EU ACHO …

PERSONA

Não, não pretendo falar do filme de Bergman. Também emudeci ao sentir o dilaceramento de culpa de uma mulher que odeia seu filho, e por quem este sente um grande amor. A mudez que a mulher escolheu para viver a sua culpa: não quis falar, o que aliviaria seu sofrimento, mas calar-se para sempre como castigo. Nem quero falar da enfermeira que, se a princípio tinha a vida assegurada pelo futuro marido e filhos, absorve, no entanto, a personalidade da que escolhera o silêncio, transforma-se numa mulher que não quer nada e quer tudo – e o nada o que é? e o tudo o que é? Sei, oh sei que a humanidade se extravasou desde que apareceu o primeiro homem. Sei que a mudez, se não diz nada, pelo menos não mente, enquanto as palavras dizem o que não quero dizer. Também não vou chamar Bergman de genial. Nós, sim, é que não somos geniais. Nós que não soubemos nos apossar da única coisa completa que nos é dada ao nascimento: o gênio da vida.

Vou falar da palavra pessoa, que persona lembra. Acho que aprendi o que vou contar com meu pai. Quando elogiavam demais alguém, ele resumia sóbrio e calmo: é, ele é uma pessoa. Até hoje digo, como se fosse o máximo que se pode dizer de alguém que venceu numa luta, e digo com o coração orgulhoso de pertencer à humanidade: ele, ele é um homem. Obrigada por ter desde cedo me ensinado a distinguir entre os que realmente nascem, vivem e morrem, daqueles que, como gente, não são pessoas.

Persona. Tenho pouca memória, por isso já não sei se era no antigo teatro grego que os atores, antes de entrar em cena, pregavam ao rosto uma máscara que representava pela expressão o que o papel de cada um deles iria exprimir.

Bem sei que uma das qualidades de um ator está nas mutações sensíveis de seu rosto, e que a máscara as esconde. Por que então me agrada tanto a ideia de atores entrarem no palco sem rosto próprio? Quem sabe, eu acho que a máscara é um dar-se tão importante quanto o dar-se pela dor do rosto. Inclusive os adolescentes, estes que são puro rosto, à medida que vão vivendo fabricam a própria máscara. E com muita dor. Porque saber que de então em diante se vai passar a representar um papel é uma surpresa amedrontadora. É a liberdade horrível de não ser. E a hora da escolha.

Mesmo sem ser atriz nem ter pertencido ao teatro grego – uso uma máscara. Aquela mesma que nos partos de adolescência se escolhe para não se ficar desnudo para o resto da luta. Não, não é que se faça mal em deixar o próprio rosto exposto à sensibilidade. Mas é que esse rosto que estava nu poderia, ao ferir-se, fechar-se sozinho em súbita máscara involuntária e terrível. É, pois, menos perigoso escolher sozinho ser uma pessoa. Escolher a própria máscara é o primeiro gesto voluntário humano. E solitário. Mas quando enfim se afivela a máscara daquilo que se escolheu para representar-se e representar o mundo, o corpo ganha uma nova firmeza, a cabeça ergue-se altiva como a de quem superou um obstáculo. A pessoa é.

Se bem que pode acontecer uma coisa que me humilha contar.

É que depois de anos de verdadeiro sucesso com a máscara, de repente – ah, menos que de repente, por causa de um olhar passageiro ou uma palavra ouvida – de repente a máscara de guerra de vida cresta-se toda no rosto como lama seca, e os pedaços irregulares caem com um ruído oco no chão. Eis o rosto agora nu, maduro, sensível quando já não era mais para ser. E ele chora em silêncio para não morrer. Pois nessa certeza sou implacável: este ser morrerá. A menos que renasça até que dele se possa dizer “esta é uma pessoa”. Como pessoa teve que passar pelo caminho de Cristo.

***CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

SÁBIAS ESCOLHAS

Compras de produtos sem procedência e supérfluos estão perdendo espaço na vida das pessoas, e isso pode ser bom para toda a sociedade

Os novos hábitos, impulsionados pela pandemia, insista-se, aceleraram uma atitude cada vez mais visível no século XXI: o consumo consciente. “Será que preciso mesmo de tantas roupas?”, começaram a se questionar as pessoas, trabalhando de bermuda e chinelos, remotamente, em casa. Outras tantas, desempregadas ou com a renda reduzida, tiveram de conter suas tentações e gastar apenas o necessário. O minimalismo está se consolidando até mesmo entre fornecedores – com recursos limitados, vender muito deixou de ser a meta hegemônica das empresas, como era no passado. Na decisão de compra, a busca das sociedades evoluídas será agora por equilíbrio entre satisfação pessoal e compromissos ambientais, sociais e financeiros.

Consumo consciente não é o mesmo que voto de pobreza. Na verdade, em muitos casos, o cliente aceita pagar mais caro para apoiar a marca que respeita uma causa importante para ele: preservação de florestas, bem-estar animal e reversão de parte da renda para causas sociais, apenas para citar alguns exemplos. A ascensão de brechós virtuais é outro sinal de comportamento que atende tanto a uma necessidade quanto a um desejo. Pesquisa realizada em 2020 pelo Instituto Akatu, que mobiliza a sociedade para o consumo consciente, mostrou que mais de 70% dos consumidores, principalmente os mais jovens, querem que a iniciativa privada pare de agredir o meio ambiente e estabeleça metas para tornar o mundo melhor. Algumas marcas acabam fazendo uso desse engajamento de uma forma até mesmo polêmica, como foi o caso da fabricante californiana de roupas Patagonia, que anos atrás lançou uma campanha com o slogan “Não compre esta jaqueta”. Entre a hipocrisia e o real posicionamento da empresa quanto a causas sócio-ambientais, venceu a crença dos clientes na marca: eles compraram do mesmo jeito e, ao que tudo indica, bem cientes do que estavam fazendo. De todo modo, a Patagonia tornou-se referência do consumo da nova era.

“Consciência e lucro não são excludentes. Empresas engajadas atraem clientes fiéis, o que gera mais retorno para seus acionistas a longo prazo”, afirma Hugo Bethlem, presidente do Instituto do Capitalismo Consciente Brasil, que em 2020 viu dobrar o número de associados, incluindo gigantes como Magazine Luiza e Natura. Na mesma medida, companhias que insistem em ir na contramão da história – explorando funcionários, sendo conivente com discriminação e destruindo a natureza – podem ser alvo de buycott, neologismo que mescla palavras em inglês e significa “boicote de compra”. Essa ação bloqueadora acabou, por vezes, ingressando no território de causas menos nobres, como vingança política por parte de grupos sectários em todo o espectro ideológico, no Brasil e em diversos países.

No mundo real, nos assuntos que realmente importam à sociedade, os exemplos de boas práticas por parte das grandes corporações têm se multiplicado. A anglo-holandesa Unilever, maior companhia de bens de consumo do planeta, comprometeu-se a reduzir pela metade o uso de plástico virgem em suas embalagens e excluir do processo mais de 100.000 toneladas de plástico até 2025. “É crucial que toda a indústria faça uma transição rápida para a economia circular “, afirmou o CEO da Unilever, Alan Jope. Na linha de pensamento de Bethlem, nunca a felicidade do consumidor final pode se dar à custa do sofrimento de outra parte da cadeia, sejam pessoas, animais ou o meio ambiente. O plástico é uma das maiores ameaças ao ecossistema, pois demora muitos anos para se decompor – os oceanos estão poluídos com 150 milhões de toneladas do material.

O Brasil também vem ganhando protagonismo no consumo consciente. Grandes redes varejistas e processadores de proteína estão trabalhando para banir, até o fim desta década, a venda de carne suína e de ovos de galinhas oriundos de animais criados em torturantes celas de gestação e gaiolas. O Banco do Brasil, uma instituição financeira bicentenária e fundamental no desenvolvimento do agronegócio, foi considerado a nona empresa mais sustentável do mundo, de acordo com o ranking Global 100, da Corporate Knights, em razão de seus investimentos em economia verde, redução da emissão de carbono e inclusão social. Conscientizar significa adquirir conhecimento: saber o que se está fazendo. Quando a consciência agrega moral e ética, a sociedade melhora e é mais feliz.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 28 DE FEVEREIRO

CONFIAR NA RIQUEZA, É QUEDA CERTA

Quem confia nas suas riquezas cairá, mas os justos reverdecerão como a folhagem (Provérbios 11.28).

As riquezas não são confiáveis. São um falso refúgio. Não podemos depositar nossa confiança na instabilidade das riquezas. Elas não nos podem dar segurança verdadeira nem felicidade permanente. Aqueles que confiam em suas riquezas em vez de confiar em Deus percebem que o dinheiro se evapora como nuvem passageira. O dinheiro não tem raízes. É liso como sabão. Desaparece no horizonte tal como um relâmpago risca os céus como facho de luz e depois desaparece na escuridão. O dinheiro não nos pode dar as coisas mais importantes da vida, como o lar, o amor, a felicidade, a paz e a salvação. O dinheiro não pode transpor conosco os umbrais da morte. Nada trouxemos para este mundo e dele nada levaremos. O dinheiro pode até nos dar um belo funeral, mas não nos garante a vida eterna. Só os loucos pensam que a segurança da sua alma está no dinheiro. Confiar na riqueza é queda certa. Todavia, os justos, aqueles que confiam em Deus, reverdecerão como a folhagem. Mesmo que as crises cheguem, eles não perderão sua beleza nem deixarão de dar seu fruto. É melhor ser um justo pobre do que um rico insensato. É mais seguro confiar em Deus do que depositar a confiança no dinheiro.

GESTÃO E CARREIRA

NA ALEGRIA E NA TRISTEZA

Empresas obrigadas a demitir funcionários por causa da crise criam programas para auxiliar os desligados e os familiares que perderam o emprego

Não é novidade que as projeções econômicas da crise do coronavírus são desoladoras. De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o impacto da covid-19 no número de horas trabalhadas é dez vezes pior do que o vivido na crise financeira de 2007- 2008, por exemplo. O órgão ainda estima que o desemprego em seus países-membros será o dobro no final de 2020 em comparação a 2019. (10% ante 5,3%). No Brasil, o cenário também é desfavorável e há expectativa de um PIB negativo em 6,6%, segundo o Relatório Focus do Banco Central, divulgado em julho. E isso, é claro, reflete-se em desemprego. Em junho, o país atingia 13,3% de pessoas desocupadas, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Continua) mensal, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os líderes têm sentido todos esses índices na pele e precisam tomar decisões difíceis nos meses decorrentes ao início da pandemia. Com queda nos resultados, demitir tornou-se, em muitos casos, uma medida necessária para a sobrevivência dos negócios. Mas esse processo é sempre complicado. Ainda mais porque agora os desligamentos acontecem não por desempenho, mas por custo – o que pode ser cruel. É por isso que tem surgido um movimento no mercado: a ajuda efetiva para que ex funcionários se recoloquem.

