POR TRÁS DA DECISÃO DE COMPRAR
Como e por que resolvemos adquirir um produto? Seguimos um impulso ou ponderamos a situação racionalmente? Estudos mostram que sentimentos e mecanismos inconscientes interferem fortemente quando abrimos a carteira

“O coração tem razões que a própria razão desconhece”, acreditava o matemático e filósofo francês Blaise Pascal (1623-1662). Já seu compatriota e contemporâneo René Descartes (1596-1650), fundador do racionalismo moderno, afirmava: “Penso, logo existo”. Dois pensadores, duas visões extremas acerca do homem. O curioso é que séculos depois essas citações ainda delineiam o limiar tênue entre sentimento e razão no qual a ciência moderna se norteia. Durante muito tempo economistas reforçaram o valor da racionalidade e negligenciaram a influência das emoções no que diz respeito às decisões que envolvem finanças. Viam no consumidor um ser absolutamente racional, que ponderava egoisticamente os custos e benefícios de suas opções para sempre aumentar o próprio lucro. Essa imagem, porém, tem algumas limitações, pois fatores emocionais como confiança e justiça influenciam nossas escolhas, no mínimo, com a mesma intensidade e importância.
Porém, como é possível compreender conceitos abstratos como a confiança de forma puramente científica? Aparentemente, os economistas precisam incluir em suas pesquisas o órgão que faz opções: o cérebro. É exatamente isso que procura fazer a nova linha de pesquisa da neurociência. Neuroeconomistas têm estudado mais detalhadamente o conceito de Homo oeconomicus. O rápido progresso da tecnologia, principalmente na área dos procedimentos por imagem, fez com que esses estudos fossem impulsionados nos últimos anos.
Entre os pioneiros estão os neurologistas Antoine Bechara e Antônio Damásio, da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, que estudaram pacientes com lesões cerebrais. Eles observaram que pessoas com o córtex pré-frontal lesionado apresentam comportamento social extremamente incomum: ponderam racionalmente vantagens e desvantagens das várias possibilidades, mas não parecem capazes de perceber e expressar seus próprios sentimentos ou de reconhecer os de seus semelhantes.
Com isso, mesmo decisões simples, como a compra de um xampu, tornam-se um problema: em vez de confiar em suas “sensações”, esses pacientes tentam analisar todos os prós e contras do produto – um processo extremamente demorado. Bechara e Damásio concluíram então que os sentimentos não apenas influenciam nossas decisões, substancialmente, mas que, na verdade, não conseguimos resolver absolutamente nada sem a ajuda das emoções. Segundo a teoria de Damásio, das marcas somáticas (soma, do grego, corpo), os sinais corporais emocionais influenciam a escolha entre duas alternativas, principalmente em situações complexas.
Mas, afinal, como sentimentos controlam nossas decisões econômicas? Para examinar essa questão, Alan Sanfey e outros pesquisadores da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, convidaram em 2003 voluntários para um. “jogo do ultimato”: dois sujeitos sempre jogavam juntos, sendo que um recebia determinada soma em dinheiro, da qual podia escolher e doar uma parte para seu parceiro de jogo. O ponto chave: os dois só podiam ficar com o dinheiro se o receptor aceitasse a oferta. Se ele a recusasse, por considerá-la injusta, ambos ficariam sem nada. Coloque-se no lugar do receptor. Com um montante total de, por exemplo, R$ 100,00, você aceitaria a metade? Provavelmente, sim. Mas como seria se a doação fosse de apenas R$ 1,00 e o outro jogador quisesse ficar com os R$ 99,00 restantes? Se você fosse um Homo oecomnomicus racional deveria aceitar qualquer oferta – um ganho, mesmo que minúsculo, afinal, é melhor do que nada.
Realmente, os voluntários aprovaram principalmente as propostas em que o valor foi dividido de forma mais ou menos justa. Se a oferta, porém, estivesse drasticamente abaixo da linha dos 50%, a maioria recusava, indignada. Os participantes preferiam lidar com uma perda financeira a proporcionar aos seus parceiros um ganho muito mais alto que o seu. Mas quando os pesquisadores coordenados por Sanfey disseram que eles jogariam contra um computador, o quadro transformou-se: mesmo ofertas “desonestas” foram aceitas. Ao que tudo indica, o fato de termos uma máquina como opositor afeta menos nosso senso de justiça.
