HABILIDADES COMPORTAMENTAIS DA LIDERANÇA
Ao contrário do que muitos imaginam, trabalhar em equipe exige aprendizado; para formar grupos eficientes é fundamental treinar habilidades colaborativas e recompensar as pessoas com base no desempenho coletivo
“Houston, we have a problem.” Essa frase ficou mundialmente conhecida quando a Apollo 13, terceira missão tripulada do projeto Apollo, teve o pouso na lua abortado, em abril de 1970, devido a um problema técnico. Um dos tanques da nave espacial explodiu, colocando a tripulação em perigo. Engenheiros da Nasa foram reunidos às pressas para encontrar uma maneira de trazê-la de volta à Terra, sã e salva. Conseguiram. E transformaram um desastre potencial numa lenda sobre a eficiência do trabalho em equipe.
A importância da cooperação tem sido cada vez mais discutida nos eventos empresariais e institucionais, assim como entre especialistas em gestão e psicologia organizacional. O esforço coletivo vem ganhando relevância num mundo impulsionado pela globalização e pelas tecnologias de informação e comunicação. Ainda assim, o tema parece cercado por paradoxos. Por um lado, a história humana é basicamente uma narrativa de pessoas que trabalham juntas para explorar, realizar e conquistar coisas. Por outro, é impressionante que a sociedade contemporânea ainda dê tanta importância ao individual. É com essa perspectiva que educamos nossos filhos, contratamos, treinamos e recompensamos nossos colaboradores. E ainda assim, acreditamos – ingenuamente – que indivíduos lançados numa equipe criada sem qualquer planejamento ou treinamento, possam ser eficientes e bem sucedidos. O que a ciência sugere é exatamente o contrário.
Revisamos os estudos científicos sobre trabalho coletivo publicados nos últimos 50 anos e identificamos fatores que caracterizam as melhores colaborações. Observamos que o que os membros de uma equipe pensam, sentem e fazem fornece pistas fundamentais para predizer o sucesso da empreitada conjunta. O próprio comportamento do grupo também sugere maneiras eficazes de compor, treinar e liderar. Embora a sociedade aparentemente valorize o trabalho em equipe, o modo como as organizações gerenciam seus colaboradores frequentemente vai contra o que as evidências (e até o senso comum) apontam como correto. Parece óbvio, por exemplo, que os grupos precisam de recursos suficientes para cumprir as metas estabelecidas. Ainda assim, nesta era de enxugamento e cortes, é necessário questionar a sensatez de muitos administradores que acreditam ser sempre possível realizar mais com menos.
Além disso, as empresas geralmente premiam as pessoas com aumentos de salário, bônus e promoções com base no desempenho individual – e não coletivo. Esses incentivos frequentemente inibem a disposição dos indivíduos para trabalharem juntos, mesmo quando isso é vital para o cumprimento da tarefa. O sucesso exige um delicado equilíbrio entre satisfazer as metas da equipe e as dos indivíduos que fazem parte dela.
Antes de formar um grupo de trabalho é preciso fazer uma pergunta crucial: ele é realmente necessário? Em algumas empresas as tarefas são reestruturadas para se tornarem responsabilidade coletiva, mesmo quando poderiam ser facilmente realizadas por um único indivíduo. Resultado: mais que ajudar, o esforço conjunto acaba atrapalhando. Outra questão: qual a estrutura mais adequada a cada equipe? Em certos casos, a pessoa pode agir de forma independente por longos períodos, checando e consultando ocasionalmente seus pares. Em outros, a tarefa exige alto grau de coordenação dos integrantes, como é o caso dos cirurgiões.
A tarefa determina o foco principal das atividades, e a forma como os indivíduos realizam seus deveres determina a eficiência do conjunto. Por esse motivo a abordagem das pesquisas em psicologia organizacional toma a tarefa como ponto central para entender a dinâmica e o desempenho coletivos. (Em contraste, o enfoque tradicional da psicologia social está nas interações entre os pares; o trabalho serve meramente como contexto.) Assim, a tarefa define as exigências mínimas para o conjunto de recursos – conhecimento, aptidões, habilidades e outras características como personalidade, valores) – disponíveis naquele grupo.
Uma das coisas mais importantes que uma equipe tem para oferecer é sua produção intelectual. Para a obtenção de qualquer resultado, porém, é imprescindível o domínio das ferramentas e a compreensão da tarefa, das metas das exigências de desempenho e dos problemas que vão encontrar pela frente. Uma parte desse conhecimento pode ser comum a todos os colaboradores, enquanto certos indivíduos apresentam aptidões ou know how especializados. A capacidade de identificar e utilizar com eficiência todos esses atributos individuais de forma coordenada é uma das características das equipes bem-sucedidas.