“Mais do que estratégicas, essas são ações humanitárias. Há muitos profissionais que não estão sendo demitidos por má avaliação, e sim por necessidade de reestruturação”, diz Alexandre Benedetti, diretor do Talenses Group e especialista em carreira.

“As empresas querem ter mais impacto social, e auxiliar quem está saindo neste momento é algo valorizado, que mostra a cultura corporativa”, explica Maria Eduarda Silveira, gerente de recrutamento da Robert Half.

PEDIDO DA EQUIPE

Esse é o caso da Stone, empresa de maquininhas de cartões e soluções para pagamentos. Com a crise que impactou fortemente o varejo, os negócios da companhia sofreram uma queda brusca. Por isso, em 12 de maio a empresa demitiu 1.300 funcionários, o equiva1ente a quase 20% de sua força de trabalho, que hoje é fornecida por 5.500 pessoas.

Estimulados por seus próprios times, com os quais promovem conversas semanais, os gestores começaram a pensar em como amparar os desligados. Surgiram então quatro pilares de atuação, nas áreas de saúde, alimentação, recolocação e finanças. “Em uma hora delicada, pois sempre tivemos como norte o respeito às pessoas”, diz Fernanda Teich, líder do processo de recolocação e sócia da Stone.

Assim, num primeiro momento, decidiu-se estender os benefícios: o plano de saúde ganhou quatro meses adicionais; o vale-alimentação, também seguiu valendo por até mais quatro meses, proporcionalmente ao tempo de casa; para a recolocação, foi oferecida assinatura do LinkedIn Premium por dois meses; e, para aqueles com mais de seis meses na empresa, foi doado o notebook de trabalho. Por fim, houve um pagamento adicional, também proporcional ao tempo de casa.

Na busca por transparência, a companhia faz todas as sextas-feiras um bate papo online entre líderes e empregados. “Não tentamos em nenhum momento dourar a pílula. Dissemos o que estava acontecendo, pedimos sugestões”, diz Fernanda. Das conversas e do sentimento de desconforto que sempre resta para quem é obrigado a demitir nessas circunstâncias, surgiu a ideia de dar um passo adiante e fazer o processo de recolocação. A Stone montou um time com cerca de 20 pessoas que, durante 30 dias, logo depois das demissões, ficou totalmente focado na missão de selecionar quais ex-funcionários seriam indicados a determinadas companhias. Depois disso, Fernanda passou a coordenar reuniões semanais de acompanhamento com um grupo menor. “Temos várias empresas parceiras, sabíamos que muitas delas estavam contratando e vimos que, com nossa indicação, poderíamos aumentar as chances de os colaboradores que estavam saindo se recolocarem.” Num primeiro momento, foram fechadas mais de 30 parcerias com companhias como OLX, Abastece Aí, Hotel Urbano, Vítreo e Loft. A Stone buscou parceiros em todo o país, visto que ela própria trabalha com grande capilaridade na entrega das maquininhas.

Além disso, o time remanescente ajudou os demitidos via postagens no LinkedIn, dando visibilidade aos currículos dos ex-colegas. A ação provocou um sentimento generalizado de que a empresa se preocupa com seu time. “Indicamos dando um selo de qualidade, uma garantia do profissionalismo dessas pessoas”, explica Fernanda.

FOCO NAS FAMÍLIAS

Os estilhaços da pandemia, no entanto, às vezes não atingem diretamente os funcionários, mas seus entes queridos – o que pode influenciar fortemente os profissionais. A partir dessa percepção, o escritório de advocacia paulistano Stocche Forbes, com atuação voltada para o direito comercial, resolveu agir para minimizar as preocupações de empregados cujos parentes foram desligados.

”Pensamos em ajudar os familiares. Sempre somos procurados para indicar advogados, mas podemos colaborar em outras áreas também. Nosso maior ganho é o bem-estar de nossos colaboradores”, diz Daniela Yuassa, profissional responsável pela área trabalhista do escritório. Daí surgiu o programa Stocche Forbes Conecta, que tem como meta orientar esses familiares e identificar projetos ou oportunidades em que possam se encaixar. O programa foi sugerido por um dos sócios do escritório e prontamente aceito pela direção. Sua estruturação foi feita pela área de recursos humanos.

A ideia do Conecta é oferecer os serviços de RH do escritório em duas frentes: formatação de currículos e ponte direta entre familiares e empresas parceiras, identificando os perfis mais adequados para as funções requeridas. “Criar uma rede de relacionamentos ajuda mais do que a simples solução de distribuir currículos frequente. Damos mais visibilidade aos candidatos e aproveitamos informações privilegiadas que temos em relação ao mercado”, diz a advogada. O escritório, que tem 200 funcionários entre advogados e administradores está fazendo essa ponte por meio de suas redes sociais e de seu mailing. Até agora, 15 pessoas recorreram ao serviço submetendo seus currículos.

A CULTURA SE IMPÕE

Cortes são sempre doloridos, não só para quem os sofre ou é obrigado a fazê-los, mas para a organização como um todo. Estão em jogo sofrimentos e dificuldades individuais dos envolvidos, a percepção dos remanescentes (sempre divididos entre alívio e culpa) e o funcionamento da própria empresa.

Do ponto de vista corporativo, há pontos delicados, como a perda da memória organizacional em razão da saída daqueles que dominam os processos, e diminuição da eficácia e da familiaridade entre as unidades quando a demissão envolve as lideranças. “Com isso, a tomada de decisão perde agilidade, o que pode ter efeito na qualidade de produtos e serviços”, diz Tatiana lwai, professora e pesquisadora de comportamento organizacional e liderança no Insper.

Mas a cultura sempre se impõe nessas situações e mostra qual é o verdadeiro comprometimento da empresa com os funcionários. Um exemplo negativo, que ficou famoso recentemente, foi a faculdade que demitiu professores por um aviso no sistema interno e substituiu aulas por palestras motivacionais. “É preciso fazer o corte de forma digna”, diz Tatiana.

A comunicação é crucial. Se os funcionários acompanham a situação da empresa por meio de informes claros, mostrando as etapas que podem levar à demissão em caso de um cenário negativo, como um corte de benefícios antes da efetivação de um desligamento, por exemplo, fica mais fácil aceitá-lo. “Nenhuma comunicação acontece no vácuo. A mais efetiva é aquela que ocorre de forma periódica. Só assim, você toma a narrativa para si”, diz a professora do Insper, dando a entender que, do contrário, abre-se espaço para conjecturas e fantasias as mais diversas, verdadeiras ou não.

Também é importante gerenciar os remanescentes. Além do emocional abalado, eles podem ter de suportar sobrecarga de trabalho. O normal é que o corte deixe resíduos que exigem tempo para ser absorvidos. O histórico da empresa pode tornar isso um momento difícil. A cultura institucional é um dos pilares,” afirma Tatiana.

MOMENTO DELICADO

A manutenção de um bom ambiente e a superação das demissões ampliam a necessidade de os líderes terem uma postura mais humanizada. “Um desligamento feito com frieza e distância pode gerar um grande dano psicológico”, diz Rebeca Toyama, especialista em estratégia de carreira. “A cultura de que o bom gestor é aquele que investe nos controles foi superada pela gestão do capital humano. É imprescindível ter interesse por pessoas, pelo bem-estar geral.”

O ideal é que o líder esteja preparado para esse tipo de decisão. Ele precisa ser treinado não só para dar feedbacks que mostrem concretamente acertos e pontos a melhorar dos funcionários, mais também para saber quem escolher na hora do desligamento, com critérios justos e transparentes para o demitido e para a equipe. E, sobretudo, precisa realizar o processo de maneira saudável. O demitido deve ser comunicado antes de outros membros da equipe, e o desligamento não pode ser feito em horários inadequados. “A comunicação tem um contexto: deve ser oportuna, no momento certo, de forma adequada, num local reservado, sempre sem exposições desnecessárias. Tem de ser feita com um bom tom de voz, uma boa maneira de se portar, com o uso de palavras corretas e exemplos e justificativas do porquê”, diz Alexandre, do Talenses Group.

CUIDAR DA EXPERIÊNCIA

A crise atual trouxe elementos diferente para as empresas e para a área de pessoas. Segundo Alexandre, nas crises recentes, como a de 2014, a questão mais visível era econômico-financeira. Agora, apesar de esse item também estar presente, o cenário é diverso. “Até então, o braço direito do CEO era o CFO. Neste momento, o diretor de RH é quem tem um papel fundamental para ajudar a escolher quem reter na empresa”, avalia. O grande diferencial acaba sendo o engajamento do funcionário. E, para que ele exista, a companhia tem de trabalhar outros dois aspectos que formam um trio essencial: atração e retenção. Maria Eduarda Silveira, da Robert Half, lembra que depois de anos falando em foco no cliente, agora a experiência do empregado está no topo da preocupação das empresas. “O capital humano tem sido mais bem tratado. E isso é fundamental para a atração de novos funcionários”, diz Maria Eduarda.

Essa experiência começa na contratação e termina na demissão – por isso humanidade e empatia e, se possível, auxílio para encontrar um novo emprego durante uma das crises mais severas da história farão com que o ex-funcionário mantenha um laço de admiração com sua antiga contratante.

DEMISSÃO SEM TRAUMAS

Quatro passos para seguir durante os desligamentos

LIDERANÇA

O RH deve dar informações sobre como proceder. O demitido não pode ser o último a saber, não pode haver bloqueio de senha, retirada de computadores, muito menos demissão na sexta-feira às 18 horas.

TRANSPARÉNCIA

A comunicação deve justificar os motivos e o contexto da empresa, se passível ressaltando as qualidades do funcionário.

OBJETIVIDADE

Se a motivação for mau desempenho ou mau comportamento, é recomendável munir-se de exemplos das oportunidades dadas anteriormente. Se as razões forem éticas, é mandatório que o RH esteja presente.

ESCUTA ATIVA

Ouvir o demitido, suas impressões e sugestões é muito importante. Isso valoriza a pessoa e, ainda, pode ajuda-la na busca por um novo emprego.

