EU ACHO …

FAMOSO QUEM?

O brilho fugaz (e bem pago) das celebridades da internet

Famoso, antes a gente sabia quem era e pronto. Eu só me atrapalhava no Prêmio Nobel, com uns cientistas e literatos ícones. Descobriu o que na física? Escreveu um poema em que língua? Ultimamente, tem tanto famoso que já não sei o nome de todos. Antes, a popularidade era fruto da participação em programas de televisão, novelas… Todos os anos, de dezembro a janeiro (agora!) vivo uma fase tétrica. São inúmeras as pessoas que me pedem ajuda para entrar no BBB (de fato, o BBB tem uma seleção rigorosa, comandada pelo Boninho). Como eu trabalho na Globo, acham que posso ligar: “Botem fulano lá…” A fama trazida por um reality como o BBB é um ativo em si. Já foi passaporte para uma ótima carreira de atriz, como no caso da Grazi Massafera. Para as urnas, como para o Jean Wyllys. Sabrina Sato se tornou apresentadora. Se não eram tantas as portas que se abriam, ainda havia uma boa temporada de presenças vips bem remuneradas. Mas surgiu uma nova espécie de fama, a da internet. São famoses (famosas e famosos) que não sei quem são, o que fazem exatamente… infuencers!  E, se alguém me explicar o que significa exatamente influencer, ganha um seguidor. Faturam fortunas. Uma influencer com cerca de 30 milhões de seguidores (sim, 30) cobra em torno de 700.000 reais por campanha de produtos, principalmente de beleza. Outra, 110.000 por um único post. São vários por semana. Famosos do Instagram têm aviões, moram em mansões. No mundo inteiro, as fashionistas influencers têm lugares privilegiados nos desfiles de alta moda. O próprio BBB já traz influencers – como na edição passada. Há influencers que lançam livros, receitas de cozinha, programas de fitness e, claro, os que mostram os bastidores da vida artística e intimidade de… influencers! Há ídolos, como Neymar, com 145 milhões de seguidores. Mas é excepcional. Influencer de sucesso, como Kéfera, tem 13,2. Carlinhos Maia, 21,2 e Felipe Neto, 13,3 no Instagram mais 41,1 no YouTube. Ah, sim, Whinderson Nunes, 48,8 só no Instagram. Há muitos e muitas na casa dos milhões, como a polêmica Gabriela Pugliesi, com 4,3 milhões. É uma enormidade de seguidores, que atraem campanhas, patrocinadores, negócios. E, se um influencer de peso ainda faz um reality, vai às alturas.

Um dia acordei lotado de mensagens raivosas porque eu não colocaria determinada celebridade da internet na novela. Alguém havia publicado que eu havia retirado a moça do elenco. Ameaçavam me boicotar, me destruir. Só um detalhe: eu não tinha a menor ideia de quem fosse a garota. Era tudo fake news. Não reconhecer alguém famoso é no mínimo indelicado. Blasé. Mas são tantos, tantos novos famosos, de tantas áreas… O jeito é perguntar, por mais constrangedor que pareça: “Famoso quem?”. Se for escritor como eu, ou cientista, tudo bem, estamos acostumados a não ser reconhecidos. Mas basta ser alguém que postou um nude bombado para se tornar um inimigo mortal caso a gente não se curve, ofuscado pela fama.

*** WALCYR CARRASCO

OUTROS OLHARES

NÃO ME TOQUES

Com o nariz torcido embaixo da máscara, o mundo inteiro se conformou com a proibição de abraçar e beijar – e vai ser assim por um bom tempo

A ciência comprova que o contato físico é indispensável para separar e identificar as relações humanas: assim que uma pele encosta na outra, o cérebro recebe um sinal para analisar o contexto da situação e produzir sentimentos de afeto, tristeza ou medo. “O toque executado com o objetivo de oferecer apoio ou consolo gera aumento da liberação de ocitocina, que é importante na formação de vínculo e apego”, diz o neurocientista Paulo Boggio, coordenador do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social da Universidade Mackenzie. As pesquisas também revelam que receber um abraço reduz o nível de cortisona e atenua situações de estresse. Há ainda estudos que mostram que quem abraça bastante corre menos risco de pegar infecções – o que não deixa de ser irônico em uma pandemia -, porque as manifestações de afeto baixam os níveis de tensão que enfraquecem o sistema imunológico. Abraços, beijos e contatos íntimos fazem parte da própria essência humana, mas ele estão, pelo menos por ora, suspensos pela onipresença da Covid-19. Como será quando o vírus passar?

