”sertão”, do seu amor.

“SELF” SOB AS ÁGUAS

Por vezes busca-se o narcísico do amor, só pelo narcisismo é que podemos amar, pelos seus destinos. Das formas de amar, podemos pensar que aventurado foi Narciso, que tirou “self ” sob as águas (tão narciso que nem precisou de máquina fotográfica), se perdeu no império da própria imagem e morreu afogado no encontro com o real pelo simbólico que nunca disse! Do Narciso das águas veio ao Narciso do império das imagens, morrendo em aquisições ao discurso do mestre e leitos de hospitais. Dos amores narcísicos temos ainda, como exemplo, aquele que diz “eu te amo” para apenas escutar o “eu também”!

O ato analítico é um destino possível ao apalavrar do amor! É lá que “grandes pedras do fundo do chão vêm à flor”.

No apetitoso prazer da memória o inconsciente em transferência escapa nas falas e se manifesta em lembranças encobridoras:

“A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que nem não misturam. Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa importância. (…) Sucedido desgovernado. Assim eu acho, assim é que eu conto. O senhor é bondoso de me ouvir. Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data”.

O amor não é recalcável, as palavras e as ideias que o contornam é que podem ser, isso que aqui pode parecer uma simples repetição ao leitor mais atento é um ponto de reflexão, “reflexão”, flexionar novamente o que se repete para descobrir o que “de novo” aparece, é assim que as políticas do amor vão à clínica.

O amor é afeto a ser destinado a algum lugar deste mundo – mundo particular. Não há regra de ouro para os destinos do amor e o futuro do amor é tão somente o futuro de uma ilusão. Na análise do amor somos todos leigos, até que se diga e só aí é que se inventa, na incomensurável medida, um certo saber fazer com amor.

O amor nos leva à loucura, dizemos do estranho, daquilo que nos é mais íntimo, gozamos com o corpo e amaciamos o egoísmo do desejo:

“A gente está pertinho do que é nosso por direito, e não sabe, não sabe, não sabe! Sendo isto. Ao doido, doidera digo. Mas o senhor é homem sobrevindo, sensato, fiel como papel, o senhor me ouve, pensa e repensa, e rediz, então me ajuda. Assim, é como conto. Antes conto as coisas que formaram passado para mim com mais pertença. Vou lhe falar. Lhe falo do Sertão. Do que não sei. Um grande Sertão! Não sei. Ninguém ainda não sabe. Só umas raríssimas pessoas – e só essas poucas veredas, veredazinhas. O que muito lhe agradeço é a sua fineza de atenção”.

EU ACHO …

DOÇURA DA TERRA

Não sei se muitos fizeram essa descoberta – sei que eu fiz. Também sei que descobrir a terra é lugar-comum que há muito se separou do que exprime. Mas todo homem deveria em algum momento redescobrir a sensação que está sob descobrir a terra.

A mim aconteceu na Itália, durante uma viagem de trem. Não é necessário que seja a Itália. Poderia ser em Jacarepaguá. Mas era a Itália. O trem avançava e, depois de uma noite mal dormida em companhia de uma sueca que só falava sueco, depois de uma xícara de café ordinário com cheiro de estação ferroviária – eis a terra através das vidraças. A doçura da terra italiana. Era começo de primavera, mês de março. Também não precisaria ser primavera. Precisava ser apenas – terra. E quanto a esta, todos a têm sob os pés. Era tão estranho sentir-se viver sobre uma coisa viva. Os franceses, quando estão nervosos, dizem que estão sur le qui-vive. Nós estamos perpetuamente sobre o que viver.

E à terra retornaremos. Ah, por que não nos deixaram descobrir sozinhos que à terra retornaremos: fomos avisados antes de descobrir. Com grande esforço de recriação descobri que: à terra retornaremos. Não era triste, era excitante. Só em pensar, já me sentia rodeada desse silêncio da terra. Desse silêncio que a gente prevê e que procura antes do tempo concretizar.

De algum modo tudo é feito de terra. Um material precioso. Sua abundância não o torna menos raro de sentir – tão difícil é realmente sentir que tudo é feito de terra. Que unidade. E por que não o espírito também? Meu espírito é tecido pela terra mais fina. A flor não é feita de terra?

E pelo fato de tudo ser feito de terra – que grande futuro inesgotável nós temos. Um futuro impessoal que nos excede. Como a raça nos excede.

Que dom nos fez a terra separando-nos em pessoas – que dom nós lhe fazemos não sendo senão: terra. Nós somos imortais. E eu estou emocionada e cívica.

*** CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

A INFIDELIDADE FELINA

Estudo chega à ruidosa (e esperada) conclusão de que gatos são mais egoístas que os cachorros – a explicação pode estar na evolução das espécies.

Nos anos 1930, o poeta americano T.S. Eliot (1888-1965), já internacionalmente celebrado, decidiu presentear seus afilhados com uma série de poemas sobre gatos. Virou um clássico, obra-prima da literatura infantil que serviria de inspiração para o musical Cats, da Broadway. “É fácil pôr um cão na linha – é só fazer uma cosquinha / ou um carinho no seu queixo/que ele é só riso e remelexo.

/ … pra um gato vir a tolerar / ser seu amigo e te aceitar/ dê algo que ele não rejeite/como um pratinho só com leite/ de vez em quando aceitará / um caviar, ou um foiegras…”, escreveu, aqui na tradução de Caetano W. Galindo, para então avisar que “GATO NÃO É CÃO”, em capitulares estridentes. O que T.S. Eliot intuía, e outros tantos gênios das letras percebiam, como Ernest Hemingway e Jorge Amado, ao conviver com bichos de estimação, a ciência acaba de comprovar: felinos não são como canídeos.

Um estudo recentemente conduzido pela prestigiosa Universidade de Kyoto, no Japão, mostrou que, ao contrário dos cães, os gatos carregam um traço de personalidade peculiar – eles não evitam estranhos que se comportam mal com seus donos. No experimento, um gato observou seu dono tentar abrir uma caixa, enquanto dois estranhos estavam sentados ao seu lado. O proprietário então pede ajuda a um deles. Em um teste, o estranho o ajuda na tarefa. Em outra situação, o humano se recusa a auxiliá-lo. O outro estranho ficou sentado passivamente, sem fazer nada, nas duas situações. Em seguida, eles ofereceram guloseimas ao felino. O gato degustou fartamente o petisco, sem mostrar preferência pela comida oferecida pelo ajudante nem recusar a dada por aquele que não quis ajudar. Os pesquisadores haviam feito o mesmo teste com cachorro, que evitaram a comida oferecida por quem não auxiliou o dono. A explicação está atrelada à evolução das espécies: os cães foram capazes de se tornar parceiros cooperativos com os humanos por meio da domesticação baseada na alta sociabilidade de seu ancestral, o lobo”, disse Hitomi Chijiiwa, a principal pesquisadora do estudo de Kyoto. “Os antepassados dos gatos, os gatos selvagens, eram caçadores solitários e, mesmo na domesticação, os felinos não foram selecionados para cooperação com humanos.”

O trabalho é relevante, ao abrir uma janela, mas não oferece certezas. Algumas experiências mostram que os bichanos desenvolvem laços emocionais com seus donos. “O gato gosta do tutor, amoroso a seu modo, que é diferente dos cães, mas seu instinto de sobrevivência fala mais alto”, diz a veterinária Kellen Oliveira, presidente da Comissão de Bem-Estar Animal do Conselho Federal de Medicina Veterinária.

Gatos, enfim, vivem conosco, mas não dependem totalmente dos donos – certamente não no sentido da dependência emocional apresentada pelos cachorros. Domesticados há 9.500 anos, elesnão parecem completamente afetivos aos humanos. Os gatos têm várias atitudes que parecem desafiar qualquer explicação racional o que lhes confere grande parte do seu charme: o ritual de avançar sobre um cobertor, o hábito de deitar o corpo em cima do teclado do computador, o jeito de ficar encarando com olhar fixo na parede – e, talvez o mais dramático, o ataque de maluquice depois de fazer cocô. Não são, definitivamente, como cães -e ter um ou outro, ou ambos, “vai do gosto e da personalidade do freguês. A infidelidade felina não é necessariamente ruim, é apenas um jeito de ser.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 14 DE ABRIL

O VALOR INESTIMÁVEL DO BOM SENSO

A boa inteligência consegue favor, mas o caminho dos pérfidos é intransitável (Provérbios  13.15).

O bom senso cabe em todo lugar. O bom senso abre portas, desbloqueia caminhos, remove obstáculos e alcança favores. O bom senso ou a boa inteligência não trilha pelo caminho da arrogância. Não estica o pescoço com a tola intenção de sobressair-se sobre os demais. O bom senso não proclama seus próprios feitos, não faz propaganda de suas próprias obras nem se arvora soberbamente contra os outros apenas para denunciar suas fraquezas. A boa inteligência consegue favor porque segue as pegadas da humildade, e a humildade é o portal da honra. Completamente diferente é o caminho do pérfido, soberbo e infiel. Seu caminho é áspero e intransitável. Sua companhia é indesejável, suas palavras são insensatas, suas ações são injustas, sua vida é um laço mortal. A Palavra de Deus nos mostra que o segredo da felicidade é afastar-nos do caminho dos perversos. Diz o salmista: Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores. Antes, o seu prazer está na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite (Salmos 1.1,2).

GESTÃO E CARREIRA

DESAFIO PARA QUEM FICA

Profissionais que estão trabalhando em empresas que passam por processo de recuperação judicial sofrem com a instabilidade, mas podem desenvolver novas competências

Mesmo com uma participação de 30% na venda de livros no Brasil, a Saraiva não conseguiu frear o aumento de suas dívidas, que chegaram a 675 milhões de reais em 2018. Pressionada por seus credores (principalmente os bancos), fornecedores e editoras de livros, a empresa não viuoutra saída senão entrar em recuperação judicial. Na esteira desse processo, 700 profissionais foram demitidos e nove lojas foram fechadas.

A recuperação judicial é um recurso usado pelas companhias que estão com problemas financeiros. Seu objetivo é evitar a falência e proteger funcionários, fornecedores e clientes. Avianca, Copel, Oi, Livraria Cultura e Odebrecht são outras organizações que, ao lado da Saraiva, engrossam a lista da RJ – sigla usada pelo mercado para se referir à recuperação judicial. Em 2018, 1.408 empresas usaram esse recurso. O recorde foi registrado em 2016, quando 1.863 empresas foram afetadas pelo cenário recessivo que ganhou força em 2014, segundo informa o Indicador Serasa Experian de Falências e Recuperações.

Como os processos desse tipo costumam vir acompanhados de demissões e cortes de recursos, é comum o pânico se instalar entre os funcionários quando a RJ é declarada. Os empregados temem por seu cargo e, pior, pela falência da companhia, que pode fechar as portas sem recursos nem sequer para pagar as rescisões trabalhistas. Mas esse é o pior cenário. Normalmente, as empresas têm chance real de se reerguer, do contrário não teriam o pedido de RJ aprovado pelo juiz.

AS DIFICULDADES

Aqueles que estão próximos da direção tendem a sentir diretamente a pressão dos credores e, principalmente, do administrador judicial – um profissional destacado pelo juiz para acompanhar de perto o cumprimento das obrigações assumidas pela companhia. “Esse administrador não gerencia o negócio, mas acaba interferindo bastante na operação, especialmente, quando avalia que as medidas adotadas afetarão o pagamento das dívidas”, diz Walfrido Jorge Warde Júnior, advogado especializado em litígios empresariais e sócio- fundador do Warde Advogados. Valedizer que, embora seja nomeado pela Justiça, o administrador judicial não é um servidor público. A função é exercida por advogados, economistas, administradores e contabilistas que se cadastraram para exercer o cargo. Os demais funcionários de uma companhia em RJsofrem, em geral, com a deterioração das condições de trabalho. Não é incomum, por exemplo, o parcelamento do salário em três ou até mais vezes. A remuneração pode inclusive ser reduzida mediante negociação. Carlos Roberto Marques, de 37 anos, trabalhou por dois anos na Passaredo Linhas Aéreas. Com sede em Ribeirão Preto(SP), a companhia conseguiu se recuperar depois de passar por um processo que levou cinco anos, de 2012 a 2017, e envolveu uma dívida de 200 milhões de reais. Entre março de 2016 e março de 2018, Carlos trabalhou como executor de escala de tripulantes, cargo que envolvia organizar os turnos de trabalho de pilotos e comissários, mas a experiência foi complicada. “Nunca houve reunião, comunicados. Também nunca se importaram em nos motivar. Eu ficava pelo amor à aviação e pela falta de oportunidades no mercado. Em Ribeirão Preto, não há outra companhia aérea”, diz o profissional, demitido junto com outros 160 colegas, e teve a rescisão paga em 12 parcelas.