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

IMAGENS DA FEMINILIDADE

O imaginário acerca da figura feminina sofreu grandes transformações no decorrer do tempo. Inicialmente vistas como donas da vida e da morte, as mulheres foram, aos poucos, com ajuda da literatura e da ficção, reconciliando beleza e virtude; mas é no século XXI que se abrem mais frestas para a diversidade

A imagem tem papel central na construção da ideia de feminino. Ao longo do tempo esse imaginário ganhou contornos diversos, na forma de grandes mães, madonas, deusas como Vênus/Afrodite, stars, pin-ups e top models – até assistirmos a uma significativa ruptura paradigmática pós-moralista, promovida pela sociedade da comunicação. Presenciamos a dessacralização feminina e a relação a seus referenciais religiosos e patriarcais, possibilitando um novo modo de pensar a imagem feminina, tornando-a indeterminada e privilegiando as singularidades da “mulher qualquer”.

As primeiras imagens construídas sobre a mulher na história originam-se de um imaginário comum: o temor ao feminino. Esse tipo pode ser explicado pelo desconhecimento inicial do papel social e biológico do homem na reprodução – e atribuição à mulher da autonomia na geração da vida por supostos poderes sobrenaturais. Eram as chamadas grandes mães, ligadas às forças da natureza valorizadas por sua condição materna não vistas como dotadas de vontades e virtudes, e sim tomadas como donas da vida e da morte (e por isso temidas). E, por possuir esse poder paradoxal, sua imagem foi associada a imagens igualmente contraditórias e cíclicas: a Lua, a serpente, a irracionalidade e ao caos. Deveria, por isso, estar sob domínio constante do controle racional masculino, o que foi representa do em uma série de obras em que homens apareciam matando serpentes, por exemplo.

A mulher não era, nas imagens míticas tradicionais, cultuada por sua beleza, pois sequer era reconhecida como pertencente ao ‘belo sexo” – papel que cabia ao homem. A reverência ao masculino pode ser ilustrada, particularmente, na Grécia pela presença pública de milhares de kouroi, estátuas de rapazes nus. As imagens de mulheres, raras em espaços públicos, guardavam uma forte semelhança com o corpo masculino. Com ombros largos, braços fortes, sem marcação da cintura, distinguiam-se apenas pelos seios. A beleza da mulher, quando valorizada, vinha sempre repleta de contradições: era bela, entretanto, má. Por isso, era um ser perigoso. Personagens como Pandora, a primeira humana criada por Zeus responsável por levar todos os males do mundo aos homens em uma caixa, e Eva, responsável pelo pecado original, representam esse ideário.

A associação entre mulher e beleza efetiva-se apenas no Renascimento, momento em que se legitima o corpo feminino como objeto de contemplação. A mulher ganha centralidade simbólica como figura literária e ficcional, e não como ser humano comum. Idealizada como Vênus-Afrodite, ora com formas femininas e teatrais, ora o símbolo máximo da virtude e da bondade com as célebres e inúmeras Madonas (que representavam a imagem de Maria), o imaginário acerca da mulher reconcilia, assim, beleza e virtude – em uma ruptura com sua tradicional demonização. Esse fato a colocará, definitivamente, como imagem representativa da beleza. Entretanto, trata-se de uma mulher construída simbolicamente para oferecer-se à contemplação e resignar-se com seu papel decorativo e passivo. Um imaginário de aparente reverência aos atributos femininos, mas que impede a intervenção na vida social, como bem alertou Simone de Beauvoir 1908-1986 em O segundo sexo, vol. 1 (1980): Achar-se situada à margem do mundo e não é uma posição favorável para quem quer recriá-lo”.

BONECAS DO LAR

Sob o signo dos centros urbanos do consumo, da imprensa massiva, do cinema e da fotografia, o imaginário social democrático do século XX foi responsável pela transição da estereotipia tradicional /patriarcal e religiosa da imagem do feminino para a autonomia, multiplicada em uma escala nunca antes vista. As estrelas de Hollywood, que nascem nos anos 20, fazem mais do que alimentar os sonhos, mas também comportamentos muito reais, relativos à moda, ao vestuário, ao penteado, à maquiagem e à maneira de ser. Essa imagem cumpre um inicial, mas nem por isso menos importante, papel de incentivo de desregulamentação dos papéis sexuais tradicionais. Pois “desde que Lauren Bacall se aproximou de Bogart para convidá-lo a acender seu cigarro”, no filme À beira do abismo (Howard Hawks, 1945), “o cinema vem contribuindo para legitimar a iniciativa feminina, e nisso ele se mostra menos como reflexo do real do que como produtor de novos modelos de comportamento “, defende o filósofo francês Gilles Lipovetsky.

Ainda no contexto dessa primeira fase do imaginário democrático surge outra imagem midiática da mulher que avança, timidamente: as pin-ups. Símbolo da arte gráfica nos anos dourados, elas também são chamadas de garotas de calendário (feitas para pendurar na parede) ou de cheesecake. Elas aparecem ainda em uma segunda variação: as “bonequinhas do lar”. Mulheres belas, maquiadas, de salto agulha e saia rodada que alegremente controlam seus eletrodomésticos e cuidam da casa, do marido e dos filhos. São representadas, frequentemente, vestindo aventais, símbolo do seu lugar doméstico e serviçal. Se, por um lado, a pin-up se distancia da moral cristã, por outro, não se afasta do imaginário masculino, oferecendo-se como um objeto belo, serviçal e facilmente manobrável. A mulher passa, então, a ter apenas duas posições sociais: “boneca do lar” ou “vedete”.

No entanto, a pin-up diferencia-se das musas do cinema em um aspecto importante: não é tão distante, etérea e idealizada, preserva a beleza ideal das estrelas, mas também povoa cenas cotidianas e transita no espaço urbano, faz supermercado, dirige e cozinha. Ela é responsável pela primeira aproximação entre a imagem pública da mulher e a vida comum – mesmo que ainda esteja restrita ao espaço e às atividades domésticas.

Essa iconografia midiática em transição abre caminho para a emancipação do imaginário feminino. Pois, se o objetivo inicial era excluir a mulher da vida pública, sua valorização como rainha do lar torna-se o fundamento para as conquistas que se seguiram – já que o movimento feminista só se tornou uma força quando dominou a linguagem da vida doméstica. “O feminismo politizou a subjetividade – abalou a distinção dentro e fora para problematizar a sexualidade, a família, o trabalho doméstico”, escreveu o sociólogo Stuart Hall em seu livro A identidade cultural na pós-modernidade. Não por acaso, um dos slogans do feminismo pregava que “o que é pessoal é político”.

Será apenas com o amadurecimento do imaginário democrático na década de 60, que se dará a efetiva ruptura da imagem feminina com imaginário patriarcal. Marcada pelo binômio da magreza e da juventude, essa imagem que tem, agora, a top model como símbolo, apresenta uma mulher que conquistou sua autonomia estética, mesmo que isso custe excesso de auto controle e vigilância do corpo. A crítica ao comando tradicional, a emergência da autoridade racional-legal, a valorização da imagem feminina na sociedade de consumo, o seu poder de compra, a moda, a profissionalização da mulher e a ciência higienista são elemento fundamentais dessa transição.

Produz-se, pela primeira vez, uma imagem voltada exclusivamente para mulheres, mas que, ritmada pelo corpo magro, nega as formas da mulher. moda dos anos 60 traz os cabelos curtos e o vestido tubinho, privilegiando mais o movimento das pernas do que a marcação da cintura e dos seios. Asrevistas femininas passam a revelar os segredos da beleza que pareciam inalcançáveis e há a valorização do rosto e dos olhos, em detrimento do corpo, em uma tentativa de marcar a personalidade. A descoberta da pílula e sua comercialização, em 1961, constituiu “o fundamento de um habeas corpus para mulheres: um filho se eu quiser, quando eu quiser, como eu quiser”, como lembra a historiadora Michelle Perrot. Esse momento é marcado também pela chegada da mulher às universidades e ao mercado de trabalho, bem como por um conjunto de mudanças e conquistas que invertem sentidos e promovem a autonomia do imaginário feminino.

No entanto, a emancipação da iconografia da mulher na modernidade do século XX é paradoxal. Se, por um lado, é possível, pela primeira vez na história, constituir um imaginário distante das coerções patriarcais, por outro, a sociedade de consumo, por meio de um universo supostamente feminino, cria uma imagem marcada pelo controle: é preciso ser magra, bem-sucedida, boa mãe e estar na moda. As imagens veiculadas pela mídia apresentam demandas de condutas eficientes que se tomam um peso para a mulher, gerando ansiedade, depressão e frustração. Para dar conta das demandas, muitas se tomam vítimas da lógica efêmera da moda e adotam meios radicais, apelando para regimes cíclicos e desenvolvendo comportamentos patológicos, como anorexia e bulimia. Assim, não negamos a importância da magreza, da moda e da publicidade para promover a autonomia do feminino em relação ao imaginário masculino, mas também não devemos nos esquecer de problematizar o novo tipo de controle “pan- ótico” instalado por essa imagem da sociedade de consumo. Ela está mais a serviço – do que efetivamente serve-se – do consumo das imagens. Há, porém, mais controle que prazer, mais sacrifício que fruição, mais busca de identificação com modelos que construção de singularidades. E é justamente a tomada de consciência desse paradoxo que aciona a criação de uma nova imagem social da mulher.

O CULTO A SI MESMO

A imagem feminina da mulher produzida na sociedade pós-moralista não mistifica a mulher, mas amplia a possibilidades de identificação, legitimação e reconhecimento das diversas formas de ser e estar no mundo. Nasce no final do século XX e consolida-se no século XXI sob a denominação de “mulher real” nas imagens veiculada pelos meios de comunicação em massa como resultado do amadurecimento social, que produz uma “mídia em diálogo”, em consonância com a acentuação dos princípios democráticos, que produz imagens fruto da interseção entre a mídia e a sociedade. Surgem mulheres comuns, de diversas etnias, raças, corpos, idades e comportamentos que passam a descentralizar os modelos de beleza, o que se configura, mais visivelmente, na publicidade, em campanhas como as da Natura e dos produtos Dove, por exemplo.

A lógica dessa imagem também se expande para a mídia em geral e as capas das revistas semanais, constantemente, denunciam o modelo rígido de beleza. Existe também o importante lócus contemporâneo de auto representação da imagem da mulher criado com a Internet. Blogs, sites, Facebooks, Orkuts fornecem espaço e incentivo para a produção frenética da própria imagem. É a consagração do “culto de si” em um espaço que concilia, paradoxalmente, individualismo e trocas interativas. Fotos pessoais e “amigos” virtuais (ou não) ditam o ritmo desse espaço interativo. Quanto mais caseiro, mais cotidiano e mais espontâneo, maior o número de relações entre as pessoas, que passam a valorizar a autenticidade e a vida de quem está “próximo”. Há, na base desse fenômeno, uma espécie de democratização dos desejos de expressão individual, na medida em que as mulheres buscam conquistar “espaços de autonomia pessoal – que traduzem a necessidade de escapar da simples condição de consumidora” das imagens alheias, afirma Lipovetsky. As mulheres querem colocar sua imagem no mundo. “Ser ou não ser: existir na tela ou não existir”, indaga o autor.