A ausência de carinhos caiu como um raio sobre gente que nem sabia que sentia falta deles. Seja porque a cultura brasileira é calorosa, seja porque as conexões cerebrais exigem, os especialistas têm certeza deque, ao contrário do home office e do delivery – atividades que, sim, vieram para ficar, mas que de alguma maneira esfriam as relações humanas -, a interdição dos contatos de primeiro grau vai cair ladeira abaixo assim que o novo coronavírus deixar de ameaçar a vida das pessoas. ” Uma pandemia não será suficiente para mudar a cultura brasileira”, diz Stella Schrijnemaekers, socióloga e antropóloga da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp-SP). De fato, mudanças profundas em padrões de comportamento podem levar uma geração inteira para se firmarem, mas é pouco provável que, em 2021, os abraços apertados estejam de volta à rotina. Por um tempo, e só por um tempo, as pessoas ainda estarão temerosas de contaminar seus entes queridos, e talvez ainda vão preferir praticar a proximidade com algum zelo.

Pouca coisa permaneceu igual no cotidiano desde que uma microscópica bolinha de proteína começou a pular de um organismo para outro e obrigou o mundo todo a se trancar em casa para fugir dela. Como se não bastasse a poda sumária do ato de sorrir, hoje escondido atrás da máscara, as manifestações de afeto também foram deletadas pela ameaça do vírus, para profundo pesar do caloroso povo latino. Até agora, com as restrições mais relaxadas, continua valendo o metro de distância entre indivíduos que não pertencem ao mesmo círculo íntimo. “Ainda não conhecemos tudo sobre a Covid-19. Por isso, as recomendações permanecem iguais às do início da pandemia: evitar tocar e ficar no mesmo ambiente com outras pessoas por muito tempo”, reitera o infectologista José Angelo Lindoso, da Universidade de São Paulo (USP).

A triste verdade é que não há como impedir que as gotículas orais e os contatos de superfícies pelos quais o vírus viaja contagiem quem se beija, se abraça ou executa um aperto de mão. Nos grupos de menor risco, já se permite um insatisfatório abraço rápido, de máscara, olhando um para cada lado. “Mas os mais suscetíveis, especialmente os idosos, ainda precisam evitar qualquer contato próximo com familiares que estejam saindo de casa”, adverte Lindoso. E dá-lhe senhoras e crianças trocando afetos enroladas em metros de plástico, como se estivesse uma dentro e outra fora do boxe do banheiro, e adultos encostando cotovelos – sem falar no “abraço de costas”, que requer boa dose de contorcionismo. ”O não tocar se tornou uma demonstração de cuidado e cooperação”, diz o neurocientista Paulo Boggio.

Diferente de outras culturas, em que camisetas com a frase Nota Hugger (não gosto de abraço) fazem enorme sucesso, encostar pele na pele é uma necessidade entre os latinos. “O que em outras culturas pode ser visto como deselegante é algo essencial para os brasileiros”, afirma a socióloga Stella Schrijnemaekers. Ou seja: a imagem do futuro é de abraços e beijinhos sem fim. É só ter paciência.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 12 DE FEVEREIRO

O PRÓXIMO, ALGUÉM MUITO ESPECIAL

O que despreza o próximo é falto de senso, mas o homem prudente, este se cala (Provérbios 11.12).