Enquanto os jogadores negociavam entre si, os cientistas acompanhavam sua atividade cerebral por tomografia por ressonância magnética funcional (TRMf). Durante as medições, agitavam-se nos casos de ofertas especialmente injustas principalmente três regiões que participam da regulação de sentimentos: a área anterior da ínsula, o córtex cingular anterior, assim como uma parte do lobo frontal, e o córtex pré-frontal dorsolateral (CPFDL). Os participantes encontravam-se evidentemente em um conflito emocional que se refletia em diversas atividades cerebrais. Sanfey e seus colegas interpretaram a descoberta como uma tentativa do cérebro de superar o sentimento negativo e aceitar a oferta injusta para aumentar o ganho.
Em outro estudo, realizado em 2006, um grupo coordenado pela neurocientista Daria Knoch e pelo economista Ernst Fehr, da Universidade de Zurique, Suíça, no entanto, chegou a um resultado um pouco diferente. Nesse caso, os voluntários testaram o jogo do ultimato enquanto cientistas desligaram eletivamente áreas dos CPFDL direito ou esquerdo por meio de estimulação transcraniana – que influencia áreas cerebrais específicas por meio de impulsos eletromagnéticos. Os participantes apenas aceitaram com mais frequência ofertas injustas quando o seu córtex direito estava bloqueado – o mesmo efeito não se dava do lado esquerdo. Porém, os jogadores continuaram considerando as propostas mesmo gritantemente injustas, apesar de aceitá-las.

CONFIANÇA PREMIADA
Knoch e Fehr supõem que a área cerebral direita suprima sinais egoístas, possibilitando que a pessoa coloque em prática suas próprias regras de justiça. O lobo frontal desempenha um papel importante em tais decisões, tão fortemente influenciadas pelas emoções. E a confiança? Um Homo oeconomicus não lhe dá grande valor – pois quem se baseia na integridade de seu parceiro de negócio invariavelmente arrisca-se a ser passado para trás. A experiência mostra, porém, que sem confiança mútua várias relações comerciais fracassam. Quem compra um carro usado está sempre correndo um risco. Não lhe resta quase nenhuma opção a não ser confiar nas declarações do vendedor. Cientistas coordenados por Kevin McCabe, da Universidade do Arizona, em Tucson, colocaram voluntários numa cilada em um “jogo de cooperação recíproca”: o jogador 1 tinha de escolher entre dividir justamente um montante de US$ 90,00 ou aumentar o valor total para US$ 405,00. Se escolhia a segunda alternativa, se colocava-se nas mãos do jogador 2, que, desse valor total, podia devolver 180 dólares para seu companheiro e ficar com os 225 restantes como recompensa – ou pegar tudo para si. O primeiro participante, portanto, arriscava-se a ser enganado pelo seu parceiro se quisesse aumentar seu próprio ganho em quatro vezes, de US$ 45,00 para US$ 180,00. Mais uma vez, os pesquisadores observaram o cérebro de seus sujeitos durante o processo. E revelaram-se diferenças significativas: em jogadores que entregavam a seus companheiros o capital inicial, ou, inversamente, premiavam a confiança de seus parceiros com um comportamento cooperativo, o córtex pré-frontal medial apresentou taxas metabólicas mais altas do que as dos que foram relutantes em cooperar. Essa região cerebral é associada à capacidade de nos colocarmos no lugar dos outros. O grupo de pesquisadores coordenados por Jordan Grafman, do Instituto Nacional de Distúrbios Neurológicos e Derrames, em Bethesda, descobriu em 2007 que, em um jogo de confiança semelhante, outra região cerebral também era estimulada. Entre os voluntários que desde o princípio confiaram em seus parceiros, o córtex pré-cingular agitava-se – uma área que analisa o próprio comportamento e as ações presumíveis do outro. Além disso nessas pessoas, uma estrutura do sistema límbico revelou uma atividade aumentada no septo, onde é controlada a liberação dos hormônios vasopressina e oxitocina, que regula o comportamento social. Uma pequena pitada de oxitocina, administrada por um spray nasal, já basta para elevar a confiança do jogador. Isso foi o que descobriram os cientistas de Zurique coordenados por Michael Kosfeld em 2005, em um experimento pioneiro.