Eduardo Busch, diretor executivo da Passaredo Linhas Aéreas, recomenda que muitos empregados precisaram fazer “sacrifícios pessoais” e suportar “grandes pressões externas” para a companhia se reerguer.

“O processo de recuperação judicial da Passaredo não foi uma opção foi uma necessidade para que a empresa pudesse continuar operando. Não foi um processo fácil, mas hoje vemos que foi essencial para que pudéssemos seguir em frente”, afirma.

BALANÇO PESSOAL

A decisão de suportar os desafios de uma RJ é uma questão-chave nessa discussão. “É preciso avaliar tanto a disposição para lidar com os problemas naturais do processo como também a possibilidade de crescer profissionalmente com os desafios”, diz Maria Eduarda Silveira, gerente de   recrutamento da Consultoria Robert Half. Como a folha de pagamento é uma das primeiras a passar pela tesoura, as equipes tendem a ficar mais enxutas. “Muitas vezes, isso é sinônimo de mais trabalho, mas pode ser uma oportunidade para ser mais produtivo”, diz Maria Eduarda.

Na opinião de Marcos Theisen, de 33 anos, trabalhar como analista financeiro da Teka, fabricante    de roupas de cama mesa e banho, que está em RJ desde 2012, é uma baita oportunidade.  Formado em gestão financeira e contratado pela empresa há quatro anos. Marcos tem a oportunidade de lidar com processos mais complexos do que se a companhia estivesse num período normal – como títulos e empréstimos de curto prazo que necessitam de negociações especificas. “Para mim, esse é um motivo a mais para ficar.” Enredada em um processo que se arrasta há sete anos, a companhia sediada em Blumenau (SC) está pagando o salário em três parcelas e ainda parou de recolher o FGTS. Por essas questões, o analista não teme a demissão. “Contratar alguém ficou muito mais difícil, e isso deve desmotivar a empresa a levar adiante qualquer plano de substituir um profissional por outro”, diz. Procurada, a gestora judicial da Teka, Fabiane Esvicero, preferiu não comentar as declarações do funcionário e a situação da empresa. Ela foi nomeada para o cargo depois que a Justiça determinou o afastamento do diretor Frederico Kuehnrich Neto por supostas irregularidades na gestão.

TRANSPARÊNCIA

A comunicação é uma das questões mais importantes em uma situação de recuperação judicial. Quando ela é falha ou inexiste, o clima de insatisfação tende a crescer e a boataria corre solta, o que prejudica a produtividade. Portanto, se por um lado os profissionais devem evitar se contaminar pelas conversas de corredor, por outro as companhias precisam comunicar bem as equipes.

Na Saraiva, por exemplo, foi criado um plano de comunicação para o público interno. “O intuito é trazer o máximo de transparência à condução do atual momento da empresa”, diz Henrique Cugnasca, diretor financeiro e de RH da Saraiva. Dentro desse pacote, a livraria produziu uma cartilha para explicar o beabá da recuperação judicial e esclareceu, por meio de diversos materiais, como esse processo afetaria a rotina. “No dia em que a empresa protocolou o pedido de RJ, os colaboradores foram os primeiros a ser informados”, diz Henrique. A Saraiva também ampliou o programa Café com o Presidente, que consiste em um bate-papo do executivo com os empregados das lojas; do escritório e do centro de distribuição. Os encontros passaram a acontecer mensalmente, e não mais a cada dois meses. Em paralelo, foram criados um cronograma de newsletters mensais específicas sobre o tema e um endereço de e-mail para as pessoas mandarem perguntas. Esse canal vem sendo usado pelos interessados em saber em que situação se encontra o processo da Saraiva, que atualmente emprega 2.400 pessoas. O primeiro plano foi apresentado aos credores em fevereiro de 2018, porém, apenas no final de agosto o pedido foi aprovado. Em paralelo, um novo conselho foi anunciado após o afastamento do presidente da empresa, Jorge Saraiva Neto, a pedido dos credores.

EM BUSCA DE INFORMAÇÕES

Quando a empresa não adota uma postura transparente com seus profissionais, eles podem solicitar informações diretamente com o administrador judicial, segundo Odair de Moraes Jr., fundador do escritório Moraes Jr. Advogados. Ao longo dos últimos 20 anos, ele e sua equipe atenderam mais de 1.000 empresas em processo de reestruturação

Desde que haja abertura, os especialistas sugerem aos funcionários que tentem obter informações sobre a possibilidade de seus cargos serem extintos. Ainda que a maior parte das demissões ocorra no início da RJ ou até mesmo antes de ela ser formalizada (muitas empresas fazem isso para postergar o pagamento das rescisões), novas demissões costumam ocorrer com frequência. Sentindo a instabilidade da empresa em que trabalhava, Mayra Reis , de 35 anos, conseguiu a resposta que queria. Seu chefe na fabricante Alpex Alumínio, com sede em São Paulo, não só confirmou que a companhia entraria em RJ, o que aconteceu em 2014, como também adiantou que ela seria demitida assim que o processo fosse formalizado. A então gerente de comunicação e marketing suspendeu o plano de comprar a casa própria e colocou em ação seu plano B. Alguns meses depois da demissão, ela fundou a própria agência, a Alma Gestão de Comunicação e Marketing, para atender empresas de pequeno porte. Curiosamente, muitos de seus clientes também estão em RJ. “Essa vivência, que tinha tudo para ser negativa, trouxe resultados positivos para mim pois eu consegui enxergar a importância da área de comunicação para as empresas nesse momento”, diz Mayra. “Também tive ganhos pessoais. Como empreendedora, fiquei mais atenta aos custos, ao gerenciamento de fornecedores e aos contratos com funcionários e com terceiros. A experiência na Alpex me deixou alerta.”

QUESTÃO DE PERFIL

Trabalhar em uma empresa em recuperação judicial pode ser estressante, especialmente se os problemas financeiros forem graves. Mas é possível aprender a conviver com as turbulências e até crescer com os desafios. Maria Eduarda Silveira, gerente de recrutamento dá consultoria Robert Half, Lista cinco competências comportamentais essenciais para quem está passando pela experiência.

COMPROMETIMENTO

Identifique e supere obstáculos de forma proativa, cumpra os prazos, vá além do seu trabalho e saia da zona de conforto.

MATURJDADE

Mantenha o equilíbrio diante de situações complexas. Tenha foco no trabalho e não se deixe abalar por possíveis fofocas no ambiente corporativo.

APRENDIZADO

Esteja aberto a ouvir e aprender, adquirindo, assim, experiência e conhecimento.

RESILIÊNCJA

Lide com situações de crise e de oposição sem desanimar nem deixar abalar seu rendimento.

PRODUTIVIDADE

Esse é um momento importante para a empresa e a alta produtividade é fundamental. Ponha a mão na massa e participe da execução dos trabalhos a fim de potencializar as entregas da área.

COMO FUNCIONA A RJ

Quando uma empresa perde a capacidade de pagar suas dívidas e de manter suas operações, ela pode solicitar a recuperação judicial. Companhias de diferentes portes e setores têm direito ao recurso, porém, é preciso demonstrar que o problema financeiro é temporário, portanto, passível de recuperação. É disso que vai depender a aprovação do pedido de RJ pelo juiz. Após o sinal verde da Justiça, as empresas têm as seguintes etapas a cumprir:

PLANOB

Em 60 dias, é preciso apresentar um plano aos credores com a descrição de ações para sanar problemas financeiros. Em geral, as medidas envolvem corte de custos, o que pode incluir demissões. As companhias também informam o prazo em que farão as ações e quais os resultados esperados. A apresentação desse plano e a realização de assembleia com os credores são considerados dois avanços da lei de recuperação de empresas e falências, de 2005, pois isso deu às empresas flexibilidade para negociar seus débitos. Antes dela, quando estava em vigência a lei das concordatas, as pendências financeiras eram parcelas em condições fiscais preestabelecidas.

CONVENCIMENTO DOS CREDORES

Após a apresentação do plano de recuperação, os credores têm 180 dias para aprova-lo. Para isso, a empresa deve realizar assembleias para reunir todos os envolvidos no processo, ou seja, todas as pessoas (físicas e jurídicas) para as quais ela deve dinheiro. Em geral, os credores buscam renegociar as condições de pagamento apresentadas pelas empresas. Por causa disso, é natural que sejam feitos ajustes no plano e, consequentemente, novas assembleias. Também é comum que o prazo de 180 dias se alongue. Quanto mais complexa a operação, quanto maior o número de envolvidos, maior é o risco de essa etapa se estender.

MÃO NA MASSA E COBRANÇA

Com a aprovação do plano, começa o período de fiscalização. O juiz determina um administrador judicial (aj) para supervisionar o cumprimento do plano e, eventualmente, denunciar irregularidades. Em geral, esse período leva dois anos, o que não quer dizer que toda a dívida será paga nesse intervalo – quando o montante é alto, a empresa consegue um prazo de 15 a 20 anos para se acertar com os credores.

RECUPERAÇÃO OU FALENCIA

O período de fiscalização, que são os dois primeiros anos, é fundamental para o juiz avaliar o andamento do processo. Caso a empresa não consiga colocar o plano em prática e pagar as dívidas no prazo estipulado, o juiz pode decretar sua falência. nasituação oposta, ele pode decretar o fim da rj considerando o cumprimento dos dois primeiros anos do plano. Ou seja, ainda que a empresa tenha outras dívidas para saldar (em prazos que chegam a 20 anos), o processo de RJ pode se encerrar com base numa avaliação parcial.

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

A CLÍNICA PSICANALÍTICA E O AMOR

O dia a dia dos consultórios de Psicanálise está recheado de pessoas que os procuram para aplacar seus corações e almas, em função de dores de amor, que apresentam sintomas que o tornam razão de análise

Quando o amor assalta Ele rouba a solidão Para oferecera falta!

Cotidianamente recebemos em nossos consultórios senhores desalmados e seus desejos, não são senhores em suas próprias casas e também são incapazes de fugirem de si mesmos: “Quem muito se evita, se convive”. São senhores que trazem o amor em seus bolsos, rostos e estampado em seus sintomas, fazendo dele, do amor, a demanda de análise com a política do inconsciente.

O amor é uma das cinco palavras-chave pelo qual as cadeias de associações significantes circulam pela análise. Em análise aparecem o amor, a morte, a sexualidade, o dinheiro e a família como alavancas da história de vida. É necessário, na clínica, que o analista fique atento a esses temas no bem dizer do paciente.

Sob pressão, os pacientes desesperam-se frente ao desamparo – despreparo de amor – que parece guiá-los ao insuportável, promovendo erupção na angústia, deixando-os à mercê do destino pulsional. Este que “ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos”, busca o tratamento de um gozo sem limites visíveis, indo além do princípio de prazer nas redondezas das pulsões de morte. Uma perdição. “Viver é um negócio muito perigoso”. Até que, nos encontros e desencontros da vida, descobrem a “cura pela palavra”, uma “limpeza de chaminé”, “a cura pelo amor”; a Psicanálise! A Psicanálise pode ser compreendida neste artigo como a arte de possibilitar, com as palavras do inconsciente, caminhos mais suportáveis de viver! Fazer amor com o desejo.

Palavras e amor são duas invenções humanas necessárias para o laço social e a vida em civilização. A palavra nos convoca à fala e à escuta. O amor nos provoca a caminharmos e considerarmos nossa ímpar existência a par do outro. Eis duas propostas, também feitas por Freud: “Fale!”, “Caminhe!”. Em Freud amor é reencontro! Há reminiscências de fatos, de experiência que ecoa como aparente falta. O amor está fadado ao familiarmente estranho outrora registrado em nosso aparelho psíquico nos traçados pulsionais e nas atmosferas inconscientes.

Lacan já nos apontava que “todo mundo demanda amor”, e que “toda demanda é demanda de amor”, e o amor, ainda, no fundo “demanda amor e mais, ainda”. Com o amor e embaraços das histéricas, que chegavam à clínica, Freud aprendeu a fazer transferência e promoção do tratamento. O preliminar de uma análise é fazer a mutação da demanda de amor para a construção de transferência. O amor possibilita o tratamento, um amor à verdade, dizia Freud.