Desprezar e ridicularizar o próximo é uma insensatez. Tratar os vizinhos com desdém é uma falta de bom senso. Jesus contou uma parábola para mostrar que devemos amar o nosso próximo, não apenas de palavras, mas de fato e de verdade. Ele falou sobre o homem que caiu nas mãos dos salteadores, foi despojado de seus bens e acabou largado à beira da estrada, ferido e agonizante. O sacerdote e o levita, homens religiosos, passaram por ele e o deixaram entregue à sua desdita. O samaritano, porém, ao ver o homem caído, pensou-lhe as feridas, levou-o para um lugar seguro e tratou dele. É assim que devemos agir com o próximo, seja ele um parente ou um estrangeiro, um amigo ou um desafeto. Nosso papel não é humilhar as pessoas nem nos omitir quando elas precisam de socorro. Nossa função não é espalhar boatarias para jogar uma pessoa contra a outra, mas colocar guardas na porta dos nossos lábios e falar somente aquilo que edifica e espalha graça aos que ouvem. O coração e a língua podem ser fontes de vida ou podem ser laboratórios nos quais se fabricam os mais letais venenos. O próximo é alguém muito especial. Devemos honrá-lo e protegê-lo, em vez de desprezá-lo. O amor ao próximo é a evidência do nosso amor a Deus e o cumprimento da lei e dos profetas.

GESTÃO E CARREIRA

ENTREGA A CAMINHO

A logística forma as veias e artérias da economia. E agora, com a ascensão definitiva das compras online, ela ganha um papel ainda mais central. Veja como é trabalhar na área.

Sem logística, não existe comércio. Na Suméria da Idade do Bronze (3000 a.C.), não havia bronze. Esse metal é uma liga de cobre e estanho, e era o favorito da época para a fabricação de armas. Os sumérios, que viviam onde hoje fica o Iraque, precisavam do comércio para obter as matérias-primas do bronze. A fonte de estanho ficava 700 quilômetros ao Norte, no atual Irã. A de cobre, 1.200 quilômetros ao Sul, pelo mar, onde hoje estão os Emirados Árabes.

Comerciantes, então, levavam tecidos e grãos, em caravanas e barcos, para esses lugares. E voltavam carregados de cobre e estanho para revender nas vilas sumérias. Graças a essa rede logística, a Suméria floresceu. E teve tempo para criar certas novidades: os centros urbanos e a escrita – que começou como uma forma de registrar quantidades de grãos e de cobre, e logo evoluiu para a poesia, a literatura. Sem logística, não teríamos nada disso.

E não teríamos este país continental onde você está sentado agora. O Brasil é uma obra da logística. Para o bem e para o mal, o país sempre dependeu de exportação de matéria-prima – no século 17, açúcar; no 18, ouro; no 19, café; hoje, soja, minério de ferro, petróleo, celulose, carne. A logística move toda a economia, e as empresas em transporte e entregas correspondem a 4% do PIB – com um faturamento de RS 201 bilhões. Além disso, a logística gera 1,5 milhão de postos de trabalho diretos e indiretos, de acordo com dados da Associação Brasileira de Operadores Logísticos.

Claro que o setor não passou imune à Covid-19. Em março, a Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística registrou uma redução de 38,6% no volume de cargas nas estradas. Além disso, 85,3% das empresas do segmento perceberam queda na demanda. Culpa da baixa nas exportações.

Enquanto a indústria e o agronegócio sofriam, porém, o varejo e o comércio eletrônico bombavam. Nos três primeiros meses da pandemia o número de compradores online subiu 70% – até então as estimativas da AB­Comm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico) eram a de que uma alta assim, levaria dez anos para se materializar. Rolou 40 vezes mais rápido.

Com isso, diversas empresas aproveitaram para investir nas suas áreas de logística. O Mercado Livre, por exemplo, lançou a sua própria frota de aviões de carga, formada por quatro aeronaves alugadas, todas pintadinhas de amarelo, a cor da empresa. Já a Amazon trouxe para o Brasil o seu programa monstruoso, de logística, que reúne pequenas companhias de entrega para agilizar o envio de encomendas.