Um experimento de 1995 realizado pela psicóloga Wei Liang, na época professora da Universidade de Minnesota, demonstrou como cada integrante tira proveito do conhecimento coletivo quando aprende com a equipe. A pesquisadora treinou universitários, sozinhos ou em grupos de três, na montagem de rádios. Uma semana depois, eles foram testados novamente e comparados a outros indivíduos e grupos recém-treinados. As pessoas que haviam passado por treinamento coletivo se lembraram de mais detalhes dos procedimentos, construíram rádios melhores e exibiram mais confiança durante o trabalho. Os grupos recém-formados tiveram mais problemas para harmonizar os conhecimentos e aptidões dos pares, em parte porque sabiam menos sobre os pontos fracos e fortes de cada um. A psicóloga Linda Argote, professora da Universidade Carnegie Mellon em Pittsburgh, estudou o efeito da rotatividade individual na produção de pássaros de origami. Novamente, grupos de três treinaram juntos e durante seis encontros com a mesma duração tiveram de fazer o maior número possível de dobraduras. Os times cuja formação não foi alterada produziram significativamente mais que aqueles nos quais os integrantes foram substituídos, sugerindo que certos conhecimentos foram perdidos com os remanejamentos.
Em outro estudo, o especialista em comportamento organizacional Kyle Lewis, da Escola McCombs de Administração da Universidade do Texas, observou que o desenvolvimento da habilidade de uma equipe de reunir o conhecimento distribuído exigia interações cara a cara. Nos grupos que se comunicaram exclusivamente por telefone ou e-mail, a aptidão simplesmente não aparecia. Essa evidência é extremamente relevante num cenário globalizado em que o trabalho remoto, isto é, realizado e coordenado a distância, conquista cada vez mais espaço. Isto deveria motivar esforços combinados para entender os motivos de tais barreiras e verificar se webcams, videoconferências ou outras tecnologias de interação em tempo real poderão ajudar a resolver o problema. Por ora, talvez, a melhor solução seja garantir alguns encontros reais entre os membros da equipe ao longo do projeto.
Os elementos mais importantes para o trabalho coletivo parecem ser as aptidões não específicas. Algumas das pesquisas nesta área concentram-se nos comportamentos que prejudicam o desempenho e o chamado “espírito de equipe”. Os “folgados”, por exemplo, que se apoiam no esforço alheio, costumam provocar discórdia. Este tipo de comportamento pode ser limitado com a exigência de que as contribuições de todos sejam claras e definidas.
ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS
Nas melhores equipes os indivíduos têm consciência do desempenho uns dos outros, oferecem cobertura para os pares sempre que necessário, estabelecem metas, coordenam ações, comunicam-se com eficiência, tomam decisões, resolvem conflitos e se adaptam às mudanças circunstanciais e às novas ideias. Para obter esse funcionamento é preciso um aprendizado que se dá em um processo dinâmico e ajuda a moldar e melhorar o grupo ao longo do tempo – e nesse caso o líder tem papel importante.
Antes da ação por exemplo, ele ajuda a definir metas de acordo com as capacidades e metas da equipe. Durante a execução do trabalho, monitora o desempenho do grupo e intervém quando necessário. Se a equipe se afasta do objetivo, o líder faz o diagnóstico das deficiências e reorienta o processo. Não se buscam culpados para o fracasso, mas soluções para tornar a ação mais eficiente. Este ciclo se repete, e a complexidade das metas (e também do aprendizado) aumenta sucessivamente com a acumulação e desenvolvimento de novas aptidões coletivas. Há evidências de que esse tipo de procedimento melhora previsivelmente o raciocínio e o desempenho da equipe.
No entanto, há um detalhe curioso por trás dessa dinâmica. Se, por um lado, o feedback dirigido aos indivíduos melhora o desempenho individual à custa do desempenho coletivo, por outro, a atenção direcionada à equipe melhora o desempenho coletivo à custa da performance individual. Assim, se os dois tipos de feedback são fornecidos, é impossível melhorar sensivelmente ambos os níveis de desempenho. As evidências sugerem que os líderes precisam saber exatamente o que desejam salientar em cada grupo para então estabelecer sistemas de apoio. Convém que as medidas sejam adaptativas, alterando o equilíbrio de acordo com as necessidades do momento.