Mas seria correto anunciar o “crepúsculo das estrelas”, como o fez o sociólogo e filósofo Edgar Morin? Será que abandonamos os modelos estéticos e a contemplação das celebridades, das top models? Já ampliamos a existência da mulher para além da imagem da beleza? A emancipamos? É cedo para afirmar isso. Paradoxalmente, atrizes e celebridades continuam a atrair leitores para as colunas de fofocas e modelos magérrimas protagonizam campanhas publicitárias, impulsionando as vendas de revistas femininas.

Presenciamos, simultaneamente, o nascimento de uma imagem revolucionária sobre a mulher e a permanência das tradicionais e modernas. Isso não impede, no entanto, a emergência, no século XXI, de uma imagem; sem imagem definida, que escapa e abre frestas para uma diversidade de formas singulares de ser mulher. Surge a possibilidade de “um ser qualquer”, algo que, para o filósofo italiano Giorgio Agamben, seria a única possibilidade de uma existência social ética. O termo “qualquer” (do latim, quodlibetens) significa “o ser que, seja como for, não é indiferente”; contém algo que remete à vontade (ibet), o ser qualquer estabelece uma relação original com o desejo. Podemos, enfim, nos apropriar da formulação do psicanalista Comelius Castoriadis (1922-1997) para pensar que a relação da mulher e da imagem socialmente dada do que é o feminino “não pode ser chamada de relação de dependência. É uma relação de inerência, que como tal não é nem liberdade nem alienação, mas está no terreno no qual liberdade e alienação podem existir”.

EU ACHO …

DIES IRAE

Amanheci em cólera. Não, não, o mundo não me agrada. A maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece. E nem ao menos posso fazer o que uma menina semiparalítica fez em vingança: quebrar um jarro. Não sou semiparalítica. Embora alguma coisa em mim diga que somos todos semiparalíticos. E morre-se, sem ao menos uma explicação. E o pior – vive-se, sem ao menos uma explicação. E ter empregadas, chamemo-las de uma vez de criadas, é uma ofensa à humanidade. E ter a obrigação de ser o que se chama de apresentável me irrita. Por que não posso andar em trapos, como homens que às vezes vejo na rua com barba até o peito e uma bíblia na mão, esses deuses que fizeram da loucura um meio de entender? E por que, só porque eu escrevi, pensam que tenho que continuar a escrever? Avisei a meus filhos que amanheci em cólera, e que eles não ligassem. Mas eu quero ligar. Quereria fazer alguma coisa definitiva que rebentasse com o tendão tenso que sustenta meu coração.

E os que desistem? Conheço uma mulher que desistiu. E vive razoavelmente bem: o sistema que arranjou para viver é ocupar-se. Nenhuma ocupação lhe agrada. Nada do que eu já fiz me agrada. E o que eu fiz com amor estraçalhou- se. Nem amar eu sabia, nem amar eu sabia. E criaram o Dia dos Analfabetos. Só li a manchete, recusei-me a ler o texto. Recuso-me a ler o texto do mundo, as manchetes já me deixam em cólera. E comemora-se muito. E guerreia-se o tempo todo. Todo um mundo de semiparalíticos. E espera-se inutilmente o milagre. E quem não espera o milagre está ainda pior, ainda mais jarros precisaria quebrar. E as igrejas estão cheias dos que temem a cólera de Deus. E dos que pedem a graça, que seria o contrário da cólera.

Não, não tenho pena dos que morrem de fome. A ira é o que me toma. E acho certo roubar para comer. – Acabo de ser interrompida pelo telefonema de uma moça chamada Teresa que ficou muito contente de eu me lembrar dela. Lembro- me: era uma desconhecida, que um dia apareceu no hospital, durante os quase três meses onde passei para me salvar do incêndio. Ela se sentara, ficara um pouco calada, falara um pouco. Depois fora embora. E agora me telefonou para ser franca: que eu não escreva no jornal nada de crônicas ou coisa parecida. Que ela e muitos querem que eu seja eu própria, mesmo que remunerada para isso. Que muitos têm acesso a meus livros e que me querem como sou no jornal mesmo. Eu disse que sim, em parte porque também gostaria que fosse sim, em parte para mostrar a Teresa, que não me parece semiparalítica, que ainda se pode dizer sim.

***CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

PAVOR MODERNO

A presença constante na internet, em especial em plataformas de videoconferência, faz surgir um novo tipo de neurose comportamental

O advogado e comentarista Jeffrey Toobin, muito conhecido nos Estados Unidos por seu trabalho na revista The New Yorker e na CNN, viveu um incidente no mínimo inusitado dois meses atrás. Ao que tudo indica, ele esqueceu a câmera do computador ligada em uma videoconferência, via plataforma Zoom, e acabou cometendo um erro fatal para sua carreira: foi flagrado se masturbando. Sem fazer juízo de valor quanto às preferências de Toobin, o caso traz à tona uma preocupação crescente das pessoas que trabalham remotamente: o risco de ser pego em situações delicadas e o estado de constante alerta para evitar que isso aconteça.

Apelidado de Fobo, fear of being on (medo de estar on-line), o receio está virando neurose. Sinal dos tempos, o aumento vertiginoso do uso de aplicativos e plataformas de videochamada gera pensamentos paranoicos. Desliguei a câmera? Cliquei para fechar o som antes de gritar com o cachorro? Lavei o rosto antes de entrar na reunião? Será que viram o que esqueci na estante atrás de mim?

Uma vez que a adoção de reuniões remotas é um procedimento que veio para ficar – Google Meet e Zoom ganham cada vez mais usuários -, a única forma de combater o medo de gafes e descuidos é adotar alguns hábitos compulsórios quando for entrar on-line, seja pelo computador, seja pelo smartphone. Especialistas recomendam conferir a aparência e o modo como está vestido, exatamente como se fosse uma reunião presencial. É sempre bom dar uma olhada no ambiente antes de começar: o lugar da reunião precisa ser apropriado, silencioso e discreto. Quanto ao sistema de bloqueio de som e imagem, aconselha-se dominar completamente o dispositivo que estiver usando. Além disso, toda vez que terminar de falar, é melhor apertar “mudo”. Se virar um hábito natural, deixará de ser neurose, como quando se ganha experiência ao dirigir e os movimentos se tornam naturais.

O medo de estar on-line, embora possa parecer tolo, não é gratuito. Afinal, um incidente aparentemente banal é o suficiente para gerar embaraços que vão desde o desconforto entre colegas até a demissão, como ocorreu com Toobin. Além das inconfidências auto infligidas, a privacidade está sujeita a ataques de terceiros. No ano passado, foi descoberta uma falha no Zoom que permitia que hackers controlassem a câmera de computadores, inclusive para invadir reuniões e videochamadas caso não estivessem protegidas por senha.

Vale destacar que ameaças à privacidade não se concentram apenas no Zoom. À medida que atraem mais usuários, sites e aplicativos estão sujeitos a fraudes e exposição externa. Sob diversos aspectos, o mundo virtual é uma guerra sem trégua entre provedores de serviços e criminosos – uma dança interminável de inteligência e contrainteligência. O Zoom tem sido o alvo preferido, pois ocupa a primeira posição na preferência dos usuários. Embora exija cautelas, o fenômeno não deveria ser motivo de pânico, uma vez que falhas de segurança costumam ser detectadas e corrigidas, na maioria dos casos, em questão de horas pelas plataformas.

O termo Fobo foi criado pela designer Holly Allen, do site Slate. Segundo ela, o medo de estar on-line é definido como uma ansiedade que culmina na necessidade de verificar se a pessoa está mesmo invisível aos olhos da tecnologia – algo que, na prática, ninguém pode garantir. Na verdade, a sigla é uma variação do Forno, seu primo mais conhecido, acrônimo de fear of missing out, ou medo de ficar de fora, que consiste na vontade irrefreável de absorver todo o conteúdo possível das redes sociais, sem perder nenhum show, notícia, anúncio ou atualização no Facebook, por exemplo. Igor Lemos, psicólogo da escola Cognitiva Scientia, acredita que a pandemia funcionou como um gatilho para disparar sintomas que já existiam, aumentando sua frequência: “Muito antes de 2020, eu já tinha pacientes que relatavam sintomas desse tipo, como medo preocupante de fazer ligações sem querer”. No Brasil, estima-se que a dependência digital já atinja mais de 4,3 milhões pessoas, 25% delas adolescentes. O índice brasileiro de permanência na internet é um dos mais altos do mundo: mais de nove horas em média, contra menos de sete horas de outros países.

O problema de tendências como o Forno e o Fobo, segundo estudiosos do assunto, é que suas cicatrizes podem ser mais duradouras e profundas do que se pensa, afetando o comportamento social e a saúde mental. Pensamentos obsessivos, que geram perturbações emocionais e apreensão, não são inteiramente compreendidos pelas pessoas. Mais alarmante é o fato de que são poucos os brasileiros que buscam informações sobre as consequências advindas do uso exagerado da internet. Por outro lado, abrir mão dos serviços que o mundo virtual oferece não seria prático. Estudo a distância, transferências financeiras, compras e, no caso em evidência, comunicação remota com colegas de trabalho são atividades já efetivamente implementadas na sociedade. O melhor é se adequar a elas, seguindo as regras da boa convivência. Se começar a relaxar demais, lembre-se do flagrante de Toobin.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 27 DE FEVEREIRO

BUSQUE O BEM, E ELE VIRÁ A SEU ENCONTRO

Quem procura o bem alcança favor, mas ao que corre atrás do mal, este lhe sobrevirá (Provérbios 11.27).