É um fenômeno global, como não poderia deixar de ser. A empresa de capital de risco 500 Startups, que apoia empreendedores em mais de 75 países, identificou um aumento de 32% nos investidores interessados em startups de logística pelo mundo.

NOVO PAPEL

Um indício da importância que a área vem ganhando (não só na pandemia, mas nos últimos anos) é a ascensão de especialistas em logística para a diretoria-geral de certas empresas. Um exemplo disso é o CEO da Natura América Latina; antes de assumir a presidência em 2016, João Paulo Ferreira atuou na área de supply chain – essencialmente logística, que cuida da compra de matéria-prima até a entrega ao cliente.

“Com o crescimento da demanda, o mercado tem dificuldade de encontrar profissionais experientes no segmento. Hoje existem cursos de tecnólogo na área e as graduações em administração e engenharia da produção estão preparadas para formar esse         profissional. Mas antes a logística não fazia parte da grade curricular das faculdades”, diz Pedro Moreira presidente da Abralog (Associação Brasileira de Logística).

E formação precisa ser sólida. Para trabalhar com logística hoje é preciso ter familiaridade com uma miríade de softwares de gestão, como sistemas de gerenciamento de armazém (WMS) e de transportes (TMS).

DAS EMBALAGENS PARA A SUPERVISÃO

Anara Andrade da Cruz, de 35 anos, completou, agora em janeiro, dez anos na área de logística. Natural de Jundiaí, começou como auxiliar de embalagem na Cnova – a empresa fazia parte do Grupo Casino e era responsável pelo comércio eletrônico das marcas da multinacional; em 2019, ela foi totalmente incorporada à Via Varejo. Cinco meses depois de começar nas embalagens, Anara foi promovida a ajudante operacional, e se tornou a primeira mulher da companhia a operar uma trans paleteira, que é um equipamento de movimentação de carga. “Quando fui fazer o curso preparatório para poder operar a máquina, eu era a única mulher na sala. E teve aquele burburinho de (nossa, uma menina vai fazer isso).” De fato, a área de logística é bem masculina. A Abralog estima que 60% dos trabalhadores do setor sejam homens.

Mas isso não impediu o desenvolvimento profissional de Anara; ela passou pelo cargo de conferente (que é quem verifica todos os produtos que vão para a entrega) antes de ser promovida para supervisora de logística, em 2015. “A ideia de que esse é um trabalho para homens está sendo quebrada aos poucos. Recentemente, uma funcionária minha foi promovida para auxiliar de empilhadeira, e dei todo o apoio.”

Para assumir o cargo de liderança, ela precisou fazer a graduação como tecnóloga em logística, mas ressalta que o diferencial mesmo está nas habilidades comportamentais. “A parte técnica, você aprende no dia a dia. O primordial é saber lidar com as pessoas, ser criativa e ter muita resiliência, porque as coisas mudam rápido.”

De fato. Quando a demanda aumenta abruptamente, como aconteceu com a do comércio eletrônico em 2020, o profissional da área precisa encontrar maneiras de agilizar o trabalho – como reorganizar a equipe para ter mais gente atendendo as áreas mais sobrecarregadas além de considerar novas tecnologias que deixem os processos mais azeitados.

E ainda aquela característica que provavelmente é a mais importante desde os tempos da Suméria: as relações humanas. “Tenho 60 pessoas na equipe e todos os dias preciso direcionar as demandas, saber ouvir e manter todo mundo engajado. Dirigir a paleteira é bem mais fácil do que gerir pessoas.”

UM DIA NA VIDA

ATIVIDADES-CHAVE

Trabalha na compra de suprimentos e equipamentos, controla a estocagem de produtos, acompanha as operações de embarque e desembarque de carga, processa os pedidos, planeja as entregas.

PRINCIPAIS COMPETÊNCIAS

Por ser uma atividade dinâmica, o profissional precisa saber trabalhar sob pressão e em equipe, além de ser ágil, resiliente e organizado. Nas habilidades técnicas, o destaque fica para o conhecimento de softwares de controle de armazém e de rastreio de mercadorias.