Em se tratando de transferência, aparece também, em Psicanálise, a resistência. Freud postula como alerta que “não pode haver dúvida de que a irrupção de uma apaixona da exigência de amor é, em grande parte, trabalho da resistência”. O amor em sua face de resistência é de natureza úmida, aponta-nos a lógica lacaniana. “O amor é dar o que não se tem a quem não o quer”, diz Lacan, no Seminário VIII. Se bem olharmos esta é uma das entradas de análise da neurose, entregar seu desejo a quem apenas pode escutá-lo, não o querendo para si, e sim para devolução de um reflexo mais claro das profundezas do inconsciente. Temos algo do amor, há uma entrega que atravessa o narcisismo, o amor é não todo dar o que não se tem a quem não o quer, há algo de si nesse investimento que busca o reencontro com um objeto perdido e ressuscitado nos fantasmas psíquicos. Citado em análise, o amor tem faces impossíveis e insuficientes. De uma espécie de amor que vem com palavras, eis a salvação pela análise!

HISTÓRIAS DE AMOR

Na clínica da Psicanálise escutamos histórias de amor, nem por isso, finais felizes, pois o que escutamos não são os finais, e sim a travessia de uma vida, cuja felicidade se resume em apenas parcelas. O amor em análise é o que possibilita que o inconsciente diga! O amor é suporte, tanto no sentido de base quanto no sentido de suportar. O amor carrega em seu bojo a política do inconsciente. “Falar de amor, com efeito, não se faz outra coisa no discurso analítico”. O amor é a fome do ego! Como volúpia é fabricação de libido. Ponto de análise. Falar de amor, aponta Lacan, é em si mesmo um gozo, e o gozo é aquilo que começa fazendo cócegas até que se promova a fogueira. O amor é fogo!

O amor só pode existir como objeto causa de desejo, política e laços do inconsciente, um paralelo ao lugar do analista, um vazio, um reflexo, uma falta que demanda invenção, encontro e amarração, para poder “transbordar” o fantasma da vida cotidiana. Ele demanda um Mais, Ainda enquanto ainda se respira a ilusão do reencontro com o objeto, algo apontado por Freud no Além do Princípio de Prazer. O amor se não for cuidado cai no mortífero do gozo e perde sua segurança. O amor cuidado é aquele que transparece lugar ao sujeito, sua falta e seu desejo.

Quanto ao lugar do analista frente à causa de desejo do amor, Freud é enfático: “Já deixei claro que a técnica analítica exige do médico que ele negue à paciente que anseia por amor a satisfação que ela exige. O tratamento deve ser levado a cabo na abstinência”. Lacan reforça dizendo que o discurso da demanda é “aquilo que lhe peço não me dê, pois não é isto”. O inconsciente ama aquilo que lhe dá voz. É como se o paciente dissesse nas entrelinhas: Aquele que me ouve, eu o amo. E o psicanalista em “transmissão”, em sua ética de desejo, respondesse: aquilo que ele busca de amor é a mola mestra para o tratamento, não podendo eu, analista, respondê-lo, e sim possibilitá-lo, a partir desse investimento, que ele faça alguma coisa consigo mesmo.

O amor, como romântico, assassina o gozo mortífero e faz nascer uma parceria de sujeito, duas faltas familiarmente estranhas oferecendo-se uma à outra em busca de um saber recíproco sobre o que é ser a si mesmo! O amor é um inédito reencontro. O amor é sentido e não pode ser recalcado. Suas políticas, em contrapartida, isto é, suas ideias que buscam um Outro, estas sobram para todo lado, podendo escorrer nas palavras de um simples recado, rechaço do inconsciente. As políticas do amor são os laços sociais do sujeito.

Em se tratando do simbolismo do amor, o romantismo tem perdido espaço na civilização de nossa época, cujo imediatismo é entrave para construções e preparações suaves das coisas humanas. O amor executa experiências e histórias de vida, deixa espaço para palavras, construções e esperanças. Em encontro com o real, aquilo que não vai bem inclina o amor à beira do gozo. As políticas do amor são semblantes “peri-gozos”!

GOZO E CASTRAÇÃO

A ausência de amor é o gozo avassalador, acesso ao objeto sem lugar de sujeito e desejo, sem ponto de falta, sem busca. Abstinência de amor é uma das causas das neuroses. É a solidão de um corpo abandonado aos bel-prazeres do ordenamento do super eu, e é ali que o amor com sua loucura é um aro de cura! O renascimento da condição faltante, desejante, falante, inaugural de sujeito com possibilidades de promoções e invenções que lhes são próprias para novas buscas. É o resgate de um ego para que assuma sua responsabilidade naquilo que se queixa. Lidar com a falta sem assassinar o desejo é fazer desdobrar o Eros que nos movimenta. Suportar o amor é não para qualquer um.

O amor é ambivalente, eis mais um dos apontamentos de Freud: “A história das origens e relações do amor nos permite compreender como é que o amor com tanta frequência se manifesta como ‘ambivalente’, isto é, ensinar o filho a amar é uma das possíveis tarefas dos pais trabalhadas por Freud em 1905.

Ainda com Freud temos a notícia de que “muito antes da puberdade já está completamente desenvolvida na criança a capacidade de amar.

“SELF” SOB AS ÁGUAS

Por vezes busca-se o narcísico do amor, só pelo narcisismo é que podemos amar, pelos seus destinos. Das formas de amar, podemos pensar que aventurado foi Narciso, que tirou “self ” sob as águas (tão narciso que nem precisou de máquina fotográfica), se perdeu no império da própria imagem e morreu afogado no encontro com o real pelo simbólico que nunca disse! Do Narciso das águas veio ao Narciso do império das imagens, morrendo em aquisições ao discurso do mestre e leitos de hospitais. Dos amores narcísicos temos ainda, como exemplo, aquele que diz “eu te amo” para apenas escutar o “eu também”!

O ato analítico é um destino possível ao apalavrar do amor! É lá que “grandes pedras do fundo do chão vêm à flor”.

No apetitoso prazer da memória o inconsciente em transferência escapa nas falas e se manifesta em lembranças encobridoras:

“A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos, cada acompanhado de impulsos de ódio contra o mesmo objeto”. Devido ao núcleo do amor ser um vazio de registro e não um objeto, ele é também habitado pela pulsão de morte que se inclina silenciosamente à reação de destruição em suas castrações, em seus términos com o objeto eleito como destino do verbo, ato e linguagem, de amar. Não é incomum, por exemplo, vermos destruições após o rompimento de um relacionamento. Aqui é preciso algum saber fazer com a pulsão de morte, já que o término de amor pode acarretar em um a finidade de sujeito. Entretanto, ele também atua na promoção de sublimação, com Eros e outras políticas de viver, causas de desejos! Não é incomum, também, vermos o término de um suposto amor ser a salvação. Abertura de novas saídas, outras invenções, renascimento de Édipo.

Enquanto ainda não se sente, sendo um núcleo faltoso da própria natureza, ele, o amor, está próximo do desejo que do gesto da mistura se entrelaça, porém nos instintos da pulsão com a ordenação de um superego que no amor soa como um beijo podendo gritar na solidão. O amor, nesse ponto, oferece a segurança para a perdição narcísica do mesmo jeito. O amor é o ponto sublime que questiona o gozo acompanhado de impulsos de ódio contra o mesmo objeto”. Devido ao núcleo do amor ser um vazio de registro e não um objeto, ele é também habitado pela pulsão de morte que se inclina silenciosamente à reação de destruição em suas castrações, em seus términos com o objeto eleito como destino do verbo, ato e linguagem, de amar. Não é incomum, por exemplo, vermos destruições após o rompimento de um relacionamento. Aqui é preciso algum saber fazer com a pulsão de morte, já que o término de amor pode acarretar em uma finidade de sujeito. Entretanto, ele também atua na promoção de sublimação, com Eros e outras políticas de viver, causas de desejos! Não é incomum, também, vermos o término de um suposto amor ser a salvação. Abertura de novas saídas, outras invenções, renascimento de Édipo.

Enquanto ainda não sofreu o corte, sendo um núcleo faltoso pela própria natureza, ele, o amor, está mais próximo do desejo que do gozo. Sua mistura se entrelaça, porém, nos destinos da pulsão com o ordenamento de um superego que no amor se cala no beijo podendo gritar na solidão! O amor, nesse ponto, oferece a segurança para a perdição narcísica do sujeito. O amor é o ponto sublime que questiona o gozo.

AMORES DO EGO

Ego, instância psíquica trabalhada por Freud para designar aquilo que o sujeito sabe e é de si mesmo para ele mesmo em cunho consciente e inconsciente.

O ego não é senhor em sua própria casa, pois tem a árdua tarefa de servir, mediar e organizar as exigências dos seus três amores: do isso. do super eu e do mundo externo, sertão de grande Outro, restando a si mecanismos de defesas para suportar e seguir. O ego recai ao corpo e ao nome do sujeito. Em sua face real é o eterno enigma do “quem sou eu?’, mistério gozoso de cada um. Na vertente imaginária é um ideal de eu que se encontra e se perde em imagens advindas de um contato com o Outro. Em posição simbólica o ego é um eu ideal que encontra-se com as palavras. Em análise perpetua resistências no âmbito do recalque. do ganho secundário proveniente do adoecimento e da transferência. A clivagem do eu é um recurso possível em que falha a formação de compromisso. O ego padece de amores, seus tentáculos buscam existir nos olhares de seus senhores.

NEUROSE! NO TEU NOME HÁ AMOR

A neurose pode ser definida como a primavera dos nervos que entre ódio e amor aflora o infantil como organização singular do universo pulsional. É um efeito colateral partido pelo corte cirúrgico do recalque. O recalque é uma operação constante que mutila o império do prazer, dando-lhe um basta e apresentando o princípio de realidade, que origina um nascimento psíquico enquanto sujeito na cesárea simbólica. Neurose é um animado modo de dizer por linhas tortas que é impossível todo amor e que é insuficiente servir-se como senhor de amor aos impérios gozosos que lhe exigem mediações do desejo com o Outro em amostras nada grátis do desempenho social e sexual. As neuroses buscam um amor que seja guia e lhe dê segurança. O amor lhe dá, na ilusão que lhe é própria, certa certeza de que eu existo. Amo e sou amado, logo existo! No amor um lugar é encontrado, a neurose se aloja. A neurose ama, inclusive, seu sintoma, busca, ao passo que quer refazê-lo, salvar algo dele. O amor da neurose se entrelaça ao ódio, seu protótipo desdobrável. O amor permite certa autonomia à neurose, o sujeito se autonomeia.

EU ACHO …

NÃO ENTENDER

Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma bênção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.

*** CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

PASSARELA COM CAUSA

Empenhadas em alcançar os consumidores jovens, marcas de luxo contratam ativistas para ocupar o lugar de modelos em suas campanhas

Foi-se o tempo em que a moda fugia da política, preferindo manter-se em um patamar acima das rixas ideológicas. Hoje em dia, com os millenials e suas questões sociais assumindo o timão do consumo no mundo, as grifes deram meia volta e puseram o ativismo na passarela. O movimento, que envolve marcas de luxo, agências de modelo e figuras engajadas em causas variadas, aparece retratado em campanhas, desfiles e tapetes vermelhos com o propósito de fazer barulho. “Há algum tempo a moda procura personalidades que não sejam modelos profissionais para endossar seus produtos”, diz Kátia Lamarca, especialista em pedagogia empresarial e professora do Instituto Europeo di Design (IED). “Agora, essa busca se estende a pessoas conhecidas por seu comportamento político e seu posicionamento”. Atenta ao mercado, a agência IMG, a maior e a mais disputada do setor, que representa estrelas como as irmãs Bella e Gigi Hadid e teve Gisele Bundchen em seus quadros até o fim do ano passado, saiu na frente e, em menos de um mês, fechou contrato com duas jovens que viraram expoentes da juventude engajada: a poetisa Amanda Gorman e a influencer Ella Emhoff. Feministas e superativas nasredes, elas chamaram atenção na cerimônia de posse do presidente americano Joe Biden, em janeiro. Amanda, de 23 anos, ativista da luta antirracismo, leu um poema de sua autoria – vestida de Prada dos pés à cabeça envolvida em uma chamativa tiara vermelha. De lá para cá, apresentou-se em um intervalo do Super Bowl, a final do campeonato de futebol americano, foi capa da revista semanal Time e recebeu uma avalanche de ofertas de marcas que desejam associar produtos ao seu rosto.

