A PREPOTÊNCIA DAS BIG TECHS

Conforme cresce a rentabilidade e o poder dos gigantes da internet, aumenta também sua prepotência. A mais recente manifestação disso ocorre agora na Austrália, onde Facebook e Google ameaçaram bloquear o acesso a seus sites. A justificativa para essa medida extrema? É que o governo australiano insiste que as duas empresas paguem um pequeno royalty aos jornais locais e a outros provedores que geram o conteúdo comercializado por elas.
Ao mesmo tempo, iniciou-se nos Estados Unidos um debate sobre a decisão de Facebook e Twitter de excluir Donald Trump de suas plataformas. A ação ganhou muito apoio popular depois que o agora ex-presidente incitou um ataque ao Capitólio, mas surgiram também perguntas e dúvidas pertinentes. Por que proscrever Trump e não outros demagogos uJtradireitistas, como o turco Erdogan, o húngaro Orbán, o indiano Modi e Bolsonaro? E os demagogos de esquerda, como o venezuelano Maduro? Quais os critérios usados para banir um e permitir que o outro siga espalhando mentiras? Não é um precedente perigoso?
Apoio a exclusão de Trump: além do prazer de não ter mais de ler nem ouvir suas asneiras, ele usou as redes sociais para incitar uma insurreição e merece a punição que está sofrendo.
Mas não gosto da ideia de outorgar a apena uma pessoa, como Mark Zuckerberg, o direito de tomar decisões que regulam a praça pública virtual no mundo inteiro, apenas porque é um homem riquíssimo. Como o filme A rede social deixou bem claro, o cara é completamente sem escrúpulos. Então, como perguntou o poeta romano Juvenal há 2 mil anos: Quis custodiei ipsos custodes? Quem vai vigiar o próprio Zuckerberg?
A maneira como esses problemas são resolvidos é muito importante para o Brasil, e não apena devido à questão de como frear Bolsonaro e as fake news. Para algumas plataformas, como Uber, o Brasil é seu segundo maior mercado, e me pergunto: Quem está pensando nos direitos laborais dos motoboys mal pagos que correm nas ruas das principais cidades brasileiras? O pai também foi durante anos o principal sustento da genial rede social inovadora Orkut, que abrigou toda uma comunidade vibrante até ser esmagada pelo Facebook. O mundo não perdeu algo com seu desaparecimento?
Repetidamente, temos observado que os gigantes do Vale do Silício tentam evadir-se de leis que outras empresas aceitam como normais. É como se a função deles fosse tão fundamental e extraordinária que merecesse isenção. Durante anos, a Amazon lutou contra qualquer lei americana, federal ou estadual, para tributar a venda de produto online – uma lacuna legal que proporcionou à empresa uma vantagem competitiva artificial e não merecida. Agora, está lentando bloquear toda tentativa de sindicalizar seus empregados, que trabalham muito, ganham pouco e aguentam condições insalubres – tudo para que Jeff Bezos, o dono, possa lucrar e seguir seu sonho de viajar para a Lua.
Mas minha anedota favorita referente à Amazon tem a ver com o nome da empresa. Por volta de 2005, vários negócios brasileiros foram processados nos Estados Unidos sob a alegação de que usurpavam uma marca registrada. Isso mesmo: a empresa americana de Seattle quis impedir que firmas brasileiras, muitas com matriz na Amazônia, comercializassem nos Estados Unidos produtos como sabonete, doces, bebidas e óleos fragrante com o nome Amazon. Pior ainda, algumas das empresas brasileiras acabaram mudando de nome porque não tinham recursos suficientes para contestar a ação legal da Amazon: bastava uma carta intimidatória do Golias e Davi cedia
Agora estamos presenciando a ameaças e arrogância dos serviços de “carona remunerada”, tipo Uber e Lyft. Quando a Califórnia aprovou, em 2020, uma lei classificando os motoristas como empregados, com direito a plano de saúde e outros benefícios, qual foi a resposta dele? Recorreram à chantagem, como Facebook e Google fazem hoje na Austrália. Simplesmente burlaram a nova lei e ameaçaram se retirar do estado cuja economia equivale à quinta maior do mundo. Funcionou: o eleitorado priorizou a comodidade própria em detrimento dos direitos de outrem e, na eleição de novembro, aprovou uma proposta que define como “empreiteiro independente” motoristas e entregadores das duas empresas.
Como, então, enfrentar o oligopólio das BigTechs que ameaçam estrangular a inovação na internet, minar nossas instituições políticas, deturpar o discurso público e fazer o estado curvar-se perante sua vontade? Confesso que não sei, embora eu goste da ideia de, como primeiro passo, desmembrá-lo. Deixo os detalhes para os advogados e legisladores. Mas sei de uma coisa com absoluta certeza: uma empresa que só consegue lucrar por meio de um plano de negócios brutalmente exploratório não merece existir. Que mude de plano ou desapareça.
*** LARRY ROHTER – é jornalista e escritor. É ex- correspondente do New York Times no Brasil e autor de Rondon, uma biografia
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