PONTOS POSITIVOS

O mercado de trabalho é amplo e também oferece vagas fora do eixo Rio-São Paulo. Alguns polos importantes estão no Centro-Oeste, Sul e Zona Franca de Manaus.

PONTOS NEGATIVOS

Na logística não tem essa de horário comercial. Muitos profissionais, principalmente aqueles do operacional, trabalham no período noturno ou de madrugada. Além disso, dependendo do setor econômico da empresa, os trabalhadores ainda precisam lidar com produtos químicos ou ficar muito tempo em locais barulhentos. Por outro lado, o profissional recebe adicional noturno, de periculosidade e de insalubridade.

O QUE FAZER PARA ATUAR NA ÁREA

Graduação em Administração e Engenharia de Produção ou um curso de tecnólogo em logística. O conhecimento de um segundo idioma, como inglês ou espanhol, é fundamental quando o trabalho envolve importações e exportações. Uma pós-graduação na área também é vista com bons olhos pelas empresas.

QUEM CONTRATA

Empresas de entrega, transportadoras, companhias de varejo, e-commerce, manufaturados e agronegócio.

SALÁRIO: Até R$ 4 mil

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

DA CULTURA À PERVERSÃO

O ato de comer carne humana, praticado por culturas ancestrais e durante alguns períodos de extrema escassez, representa a concretização de fantasias sexuais sádicas que indicam problemas na constituição da identidade

O técnico de informática alemão Armin Weives era um homem comum, parecia pacífico e solitário. Sua vida mudou da água para o vinho depois de um bizarro jantar, que lhe rendeu prisão perpétua cinco anos depois.

O prato principal foi o pênis do engenheiro Bernd Juergen Brandes, que, aliás, também degustou a macabra iguaria, antes de ser assassinado, esquartejado, comido paulatinamente nos dias seguintes. A história começara meses antes, quando Weives colocou um anúncio na internet procurando alguém que quisesse ser morto e devorado. Brandes mostrou-se disposto e concordou em ter o membro sexual amputado, flambado e servido antes do suspiro final. Todo o ritual foi filmado. O crime cometido em 2001 só veio à tona no ano seguinte. Durante o inquérito, Weives, que ficou conhecido como o canibal de Rotemburgo, confessou tê-lo cometido com motivações sexuais. Em agosto deste ano outro caso de canibalismo chocou os europeus. Após terem sido avisados por vizinhos, policiais de Viena prenderam Robert A por ter assassinado e comido partes do corpo (entre elas o cérebro) de Joseph S. Ambos sem-teto, eles viviam juntos num apartamento cedido pelo serviço social do governo austríaco.

Casos de canibalismo aparecem no noticiário de tempos em tempos, indicando que o fenômeno é mais frequente do que ousamos pensar. Quem tiver estômago para pesquisar na internet vai encontrar instruções detalhadas de desmembramento do corpo humano, sempre associadas a conteúdos de temática sexual, que mais parecem guias para o abate de animais. Afinal, como explicar esse fenômeno que à maioria de nós é tão repugnante?

FORÇA E CORAGEM

As práticas canibais, ou antropofágicas, são tão antigas quanto a humanidade. Um tipo bem documentado é o canibalismo famélico, que aparece em períodos de extrema escassez de alimentos, como aconteceu na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) ou no cerco a Leningrado (hoje São Petersburgo) durante a Segunda Guerra Mundial. A queda de um avião na cordilheira dos Andes, em 1972, mostrada nas telas do cinema, expôs o drama dos sobreviventes que, para não morrer de fome, se alimentaram da carne das vítimas do acidente.