Ella, de 21 anos, estudante de design e empenhada divulgadora da moda sustentável e de campanhas em prol da comunidade transexual, que, ainda por cima, esbanja atitude com axilas não depiladas, é enteada da vice-presidente democrata Kamala Harris e, na posse em Washington, destacou-se pelo visual moderno em um mar de vestidos comportados. Desde então desfilou para a Proenza Schouler na New York Fashion Weck em fevereiro, saiu na capa da revista moderninha Dust e vai assinar uma coleção pura a marca nova-iorquina Batsheva. O alvo das novas campanhas é a chamada geração Z, nascida entre 1995 e 2010. que representa 40%dos consumidores globais e tem poder de compra estimado em 140 bilhões de dólares. De olho nela, a Dior Perfumes lançou em outubro a campanha Dior Stands with Women (Dior Apoia as Mulheres), puxada pelas atrizes Charlize Theron e Natalie Portman – ambas porta-vozes da causa feminista – e composta de vídeos curtos com cientistas, arquitetas, coreógrafas e até uma florista.

Outra marca francesa, a Louis Vuitton, contratou-a como “embaixadora”, posto que nasceu do encontro da moda com o ativismo, a tenista japonesa Naomi Osaka, 23 anos, de pai haitiano, apoiadora de causas sociais – usou máscara do movimemo Black Lives Matter em seus jogos do US Open em 2020. Ainda do mundo do esporte, o jogador Marcus Rashford, do Manchester United, foi contratado pela Burberry em novembro para vestir as roupas da grife e associar seu nome a uma campanha de investimento em jovens empreendedores.

“Atrelar marcas a militantes traz visibilidade e, como consequência, uma melhor relação com seu público”, diz Kátia Lamarca. Mais vendas também: em 2018, a Nike cooptou o jogador de futebol americano Colin Kaepernick, inventor do gesto de se ajoelhar na hora do hino dos Estados Unidos em protesto contra a violência policial dirigida aos negros, e, apesar da enorme controvérsia, as vendas subiram 31% logo na primeira semana da campanha. Como todos os ativistas-modelo costumam ter multidões de seguidores, as grifes marcam as contas pessoais deles nas postagens no Instagram e assim se associam não só à pessoa, mas também a seus posicionamentos e suas escolhas de vida. A moda entrou no ativismo, o ativismo entrou na moda e todo mundo sai ganhando com isso – na conta bancária. Os tempos estão mudando.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 13 DE ABRIL

O ENSINO SÁBIO NOS LIVRA DA MORTE

O ensino do sábio é fonte de vida, para que se evitem os laços da morte (Provérbios 13.14).

As cadeias estão lotadas de homens e mulheres que taparam os ouvidos aos sábios ensinos de seus pais. Os cemitérios estão repletos de vítimas da desobediência. O ensino do sábio é fonte de vida, pois livra os seus pés dos laços da morte. Quem o segue caminha em segurança e usufrui o melhor da vida. Há muitas armadilhas perigosas e mortais espalhadas ao longo do nosso caminho. São laços de morte que nos cercam. São atrativos que apelam ao nosso coração. São prazeres que gritam aos impulsos da nossa carne. São vantagens imediatas que acendem os faróis e nos incitam a buscá-las. O pecado, porém, é um embuste. Embora venha embalado de forma tão elegante e atraente, é um veneno mortal. Não obstante seja agradável aos olhos e desejável ao paladar, é maligníssimo. Quem coloca o pé nesse laço cai na cova da morte. O pecado é enganador. Promete mundos e fundos, mas não tem nada a oferecer a não ser dor, sofrimento e morte. O ensino do sábio, contudo, é árvore de vida. Alimenta e deleita, fortalece e alegra, enriquece e abençoa. Os sábios fogem das trilhas escorregadias, afastam-se do caminho dos pecadores e andam pelas veredas da justiça.

GESTÃO E CARREIRA

GRANDES LÍDERES, GRANDES EDUCADORES

Hoje as empresas buscam muito mais que uma liderança situacional. Com uma liderança educadora, os colaboradores apresentam mais motivação para o desenvolvimento e entrega de resultados

Muito se sabe sobre o papel do líder, aquele indivíduo que precisa mobilizar pessoas na busca de resultados constantes e cada vez maiores. Abraham Lincoln deu uma definição muito sábia para esse papel: ”A maior habilidade de um líder é desenvolver habilidades extraordinárias em pessoas comuns”.

Atualmente, as organizações buscam mais do que alguém que saiba exercer a “liderança situacional”, importante modelo de Hersey e Ken Blanchard no qual o líder se adapta ao perfil de cada profissional. Hoje, o estilo mais procurado pelas empresas é a liderança educadora, um plus da liderança situacional que tem por essência acreditar no potencial da equipe e preparar um ambiente corporativo que estimule a aprendizagem, o desenvolvimento e a adaptação às mudanças.

O líder educador não só ensina, mas também aprende com os liderados. Ele não apenas delega, mas também realiza junto à equipe em busca dos melhores resultados. Isto é, ele não se coloca em uma posição de superior idade que o limita de participar da execução de tarefas, mas conquista o respeito da equipe com as lições diárias de ética, companheirismo, paciência e educação.

Estamos vivendo em um mundo muito mais complexo, em que os líderes atuais precisam ser capazes de atuar de forma mais consistente no desenvolvimento das pessoas no trabalho. É um caminho para que as pessoas estejam mais capacitadas para enfrentar os desafios, possivelmente as soluções que tínhamos para resolver problemas e adversidades já não são as mesmas de hoje.

Para que o processo de aprendizagem seja mais fácil é necessário escolher o treinamento eficaz para sua equipe, considerando as experiências e demandas tanto do grupo como as individuais e exercendo com sabedoria o papel do líder. É importante considerar que o ambiente organizacional está em constante transformação e o clima é mutável e as adaptações contínuas. A concorrência é globalizada e o foco está totalmente nos resultados e inovação.

A liderança educadora verifica constantemente se as pessoas estão motivadas para o desenvolvimento e entrega de resultados no trabalho. Ela consiste em dar apoio e desenvolver as pessoas em suas atividades, fornecendo suporte e orientação, além de motivar para novos desafios, objetivos e situações como o aprendizado de novas competências e tarefas e auxílio nos problemas de relacionamento no trabalho ou queda de desempenho.

Os líderes educadores têm forte empatia pelas pessoas e se interessam pelo trabalho de sua equipe. Investir na capacidade dos liderados significa investir nas organizações, e é por isso que devemos sempre construir novos paradigmas de liderança. Dessa forma, o gestor educador passa a ser uma referência, um modelo.

Existem algumas atividades que estão relacionadas ao dia a dia do líder educador como integração, desenvolvimento da comunicação, gestão do tempo e o desenvolvimento do potencial profissional de sua equipe. Já no contexto pessoal, essa liderança tem algumas características peculiares como postura reflexiva, capacidade de observação, inovação e facilidade em aprender com os outros e com suas próprias experiências.

O líder que possui a essência educativa gerencia sua equipe por meio do diálogo. Ele define sua gestão como um espaço de aprendizagem para o desenvolvimento de novas competências e estimula o compromisso com a equipe e demais pessoas, criando um ambiente melhor de trabalho e possibilitando mais qualidade e inovação.

Um líder educador possui algumas habilidades essenciais. Ele descobre e estimula novos talentos, desenvolve a atenção e o foco, estimula a autoconfiança, tem flexibilidade, cria um ambiente de trabalho em que o reconhecimento e o bem-estar estão sempre presentes. Incentiva o relacionamento interpessoal, a motivação, o desenvolvimento da competência emocional e tolerância às diferenças.

O líder educador está envolvido em um mundo em que o trabalho possui alguns fatores como a competitividade, ênfase em qualidade e mudanças rápidas nas áreas tecnológicas, de responsabilidade social e globalização. Ele busca o desenvolvimento de uma organização que aprende, que define objetivos e cria os resultados que deseja.

Independentemente do contexto em que o líder educador esteja inserido, ele é a pessoa – chave para a integração e o desenvolvimento dos recursos humanos. Ele desenvolve novas habilidades para a construção de uma liderança que é eficaz e transformadora.

EDUARDO SHINYASHIKI – é palestrante, consultor organizacional, escritor e especialista em Desenvolvimento das Competências de Liderança e Preparação de Equipes. Presidente da Sociedade CreSer Treinamentos, colabora periodicamente com artigos para revistas e jornais. Autor dos livros Viva Como Você Quer VM:Y; A Vida é um Milagre e Transforme seus Sonhos em Vida (Editora Gente). Para mais informações: www.edushin.com.br

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

INCLUSÃO NO ENSINO SUPERIOR … É POSSÍVEL?

Pessoas com deficiência cognitiva ainda têm dificuldades em encontrar estratégias desenvolvidas em universidades que possam viabilizar a verdadeira inclusão, principalmente no sentido de absorver conteúdos acadêmicos

Pedro é um rapaz de 20 anos de idade. Sempre fora esportista e há dois anos prestou vestibular e foi inserido em uma renomada universidade. Entretanto, há cerca de um ano, um grave acidente automobilístico mudou totalmente sua vida. Pedro teve um traumatismo cranioencefálico. O traumatismo cranioencefálico é uma lesão no cérebro, não de natureza genética ou degenerativa, mas causada por uma agressão externa. Constitui um grande problema na sociedade atual, uma vez que, em sua maioria, atinge jovens em idade produtiva, e como poderemos ver devido, também, aos comprometimentos cognitivos, sociais e emocionais na vida do paciente que sofre tal dano.

Os estudos divulgados em 2010 e 2013 pela Organização Mundial da Saúde são assustadores, indicativos de uma situação mundial muito crítica no trânsito. No ano de 2010, aconteceram 1,24 milhão de mortes por acidente de trânsito em 182 países do mundo.

De acordo com dados da Associação Brasileira de Prevenção a Acidentes de Trânsito, em São Paulo, de cada dez vítimas de paralisia quatro se envolveram em acidentes de trânsito. As batidas de motos, de carros e atropelamentos agora são a principal causa de lesões na medula.

No caso de Pedro, o trauma ocorreu na parte lateral esquerda da cabeça e parcialmente frontal, afetando importantes áreas cerebrais. O rapaz permaneceu em coma por dois meses, teve comprometimentos na saúde, fraturas diversas e, neurologicamente, lesão axional difusa.

A lesão axional difusa ocorre quando um axônio, ou vários, é destruído ou lesionado. O axônio é uma parte do neurônio prolongada, responsável por passar informações a outro neurônio. Esse processo neural é chamado de sinapse.

O funcionamento sináptico pode ser associado, para efeito de ilustração, àquela antiga brincadeira de telefone sem fio, em que cada neurônio vai passando a informação que recebeu de um outro, para o próximo, sucessivamente, até que essa informação chegue ao seu destino e seja totalmente processada para que haja uma resposta ou para que qualquer outra função cerebral seja acionada.

Quando um axônio é destruído ou lesado significativamente o neurônio inteiro morre. Outros, que dele dependem para receber estímulo, podem morrer também. Nesses casos, a comunicação intraneural fica bastante comprometida, sabendo-se que todas as informações que chegam ao cérebro e requerem uma resposta devem passar por esse processo de comunicação neural.

Houve grave lesão cerebelar, que comprometeu áreas motoras e de equilíbrio, além de comprometimentos neurológicos, muitos deles causados pela lesão axional difusa: fala, leitura e escrita, memória, atenção, funções executivas, velocidade no processamento da informação, abstração foram alguns.

Geralmente, nesses casos de TCE (traumatismo cranioencefálico), o paciente também é afetado na área emocional, podendo apresentar sintomas de estresse pós-traumático, depressão, embora este não tenha sido o caso de Pedro, apesar dele passar a apresentar uma labilidade emocional e excitabilidade.

Apesar de todo o drama pessoal pelo qual passava, o rapaz decidiu lutar, encarando seus novos desafios, passando a frequentar sessões semanais de fisioterapia, musculação, pilates, equoterapia e acompanhamento psicopedagógico, que, desde o início, o ajudaram muito nos processos de reabilitação.

