SOB O OLHAR EVOLUCIONISTA
O homem não é o único animal que busca o convívio com semelhantes como forma de se adaptar ao meio; comportamentos aparentemente sem maior importância, como o sorriso dos bebês, têm sido fundamentais para a preservação da espécie humana
Antes da divulgação dos trabalhos de Charles Darwin, no século XIX, o homem era visto como um ser fora da natureza. Acreditava-se, sem contestação, que o ser humano havia sido criado à imagem e semelhança de Deus. Inspirado pelas ideias de seu avô, Erasmus, Darwin saiu em viagem a bordo do navio Beagle para observar, inicialmente, o bico de aves chamadas tentilhões, nas Ilhas Galápagos. De lá para cá, suas ideias inspiraram muitos outros pesquisadores. Em 1940, o zoólogo austríaco Konrad Lorenz, considerado por muitos o “pai” da etologia (ciência que estuda o comportamento social das espécies), publicou os primeiros trabalhos sobre esse aspecto e, em 1974, recebeu o Nobel de Medicina e Fisiologia. Aliás, a década de 70 pode ser considerada como uma das mais importantes para teses da nova ciência socio biológica. Grandes trabalhos foram publicados nesse período. Dois deles se tornaram best-sellers em alguns países, como, por exemplo, O macaco nu, de Desmond Morris (1967), e O gene egoísta, de R. Dawkins (1976). Em ambos, os autores dissertam sobre a “biologização” do homem e sobre a humanidade como espécie subordinada às leis da genética; em outras palavras, “a galinha é apenas um meio sofisticado que a Natureza descobriu de fazer um ovo botar outro ovo”.
O comportamento social, porém, não é exclusivo dos seres humanos, já que existem outras espécies que vivem em sociedade e buscam adaptação ao meio pelo convívio. Sabendo-se que esses padrões vêm da interatividade entre herança gênica e adequação oriente, é difícil entender como alguns psicólogos, psiquiatras e outros estudiosos do tema ainda consideram o ser humano exclusivamente moldado pela cultura. A etologia pode e deve ser uma importante ferramenta também no estudo do psiquismo humano. A psicologia evolucionista é a parte dessa ciência que estuda a forma como os processos mentais podem ter relação com os mecanismos utilizados pelo homem para se adaptar ao meio e se desenvolver como indivíduo, mas principalmente como espécie.
Na publicação Socíobiologia, de 1975, o biólogo Edward Wilson apresenta estudos nos quais se evidenciam comportamentos selecionados ao longo de milhares de anos. De acordo com essa teoria, o sorriso de uma criança de 4 ou 5 semanas pode ser um exemplo desse tipo de conduta que favoreceu a sobrevivência e a evolução dos indivíduos. A criança que emitia esse espasmo muscular, interpretado como sorriso, tinha mais chances de fortalecer os laços afetivos com seus cuidadores, principalmente com a mãe, e com isso aumentava as chances de ser acolhida, de desenvolver-se e, no futuro, passar seus valiosos genes adiante. Hoje, essa conduta é uma manifestação universal, uma vez que crianças de todas as nacionalidades (brasileiras, canadenses, chinesas ou paquistanesas) sorriem na quarta ou quinta semana após o parto.
Entre outros comportamentos pesquisados estão alguns mais complexos. É o caso do altruísmo, um dos três temas mais estudados juntamente com a agressividade e a sexualidade. Como é possível entender a busca de um benefício do outro em detrimento de si mesmo sob a ótica evolucionista? Essa hipótese prega que o fundamento básico é a competição entre os indivíduos. No altruísmo pressupõe-se um prejuízo direto para quem favorece seu semelhante. Este é justamente o “x” da questão: na atitude altruísta, o benefício pessoal seria um ganho indireto. De acordo com a teoria evolucionista, o preço pago pelo doador é compensado pelas vantagens obtidas futuramente. Esse é um meio para que surjam trocas nas quais todos se beneficiam, compensando os custos. O curioso é que isso não ocorre em todas as espécies.
De acordo com W D. Hamilton, em A evolução do comportamento social II, 1964, devem ser satisfeitos alguns requisitos para que essa conduta ocorra. Primeiramente, é necessário que haja grandes chances de um reencontro entre os participantes para que aconteça a troca. Isso significa que o altruísmo recíproco só pode existir em espécies que tenham longos períodos de vida e que formem grupos estáveis. Outro aspecto é ter boa memória, para saber, depois, de quem cobrar a gentileza. O reconhecimento individual é obrigatório tanto para quem presta o favor d quanto para quem o recebe, porém pode haver traições e outras atitudes menos nobres em jogo.