O canibalismo como ritual é um fenômeno bem diferente. Em culturas antigas, como a dos habitantes originais da Indonésia, Austrália e Nova Zelândia, o consumo de carne humana tinha como objetivo incorporar atributos dos mortos, como força, coragem, integridade, e só deixou de ser praticado no século XX. Na Amazônia, os índios ianomâmis até hoje adicionam cinzas funerárias a uma pasta de banana, usada em vários pratos, para entrar em contato com a alma do que já partiram. Em muitas outras culturas, as práticas antropofágicas consistiam no consumo de alguma parte do corpo, como o coração ou o cérebro, o que causou uma epidemia de kuru, doença neurológica degenerativa causada por uma proteína patogéica príon), na Papua Nova Guiné, nos anos 60. Os rituais canibalísticos; porém nem sempre tiveram cunho religioso. Para se vingar do adversário vencido possivelmente assimilando sua força muitas batalhas e guerras do passado terminavam em cerimônias nas quais os prisioneiros eram servidos como prato principal, como acontecia entre os índios da América pré-colombiana e os chineses que viveram sob a dinastia Chou (1122 a.C. -255 a.C.).

A disseminação do cristianismo no Ocidente e do islamismo no Oriente foram duas importantes forças repressoras dos rituais canibais de modo que, quando o fenômeno volta a ocorrer, ainda que esporadicamente, nos dias de hoje, está sempre associado a indivíduos de alguma forma deslocados na sociedade, quase sempre portadores de transtorno psíquicos. Trata-se do canibalismo patológico.

O risco de um esquizofrênico sem tratamento adequado cometer um crime de morte é bem maior que o de uma pessoa saudável. Durante a fase aguda de surto, muitos pacientes são tomados pela sensação de “dissolver-se”. Nesse caso, o ato canibal pode ser a última tentativa desesperada de ter de volta o próprio corpo. Assolado por alucinações paranoides, o indivíduo se sente perseguido, ameaçado por forças que o fazem se sentir predestinado ou alçado a uma condição superior. As vozes imaginárias podem sugerir, por exemplo, que a ingestão de carne humana o tornará imortal ou libertará o mundo das forças do mal. Esse foi precisamente o caso de Paul Reisinger, que assassinou seis mulheres entre 1779 e 1786 na Áustria. Ele estava convencido de que comendo o coração ainda palpitante das jovens obtinha sorte no jogo e podia se tornar invisível.

É preciso deixar claro, no entanto, que os atos de canibalismo são exceções entre os delitos violentos praticados por esquizofrênicos durante episódios de psicose aguda. Sempre que esses crimes estiveram associados a transtornos psíquicos, e foram devidamente julgados, os réus foram considerados criminalmente inimputáveis e encaminhados para clínicas psiquiátricas, onde ficaram sob a custódia da Justiça. Embora raros, os casos de canibalismo patológico costumam estar associados a transtornos graves de personalidade e perversão de natureza sádica.

PERVERSÃO SÁDICA

A antropofagia é um componente habitual das relações afetivas e sexuais. Os atos de beijar, morder e chupar fazem parte do repertório das carícias trocadas entre pais e filhos e entre casais; expressam proximidade emocional e desejo de ter o outro, simbolicamente, “dentro de si”. Esse desejo erótico de incorporar a pessoa amada transparece quando se diz que alguém é “gostoso” ou quer “comer” o outro. A fantasia de devorar ou ser devorado também está presente em diversas fábulas e brincadeiras de crianças e adultos.

Quando o canibalismo se converte em crime sexual, no entanto, raiva e agressividade são dois componentes quase sempre presentes. Depois de deglutir o amante, Armin Weives disse que seu ato tinha sido “como um casamento, algo que o alçou a uma condição sobrenatural… Eu tinha a esperança de que ele se tornasse parte de mim”. Enquanto o matava e o esquartejava, desfrutou um estado eufórico que combinava ódio e alegria.