Você encontra aquilo que procura. Se a sua vida é uma corrida atrás do bem, você será respeitado e verá cumprido o seu desejo. Porém, se você corre atrás do mal, ele virá ao seu encontro. O filho pródigo deixou a casa do pai e partiu para um país distante. Gastou o dinheiro em rodas de amigos e com prostitutas. Viveu dissolutamente e esbanjou irresponsavelmente sua herança. Acabou colhendo o que semeou. Ficou sem dinheiro no bolso e sem amigo na praça. A fome o torturava, até que ele foi parar num chiqueiro. Ele buscou o mal, e o mal lhe deu um abraço apertado. Esse jovem, então, caiu em si e lembrou-se do pai e de como tinha pão com fartura na casa paterna. Arrependido do seu erro, resolveu voltar para o pai. Sabedor de que havia sido inconscientemente feliz na casa do pai, estava agora conscientemente infeliz no país distante. Ao colocar o pé na estrada da volta, encontrou o pai de braços abertos. Disposto a ser apenas um trabalhador, recebeu de volta a posição de filho. Porque o filho pródigo procurou o bem, alcançou o favor do pai. Faça você o mesmo. Busque o bem, empenhe-se por alcançá-lo, e ele virá ao seu encontro. Deteste o mal, e ele fugirá de você.

GESTÃO E CARREIRA

O PODER DO DIFERENTE

Em uma sociedade polarizada por opiniões radicais e verdades únicas, ganham as empresas que estimulam a diversidade cognitiva, prática baseada no diálogo e no respeito ao outro

Embora extremamente importante, a diversidade vem sendo tratada em diferentes níveis de maturidade, dependendo da companhia. Algumas sequer iniciaram a discussão, apesar de serem muito cobradas pela geração predominante no mercado – os nillennials, que consideram a inclusão essencial no ambiente de trabalho, segundo o estudo lnclusion insights, da Deloitte. Outras avançaram olhando para equidade gênero, enquanto poucas, mas representativas, já estão desenvolvendo ações afirmativas em quase todos os pilares: gênero, raça e etnia, geracional, social, LGBTI+, e por aí vai.

Mas chegou a hora de dar um novo passo para garantir outro tipo de diversidade: a cognitiva, que depende de um ambiente em que opiniões contrárias sejam debatidas, refutando-se polarizações – tão comuns nos dias de hoje. É daí que vem o verdadeiro ganho com a questão da diversidade: extrair a melhor solução a partir de olhares divergentes. “Estamos vivendo em um mundo dividido, e as empresas ganham a responsabilidade de contribuir para a mudança na sociedade, afirmando: ‘Aqui nós aceitamos o debate e opiniões diferentes das nossas”, diz Antônio Salvador, líder de negócios de career para o Brasil da consultoria Mercer.

Claro que, em um país como o Brasil, com um dos maiores índices de desigualdade do mundo, a diversidade cognitiva precisa fazer parte de uma política ampla de busca por representatividade. “Uma coisa é tratar a questão cognitiva por si só na Suécia, onde quase não há desigualdade de renda. Mas nossa realidade não está pronta para contemplar apenas a diversidade de pensamento”, diz Liliane Rocha, fundadora da Gestão Kairós, consultoria especializada em diversidade e sustentabilidade. “Se defendermos somente essa ideia, se tornará cômodo para o conselho falar que estão contemplando a diversidade cognitiva, quando estará trabalhando nisso dentro dos 87% de executivos que são homens brancos.”

PONTOS DE ATENÇÃO

Ter pessoas de diferentes origens num grupo aumenta a chance de o pensamento diverso acontecer. Liliane pontua, por exemplo, que, por mais que uma mulher negra da periferia tenha estudado numa instituição de ensino elitizada, ela terá uma visão de mundo marcada por sua origem, que será diferente da visão da maioria de seus colegas.

Mas, segundo Ana Carolina Souza, neurocientista e sócia fundadora da Nêmesis, consultoria   especializada em neurociência organizacional, a diversidade por si só não assegura a pluralidade de raciocínio. “Quando trazemos pessoas de realidades diferentes, espera-se que elas tenham visões de mundo diferentes, mas não garantimos isso com amplitude. Então entramos nessa necessidade de olhar para a diversidade cognitiva, porque ela precisa necessariamente refletir uma diversidade de pensamento, de perspectiva, e ai, sim, aumentamos o potencial de criação.”

A diversidade cognitiva está relacionada à personalidade dos indivíduos, já que cada um tem uma maneira de reunir e processar informações, de tomar decisões e de comunicar. Diante de situações de ganhos e perdas, enquanto alguns focam as recompensas, outros concentram-se nos prejuízos – e aí está um exemplo de distinção cognitiva. Estudos sugerem que os times que entregam melhores resultados são aqueles em que se consegue aproveitar as diferenças para encontrar soluções e resolver desafios.

Uma pesquisa publicada pela Harvard Business Review chegou à conclusão de que as equipes resolvem problemas com mais rapidez quando são cognitivamente mais diversas. O time de pesquisados autores britânicos Alison Reynolds e David Lewis desafiou grupos com diversidade de fenótipos e outros com comprovada diversidade cognitiva (identificada após a aplicação de testes) por mais de 100 vezes nos últimos 12 anos. O resultado foi que alguns grupos se saíram excepcionalmente bem e outros incrivelmente mal, independentemente da diversidade de gênero, etnia e idade. Um aprofundamento do exercício, por sua vez, mostrou uma correlação significativa entre alta diversidade cognitiva e alto desempenho.

“Não podemos detectar facilmente a diversidade cognitiva de fora. Ela não pode ser prevista ou facilmente orquestrada. O próprio fato de ser uma diferença interna exige que trabalhemos duro para superá-la e aproveitar seus benefícios”, explicam os autores em artigo.

VIÉS FUNCIONAL

Um inibidor à divergência de pensamentos pode ser o excessivo enquadramento cultural exigido pelas empresas. Quando um novo funcionário entra na companhia e logo é ensinado sobre como deve se comportar, o que é aceitável em determinados fóruns de discussão, o dress code rigoroso que precisa seguir e o par que o orientará quanto ao modo de conduzir suas tarefas, ele já está abrindo mão de sua forma própria de executar e pensa r – o que vai minando o raciocínio diverso.

“Se eu entrego o que precisa ser entregue, por que tanto apreço ao como? A expressão é de cada um. O que importa é a performance, e não a forma. Acredito que as empresas estejam migrando para esse olhar”, explica a neurocientista Ana Carolina, da Nêmesis.

Segundo os autores do artigo publicado na Harvard Business Review, a tendência é que as pessoas gravitem em torno de colegas que pensem e se expressem de maneira parecida. Como resultado, as organizações geralmente acabam com equipes com ideias semelhantes. Quando isso acontece, dizem os pesquisadores, “temos o que os psicólogos chamam de viés funcional – e baixa diversidade cognitiva”. O viés funcional nada mais é do que seguir o padrão e fazer tudo de acordo com o que o grupo legitima como correto.

A mesma máxima torna-se realidade quando lideranças muito conservadoras e autoritárias tentam imprimir sua forma de agir e realizar em todos os membros do time. Alison Reynolds e David Lewis dizem que “as pessoas gostam de se encaixar, então elas são cautelosas ao não arriscar o pescoço. Quando temos uma cultura forte e homogênea (por exemplo, uma cultura de engenharia, uma cultura operacional ou uma cultura relacional), reprimimos a diversidade cognitiva natural nos grupos por meio da pressão para se conformar”.

Para superar essas barreiras, é importante que os processos de recrutamento identifiquem, além do alinhamento cultural, a diferença de pensamento e recrutem com foco na diversidade cognitiva. E, mais do que isso, como líder, é importante saber estimular um ambiente de discussões saudáveis. Portanto, diante de uma situação nova, incerta e complexa, em que todos concordam sobre o que fazer, encontre alguém que discorde – e valorize essa atitude. O embate se faz necessário.

BOA BATALHA

Um ambiente de conflito respeitoso estimula a inovação. Isso porque a convivência com grupos diversos, em um contexto aberto à discussão, provoca o fenómeno da neuroplasticidade, ou seja, a formação de novas conexões cerebrais que são construídas diante de novidades e durante a troca de experiências – favorecendo, dessa forma, o processo criativo e o aprendizado.

A interação com diferentes formas de pensar e de avaliar o mesmo cenário mantém o cérebro constantemente desafiado, estimulando o pensamento criativo. “Quanto mais convivemos com pessoas diferentes, mais diminuímos a força dos vieses. Ganhamos multiplicidade e passamos a entender que não existe um caminho 100% certo “, explica Ana Carolina.

Autores do livro The Best Team Wins (“O melhor time ganha”, numa tradução livre, ainda sem edição em português), os americanos Adrian Gostick e Chester Elton dedicaram um capítulo para tratar conflitos após estudarem 860.000 profissionais de empresas de diversos setores. A conclusão foi que em grupos onde inexistem contestação e divergências os resultados são menos inovadores e produtivos. Para evitar que tudo seja feito sempre da mesma forma, é preciso que as equipes discordem – e, como mágica, novas ideias surgem. Segundo o livro, bons lideres promovem fóruns de discussão com temas específicos e dão espaço para que os liderados discordem de tudo e de todos, inclusive deles. O primeiro passo é cultivar um ambiente onde as pessoas saibam que podem se manifestar, fazer perguntas e expressar divergências.

Fazer isso é promover o que especialistas chamam de respeito cognitivo, ou seja, a capacidade de criar uma conexão geral e disseminar o entendimento de que cada pessoa tem uma perspectiva válida, mas talvez diferente.

Outra regra é ouvir com respeito, ouvir para aprender e, em seguida, ter curiosidade em construir a partir de ideias novas, em vez de adotar uma visão competitiva. “Valorizar a diversidade é conviver de forma harmônica”, diz Liliane, da Gestão Kairós.

Segundo a neurocientista Ana Carolina, para construir esse caminho as empresas têm investido muito nos aspectos de empatia, lógica de confiança e abertura de diálogo, “Promovendo, assim, um espaço onde é possível discordar, e onde o erro é aceito de maneira saudável, como busca por aprendizado. Trabalhar diversidade cognitiva sem trabalhar soft skills não muda a cultura”, explica.

Outra possibilidade é garantir a mensagem já no momento do recrutamento. “Empresas têm adotado um modelo onboard diferente para garantir que as pessoas coexistam e interajam   entre si, independentemente de suas personalidades”, afirma  Antônio Salvador, da Mercer Brasil.

MUDANÇAS NO PROCESSO

A Braskem, multinacional brasileira da indústria química, está avançando em seu programa de diversidade. Criado em 2014 com foco em aumentar a participação de mulheres no setor, expandiu a atuação, definindo em 2015 os pilares do programa que agora atinge todos os grupos minorizados. Para o próximo ano, a companhia fará reajustes no recrutamento dos estagiários com objetivo exatamente de aumentar a diversidade cognitiva.