MOMENTO DA PAQUERA
Como escolher a pessoa com a qual o se quer relacionar? Esse assunto, estudado pelo psicólogo americano David J Buss, é bem documentado na literatura científica da área. O autor e outros estudiosos apresentaram uma pesquisa realizada em mais de 70 países, de costumes e culturas diversas, na qual são descritos os critérios de atração sexual. De acordo com o estudo, os seres humanos possuem capacidade para considerar o que é ou não atrativo no sexo oposto de maneira distinta. Homens e mulheres desenvolveram diferentes maneiras de atração ao longo dos anos por possuírem diferentes estratégias para se relacionar.
Os estudos de Buss sugerem a existência de dois tipos de atração sexual: a de curto e a de longo prazo. A primeira diz respeito ao interesse imediato, ligado aos órgãos dos sentidos, mais comum entre os homens. Já a segunda se refere às escolhas do parceiro para uma relação mais duradoura, em tese, mais característica do comportamento sexual feminino. Os resultados concordam com outros estudos, como os de L. Parisotto, K. B. de Guaragna, M. C. Vasconcelos, M. Strassburger, M. H. Zunta e W. V. Melo, de 2003, que tratam das diferenças de gêneros no desenvolvimento sexual e integração dos paradigmas biológico, psicanalítico e evolucionista. Vale lembrar: tanto homens quanto mulheres sabem e podem fazer escolhas em curto ou longo prazo.
No entanto, há diferenças inerentes a cada tipo quando se trata de optar por um parceiro, isso de acordo com a teoria do imperativo reprodutivo, oriunda da psicologia evolucionista (o princípio básico é passar os genes adiante, deixando o maior número de cópias gênicas, sem abrir mão da qualidade). Segundo essa hipótese, para o sexo masculino, quanto maior o número de parceiras, mais chances de alcançar o objetivo, afinal um homem investe em uma relação sexual alguns espermatozoides, produzidos aos milhões. Já a mulher pode ter, no máximo, 27 filhos ao longo da vida, caso não tenha gêmeos, pois seu ciclo reprodutor dura, e média, 28 dias e a gestação, 40 semanas. Além disso, precisa amamentar e cuidar da criança depois do parto. Com esse raciocínio, homens teriam a tendência de buscar as mais jovens, por terem um período reprodutivo mais longo, e as mulheres, a optar por parceiros mais maduros, com maiores chances de proteger tanto a ela quanto a sua prole.
A psicologia evolucionista também descreve como as emoções podem ser transmitidas filogeneticamente, como ferramenta de sobrevivência. Emoções como a raiva e a ira, ligadas à defesa dos filhos e do território; o medo e a ansiedade, relacionados com autodefesa e proteção; a tristeza, ligada a processos de mudança; e a alegria, à satisfação e gratificação, e até o nojo, ligado a auto preservação, compõem o leque emocional. Esses sentimentos consistem em críticas direcionadas pelas teorias etológicas e do processamento de informações.
A área emocional forma aquilo que psicólogos cognitivos chamam de hot cognitions ou cognições quentes. Nessa perspectiva, podem ser compreendidas como forças impulsionadoras, moldadas pela seleção natural, e que motivam o ser humano à ação, levando-o a fazer uso das suas capacidades cognitivas. Uma das teorias mais conhecidas e respeitadas sobre isso é a hipótese do marcador somático, proposta pelo neurocientista português António Damásio. Ela sustenta que as atividades somáticas criam tendências implícitas no comportamento humano, principalmente no que diz respeito à tomada de decisão. Somos descendentes de pessoas ansiosas – uma vez que o leão e outros predadores já comeram os tranquilos -, portanto a ansiedade social pode estar ligada à evolução. Há milhares de anos, ser aceito por um grupo significava viver ou morrer. Os que não eram aceitos ficavam sozinhos, diminuíam suas chances de sobrevivência e, consequentemente, de passar seus genes adiante. Assim, somos descendentes dos que estavam mais preocupados em ser aceitos.
Com isso, é possível observar a importância de estudar o homem desde que ele habita a Terra. Mudanças culturais ocorrem com velocidade quando comparadas às promovidas pelas pressões seletivas ambientais. Hoje, o Homo sapiens ainda carrega em seu organismo características selecionadas por um ambiente padrão, a “savana africana”. É importante observar com olhos evolutivos os problemas atuais. Crianças com transtorno de déficit de atenção (TDAH) ou hiperatividade, por exemplo, não foram programadas para ficar cinco horas sentadas em uma cadeira assistindo a uma aula. O ser humano é um novato na Terra, se compararmos o tempo de vida do planeta (Morris, 1976). Desde os antropoides e o processo de bipedismo até o primata, muitas mudanças vêm acontecendo na evolução humana, sem previsão de parar.