Outro canibal famoso, o japonês lssei Sagawa, que comeu sua professora de alemão em 1981, deixou um registro escrito da cena: “Corto seu corpo e levo a carne à boca inúmeras vezes. Então fotografo seu cadáver branco com ferimentos profundos. Faço sexo com seu corpo. Quando a abraço, ela emite um sopro, me assusto, ela parece viva. Eu a beijo e digo que a amo. Então, arrasto seu corpo para o banheiro. A essa altura estou exausto, mas corto sua anca e coloco a carne em uma assadeira. Depois de cozida, sento-me à mesa usando suas roupas de baixo como guardanapo. Elas ainda têm o cheiro de seu corpo”.

O crime foi cometido na França. Sagawa, um estudante de literatura de 33 anos, matou a tiros a holandesa Renée Hartevelt, de 25 anos. Pedaços dela, cuidadosamente embrulhados, foram encontrados na geladeira dele. Ele não resistiu à prisão e confessou o crime. Foi levado para uma clínica psiquiátrica francesa, onde foi classificado como “psicótico intratável”. Depois de repatriado ao Japão, deixou o hospital em 1985, graças à pressão do pai, um rico empresário, e hoje é uma espécie de ídolo pop bizarro.

Crimes como os de Sagawa e de Weives representam o ponto final de uma evolução perversa sexualmente sádica. Para compreender o fenômeno, é interessante analisar como surge a perversão sexual, que não contém necessariamente o elemento sádico.

O psiquiatra e psicanalista Robert J. Stoller (1924-1991), da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em Los Angeles, reconheceu nessa modalidade de canibalismo uma forma de ódio erótico cujas raízes estão no desenvolvimento, na infância, da identidade masculina: o bebê se sente fundido à mãe, seu corpo e seu psiquismo não existem separados da pessoa que lhe serve de referência no mundo. Com base na teoria da psicanalista Melanie Klein é possível pensar que, no decorrer do processo de individuação, o garoto se reconhece como possuidor de um corpo próprio, de homem, não de mulher. Então lutará constantemente contra uma nova fusão com a mãe que, no desenvolvimento de sua identidade masculina, pode se converter temporariamente em uma “mãe má”.

No ritual canibal perverso esse elemento do “mal” se projeta no objeto a ser destruído. Por outro lado, a assimilação da carne serve para restabelecer a ligação simbiótica original. Segundo Stoller o cerne da perversão é a raiva e o ódio provavelmente resultantes de frustrações vividas na infância no tocante à sexualidade. Doenças e humilhações, e o sofrimento a elas inerente, são renegados ou convertidos no próprio triunfo.

O psiquiatra e psicanalista alemão Ebehard Schorsch (1935-1991) analisou os aspectos da perversão sexual. Segundo ele, as fases da perversão se dividem em quatro.  Na primeira, fantasias sexuais desviantes já se mostram intensas, mas só emergem esporadicamente. Na segunda, aparecem com regularidade, como penosos conflitos. Na terceira etapa a sexualidade quase não pode ser vivenciada sem essas fantasias e os desencadeadores da crise são mais debelados. Neste ponto, o processo se torna irreversível. Finalmente, na última fase as fantasias sexuais desviantes transformam-se em novos rituais e passam a ocupar espaço cada vez maior.

A encenação perversa serve-se principalmente da exploração do medo e da tensão. Com isso o indivíduo se vê aliviado das agressões e consegue levar uma vida discreta, sem levantar suspeitas. Seus pensamentos e sentimentos, porém, denunciam uma identidade masculina fragilizada e se ocupam basicamente com delírios de potência e poder, busca de proximidade e calor, defesa contra diversos medos e, entre eles, o de ser abandonado ou “engolido” por uma mulher. A obsessão sexual também é uma forma de repelir essas aflições. Em geral, as pessoas com sintomas perversos não chegam a ter uma sexualidade saudável, já que toda sua intimidade está impregnada pelo medo.

Já o sádico experimenta satisfação na total dominação do objeto sexual. Por meio do aviltamento e do suplício ele consegue a submissão absoluta da vítima, o que o desloca para uma posição equivalente à divina. Há também demonstrações de raiva e ódio, por meio das quais o outro é “despersonalizado”. Quase sempre essa encenação assume contornos violentos e obedece a regras estritas.