Assim, decidiu continuar seus estudos universitários, mas o grande problema enfrentado agora era justamente manter o curso, com todas as limitações que passara a ter. A universidade, por sua vez, diante do ocorrido, deveria, então, passar a avaliar e lidar com Pedro no regime de inclusão, mas surgia a grande questão: como praticar a inclusão pedagógica na universidade? Quais as estratégias que viabilizariam essa inclusão, na prática? E não só no caso de Pedro, mas nos demais casos que envolvem defasagens em processos cognitivos, como atuar frente ao conteúdo acadêmico?

MUDANÇA DE PERFIL

Quando se fala em inclusão, em instâncias como o ensino superior, logo se pensa em pessoas com deficiência física e acessibilidade, ou em pessoas com deficiência auditiva e visual e a inclusão acontece de uma forma menos complexa, passando-se à tradução do conteúdo didático usando-se o sistema braile ou o de Libras, utilização de recursos de acessibilidade para pessoas com deficiência física e outros recursos próprios para essas situações. Mas e nesse caso, em que um aluno que sofreu um TCE ou por algum outro motivo repentino muda seu perfil cognitivo como estudante, como praticar a inclusão pedagógica? Como incluir no ensino superior alunos com deficiências intelectuais?

No Brasil, pouco se discute esse tipo de inclusão no ensino superior e praticamente inexiste literatura que oriente educadores e gestores nesse sentido, indicando, ainda, uma carência de debates, estudos e criação de estratégias voltadas a esse assunto tão relevante e que merece mais atenção das políticas educacionais e da sociedade.

Quem tem deficiência intelectual ou comprometimentos cognitivos foi sempre visto de forma estigmatizada, como incapaz, diferente, e, portanto, sem condições de frequentar um curso superior, uma vez que o mesmo exige um alto grau de complexidade intelectual para o acompanhamento do currículo acadêmico.

É grande a preocupação e responsabilidade por parte da universidade em preparar seus alunos para o mercado de trabalho. Assim, existe a dúvida a respeito de quais seriam os recursos que deveriam ser utilizados nesse caso. Infelizmente, por falta de preparo, de estratégias, ou mesmo diante da preocupação em formar profissionais de excelência para o mercado, muitas universidades acabam desistindo desses alunos, ao tratarem os casos apenas como uma inclusão social, acolhendo-os, porém sem saber elaborar novas estratégias para promover, de forma individualizada e real, a aprendizagem de cada aluno diante de suas necessidades. Como consequência, o aluno não evolui em seu potencial de aprendizagem, não acompanha o processo e acaba desistindo do seu curso e de seu sonho.

De acordo com estatísticas da Organização Mundial da Saúde, 10% da população têm algum tipo de deficiência, sendo que desse percentual 50% têm deficiência intelectual. Existe uma demanda muito grande de alunos com deficiências intelectuais em todas as etapas da educação, além dos casos como o de Pedro, que exigem do sujeito uma readaptação escolar frente a sua nova situação cognitiva.

A Constituição Federal garante, em seu artigo 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

O Decreto nº 6.571, de 17 de setembro de 2008, em seu 2° artigo, cita a inclusão no ensino superior, além de outros pareceres e decretos referentes à inclusão no ensino básico, que deixam clara a intenção de apoiar esses alunos na continuidade de seus estudos em outras instâncias.

Segundo a nota técnica n° 4 de 2014, da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), a Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006), promulgada no Brasil, estabelece o compromisso de assegurar às pessoas com deficiência um sistema educacional inclusivo em todos os níveis de ensino.

Em termos de legislação, as pessoas com deficiências físicas, assim como aquelas que sofrem com deficiências na área cognitiva, ou ainda as que apresentam problemas de aprendizagem e que podem ser beneficiadas no Regime de Inclusão, estão respaldadas em seus direitos a um processo de educação e escolarização, em todos os níveis que lhes garantam tais necessidades. Porém, na realidade, nem sempre isso ocorre, pois tanto as instituições como os educadores possuem muitas dúvidas ainda a respeito de como praticar essa inclusão, principalmente quando a demanda exige uma flexibilização de conteúdos e de recursos didáticos e metodológicos.

Se na educação básica este se configura um dos maiores problemas para que a inclusão ocorra verdadeiramente, na educação superior o processo é ainda mais difícil, uma vez que a complexidade do conteúdo acadêmico é muito maior e a flexibilidade desse conteúdo exige um trabalho muito minucioso, pois trata-se de um material bastante importante para o futuro profissional do aluno. Sendo assim, qualquer perda nesse conteúdo poderá ocasionar futuramente uma lacuna em sua prática profissional.

DIRECIONAMENTO

As políticas de inclusão preveem alunos no ensino superior, mas falta direcionamento, nesse sentido, aos gestores, coordenadores, pedagogos e professores universitários a fim de prepará-los para essa inclusão, para o trabalho a ser realizado com a metodologia que envolve esta flexibilização, enfim, em relação à criação de novos recursos pedagógicos e didáticos para esta demanda de alunos.

Os recursos e as estratégias deverão, ainda, ser escolhidos de acordo com as necessidades dos alunos mediante casos diferentes de inclusão. Sendo assim, eles sempre serão individualizados, direcionados a cada caso e necessidade em particular.

Um aluno que dentro desse contexto possui áreas como a atenção e memória debilitadas em grau leve poderia, por exemplo, fazer uso de aparelho gravador em sala de aula, recorrendo a outro tipo de estratégia para a recepção e o processamento da informação, que lhe garanta posteriormente a repetição das aulas, para estudo. Já outro aluno, que tenha esse quadro de forma mais severa, precisará de outro recurso, pois apenas essa mudança didática não suprirá suas necessidades.

Pedro, por exemplo, necessita de alguém que leia e medie sua interpretação, direcionando sua inferência sobre o conteúdo a ser aprendido. Dessa forma, para os estudos, necessita de um tutor que o auxilie no processo de aquisição de novos conhecimentos, uma vez que as habilidades necessárias para esse processo foram comprometidas.

As avaliações e o próprio conteúdo disciplinar podem ser adaptados, de acordo com a necessidade individual do aluno, diante de seu problema. Dessa forma, para que esse atendimento seja realizado, faz-se necessária a presença de um psicopedagogo ou outro profissional capacitado, que, estudando caso a caso, consiga criar estratégias didáticas e metodológicas para garantir a esses alunos acessibilidade ao ensino em condições de igualdade com os demais alunos, como a lei prevê.

Cabe aqui salientar ainda, segundo Werneck (1997), que, de acordo com a ONU, alguns fatores que interferem na inclusão são a ignorância, a negligência e o medo. Esses fatores, diz o estudioso, são mantidos certamente pela desinformação a respeito das deficiências e inclusão.

DIFERENÇA

Há uma grande diferença entre integração social e inclusão escolar. Na primeira opção, o aluno é acolhido, tratado com respeito e carinho, mas precisa se adaptar ao ensino, procurando estratégias, mediadores fora da instituição, para acompanhar o ritmo de sua série escolar. Já a segunda funciona de forma contrária, ou seja, é a instituição escolar que se adapta ao aluno, em todos os sentidos e não apenas no aspecto físico.

Não é o fato de estar dentro da sala de aula, matriculado, acolhido pelos grupos discente e docente que fará com que esse aluno, que tem necessidades diferenciadas, esteja incluído.

E não se pode falar em inclusão se houver ainda escolhas diante de quais alunos poderiam estar mais preparados para serem incluídos pedagogicamente, ou quais seriam aqueles que responderiam melhor a essa inclusão.

Os professores nesse processo julgam-se despreparados e impotentes frente a essa realidade. Reclamam, sentem-se sozinhos, dizem não terem estudado para enfrentarem tais situações, sentem-se receosos ao que podem, devem ou não fazer diante desses alunos, ou seja, como mudar e adaptar sua prática pedagógica às diferentes situações de inclusão que lhes são impostas. E, então, muitas vezes desistem, até mesmo receosos em pedir ajuda, ou, ainda pior, sem saberem a quem recorrer.

Assim, antes de qualquer atitude frente à inclusão, o primeiro passo para se chegar a ela é a capacitação do professor nessa área. Obviamente, ele não precisa, necessariamente, nem obrigatoriamente, de uma especialização em educação especial, mas sim de estratégias para saber lidar com o aluno com deficiência, assim como, juntamente com um profissional especializado (aí, sim, um especialista em educação especial ou um psicopedagogo), ser capacitado a adaptar seu conteúdo disciplinar, seu processo avaliativo e sua didática a fim de alcançar esse aluno com dificuldades, possibilitando ao mesmo o acesso a esse material, no sentido de promover, ao máximo, seu potencial frente ao processo de aprendizagem.

De acordo com Pires (2006), “é o reconhecimento das desigualdades que nos constroem enquanto humanos e sociais, através da valorização das diferenças que dão sentido à complexidade dinâmica do ser humano”.

Nesse sentido, um olhar sensível e aguçado, criatividade, conhecimento do assunto e ousadia são habilidades indispensáveis ao professor em sua práxis frente ao desafio da inclusão, que já faz parte da realidade educacional.

AVALIAÇÃO

Tratando-se de inclusão de aluno com comprometimentos cognitivos, este deveria, previamente à matrícula, passar por avaliação neuropsicológica, para que, ao chegar à instituição escolar, os profissionais que o recebessem conseguissem, mediante seu laudo, elaborar os processos necessários de adaptação, que vão diferir, como dito antes, dependendo de cada caso.

Para que esse processo ocorra há necessidade da presença desse profissional capacitado na área, seja como consultor, coaching ou mesmo parte da equipe pedagógica, que dará esse suporte necessário ao corpo docente no processo de mediação entre o aluno de inclusão e seu processo de aprendizagem. É certo que não existem receitas prontas e muito menos aquelas que se aplicam de maneira generalizada. Cada caso é individual e exige um olhar também individualizado, criativo e humanitário e estimulado, enquanto aluno acadêmico.

Pedro continua otimista e não quer desistir de seu curso. Porém, sabe o quanto essa etapa de sua vida lhe será mais difícil. Espera ser realmente compreendido por sua universidade em suas necessidades.

Falar em inclusão exige uma quebra de paradigmas educacionais e sociais. A ideia de uma escola e de uma sociedade inclusiva baseia-se na aceitação da diversidade em todos os sentidos e vemos que o nosso país está, apenas, engatinhando nessa nova filosofia de vida. A jornada está só começando!

A NOVA LEI BRASILEIRA DE INCLUSÃO

A lei Brasileira de Inclusão, recentemente aprovada no Senado Federal e sancionadas pelo Executivo com vetos, apresenta uma série de avanços em relação aos direitos das pessoas com deficiência. Entre os muitos artigos, alguns se relacionam especificamente às pessoas com deficiência cognitiva. O artigo 6°, por exemplo, diz que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para se casar ou constituir união estável: exercer direitos sexuais e reprodutivos: exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar: conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária, exercer o direito à guarda. à tutela, à curatela e à adoção. em igualdade de oportunidades em relação aos demais. Dentro do tema, as pessoas com deficiência intelectual só poderão receber curatelas protetivas e não restritivas, aquelas que tiravam direitos básicos, como casar, votar, ser votado e até mesmo retirar a Carteira Nacional de Habilitação, salvo exceções.

Estão contemplados benefícios que dizem respeito à inclusão na sociedade em seus amplos aspectos, como trabalho, educação, moradia, entre outros.

ORIGEM DA LIBRAS

A língua Brasileira de Sinais teve sua origem a partir do Alfabeto Manual Francês. que chegou ao Brasil no ano de 1856. Um surdo natural daquele país, Ernest Huet, veio ao Rio de Janeiro a passeio e observou um grupo de surdos perdidos e mendigando na praia. Preocupado com a falta de comunicação dessas pessoas, passou a se dedicar voluntariamente ao ensino dessa língua. Os brasileiros logo aprenderam e divulgaram por todo o país. A Libras é formada pelos componentes pertinentes às línguas orais, como semântica, pragmática, sintaxe e outros elementos, preenchendo os requisitos científicos para ser considerada instrumento linguístico de poder e força. Embora possua todos os elementos classificatórios identificáveis de uma língua e demande prática para seu aprendizado, como qualquer outra língua, a Libras se distingue do Português, como língua oral. A diferença básica entre as duas modalidades de língua não está no uso de aparelho fonador ou na utilização das mãos no espaço, mas em certas características da organização fonológica das duas modalidades: a linearidade, mais explorada nas línguas orais, e a simultaneidade, que é marca básica das línguas de sinais. Todos os sinais que se incorporam ao léxico usam os parâmetros considerados gramaticais.