Mas de volta ao dia a dia, o que acontece em nossa cabeça quando estamos diante da prateleira de supermercado? Em 2005, Michael Deppe, da Universidade de Münster, na Alemanha, mostrou junto com um de nós, Peter Kenning, a 22 pessoas que estavam dentro de um tomógrafo, sempre imagens de dois produtos que – com exceção da marca – não se diferenciavam em nada. Os voluntários deviam escolher um dos artigos apresentados sendo que mulheres precisavam decidir entre 15 tipos de café, enquanto homens optavam entre 20 cervejas. De forma aleatória, a marca preferida dos sujeitos sempre voltava a surgir entre os pares apresentados – a escolha então se tornava fácil.
Durante essas decisões simples, a atividade do CPFDL se reduzia. Em compensação, a do córtex pré-frontal ventromedial se mostrava mais intensa. Isso leva a crer que o centro de controle racional do CPFDL é exigido quando o ato de escolher não provoca grandes emoções. Mas, se avistamos nossa marca de café ou de cerveja preferidas, as regiões cerebrais do controle cognitivo são desativadas e aliviadas. Assim, sentimentos positivos facilitam nossas decisões.
O grupo de trabalho de Read Montague, da Escola de Medicina Baylor, em Houston, avaliou, em 2004, o quanto o marketing pode interferir em nossos processos mentais. Os pesquisadores texanos analisaram um fenômeno interessante: a Coca-Cola é considerada a bebida gasosa com cafeína mais vendida do mundo. No entanto, em degustações de olhos vendados, sua maior concorrente, a Pepsi, quase sempre obtém melhores resultados. Ambas as bebidas desencadeiam – enquanto sua marca é desconhecida – atividades cerebrais semelhantes. Assim que o degustador pode ver o logotipo da marca, seu CPFVM já se agita. Michael Koenigs e Daniel Tranel, da Universidade de Iowa, descobriram em 2008 que em pacientes com lesões no CPFVM a preferência pela Coca-Cola inexiste. Os voluntários gostavam mais da Pepsi, mesmo sabendo que não estavam experimentando Coca-Cola. Portanto, aparentemente algumas empresas conseguiram marcar se a ferro no cérebro do consumidor.
Um argumento econômico decisivo continua sendo o preço. Você por acaso gastaria R$ 30,00 em um tablete de seu chocolate preferido? Dificilmente. Mas talvez arrematasse um vinho caro para impressionar seus amigos. Os preços, então, têm dois lados: por um, doem no bolso, por outro, são considerados indício de qualidade, elevando assim o valor ideal do produto. Em 2007, sob coordenação de Brian Knutson, da Universidade de Stanford, pesquisadores examinaram o que acontece no cérebro durante essas ponderações. Foram oferecidos bombons para ser comprados pelos participantes; se eles o faziam, agitava-se, principalmente, o centro de recompensa no núcleo acúmbens. Mas, se a iguaria lhes parecia cara demais, a ínsula impunha seu veto.
Em 2008, pesquisadores coordenados por Antônio Rangel, também de Stanford, demonstraram que o preço pode enganar nossa percepção sensorial. Os voluntários foram colocados dentro do TRMf para uma degustação de vinhos. Durante o processo, porém, foram apresentadas algumas bebidas baratas como se fossem um Cabernet Sauvignon. A valiosa bebida teve excelente aceitação. O córtex orbito-frontal medial, que memoriza boas experiências relacionadas a sabores, cheiros ou músicas, trabalhou de forma intensa. As áreas sensoriais do cérebro, por outro lado, não apresentaram atividade aumentada – não se deixaram enganar.
CENTROS DE ECONOMIA
Principalmente o córtex pré-frontal ventromedial e o dorso lateral interferem nas decisões econômicas do cérebro.

