COMPLEXIDADE NO RH

A morte de um cliente por seguranças no Carrefour no dia 19 de novembro, caso de repercussão internacional, chocou o país e se tornou simbólica ao escancarar uma condição real e estrutural da sociedade brasileira na véspera do Dia da Consciência Negra. Eu gostaria de abordar esse caso não para fazer qualquer julgamento específico, mas para falar sobre o tamanho do desafio e da responsabilidade dos profissionais de recursos humanos hoje – em especial em situações complexas como a enfrentada pela rede de supermercados.
Muitos de nós fomos formados para trabalhar em um RH voltado para dentro, atuação que varia desde o perfil controlador e negociador com sindicatos (comum nos anos 1980 e 1990) até o dos profissionais atuais, focados em treinamento, atração e retenção de talentos. Mas, hoje, o papel dos recursos humanos vai muito além disso: precisamos estar atentos aos valores, à cultura, às arquiteturas das relações, à releitura social. É algo infinitamente mais complexo.
Isso significa que temos que estar, também, do lado de fora. Foi o que aconteceu com o Carrefour. No vídeo em que pediu desculpas à sociedade pelo ocorrido em uma de suas lojas, divulgado na TV aberta em horário nobre, o CEO da varejista estava acompanhado de seu executivo de recursos humanos, algo pouco provável anos atrás. Seu papel, naquele momento, era prestar contas ao público externo sobre os valores, as práticas e as políticas da empresa no combate à desigualdade.
Na medida em que o tema central do cardápio organizacional passa por compreender a sociedade e o ser humano, com uma estratégia de negócios que vai muito além dos resultados financeiros, é responsabilidade do RH ser o braço direito do CEO nesse entendimento. Não estamos aqui apenas discutindo diversidade, e sim uma questão de estrutura social.
Obviamente, isso tudo se torna desafiador na formação dos RHs. Nossos conhecimentos de psicologia e práticas de gestão de pessoas não são mais suficientes. Para conseguirmos interpretar e trazer para a realidade corporativa os temas de grande complexidade que estão sendo discutidos no mundo, temos que ir além dos negócios. É preciso entender de antropologia, de sociologia, de comunicação – e de todos esses temas que nos afetam como indivíduos e como corporações.
E, ainda assim, não adianta procurar sozinho as respostas para discussões que envolvem questões estruturais profundas. Um exercício importante é a busca por soluções de forma coletiva, promovendo debates e firmando compromissos com todo o mercado. O racismo – e a violência que decorre dele -, para ficarmos no exemplo deste artigo, não é um problema que uma empresa conseguirá resolver sozinha, por melhores que sejam suas ações e intenções. Esse é um desafio que se reflete fortemente em toda a sociedade e precisa ser ataca do em conjunto.
Que esse triste episódio sirva para que as empresas se unam mais em torno de grandes causas sob uma perspectiva de curto, médio e longo prazo. E a nós, RHs, cabe estarmos pilotando essas conversas e ações junto com os CEOs e os conselhos de administração.
VICKY BLOCH – é psicóloga, sócia da Vicky Bloch Associados e professora nos cursos de especialização em RH da FGV-SP e da FIA
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