Em alguns casos, em especial nas forças armadas e na aviação, o treinamento “em serviço” pode ser complementado com simulações sofisticadas e realistas de missões de combate ou de decolagens e aterrissagens. Este enfoque virtual está começando a se disseminar em outros setores, como a medicina, embora na maioria dos casos a melhor situação para desenvolver aptidões de equipe seja “ao colocar as mãos na massa”. A proficiência geral no trabalho coletivo parece ser uma das áreas em que o treinamento em sala de aula surte mais efeito, talvez por que aptidões genéricas não estejam relacionadas a um serviço específico. Pesquisa realizada sugere que o conhecimento de competências não-específicas pode melhorar significativamente com apenas 30 minutos de treinamento individual.
Embora diversas aptidões possam ser ensinadas, isso raramente acontece; há poucas experiências de ensino, em nível médio ou universitário, nas áreas de liderança e gerenciamento de equipes. É bem mais tarde, já na pós-graduação, que esse tipo de curso é oferecido, geralmente voltado mais para a transmissão de conhecimento factual que para o desenvolvimento de habilidades. Fizemos a amostragem de vários programas de MBA nos Estados Unidos e constatamos que menos da metade tinha em sua lista uma disciplina dedicada exclusivamente a esses temas.
Além disso, embora não seja raro que os professores – do ensino básico ao superior – incluam tarefas coletivas nas quais os alunos podem treinar habilidades coletivas, o foco da avaliação geralmente está na produção do grupo – o relatório, por exemplo -, com pouca ou nenhuma atenção em orientar a natureza e a eficácia do processo.
Se o trabalho em equipe fosse ensinado às crianças, assim como a escrita e a matemática, os benefícios seriam enormes para toda a sociedade. Por enquanto, a importância do esforço conjunto costuma ser lembrada depois de grandes triunfos ou tragédias. Ironicamente, o que mais importa nessas ocasiões é a quem conceder o prêmio ou atribuir a culpa, respectivamente.
ESPIRITO DE EQUIPE E CONTÁGIO
Quando um grupo trabalha com eficácia e eficiência, é comum surgir o chamado “espírito de equipe” – há um imperativo estratégico coletivo. Isso reverte positivamente sobre o desempenho daquele grupo. Uma de nossas pesquisas mostrou que empresas de tecnologia cujos engenheiros assumiram o objetivo de permanecer atualizados em suas áreas tiveram melhor desempenho geral. Estudos realizados em grandes companhias indicam que quando uma equipe internaliza a missão de valorizar o atendimento ao cliente, os resultados não tardam a se refletir nas vendas. Da mesma forma, quando um grupo de trabalho chega ao acordo de que segurança, por exemplo, é uma prioridade, o resultado é a redução no índice de acidentes.
O espírito de equipe geralmente aparece quando há fortes laços entre seus membros. Quando se relacionam bem com o líder, tendem a compartilhar mais suas percepções. Grupos que mantêm interações sociais informais com alguma frequência também chegam ao consenso com mais facilidade.
Parte da “cola” que une as pessoas é emocional. Embora pouco se saiba sobre como as emoções afetam exatamente o desempenho da equipe, ninguém duvida que elas podem aumentar ou derrubar a produtividade do grupo. Existem indícios, no entanto, de que bom humor nem sempre garante bons resultados. O psicólogo social Joseph P. Forgas, da Universidade de Nova Gales do Sul na Austrália, pediu que alguns grupos de trabalho fizessem uma discussão depois de assistir a vídeos alegres ou tristes e constatou que as maiores divergências surgiam nos grupos que haviam recebido os estímulos positivos. Evidências sugerem também que os integrantes de uma equipe tendem a mudar de humor de forma sincronizada. O psicólogo social Peter Totterdell, da Universidade de Sheffield, Inglaterra, pediu que enfermeiras registrassem seu estado de humor diariamente durante três semanas. Observaram-se oscilações semelhantes entre os indivíduos. Resultados parecidos foram obtidos em grupos de contadores e de atletas profissionais.
Esses estudos levaram ao conceito de contágio emocional, cujo efeito sobre o desempenho coletivo foi bem estudado pela professora de administração Sigal Barsade, da Universidade da Pensilvânia. Em uma de suas pesquisas, ela treinou um voluntário, estudante de artes cênicas, para exibir uma atitude feliz e otimista em algumas ocasiões, e uma postura pessimista e desagradável em outras. Os resultados mostraram que o comportamento desta única pessoa promoveu alterações emocionais, positivas ou negativas, respectivamente, em todo o grupo. Como essa é uma área de pesquisa ainda muito recente, espera-se que nos próximos anos surjam novos conceitos e insights importantes que modifiquem de alguma forma o jeito como a sociedade organiza o trabalho coletivo.
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