“Muitos candidatos esbarravam nas questões de raciocínio lógico, que exigiam aptidão em matemática, e essa não era uma necessidade para todas as vagas”, diz Fernanda Tognolli, analista de employer branding da Braskem e responsável pelo programa de estágio. “Nossa empresa tem uma origem tecnicista, e precisamos de outros tipos de inteligência para agregar transformações à organização”, completa Debora Gepp, responsável pelo programa de diversidade e inclusão da Braskem. Assim, o processo terá uma avaliação diferente: um jogo em que os candidatos vão simular a tomada de decisão diante de um desafio da companhia. “Todas as respostas estarão certas, mas elas dirão respeito como a pessoa pensa, age e toma decisões. Com base nesse teste, vamos identificar a aderência do candidato a determinada vaga”, explica Fernanda.

Isso é interessante porque, com a substituição das provas de matemática pelo teste de tomada de decisão, a Braskem recruta com mais diversidade cognitiva e amplia o escopo dos candidatos: não serão apenas os que tiveram acesso a uma educação mais privilegiada que terão a chance de ser aprovados. “O processo fica mais orientado a trazer profissionais com diferentes perspectivas, diferentes repertórios e comportamentos aderentes do que esperamos. A gente valoriza as competências comportamentais”, diz Débora. “Com isso, esperamos ter um ambiente de mais inovação e disrupção de processos, com pessoas que questionem nosso modus operandi.”

Para promover um ambiente em que os funcionários se sintam à vontade para questionar, a Braskem está investindo em transformações como flexibilização do código de vestimenta e inserção de duas novas competências na avaliação de desempenho: vulnerabilidade (poder errar e não ter todas as respostas) e adaptabilidade (ser flexível e se adaptar a diferentes cenários e pessoas). “Com isso, espera se que as pessoas sintam que podem se expressar verdadeiramente aqui”, diz Fernanda.

MAPEAR É PRECISO

Na Visa, a área de recursos humanos tem aplicado o mapeamento de perfis para identificar as diferenças cognitivas representadas nos times. Recentemente, o setor de marketing recebeu um novo gestor e, para promover uma atividade de aproximação e reconhecimento de toda a área foi aplicada a metodologia insights discovery, que mapeia dados da personalidade de todos os membros da equipe, independentemente do nível hierárquico. “Pela ferramenta conseguimos perceber o estilo, as características de cada um na tomada de decisão, na influência e no relacionamento interpessoal”, afirma Priscila Mônaco, diretora de RH da Visa. Como resultado, os profissionais recebem um relatório detalhado com a análise do comportamento e dos pontos fortes e fracos.

“Compartilhamos qual é o estilo de pensamento e de trabalho de cada um e focamos o modo corno devemos nos comunicar e nos relacionar com cada pessoa, conforme seu jeito. Isso corrobora para uma equipe mais harmônica”, explica Priscila.

Além de se entenderem melhor, os membros dos times acabam ficando mais confortáveis em se expressar verdadeiramente, já que são compreendidos por suas maneiras de pensar. Incentiva-se, dessa forma, um ambiente respeitoso cognitivamente.

Outra vantagem é fazer ajustes para conquistar mais diversidade. “Quando olhamos os resultados, percebemos que tínhamos muita gente do mesmo perfil atuando junta. Entendemos que valia fazer algumas mudanças e trocamos alguns profissionais entre áreas”, afirma a diretora de RH. Ela ainda garante que as equipes que sofreram os ajustes tiveram melhora na performance.

Afinal, com pessoas com o mesmo comportamento, é impossível fazer diferente.

DISCORDAR FAZ PARTE

Veja cinco passos para estimular o pensamento diverso

1. Não punir quem discordar do status quo; ao contrário, incentivar esse comportamento

2. Criar ambientes em que os funcionários se sintam seguros para dar suas opiniões, mesmo que divergentes

3. Capacitar as lideranças para ouvir atentamente ideias fora do padrão e avaliar como os insights devem ser aplicados

4. Mapear os estilos de comportamento e de pensamento das equipes para fazer intercâmbios de pessoas que pensem de maneiras diferentes. Isso diminui a homogeneidade na tomada de decisão.

5. Desenhar programas de recrutamento que ampliem a diversidade, seja atraindo grupos minorizados seja tirando as amarras de testes que padronizem os candidatos

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

O PODER DE CURA DA MENTE

As expectativas do paciente têm enorme influência sobre o sucesso do tratamento e as alterações metabólicas do corpo e do cérebro desencadeadas por placebos já são mensuráveis. O efeito desses agentes é provocado não apenas pela crença, mas por condicionamento

O senhor Wright sofria de câncer terminal. Os médicos já sabiam que só lhes restava tentar diminuir seu sofrimento. No entanto, ele estava confiante: tinha ouvido falar em um novo medicamento chamado Krebiozen – e queria ser tratado com ele de qualquer jeito. Em 1957, o psicólogo Bruno Klopfer (1900-1971), da Universidade da California, em Loa Angeles, descreveu o histórico clínico do paciente no artigo “Magnitude da influência psicológica sobre o câncer. Wright recebeu sua primeira injeção numa sexta-feira. No fim do dia, o médico responsável deixou no hospital um homem com dificuldades para respirar, febril e acamado. Mas na segunda-feira ele já estava passeando alegre pelos corredores e conversando com as enfermeiras. E o mais importante: nos três dias seguintes à aplicação da droga os tumores foram reduzidos á metade do seu tamanho.

Dois meses depois, surgiram na mídia vários relatos controversos sobre a eficiência do Krebiozen que deixaram o senhor Wright bastante inseguro. Ele sofreu uma recaída. Foi então que seu médico decidiu enganá-lo: disse-lhe que a medicação expirava após certo tempo, mas havia agora um outro Krebiozen “melhorado”, duas vezes mais eficiente, recém-lançado. O paciente entusiasmou-se e o médico aplicou-lhe uma injeção – que não tinha uma única molécula do medicamento. Mesmo assim, melhorou ainda mais que da primeira vez: os tumores simplesmente desapareceram.

Tais casos dramáticos sugerem que a expectativa de um paciente em relação ao tratamento tem uma enorme influência: aparentemente, o estado de saúde de Wright dependia fortemente de sua crença no Krebiozen, cuja efetividade, aliás, logo foi contestada. Mesmo as injeções sem nenhuma substância ativa levaram a um sucesso evidente. Nesse caso, os médicos falam em efeito placebo – o poder curativo de um agente que não possui nenhuma substância farmacológica.

CONTRA A DOR

Esse fenômeno é provavelmente tão antigo quanto a profissão de curador. No século XVIII, os médicos utilizavam conscientemente as chamadas “pílulas inertes” quando não tinham nenhum medicamento adequado à mão. Com isso, esperavam apoiar o processo de cura. Na metade do século XIX, as pessoas se impuseram o objetivo de explicar doenças físicas de forma puramente físico-química, o que fez com que, por volta da virada do século, os placebos quase desaparecessem da prática terapêutica.

Nas últimas décadas, porém, a documentação detalhada do uso de pseudotratamentos se multiplicou para quase todos os tipos de patologias. Assim, os placebos ajudam no caso de dores, depressões, ansiedades e problemas cardiovasculares. Também apresentam efetividade considerável na doença de Parkinson em problemas inflamatórios. Mesmo no caso do câncer é possível comprovar um pequeno efeito: pelo menos um estudo estima que em uma parcela de 2% a 7% dos pacientes os cancros reagem a esse recurso.

Mas como eles funcionam? A princípio parece inacreditável que possam reduzir fortes dores em pouco tempo. Será que os pacientes realmente apenas imaginam a recuperação? Ou não têm coragem de admitir para o médico que na verdade não sentem nenhuma melhora? Essa hipótese cai por terra, já que vários estudos comprovaram que os placebos desencadeiam inúmeras alterações mensuráveis no metabolismo do corpo e do cérebro. Recentemente, Donald Price, da Universidade da Flórida, em Gainesville, e seus colaboradores acompanharam pacientes com síndrome do intestino irritável e os submeteram a tomografias por ressonância magnética. Os cientistas constataram que a convicção de que tinham recebido analgésico associava-se a uma atividade neural reduzida em regiões cerebrais processadoras da dor – incluindo as regiões primárias somatossensoriais, onde estímulos dolorosos vindos do corpo chegam em primeiro lugar.

Atualmente, pesquisadores partem do princípio de que a resposta ao placebo ocorre devido a dois componentes: a expectativa e o condicionamento, sendo este último pouco associado à crença e à confiança. Especialistas acreditam hoje que estímulos como a roupa típica dos médicos, aparelhos e odores característicos são suficientes para deflagrar reações físicas inconscientes. Assim, apenas a visão do médico com uma seringa na mão já pode desencadear, em algumas pessoas, efeito positivo, se a situação já foi anteriormente associada a uma recuperação perceptível. Tudo isso ocorre sem que seja necessária a crença explícita na efetividade da substância.

A melhora ou, no melhor dos cenários, a cura dos sintomas, surge da combinação do efeito farmacológico do medicamento com a reação condicionada. Esta última pressupõe experiências positivas com medicamentos e profissionais da área da saúde. O nosso grupo de trabalho, sob a coordenação de Manfred Schedlowski, comprovou em inúmeros experimentos com animais e seres humanos no Hospital Universitário de Duisberg-Essen e na Escola Técnica Federal de Zurique que o condicionamento funciona bem no caso de reações imunes. Para nossos estudos, desenvolvemos um modelo de condicionamento em ratazanas. Utilizamos como estímulo incondicionado (EI) a ciclosporina A (CsA), uma droga imunossupressora, ministrada em pacientes que sofreram transplantes para evitar a rejeição. Concomitantemente à injeção de CsA, oferecemos aos animais uma beberagem até então desconhecida por eles: adoçante sacarina diluído em água. Assim, aparentemente surge no cérebro dos roedores uma associação entre a substância ativa (EI) e a bebida. Esta última transforma-se em estímulo condicionado (EC). Quando apresentamos às cobaias, após essa associação temporária, apenas a solução com sacarina, observamos resposta imune enfraquecida. Como as ratazanas não vinculam nenhuma expectativa consciente à bebida, o efeito placebo deve estar embasado no condicionamento, um processo associativo de aprendizagem e memória. Isso também demonstra que, para que um placebo tenha efeito, não é obrigatoriamente necessário que a pessoa tenha esperança quanto aos resultados.

Estudos com animais que receberam transplantes demonstraram que esse tipo de condicionamento também é clinicamente significativo: as ratazanas sobreviveram durante tempo expressivamente mais longo com o coração de uma outra linhagem do que as cobaias não condicionadas do grupo de controle. Em alguns dos indivíduos submetidos à solução de sacarina, os corações transplantados chegaram a bater durante mais de 100 dias – período considerado de imunotolerância em ratazanas.

