RAZÕES DA EXISTÊNCIA

Cada pessoa tem, claro, seu próprio modo de pensar as coisas. Como você notou na leitura, em muitos momentos gosto de pensar pela ausência.
Sempre que posso, procuro passar esse conceito, em palestras ou nas aulas dos cursos de mestrado e doutorado. Se um dos meus alunos, por exemplo, quer fazer um estudo sobre a importância da Educação Física no currículo do ensino fundamental, ou sobre a presença da Arte-Educação no aprendizado infantil, eu digo: “A primeira coisa que você precisa pensar é: Se a Educação Física não existisse, que falta faria? Se não houvesse Arte-Educação, que falta faria?”.
Isso é fundamental, pois razões de carência são razões de existência. Como disse o escritor e pensador argelino-francês Albert Camus, “boas razões para morrer são boas razões para viver” (até por isso ele também disse que só há uma questão filosófica verdadeiramente séria: o suicídio).
Nesse caso, seguindo a linha de raciocínio do “que falta faria?”, uma questão fundamental para qualquer pessoa é: “Se eu não existisse, que falta faria?”, ou “que falta faço eu?”. Essas respostas estabelecem minhas razões de existência, e também os senões da minha existência.
Esse tipo de questionamento se tornou um hábito em minha vida. No primeiro dia do ano, num gesto físico mas também simbólico, pego uma folha de papel e traço uma linha no meio, criando duas colunas. Na da esquerda, escrevo no alto da página: “Apesar de”. Na da direita, “Por causa de”. Então elejo os principais temas do ano que passou e começo a pensar sobre eles, a analisá-los. No começo de 2009, por exemplo, refleti sobre estes três temas, entre outros: continuo morando em São Paulo, continuo sendo professor e continuo casado. Sobre a cidade, ponderei: “moro em São Paulo há mais de 40 anos ‘apesar’ do trânsito, da poluição, da violência. E continuo morando ‘por causa’ da profusão de atividades culturais, do mercado de trabalho, das oportunidades, dos contatos, da universidade, dos meus filhos que moram na cidade”.
Se a coluna do “Apesar de” fica com mais itens – ou, em outras palavras, se os “senões” ultrapassam as “razões” –, alguma coisa precisa ser repensada com seriedade ou mudada na minha vida. Se a do “Por causa de” fica mais cheia – se as “razões” são superiores aos “senões” –, então estou no caminho certo. Aliás, é por isso mesmo que continuo sendo professor e continuo casado…
O que vale é ter razões, não senões. Razões para viver, para pensar, para agir. Mas note que os senões são fundamentais para você contrabalançar aquilo que faz.
Viver em paz para morrer em paz! Viver em paz não é viver sem problemas, sem atribulações, sem tormentas. Viver em paz é viver com a clareza de estar fazendo o que precisa ser feito, ou seja, não apequenar a própria vida e nem a de outra pessoa, ou qualquer outra vida. Viver em paz é repartir amizade, lealdade, fraternidade, solidariedade, vitalidade.
Morrer em paz é poder ter-se livrado das tentações da futilidade de muitos propósitos, recusado a atração pela vacuidade de intenções e afastado a indecência de uma vida apequenada, infértil e desértica.
Continua valendo a pergunta, para você, e para mim: se você não existisse (se eu não existisse), que falta faria?

***MÁRIO SÉRGIO CORTELLA
Extraído do livro O QUE A VIDA ME ENSINOU
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