ASSUNTO DE PSICOTERAPIA
A maioria das pessoas que se submete a um processo psicoterápico, em especial de base psicanalítica, provavelmente terá de se haver, em algum momento, com a questão do dinheiro. Não por acaso: de uma forma ou outra, todos nós temos inquietações – e sofrimento em nossas relações com o vil metal. Na clínica, ele não é apenas tema de análise, mas também um elemento da sustentação do setting. A maneira como o paciente lida com o pagamento das sessões, o quanto e o como dispõe de seus recursos costuma oferecer material de trabalho ao analista e ao analisando, dando margem a reflexões, interpretações, elaborações e insights. “Há uma diferença fundamental em relação à maneira como o dinheiro circula no mercado e na clínica, onde está associado à economia inconsciente”, ressalta o psicanalista Mauro Mendes Dias, membro-fundador Sociedade de Psicanálise de Campinas. “Na neurose obsessiva, por exemplo, o traço de avareza corresponde sentido miserável que o sujeito atribui a seu próprio desejo. O pagamento introduz uma questão decisiva destacada por Freud, que remete às primeiras trocas da criança com a mãe”, observa. Dias ressalta que, para o profissional, também há algo a ser pago para que possa oferecer um tipo específico de escuta terapêutica. Ele lembra que no texto “A direção do tratamento e os princípios de seu poder”, de 1958, Jacques Lacan fala de “três preços”. O primeiro está vinculado à palavra do analista, que sempre deve ter efeito de interpretação – e, portanto, não pode ser banal; o segundo tem a ver com o esvaziamento do próprio ego. Para dispor dessas duas condições o psicanalista precisa ter se submetido à própria análise e à formação – o que costuma ser dispendioso. O terceiro preço está relacionado à necessidade de sustentar sua função por meio um processo continuado de aprendizagem, leitura, atualizações, troca com pares, participação em grupos de discussão e eventos – e isso requer investimento permanente, não só de dinheiro, mas também de tempo e desejo.
OS MÉTODOS DA NEUROECONOMIA
Já há bastante tempo economistas utilizam métodos fisiológicos em suas pesquisas. Medições de resistência cutânea ou de reações da pupila têm fornecido dados, objetivos sobre o comportamento decisório de consumidores. Essas técnicas, no entanto, levam a afirmações generalizadas apenas em termos, já que simplesmente captam um único sinal físico que, por sua vez, deve ser contrabalançado com as declarações dos voluntários. Isso seria, por exemplo, semelhante a uma tentativa de avaliar a qualidade musical de uma orquestra sinfônica apenas com base na intensidade do som. Além disso, subsídios fornecidos pelos próprios sujeitos revelam-se problemáticos, já que, por um lado, são distorcidos por expectativas sociais e, por outro, refletem apenas impressões subjetivas. Por exemplo, o nosso corpo pode sentir frio quando tem febre, apesar de o termômetro mostrar uma temperatura elevada.
As atividades cerebrais revelaram-se um critério melhor. Procedimentos de medição emprestados da neurobiologia contribuíram de forma relevante para a estabilização na neuroeconomia: métodos não invasivos permitem, hoje, visões profundas do cérebro em atividade. Com eles, os pesquisadores detectam atividades eletromagnéticas das células neurais – como na eletroencefalografia (EEG) e na magnetoencefalografia (MEG) – ou utilizam procedimentos por imagens, como a tomografia por emissão de pósitrons (PET) e a tomografia por ressonância magnética funcional (TRMf), que se baseiam em características metabólicas cerebrais. Enquanto os métodos eletromagnéticos oferecem grande exatidão temporal, possibilitando acompanhamento direto da atividade neuronal, os pontos fortes dos procedimentos por imagem estão na localização espacial precisa das áreas do cérebro ativadas. A eles acrescentou-se mais recentemente a estimulação magnética transcraniana (EMT), na qual determinadas regiões podem ser objetivamente inibidas ou estimuladas por meio de um impulso eletromagnético. Neuroeconomistas têm utilizado a EMT para verificar resultados de estudos já existentes.
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