AVANÇO

Segundo o Ministério da Educação, o Brasil quadruplicou o número de pessoas com deficiências matriculadas no ensino superior nos últimos anos. Esse número passou de 145 mil em 2003 para 698 mil em 2014. Na rede federal de educação superior, esse índice quintuplicou, passando de 3.705 alunos para 19.812 no mesmo ano.

Esse índice é o resultado de avanços em políticas públicas inclusivas, que, através da legislação, asseguram o direito à educação aos portadores de necessidades especiais, sejam elas físicas, sensoriais, intelectuais, ou outras, no sentido de se vencer o desafio da universalização do acesso à educação, como um direito de todos.

EU ACHO …

CONDIÇÃO HUMANA

Minha condição é muito pequena. Sinto-me constrangida. A ponto de que seria inútil ter mais liberdade: minha condição pequena não me deixaria fazer uso da liberdade. Enquanto que a condição do universo é tão grande que não se chama de condição. O meu descompasso com o mundo chega a ser cômico de tão grande. Não consigo acertar o passo com ele. Já tentei me pôr a par do mundo, e ficou apenas engraçado: uma de minhas pernas sempre curta demais. O paradoxo é que minha condição de manca é também alegre porque faz parte dessa condição. Mas se me torno séria e quero andar certo com o mundo, então me estraçalho e me espanto. Mesmo então, de repente, rio de um riso amargo que só não é um mal porque é de minha condição. A condição não se cura, mas o medo da condição é curável.

*** CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

CRESCEI E MULTIPLICAI-VOS

 O grande avanço das técnicas de reprodução humana e o aumento das gestações entre as mulheres mais velhas levaram ao recorde de nascimentos de gêmeos

Desde 1978, quando nasceu a americana Louise Brown, o primeiro bebê de proveta, a medicina de reprodução humana se desenvolveu extraordinariamente. Técnicas antes só imaginadas no cinema e na literatura de ficção futurista, como o congelamento de células extremamente delicadas que formam embriões em laboratórios e procedimentos que permitem a uma mulher engravidar já não mais em plena idade fértil, são hoje corriqueiras. Uma relevante implicação desse novo cenário, porém, só agora começa a chamar atenção com mais profundidade – a profusão do nascimento de gêmeos. Um estudo conduzido pelas universidades de Oxford, na Inglaterra, e de Radboud, na Holanda, mostrou que nunca vieram ao mundo tantos pares como agora. No tempo de Louise, a cada 1.000 partos, nove entregavam gêmeos. Hoje a taxa subiu para doze em 1.000. A cada ano, portanto, há 1,6 milhão de novos gêmeos sorrindo por aí.

Gêmeos nascem naturalmente quando um óvulo fertilizado se divide espontaneamente ao meio, levando a dois bebês idênticos, ou quando a mãe libera dois óvulos de uma vez que são fertilizados, produzindo gêmeos não idênticos. A interferência da medicina estimulou o segundo processo. Nos métodos de fertilização artificial, faz-se uso de hormônios para estimular o ovário, o que aumenta a probabilidade de liberação de dois óvulos de uma vez. Além disso, é comum (e permitido) as clínicas transferirem mais de um embrião para o útero simultaneamente, para aumentar as chances de que pelo menos um sobreviva.

Convém, ainda, considerar o papel de um aspecto de cunho comportamental ocorrido nos últimos anos: as mulheres estão engravidando naturalmente mais tarde, o que sob o ponto de vista biológico estimula o nascimento de gêmeos. Dados do IBGE mostram que entre 2008 e 2018 diminuiu em 16,1% o número de mulheres que tiveram filho com menos de 30 anos, enquanto aumentou em 36% entre aquelas que se tornaram mães após essa idade. A explicação para o fato de o organismo com mais idade ter mais chance de engravidar de gêmeos é fascinante: a proteção da espécie. Ao contrário dos homens, elas nascem com um número determinado de óvulos de células sexuais, que são dispensadas ao longo da vida, a cada ciclo menstrual. Com o passar dos anos, a quantidade e a qualidade dessas células diminui. Uma criança nasce com 1 milhão a 2 milhões de óvulos. Aos 40 anos, essa reserva praticamente já se esgotou. Só que, à medida que a idade avança, também aumenta a probabilidade de a mulher liberar dois óvulos ao mesmo tempo, como uma forma do corpo tentar compensar o aumento do risco de aborto pela queda na fertilidade.

Toda essa grande mudança cientifica tem, no entanto, um efeito colateral preocupante. Diz o especialista em reprodução assistida Rodrigo Rosa, diretor clínico da Mater Prime, em São Paulo: “A incidência de problemas na gestação de gêmeos, originada em laboratório ou não, é maior”. Gêmeos têm cerca de quatro vezes mais risco de morrer no fim da gestação ou na primeira semana de vida – com trigêmeos esse risco é sele vezes maior. Nos últimos anos, a medicina conseguiu minimizar uma das situações mais dramáticas decorrentes de uma gestação de gêmeos, as sequelas ou morte de bebês prematuros.” Hoje, as UTIs neonatais conseguem sustentar e fazer ganhar peso crianças que nascem com apenas 500 gramas, o equivalente a um feto de seis meses, ainda sem os pulmões formados”, diz Edson Borges, diretor médico da clínica Fertility, em São Paulo. Há dez anos, muito raramente um bebê com menos de oito meses sobrevivia sem sequelas. “Sede fecundos, crescei e multiplicai-vos e enchei a terra.” A máxima de mais de 2.000 anos descrita no Gênesis da Bíblia ganha agora ares de modernidade.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 12 DE ABRIL

“QUEM NÃO ESCUTA CONSELHO ESCUTA ‘COITADO’”

O que despreza a palavra a ela se apenhora, mas o que teme o mandamento será galardoado (Provérbios 13.13).

Há um ditado que diz: “Quem não escuta conselho escuta ‘coitado’”. Quem zomba da instrução pagará por ela e pagará caro. Quem despreza conselhos traz sobre si destruição, pois é na multidão de conselhos que está a sabedoria. Quem não aprende com amor em casa talvez aprenda com dor na rua. Quem não escuta a voz da sabedoria receberá a chibata da disciplina. Quem não abre os ouvidos para escutar conselhos oferece as costas para o chicote do juízo. A obediência é o caminho da bem-aventurança. Traz doçura para a alma, descanso para o coração e sucesso para a vida. Somos livres quando seguimos, e não quando transgredimos os mandamentos. Somos livres para dirigir nosso carro quando obedecemos às leis de trânsito. Somos livres como cidadãos quando cumprimos os preceitos da lei. Um trem é livre para transportar em segurança os passageiros quando corre sobre os trilhos. Assim, também, somos livres para viver uma vida feliz e vitoriosa quando cumprimos os mandamentos. Os que guardam os mandamentos serão galardoados.

GESTÃO E CARREIRA

MÃOS À OBRA

Reformas domésticas, bricolagem e decoração entram na lista de prioridades de muitos brasileiros que tratam de tornar suas casas mais agradáveis e adaptá-las à realidade do home office. Vendas de materiais de construção disparam durante a pandemia

Reformar e decorar a própria casa virou uma das atividades preferidas dos brasileiros nestes tempos de pandemia. Há uma verdadeira febre de consumo de tintas, pisos laminados e azulejos, além de móveis e acessórios de todos os tipos. Sem gastos de viagens de férias e economizando com lazer, muitas pessoas trataram de destinar seu dinheiro para melhorar o lugar onde vivem. Nesse embalo, a bricolagem, a execução de reparos e trabalhos caseiros, também ganhou mercado. Como todos passaram a ficar mais tempo dentro de casa por causa das restrições de deslocamento, surgiu a necessidade de tornar mais confortável o espaço interior onde se vive e também onde muitos passaram a trabalhar, com a escalada do home office. Existe uma explosão de demanda nas grandes capitais por serviços de reparos, organização e decoração das residências. O fenômeno beneficiou fortemente a indústria e o comércio de materiais de construção no País, que cresceram muito mais do que a economia nos últimos 12 meses.

“Antes da Covid-19 as pessoas ficavam fora de casa na maior parte do dia, mas com as quarentenas e o trabalho remoto, a realidade mudou, porque agora elas ficam muito tempo em casa”, diz o arquiteto Maykon Fogliene, que tem escritório na capital paulista. “As reformas não são feitas só para receber os amigos, mas também para adaptar ambientes para o home office.” Segundo ele, a procura por reformas não para e existe, inclusive, uma ansiedade dos clientes para transformar suas residências. O arquiteto vê esta tendência gerada pela pandemia como um investimento na melhoria da qualidade de vida. No seu caso, o número de projetos executados mensalmente praticamente dobrou. Entre outros serviços, o escritório de Fogliene reformou o apartamento da empresária Francine Prado, e também os dois centros de reabilitação para crianças com necessidades especiais que ela administra em São Paulo. “Como nosso negócio está em expansão precisamos fazer adaptações para receber mais alunos”, disse.

OTIMIZAÇÃO DO ESPAÇO

Além das reformas, houve um forte aumento pelos serviços dos “personal organizers”, profissionais que trabalham na melhora e organização dos cômodos em casas e apartamentos. “Como as pessoas estão em casa, a bagunça aumenta muito. Nós ajudamos o cliente na reorganização residencial, este é o nosso foco, e também preparamos o espaço para o home office”, diz Sheila Soares, empresária da Possível prá Você (@possivelpravoce). “Nem todo mundo tem dinheiro para comprar um imóvel grande e nosso trabalho é ajudar o cliente a otimizar o espaço que ele tem disponível.” Segundo ela, por causa do aumento da demanda, a empresa expandirá sua atuação do Rio de Janeiro para São Paulo.

Esse é o caso também da empreendedora Cida Nogueira, paulistana que atua no mercado de pinturas e papel de paredes há mais de 15 anos. “No começo da pandemia, as pessoas ficaram com medo e houve queda nos serviços”, comenta Cida, que está finalizando a pintura de um apartamento de três dormitórios no Morumbi, em São Paulo. “Mas isto passou quando as medidas de segurança e higiene foram adotadas. Hoje, faço um serviço e começo outro, sempre tem trabalho, a demanda é forte.” Segundo ela, o orçamento varia conforme a metragem da área a ser pintada, as cores ou o papel de parede que o cliente escolhe. Seu trabalho, hoje, envolve uma espécie de consultoria para entender a vontade do cliente. “Após finalizar este apartamento, vou pintar outro com 120 m2”, conta.

O que os profissionais da construção e da decoração percebem na prática é captado nas pesquisas. Em janeiro, a venda de materiais de construção cresceu 0,3%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No mesmo mês, as vendas do comércio em geral tiveram retração de -0,2%. No fechamento de 2020, o volume de vendas desses materiais teve expansão de 10,8%, enquanto o comércio varejista cresceu 1,2%. Em dezembro do ano passado, houve aumento de 18,8% sobre dezembro de 2019 nas lojas de construção. E o crescimento nas vendas durante a pandemia foi observado em duas etapas, afirma Rodrigo Pothin, diretor comercial da Telhanorte. “Na primeira, as pessoas compram mais tintas e artigos de decoração”, diz. “E na segunda, notamos um crescimento nas vendas de pisos, porcelanatos (azulejos), louças sanitárias e revestimentos.” Ele diz que a Telhanorte teve um crescimento superior a 18%, no volume de vendas no primeiro bimestre de 2021. Em 2020, a empresa começou as vendas diretas pelo Whatsapp, também com bons resultados. O mercado vai de vento em popa e, pelo jeito, a febre das reformas ainda vai demorar para passar.