Em seres humanos, o condicionamento imunológico com ciclosporina também funciona, como a pesquisadora Marion Goebel, de nosso grupo de trabalho, demonstrou pela primeira vez em 2002, em uma pesquisa com sujeitos saudáveis. Os voluntários tomaram a droga por três dias seguidos na forma de cápsulas, junto com uma vitamina de morango tingida de verde, aromatizada com lavanda. Cinco dias depois, eles receberam a bebida com uma cápsula sem a substância ativa. Consequência: todos os parâmetros imunológicos caíram visivelmente após a administração do remédio.

Será que a tão citada crença no efeito de um tratamento, no final das contas, não é nada mais que um condicionamento? Afinal, seria concebível que o senhor Wright estivesse sugestionado pelas promessas da mídia com base na experiência aprendida de que um medicamento reconhecido e elogiado pela mídia seria eficiente? Diversos resultados de pesquisas, porém, indicam que a expectativa e o condicionamento são processos diferentes. Por exemplo, em 1999 Martina Amanzio e Fabrizio Benedetti, da Universidade dos Estudos de Turim, na Itália, investigaram a influência de pseudo tratamentos por meio de um teste de dor no braço em 229 voluntários. No primeiro grupo experimental, o efeito placebo foi induzido apenas por expectativas. Um dizia aos participantes: “Agora você vai receber um potente medicamento para aliviar a dor” – e injetava-lhes uma simples solução salina. Mesmo assim, essas pessoas sentiam menos dor no teste subsequente do que aquelas que não tinham recebido o reforço verbal.

Os resultados do segundo grupo experimental demonstraram que esse resultado da expectativa se baseava principalmente na ação de opioides, analgésicos produzidos naturalmente pelo corpo: nesse segundo caso, o médico também prometeu uma redução da dor, mas injetou, em vez da solução salina, o antagonista do opioide, Naloxon, ou seja, uma substância que impede que os opioides desenvolvam seu efeito. E, nesse caso, o efeito placebo redutor da dor de fato foi totalmente inexistente!

O pesquisador Jon-Kar Zubieta e seus colegas da Universidade de Michigan, em Ann Arbor, comprovaram por meio de exames por imagem, em 2005, que após a administração do placebo, a atividade neuronal mediada pelos opioides aumenta justamente nas regiões cerebrais que participam do processamento da dor.

LIBERAÇÃO HORMONAL

Mas a sensação dolorosa pode ser aliviada de diversas formas. Assim, os cientistas de Turim administraram a uma parte dos sujeitos durante dois dias consecutivos, antes do teste, a substância analgésica Ketorolac, que tem efeito bastante diferente dos opioides. Mais uma vez, os cientistas conseguiram uma associação do medicamento ao procedimento da injeção. Antes do último teste de dor, os pesquisadores aplicaram uma solução de sal diluído em água.

Resultado, as injeções de placebo tiveram efeito um pouco mais fraco. O fato surpreendente ocorreu quando, em vez desse preparado salino, foi injetado o bloqueador de opioide Naloxon. Aparentemente, nesse caso o placebo era construído por dois componentes: o efeito da expectativa que é transmitido pelos mecanismos opioides – e eliminado pelo bloqueador – e o efeito condicionador que provavelmente funciona da mesma forma que o analgésico utilizado e é, portanto, insensível ao Naloxon.

Provavelmente, o efeito da expectativa interfere fortemente em sintomas dos quais as pessoas têm consciência, como é o caso da dor. Isso está de acordo com uma observação de Fabrizio Benedetti, feita com base em um estudo realizado em 2003. Ele e seu grupo conseguiram suprimir os efeitos placebo analgésicos por meio de sugestões negativas opostas: assim, se um sujeito recebe uma substância inócua que tem a mesma aparência do comprimido que já o ajudou várias vezes, mas o médico diz: “Desta vez você está recebendo uma substância que aumenta a dor”, então o efeito analgésico desaparece.

Curiosamente, esse efeito nocebo não funciona com processos físicos inconscientes, como a liberação de hormônios. No experimento de Benedetti, os sujeitos receberam o medicamento Sumatripan, contra enxaqueca, que estimula a liberação do hormônio de crescimento GH e que, por sua vez, inibe o cortisol, hormônio do stress. A injeção de solução salina no dia seguinte desencadeou um aumento do nível do hormônio de crescimento e uma queda da concentração de cortisol – independentemente de o médico ter acompanhado a aplicação da injeção de sugestões positivas ou negativas.

Um campo bastante promissor para o uso de placebos é o das alergias. Um segundo estudo de Marion Coebel demonstra isso. Ela condicionou pacientes com intolerância à poeira com a administração de uma bebida nova junto com Desloratadin, droga bloqueadora do efeito das histaminas que servem como mensageiras nas reações alérgicas, por cinco dias. Os pacientes que receberam, durante a fase evocatória, um placebo com a bebida, sentiram-se melhor e o teste de pele de alergia teve resultados mais leves.

Além disso, a resposta imunológica enfraquecida também foi detectada pela atividade de determinadas células de defesa – um efeito que não pôde ser atingido somente pela instauração de uma expectativa positiva.

Por meio de qual mecanismo fisiológico os placebos influenciam a resposta imunológica? Uma coisa é certa: nenhum caminho escapa da passagem pelo cérebro. Quando nosso grupo identificou áreas neurológicas que desempenham papel importante no condicionamento de ratazanas, com ciclosporina A e sacarina, o córtex insular revelou-se uma região-chave. Mas a amígdala, que comprovadamente participa de processos de apredizagem, também foi indispensável para o condicionamento imunológico.

Considerando que a maioria dos efeitos placebo apoia-se em uma combinação de condicionamento com expectativa positiva, as respostas imunológicas e hormonais são mais influenciadas pelo condicionamento do que por desejos conscientes. Os dados experimentais também mostram que o efeito placebo quase sempre é maior quando há condicionamento anterior com medicamento efetivo do que em situações em que o pseudomedicamento já é utilizado desde o início do tratamento.

A importância e o condicionamento poderiam explicar por que até hoje não se conseguiu identificar características de personalidade que tornem uma pessoa mais ou menos suscetível aos placebos. Por outro lado, a apresentação do pseudomedicamento é importante: tamanho, cor, frequência da administração e até mesmo o nome – inclusive quanto tempo o médico dedica ao paciente. Hoje os pesquisadores partem do princípio de que o efeito placebo é acentuado quando o procedimento médico parece mais complicado. O uso do pseudotratamento, portanto, distancia-se do simples comprimido sem substância ativa e aproxima-se da simulação convincente de um tratamento real.

Nesse contexto, causou sensação um experimento realizado em 2004 por Cynthia McRae, da Universidade de Denver, no Colorado, no qual pesquisadores implantaram neurônios embrionários no cérebro de pacientes com Parkinson – ou só fingiram que o faziam! Realmente, os 30 voluntários haviam concordado em participar de testes. Pouco antes de iniciar o procedimento, o cirurgião abria um envelope lacrado que o informava se faria uma operação real ou aparente. Em seguida, ele realizava todos os passos da operação em detalhes, apenas as células-tronco faltavam na preparação, em parte das intervenções. Surpreendentemente, após um ano não houve nenhuma diferença significativa em relação aos pacientes dos dois grupos – nem nas suas condições físicas, nem nas psíquicas. Somente a suposição dos voluntários de que tinham participado do grupo que realmente sofreu a intervenção cirúrgica ou dos pseudo-operados influenciou a forma como se sentiram depois.

Os últimos resultados das pesquisas libertam o efeito placebo do limbo do inacreditável e do superficial e o transformam em um recurso terapêutico promissor. Cada vez mais se difunde a ideia de que quando os profissionais da saúde não apenas reforçam a crença dos pacientes no sucesso do tratamento, mas também utilizam conscientemente estímulos condicionados, os benefícios podem ser efetivos – e fazer grande diferença no processo de cura.

APRENDER SEM PERCEBER

Durante a fase de associação, uma ratazana recebeu durante vários dias consecutivos um medicamento imunossupressor (ciclosporina A) como estímulo incondicionado (EI). Concomitantemente, foi oferecida água adoçada com sacarina ao animal e este estímulo neutro transformou-se em estímulo condicionado (EC) por meio do “emparelhamento temporal”. Na chamada “fase evocatória” do experimento, os animais receberam a solução de sacarina sem o medicamento. Resultado: somente a presença da bebida (os animais a evitam depois da etapa de aprendizagem) leva a uma resposta imunológica mais fraca. Quais áreas cerebrais participam da reação imunológica condicionada? Em animais com o córtex insular lesionado (aqui visível em um corte aumentado de um cérebro de rata­ zana) não se pode mais observar a imunossupressão condicionada. Ao que tudo indica, essa área neurológica representa a região-chave para a associação de estímulos químicos (EI e EC). Porém, uma amígdala intacta também é indispensável, mas apenas na fase de associação. O hipotálamo, por sua vez, é necessário só na fase evocatória. Ele provavelmente funciona como uma espécie de porta de saída e regula o caminho do sinal imunossupressor dentro do corpo.

NEM TÃO INÓCUO ASSIM

Os placebos produzem o efeito que seu nome promete: por meio da liberação de dopamina e endorfina, despertam sentimentos agradáveis. Não importa se em forma de comprimido, talismã ou como encenação de uma cirurgia, os placebos funcionam desde que o paciente tenha expectativa de melhora. Os resultados levantam a questão sobre propriedade de uso de comprimidos de lactose ou de amido. Especialistas recomendam o uso de placebos em regime de abstenção de drogas. Afinal, o aumento da produção de dopamina não exigiria necessariamente uma “substância” forte – bastaria um pouco de pó branco, mas inofensivo. Mas é preciso ser prudente. Pois os placebos também não são completamente inofensivos. Há pacientes que reclamam de efeitos colaterais típicos, como sequidão bucal, cansaço, tontura e mesmo distúrbios de visão. Observa-se até mesmo a ocorrência de delírios de abstinência após a suspensão dos pseudo medicamentos.

E mais forte é a objeção segundo a qual os placebos não equivalem aos medicamentos substituídos. Eles produzem efeito, mas de outra maneira. Assim, Helen Mayberg, da Universidade Emory, em Toronto, adverte para o risco do uso exclusivo de placebos. Em seus pacientes depressivos, o medicamento Prozac atuou não apenas com mais eficácia, mas um exame com tomografia por emissão de pósitrons (TEP) indicou também que o fármaco verdadeiro provocou reações em mais regiões do cérebro, em comparação aos efeitos do pseudomedicamento.