INFLUÊNCIAS SOCIAIS

Um modelo detalhado de perversão sexual sádica foi proposto em 2001 pelos psicólogos Bruce A. Arrigo e Catherine E. Purcell, da Escola Califórnia de Psicologia Profissional em Fresno. Eles partem do princípio de que os traços de sadismo se originam em experiências de violência e de humilhação vivenciadas na infância e na adolescência, mas adquirem vigor por meio de fatores predisponentes, como influências sociais, ou genéticas. segundo os pesquisadores, alguns indivíduos que se privam de experiências emocionais para evitar mais frustrações e se evadem em fantasias compensatórias, em que predominam solidão, masturbação e conteúdos perversos, paulatinamente se distanciando da vida social. O prazer sexual o entusiasma e preenche temporariamente seu vazio. A perversão substitui o contato humano e, em certa medida, atua como um elemento compensatório, assim como um bicho de pelúcia ajuda a criança pequena, durante algum tempo, a vencer a separação da mãe. No caso do boneco macio, denominado objeto transicional pelo psicanalista inglês Donald D. Winnicott, costuma haver um investimento afetivo temporário. Essa fase é ultrapassada no desenvolvimento saudável, mas nos casos patológicos permanece estagnada.

Modelos e teorias ajudam a entender por que algumas pessoas adotam um comportamento tão macabro. Alguns, porém, conseguem desfrutar fantasias sádicas, sem convertê-las em atos criminosos, ao passo que outros ultrapassam os limites da razão e praticam atrocidades. É provável que nestes últimos persista a sombra de graves distúrbios na relação afetiva entre a criança e a pessoa que cuidava dela de maneira mais próxima em seus primeiros meses de vida. Experiências negativas durante a primeira infância podem promover alterações neurobiológicas muitas vezes irreversíveis. Inversamente, é possível que anomalias cerebrais preexistentes interfiram no desenvolvimento psíquico.

RITUAIS, SACRIFÍCIOS E INIMIGOS ASSADOS

Foi o historiador e cronista grego Heródoto, do século V a. C, o primeiro a abraçar a complicada tarefa de analisar e classificar o fenômeno do canibalismo. Foi ele que cunhou a palavra “antropofagia” (fusão de antropos, que significa “homem”, e phagein, comer), até hoje a mais apropriada para designar o ato de comer carne humana. O termo canibal apareceu no século XVI, quando a esquadra de Cristóvão Colombo passou pelas Pequenas Antilhas, conhecidas hoje como Caribe. Os índios que habitavam essas ilhas tinham o hábito de comer carne humana em rituais religiosos e se designavam “cariba”, que não era o nome deste povo como concluíram os espanhóis, mas um adjetivo que significava bravo, “corajoso”. Um erro de pronúncia dos europeus criou a palavra “caniba”, que rapidamente passou a descrever toda e qualquer cultura, invariavelmente inferior, que consumisse indivíduos da mesma espécie.

Os hábitos dos índios caribenhos espantaram os colonizadores espanhóis, mas nada que se compare ao que eles viram quando chegaram ao antigo México. Ao entrar em território asteca, a expedição do conquistador Hernán Cortez encontrou corpos semidevorados espalhados ao longo de estradas e homens enjaulados aguardando serem consumidos. Durante a conquista daquelas terras, Cortez testemunhou muitos de seus homens serem capturados, sacrificados e devorados.

O primeiro relato objetivo de canibalismo foi feito no Brasil pelo navegador alemão Hans Staden. Depois de naufragar na costa brasileira, Staden foi capturado por uma tribo tupinambá, na qual presenciou diversos rituais canibais. De volta à Europa, descreveu a experiência no livro Duas viagens ao Brasil (Edusp, 1974). Em uma das histórias, Staden conta que as crianças para as quais ele ensinava música acabaram assassinadas e usadas numa sopa que ele consumiu sem saber dos ingredientes. O alemão só se deu conta do que havia ocorrido quando viu, no fundo do caldeirão, os pequenos crânios.

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