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

EDUCAÇÃO POSITIVA

Se fosse implementada, a educação positiva traria profundas mudanças nos papéis tanto da escola quanto do professor

Símbolo de status, sacerdócio, missão. Muito já se falou sobre a profissão do professor que, ao longo dos últimos cinquenta anos, tem sofrido grandes transformações. Filha de professora, consegui testemunhar um pouco do prestígio que cercava a profissão quando eu, ainda criança, ouvia meu pai dizer como se sentiu importante ao namorar uma então “normalista”. Sim, esse era o nome que se dava às mocinhas que na época de mamãe faziam o curso Normal, que lhes conferia o cobiçado título de professoras. Papai também brincava que sua intenção teria sido a de “dar o golpe do baú”. Isso porque naquela época professores ganhavam bem. Além disso – e talvez justamente por isso -, eram também respeitados. Ou seria o contrário, em que a remuneração seria a consequência do respeito? Creio que ambos. O fato é que a própria educação foi se transformando. Seus meios, seus objetivos, sua importância. Quando aos 17 anos tornei-me, também eu, professora, cabia a esse profissional formar o caráter do aluno. Não em detrimento da família, é claro, mas como um importante agente formador. Sempre me espanto quando vejo a reação de meus alunos de MBA diante de uma cena de filme que utilizo como recurso didático para ilustrar um determinado tema. Nela um professor idealista se dirige ao pai de um aluno problemático e diz ser sua função “moldar o caráter do menino”. Na cena o pai fica revoltado, dizendo ser apenas dele (pai) essa função. Fico perplexa ao observar que nessa cena a grande maioria de meus alunos se identifica com o pai, achando que, de fato, a formação do caráter não seria papel da escola.

Quando vi essa cena pela primeira vez, imediatamente me identifiquei com o professor, na medida em que penso exatamente como ele. Mas não podemos ser ingênuos. Com o passar dos anos, no entanto, o papel do professor foi se tornando cada vez mais conteudista. Valores e caráter foram sendo esquecidos no caminho tortuoso do vestibular e de um processo educacional cada vez mais voltado para o ter. E cada vez mais distante do ser.

Passamos a educar nossas crianças para que entrem em boas faculdades pura e simplesmente porque, ao cursá-las, elas teriam mais chances de conseguir um bom emprego (leia-se um bom salário) num processo educacional completo e exclusivamente voltado para que se tenha mais, se compre mais e se distancie mais do que poderíamos chamar de nossa essência humana.

Hoje percebo, com tristeza, que o ofício de ensinar tem formado indivíduos desconhecidos de si mesmos. O que me leva a refletir sobre qual seria o papel do professor no que poderíamos chamar de Educação Positiva, ou seja, numa educação que se fundamentasse exclusivamente nos preceitos da Psicologia Positiva.

Em primeiro lugar, seria uma educação para a felicidade, na qual a educação das emoções seria tão importante quanto o estudo das letras. Contudo, a coisa não seria tão simples. Urna educação baseada na Psicologia Positiva deveria promover o florescimento humano, ou seja, o desenvolvimento da criança em todo o seu potencial. E é aí que a mágica aconteceria. A promoção de uma educação voltada ao florescimento exige autoconsciência. Uma autoconsciência que permitisse, antes de tudo, o conhecimento da criança em relação a tudo o que de melhor ela teria a oferecer ao mundo. Nesse cenário, o papel do professor, mero depositante numa educação bancária, se transformaria radicalmente, passando a ser o de um provocador que, por fazer as perguntas certas, por olhar para o fundo da alma de cada criança, seria capaz de reconduzi-la em direção à sua própria essência.

A Educação Positiva promoveria também as virtudes, ocupando-se da capital importância da formação do caráter. Nesse mundo talvez o professor recuperasse seu valor, seu status e talvez, até, quem sabe, seu verdadeiro propósito.

LILIAN GRAZIANO – é psicóloga e doutora em Psicologia pela USP, com curso de extensão em Virtudes e Forças Pessoais pelo VIA Institute on Character, EUA. É professora universitária e diretora do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento, onde oferece atendimento clinico. consultoria empresarial e cursos na área.

graziano@psicologiapostiiva.com.br

EU ACHO …

O RITUAL

Enfeitar-se é um ritual tão grave. A fazenda não é um mero tecido, é matéria de coisa. É a esse estofo que com meu corpo eu dou corpo. Ah, como pode um simples pano ganhar tanta vida? Meus cabelos, hoje lavados e secados ao sol do terraço, estão da seda mais antiga. Bonita? Nem um pouco, mas mulher. Meu segredo ignorado por todos e até pelo espelho: mulher. Brincos? Hesito. Não. Quero a orelha apenas delicada e simples – alguma coisa modestamente nua. Hesito mais: riqueza ainda maior seria esconder com os cabelos as orelhas. Mas não resisto: descubro-as, esticando os cabelos para trás. E fica de um feio hierático como o de uma rainha egípcia, com o pescoço alongado e as orelhas incongruentes. Rainha egípcia? Não, sou eu, eu toda ornada como as mulheres bíblicas.

*** CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

UMA VIDA COM MAIS CORES

Com o incremento de nanopartículas de ouro em lentes de contato, pessoas que têm dificuldade em distinguir os tons vão poder compensar a deficiência

O daltonismo é um distúrbio ocular hereditário, genético, que impede o olho humano de diferenciar colorações vermelho-verde e que não tem cura. Quem é daltônico vê as imagens com uma tonalidade acinzentada. No momento, a ciência pesquisa algumas alternativas para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas como óculos com objetiva de vidro colorido e lentes de contato impregnadas de corantes orgânicos capazes de contrabalancear a anomalia. No entanto, a mais promissora tentativa de reverter o daltonismo é um estudo da Sociedade Americana de Química: lentes de contato equipadas com nanopartículas de ouro que se mostraram eficazes para melhorar a percepção de cores. Essas lentes foram constituídas a partir da junção de ínfimas partes do metal incorporadas ao material hidrogel das lentes. E por que se mostraram mais eficientes? Lentes com nanocompósitos de ouro demonstraram maior capacidade de retenção de água e isso melhorara a filtragem das cores.

Essa forma da deficiência, o daltonismo vermelho-verde, acomete 95% dos portadores da doença, na maioria das vezes, homens, 98% dos casos. De acordo com a OMS, o daltonismo atinge 350 milhões de pessoas no mundo, sendo oito milhões no Brasil. “Ao se confirmar, a nova lente vai representar uma mudança de paradigmas para essas pessoas”, afirma Leon Grupenmacher, oftalmologista e professor da Escola de Medicina da PUC do Paraná. O especialista diz isso porque pessoas daltônicas adultas podem ser impedidas de exercer algumas profissões devido à anomalia. A utilização das lentes com nanopartículas de ouro ainda não está disponível no mercado, pois há etapas desafiadoras para ultrapassar. “Daltônicos podem ter alguma deficiência de grau a ser corrigida”, diz o professor. Dessa forma, figuras públicas como a jornalista Ana Furtado, o ex-presidente dos EUA, Bill Clinton e o dono do Facebook, Mark Zuckerberg, vão ter que continuar usando dispositivos paliativos para equilibrar os tons.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 11 DE ABRIL

A ESPERANÇA ADIADA ADOECE O CORAÇÃO

A esperança que se adia faz adoecer o coração, mas o desejo cumprido é árvore de vida (Provérbios 13.12).

A esperança é o oxigênio da vida. Se ela falta, perecemos. Se ela se adia, o coração adoece. O anseio satisfeito, porém, é árvore de vida. A vida é feita de decisões. Não somos aquilo que falamos, mas o que fazemos. Não é sábio deixar para depois aquilo que podemos fazer hoje. Não é sensato empurrar com a barriga decisões que precisam ser tomadas com presteza. Não é prudente jogar para debaixo do tapete aquilo que precisamos resolver com agilidade. A esperança adiada entristece o coração. Talvez você tenha deixado para depois aquela conversa que precisaria ter com seu cônjuge, com seus filhos ou com seus pais. Talvez você venha fugindo da responsabilidade de tomar algumas decisões na sua vida. É melhor o desconforto do confronto do que a posição confortável da omissão. Não espere mais para falar, agir e posicionar-se. Levante-se e seja forte. Ninguém pode assumir o seu lugar e tomar as decisões que são de sua exclusiva responsabilidade. Rompa esse ciclo vicioso. Sacuda a poeira. Ponha o pé na estrada. Mantenha a visão do farol alto. Suba nos ombros dos gigantes e comece uma marcha vitoriosa na vida. Não deixe para amanhã o que você precisa fazer hoje!

GESTÃO E CARREIRA

TESTE – COMO ANDA SEU NETWORKING?

O networking é uma poderosa ferramenta estratégica de marketing para a sua empresa, independentemente do segmento que você ocupe, pois possibilita melhor visibilidade do seu negócio no mercado, aumentando, assim, as chances de melhorar seus resultados. Por isso, é fundamental fortalecer a sua rede de contatos na vida profissional.

O networking acontece em muitos momentos, desde aquela conversa em um bar até um encontro em uma reunião de negócios. Pode ocorrer também por meio de networking profissional, o que possibilita ainda maior resultado.

Há muito tempo fazer networking está além de trocar cartões de visitas e esperar até que um dia você seja contatado. O networking profissional tem sido utilizado de maneira inteligente, pois ele traz propósito para o relacionamento, por meio da confiança que se estabelece entre as partes, assim, gerar mais negócios e uma consequência.

Vamos verificar como está a sua construção de relacionamento, pelo teste a seguir, e depois validar quais pontos você precisa olhar com mais cuidado e desenvolvê-los de maneira significativa. Isso diz muito sobre pessoas e networking.

O propósito para essa construção é justamente entender e possibilitar amadurecimento, pois há mais significado quando isso acontece “de dentro para fora”, por isso essas perguntas trazem grandes reflexões sobre o perfil comportamental das pessoas.

1. A sua rede de contatos atual está formada por:

A. Parceiros de negócios, fornecedores e empresários de outros segmentos.

B. Ex-colegas de trabalho, empresários do meu setor.

C. Apenas amigos com os quais troco experiências de temas atuais.

2. Como tem sido a construção do seu relacionamento com seus colaboradores?

A. Tenho realizado treinamentos constantes com os meus colaboradores, reafirmando a cultura da empresa, assim como os valores implícitos e explícitos por meio dos meus produtos e serviços.

B. Tenho atuado pontualmente, mediante as demandas que aparecem em dificuldades apontadas pelos meus colaboradores ou pelos clientes.

C. Não tenho dado a devida importância para a questão da cultura organizacional, assim como não treino as pessoas para estarem por dentro dos valores apresentados da empresa.

3. Como tem sido o seu relacionamento com os clientes?

A.  Tenho feito follow-up com meus clientes e validado a boa experiência no meu processo de vendas.

B. Quando acontece alguma situação a gerenciar, tenho me empenhado para resolver os problemas do meu cliente.

C. Não tenho dado a importância devida ao follow-up para os meus clientes.

4. Como você tem se relacionado com os seus concorrentes?

A.  Tenho estudado constantemente o mercado e buscado me relacionar de maneira saudável com os meus concorrentes locais e mais distantes.

B. Tenho observado o que meu concorrente faz como diferencial de mercado e avalio a importância de fazer algo parecido.

C. Não tenho notado quais as estratégias que meus concorrentes têm utilizado para melhorar a comunicação com os clientes do nosso segmento.

5. Como você tem se posicionado em seu mercado?

A. A comunicação da minha empresa está bem alinhada, por meio de site, mídias sociais, interação com clientes e colaboradores, e sempre estou aberto a novas ideias.

B. A comunicação da minha empresa inclui site e mídias sociais, mas essas ferramentas precisam ser atualizadas.

C. Não tenho conseguido dar a importância necessária para a construção e comunicação da identidade da minha empresa.

6. Você tem construído relações significativas e duradoras?

A. Sim, tenho fidelizado boa parte dos meus clientes e mantido relações de longa data com meus parceiros de negócios e fornecedores.

B. Tenho conseguido manter relacionamentos que foram construídos de 3 a 5 anos atrás.

C. Não tenho conseguido manter relacionamentos duradouros e preciso dedicar mais tempo para iniciar processos de relações mais significativas.

7. Como você se sente quando um amigo, parceiro de negócio ou colaborador prospera financeiramente por meio da sua contribuição ou influência?

A. Me sinto feliz e motivado a ajudar ainda mais os meus colegas.

B. Me sinto bem e penso que também poderia estar comemorando.

C. Eu não tenho conseguido ajudar os meus parceiros de maneira assídua, talvez tenha que pensar em melhorar a minha interação em conectar pessoas.

8. Como você tem ampliado a sua rede de relacionamentos?

A. Por meio de reuniões de negócios, contato com clientes e parceiros.

B. Sempre que tenho oportunidade, busco ampliar a minha rede de relacionamentos.

C. Não tenho conseguido me organizar para essa construção de relacionamentos.

9. Com que frequência você tem investido tempo para participar de eventos/reuniões de networking?

A. Tenho feito encontros semanalmente.

B. Tenho me esforçado para fazer sempre que posso.

C. Não tenho participado de nenhum movimento de networking.

10. Antes de participar de algum evento de networking, você:

A. Pesquisa sobre o evento de que participará e busca entender que tipo de pessoas encontrará no evento.

B. Dedica tempo para pesquisar sobre os eventos, mas não consegue saber mais informações.

C. Precisa dedicar mais tempo para saber sobre os eventos, mas não se esquece de levar cartões de visita.

11. Quando conhece um contato em potencial, como você se comporta?

A. Busco me conectar com o contexto no qual aquela pessoa atua e elenco sim ilar idades entre nossa vida e nossas atividades profissionais.

B. Faço uma apresentação profunda e busco destacar três fatores importantes dos quais não gostaria que essa pessoa se esquecesse.

C. Faço uma breve apresentação, falo sobre o meu negócio e entrego meu cartão de visita.

12. Após participar dos eventos, como você mantém contato com essas pessoas?

A. Envio uma mensagem por celular e ligo em momento oportuno.

B. Envio uma apresentação da minha empresa por e-mail.

C. Preciso melhorar a minha interação pós-encontro com as pessoas que tenho conhecido.

13. Em qual ordem você estabelece maior contato/ comunicação com outras pessoas?

A. Encontro pessoal, telefone e contato virtual.

B. Telefone, contato virtual e encontro pessoal.

C. Contato virtual, telefone e encontro pessoal.

14. Você teve crescimento no seu faturamento com a prática do networking?

A. Sim, obtive retornos financeiros significativos.

B. Tive retorno financeiro, mas bem longe do que esperava.

C. Não tive retorno, mas sei que devo melhorar meu relacionamento.

RESULTADOS

MAIORIA DE RESPOSTAS A

EXCELENTE – Você tem investido positivamente para o desenvolvimento do networking em seu negócio e compreende que, por meio de relacionamentos duradouros, você melhora a sua visibilidade no mercado e os resultados da sua empresa. Continue assim e fortaleça ainda mais a relação de confiança com os seus amigos e parceiros de negócios. Ampliar a sua rede de contatos é o que você precisa continuar fazendo.

MAIORIA DE RESPOSTAS B

ATENÇÃO – Você está no caminho certo; compreende a importância do networking para o seu negócio e o significado dele para melhorar o seu relacionamento empresarial, mas não pode perder o foco de que precisa melhorar o seu posicionamento e construir uma relação significativa com as pessoas com quem se relaciona. Networking está muito além de fazer novos contatos, networking significa compreender a importância em fideliza-los e mantê-los sempre perto de você. Busque alguém que faça isso com excelência e melhore o seu posicionamento a fim de continuar investindo tempo para melhorar seu relacionamento.

MAIORIA DE RESPOSTAS C

RISCO – Muitos segmentos do mercado têm mais efetividade quando são indicados por amigos, parceiros e clientes. É importante construir essa relação com as pessoas e melhorar a sua visibilidade e posicionamento de mercado. Busque investir tempo para desenvolver essa potente ferramenta de relacionamentos com significado para o seu negócio, pois ela pode auxiliar você de maneira a encontrar resultados, inclusive financeiros, positivos. Aprender a fazer networking é importante e essa é uma competência que você pode desenvolver.

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

BENEFÍCIOS COGNITIVOS DO ESPORTE

As vantagens das atividades físicas vão muito além de queimar calorias: na infância, ajudam a desenvolver as funções executivas, cruciais para o sucesso do aprendizado

Se quisermos alcançar melhores resultados acadêmicos devemos investir mais tempo em atividades intelectuais, certo? Essa é a lógica que molda o sistema educacional atual, provocando o redirecionamento para a sala de aula do tempo – ou ao menos uma parte dele – que antes era dedicado a atividades lúdicas, artísticas e esportivas. Mas não está funcionando. Prova disso está na quantidade cada vez maior de alunos desatentos, impulsivos e ansiosos. O problema é que esse modelo está desconsiderando o fato de que o intelecto não se desenvolve sozinho: ele se forma juntamente – e de maneira interconectada – aos aspectos físico, social e emocional da criança.

Desenvolver essas outras dimensões do ser humano não apenas garante a formação de indivíduos felizes e saudáveis: é fundamental para o sucesso da própria capacidade intelectual. Mais que receber informações, crianças precisam aprender a controlar seus impulsos e sua atenção. Precisam dividir e esperar a vez do outro; resolver conflitos sociais; lidar com frustrações e derrotas; sentir-se valorizadas e parte de uma equipe; praticar o equilíbrio, coordenação motora e agilidade física. Não é na carteira escolar que essas habilidades se desenvolvem. É na quadra esportiva, na sala de dança ou no tatame.

Muito se fala da importância do esporte para a saúde e vigor físico da criança e como forma de combate à obesidade. Uma função relevante, mas que não ganha em importância dos tantos outros benefícios trazidos pelo esporte. A prática esportiva – especialmente das modalidades que exigem mais disciplina e estratégia, como dança, artes marciais e jogos em equipe – trabalha várias habilidades que formam as chamadas funções executivas, essenciais para a formação de um indivíduo bem-sucedido em todos os aspectos possíveis. São as últimas habilidades a amadurecer nas pessoas e também as primeiras a enfraquecer quando envelhecemos.

Entre as funções executivas fundamentais estão a memória de trabalho, que é a capacidade de manter as informações na mente para poder manipulá-las ou reproduzi-las, e a

flexibilidade cognitiva, que envolve a maneira criativa de pensar e de solucionar problemas. Outra função executiva é o controle inibitório, que é a autodisciplina, a capacidade de controlar as próprias emoções e ações; de selecionar o foco, a atenção, de não ceder a tentações e não agir impulsivamente. Quem convive com crianças hiperativas e desatentas sabe o quanto essas habilidades são cruciais no desempenho social e acadêmico da criança.

Aumentar o número de atividades intelectuais e forçar o aluno a se concentrar no conteúdo acadêmico são táticas que vêm se mostrando bastante falhas – basta observar o salto no número de crianças que acabam recebendo estimulantes para conseguir prestar atenção. Pouco é falado, infelizmente, do papel transformador que o esporte pode exercer na vida dessas crianças, exercitando a autodisciplina de forma intensa e divertida, como nenhuma outra atividade exercita.

A falta de autocontrole na infância é um preditor maior de problemas no futuro que fatores como histórico familiar, coeficiente de inteligência (QI) e situação socioeconômica. Essa constatação foi feita em um estudo realizado ao longo de 30 anos por pesquisadores de diversas universidades americanas e canadenses. Segundo o estudo, que avaliou mil indivíduos, aqueles que na infância apresentavam menos impulsividade e mais controle sobre suas ações se transformaram em adultos mais saudáveis e bem-sucedidos profissionalmente, com menor chance de sofrer com abuso de substâncias e obesidade ou de se envolver em crimes.

Para comprovar a relação do esporte com o desenvolvimento das funções executivas, pesquisadores da Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos, testaram 171 crianças sedentárias antes e depois de um programa de 13 semanas de exercício físico. Foi confirmado um aumento de atividade no córtex frontal bilateral, associado às funções executivas, e uma melhora nos testes de inteligência, especialmente de raciocínio lógico.

Diversas pesquisas já haviam demonstrado o papel do esporte no desempenho cognitivo de adultos e crianças. Uma das explicações é o maior fluxo sanguíneo no córtex cerebral, favorecendo o aumento de sinapses e também o nascimento de novas células nervosas. A neurogênese – surgimento de novos neurônios – ocorre especificamente no hipocampo, região responsável pela memória. Níveis excessivos e prolongados de estresse afetam essa estrutura, que geralmente se apresenta alterada em pessoas com depressão. Assim, além dos ganhos cognitivos e físicos, as atividades esportivas reduzem a chance de crianças e adultos sofrerem as consequências do estresse, como ansiedade e depressão.

O esporte, a dança, o circo e as brincadeiras existem há milênios, em todas as culturas, por um bom motivo: cumprem uma importante função no desenvolvimento de diferentes habilidades que são inter-relacionadas e que suportam a formação intelectual. Assim, práticas que exercitam a desenvoltura física, promovem a interatividade e exigem disciplina podem ser mais significativas no desempenho acadêmico que o aumento de atividades voltadas para a aprendizagem de conteúdo.

MICHELE MULLER – é jornalista com especialização em Neurociência Cognitiva e autora do blog http://neurocienciasesaude.blogspot.com.br

EU ACHO …

BANHOS DE MAR

Meu pai acreditava que todos os anos se devia fazer uma cura de banhos de mar. E nunca fui tão feliz quanto naquelas temporadas de banhos em Olinda, Recife.

Meu pai também acreditava que o banho de mar salutar era o tomado antes do sol nascer. Como explicar o que eu sentia de presente inaudito em sair de casa de madrugada e pegar o bonde vazio que nos levaria para Olinda ainda na escuridão?

De noite eu ia dormir, mas o coração se mantinha acordado, em expectativa. E de puro alvoroço, eu acordava às quatro e pouco da madrugada e despertava o resto da família. Vestíamo-nos depressa e saíamos em jejum. Porque meu pai acreditava que assim devia ser: em jejum.

Saíamos para uma rua toda escura, recebendo a brisa da pré-madrugada. E esperávamos o bonde. Até que lá de longe ouvíamos o seu barulho se aproximando. Eu me sentava bem na ponta do banco: e minha felicidade começava. Atravessar a cidade escura me dava algo que jamais tive de novo. No bonde mesmo o tempo começava a clarear e uma luz trêmula de sol escondido nos banhava e banhava o mundo.

Eu olhava tudo: as poucas pessoas na rua, a passagem pelo campo com os bichos de pé: “Olhe um porco de verdade!” gritei uma vez, e a frase de deslumbramento ficou sendo uma das brincadeiras de minha família, que de vez em quando me dizia rindo: “Olhe um porco de verdade.”

Passávamos por cavalos belos que esperavam de pé pelo amanhecer.

Eu não sei da infância alheia. Mas essa viagem diária me tornava uma criança completa de alegria. E me serviu como promessa de felicidade para o futuro. Minha capacidade de ser feliz se revelava. Eu me agarrava, dentro de uma infância muito infeliz, a essa ilha encantada que era a viagem diária.

No bonde mesmo começava a amanhecer. Meu coração batia forte ao nos aproximarmos de Olinda. Finalmente saltávamos e íamos andando para as cabinas pisando em terreno já de areia misturada com plantas. Mudávamos de roupa nas cabinas. E nunca um corpo desabrochou como o meu quando eu saía da cabina e sabia o que me esperava.

O mar de Olinda era muito perigoso. Davam-se alguns passos em um fundo raso e de repente caía-se num fundo de dois metros, calculo.

Outras pessoas também acreditavam em tomar banho de mar quando o sol nascia. Havia um salva-vidas que, por uma ninharia de dinheiro, levava as senhoras para o banho: abria os dois braços, e as senhoras, em cada um dos braços, agarravam o banhista para lutar contra as ondas fortíssimas do mar.

O cheiro do mar me invadia e me embriagava. As algas boiavam. Oh, bem sei que não estou transmitindo o que significavam como vida pura esses banhos em jejum, com o sol se levantando pálido ainda no horizonte. Bem sei que estou tão emocionada que não consigo escrever. O mar de Olinda era muito iodado e salgado. E eu fazia o que no futuro sempre iria fazer: com as mãos em concha, eu as mergulhava nas águas, e trazia um pouco do mar até minha boca: eu bebia diariamente o mar, de tal modo queria me unir a ele.

Não demorávamos muito. O sol já se levantara todo, e meu pai tinha que trabalhar cedo. Mudávamos de roupa, e a roupa ficava impregnada de sal. Meus cabelos salgados me colavam na cabeça.

Então esperávamos, ao vento, a vinda do bonde para Recife. No bonde a brisa ia secando meus cabelos duros de sal. Eu às vezes lambia meu braço para sentir sua grossura de sal e iodo.

Chegávamos em casa e só então tomávamos café. E quando eu me lembrava de que no dia seguinte o mar se repetiria para mim, eu ficava séria de tanta ventura e aventura.

Meu pai acreditava que não se devia tomar logo banho de água doce: o mar devia ficar na nossa pele por algumas horas. Era contra a minha vontade que eu tomava um chuveiro que me deixava límpida e sem o mar.

A quem devo pedir que na minha vida se repita a felicidade? Como sentir com a frescura da inocência o sol vermelho se levantar? Nunca mais?

Nunca mais. Nunca.

*** CLARICE LISPECTOR

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