EU ACHO …

VITÓRIA NOSSA

O que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia.

Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos ser tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos nem aos outros. Não temos nenhuma alegria que já tenha sido catalogada. Temos construído catedrais e ficado do lado de fora, pois as catedrais que nós mesmos construímos tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos pois isso seria o começo de uma vida larga e talvez sem consolo. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro que por amor diga: teu medo. Temos organizado associações de pavor sorridente, onde se serve a bebida com soda. Temos procurado salvar-nos, mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de amor e de ódio. Temos mantido em segredo a nossa morte. Temos feito arte por não sabermos como é a outra coisa. Temos disfarçado com amor nossa indiferença, disfarçado nossa indiferença com a angústia, disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer “pelo menos não fui tolo”, e assim não chorarmos antes de apagar a luz. Temos tido a certeza de que eu também e vocês todos também, e por isso todos sem saber se amam. Temos sorrido em público do que não sorrimos quando ficamos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso temos considerado a vitória nossa de cada dia.

***CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

PANDEMIA, ANO 2

As mudanças de protocolos e tratamentos ocorridas depois de doze meses de Covid- 19 por meio dos heróis de Jaleco do Hospital Albert Einstein, em São Paulo no diagnóstico da doença

Faz só um ano e parece uma eternidade. O presidente Jair Bolsonaro divulgara um vídeo convocando a população a apoiá-lo em uma série de manifestações contra o Congresso Nacional; programadas para dali a vinte dias, em 15 de março.  As primeiras páginas dos jornais publicaram a foto do humorista Marcelo Adnet, destaque da escola de samba São Clemente, na pele do capitão que ocupa o Planalto, com o ridículo gesto da arma nas mãos. Na véspera, a Viradouro atravessara a Sapucaí com pinta de campeã, ao contar a história das lavadeiras da Lagoa do Abaeté, em Salvador. Em um dos camarotes da avenida, a atriz Malu Mader temia pelo fracasso de Regina Duarte na Secretaria de Cultura. Roberto Carlos levava ao delírio milhares de fãs a bordo do navio MSC Fantasia, atracado em Búzios. A Amazon abria seu primeiro supermercado sem caixas nos Estados Unidos. Donald Trump não parava de tuitar. Íamos ao cinema para ver Minha Mãe é uma Peça 3. E, então, como senha para o início de um novo tempo, na noite da terça-feira 25, o Ministério da Saúde anunciou a descoberta do primeiro caso do novo coronavírus no Brasil. Na sua edição, VEJA daria capa com uma chamada forte: “Ele está entre nós”.

Aquele 25 de fevereiro, terça-feira gorda de Carnaval, hoje é história, capítulo inicial de uma Quarta-Feira de Cinzas que se estenderia por doze meses infindáveis, e ainda está entre nós — e, não por acaso, a festa de 2021 nas ruas e nos clubes foi cancelada, triste e necessariamente. Naquele dia de 2020, a diretoria do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo, avisou as autoridades de que, na segunda-feira 24, um homem de 61 anos, J.C.F.C, que chegara três dias antes de uma viagem a trabalho na Lombardia, no norte da Itália, com embarque em Milão e conexão em Paris, fora ao pronto-socorro da instituição paulistana com sintomas típicos de Covid-19 — tosse seca, febre, dor de garganta e coriza. Com resultado positivo, anunciado a uma bióloga por WhatsApp, ele fora liberado para isolamento doméstico e rigoroso acompanhamento do estado clínico. O mundo contabilizava então 2 834 mortes em decorrência do vírus, 2 747 delas na China, e 82 329 casos. Hoje são 2,4 milhões de mortes, das quais mais de 250.000 no Brasil, e pelo menos 110 milhões de casos globais. Há um ano, de modo a acompanhar os primeiros passos hospitalares depois do susto inicial, no Brasil, estivemos no coração do Albert Einstein, mergulhado em um dia a dia de responsabilidade e drama — voltou agora para descrever os avanços de tratamento e as mudanças de protocolos, com muito mais compreensão do vírus, mas colossal pressão imposta por um ano extenuante na luta contra o inimigo invisível. O novo cotidiano do Einstein que registramos ajuda a trilhar uma aventura humana ancorada na ciência que poderia receber o seguinte título: “Pandemia, ano 2”. “O surto não está sendo um marco apenas para o Einstein”, diz Sidney Klajner, presidente da instituição. “Mudou profundamente a forma de trabalhar e as reações emocionais dos profissionais de saúde em todo o país.”

Na história oficial da chegada do novo coronavírus ao Brasil, caberá sempre espaço para um personagem central, o infectologista Fernando Gatti, 44 anos. Foi ele quem suspeitou estar diante do primeiro caso de infecção e quem, depois da alta, nunca mais abandonou os laços de amizade e carinho com o paciente zero. Os dois estabeleceram uma relação de extrema confiança. O executivo, que desembarcara da Itália, e que nunca quis se expor publicamente, procura o médico com frequência para discutir e tirar dúvidas a cada nova notícia sobre a infecção. O peso de estar no coração da pandemia desde o princípio foi avassalador na vida de Gatti. O movimento de seu consultório aumentou 150% ao longo do ano. As mensagens de pacientes e colegas em busca de informações sobre a doença passaram a piscar no celular dia e noite, sem parar. Em um ano, engordou 10 quilos e conviveu muito pouco com o filho de 3 anos. Foi diagnosticado com a chamada síndrome de Burnout, ou síndrome do esgotamento profissional, distúrbio provocado pela exaustão extrema, sempre relacionada ao trabalho. A percepção veio quando começou a sentir um cansaço crônico e ter ataques de choro sem motivo palpável. Parou por dez dias, foi tratado com antidepressivos, e terminou por voltar em ritmo igual. Atendeu pacientes na véspera e nos dias de Natal e Ano-Novo. “Começamos praticamente do zero e com extrema dedicação, mas estamos conseguindo mudar o percurso da Covid-19”, diz ele.

A figura de Gatti, o pioneiro, é espelho de uma engrenagem incansável do Einstein — a de atenção com os cuidados terapêuticos e a absorção de novidades na briga contra a pandemia. O Einstein é simultaneamente vetor de descobertas e esponja de reputados estudos internacionais. Pelo menos cinquenta especialistas, entre médicos, biólogos, farmacêuticos e equipes de enfermagem, foram designados a ler, traduzir e compilar artigos científicos sobre o vírus — num total de estrondosos 30 000 trabalhos esmiuçados. Dentro de duas semanas, a nova empreitada será a participação nos testes de uma vacina, a Covaxin, do laboratório indiano Bharat Biotech, com aplicação de doses em 3.600 voluntários. Outros dois imunizantes devem também entrar para o rol de pesquisas do hospital. Desse modo, o Einstein sabe fazer parte de um movimento único na história da medicina moderna, no qual foram investidos globalmente 20 bilhões de dólares em 61 países, na lida com oito vacinas já sendo injetadas e outras dezesseis em fase de investigação final. É corrida que parece estar refletida permanentemente nos vidros e corredores de uma organização de saúde pega no olho do furacão.

Aprende-se a cada minuto, de uma ponta a outra da doença, da contaminação às terapias. Já não há, entre os orgulhosos profissionais de jaleco do Einstein, o receio dos dias iniciais. “Quando chegava um paciente com Covid-19, pensávamos que invariavelmente seríamos contaminados pelo vírus”, diz o infectologista Moacyr Silva, 47 anos, na linha de frente do atendimento de doentes contaminados, que foi capa de revistas em 2020. “Com o tempo, percebemos que a paramentação correta reduz o risco ao mínimo.” As incertezas iniciais em torno da proteção mais primária chegaram a ser estimuladas até mesmo pela própria Organização Mundial da Saúde, que minimizou por um bom tempo a importância do uso de máscaras — e, sabe-se hoje, portá-las é tão imprescindível quanto manter o distanciamento social. Os equipamentos de segurança do Einstein são usados, acertadamente, à profusão. Os números são homéricos. Em um ano, foram quase 11 milhões de máscaras utilizadas, entre as cirúrgicas simples e a mais recomendada, a já famosa N95. Até agora, o Einstein registrou 3 351 profissionais da saúde infectados, o equivalente a 20% do total, quase a metade da média global. Entre eles, ressalve-se, o próprio Moacyr Silva — que, atrelado à modéstia dos grandes, ainda assim insiste em celebrar o pequeno risco de quem se protege adequadamente.

Os obstáculos a que foram submetidos heróis como ele, e não há exagero em tratá-lo desse modo, resultaram em vitórias. Os bons frutos decorrentes dos esforços médicos podem ser contabilizados, um ano depois. Hoje, no Brasil, a taxa de mortes é de 2,65% dos infectados e a de pessoas recuperadas de 97,35%. No longínquo mês de março, a proporção era outra: 38,72% de recuperação e 61,28% de mortalidade. Um dos grandes motores dessa inversão foi o entendimento de se estar lidando com uma doença que vai além de um problema respiratório e pulmonar. O novo coronavírus ataca vários órgãos do corpo, em especial o cardiovascular. Estudo publicado na revista Jama Cardiology identificou a presença do microrganismo no músculo cardíaco em 60% das vítimas autopsiadas. O vírus aumenta o risco de trombose, coágulos que se formam dentro de um vaso. “Quatro em cada dez mortes por Covid-19 são em decorrência de complicações cardíacas”, diz Ludhmila Hajjar, professora de cardiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e intensivista da Rede D’Or. Era informação até há pouco tempo desconhecida. O controle cardíaco é, portanto, atalho para remissões mais rápidas e consistentes.

Descobriu-se também que o vírus provoca muitas vezes uma reação do sistema imunológico exagerada e isso faz com que o organismo crie uma intensa atividade inflamatória, difícil de controlar. Os corticoides, potentes anti-­infla­ma­tó­rios são agora introduzidos nos tratamentos, capazes de acalmar o processo e reduzir o número de mortes em 30%. Foi crucial, ainda, o investimento na redução do tempo de resultado dos testes de rastreamento de Covid-19. O mais elaborado deles, o chamado PCR, considerado o padrão ouro no diagnóstico da doença, chegou a demandar um prazo de dez dias para entregar resultados. “Hoje, totalmente automatizados, exigem somente dois dias, e logo será apenas um”, diz João Renato Rebello Pinho, coordenador do Laboratório de Técnicas Especiais do Einstein.

Há entusiasmo, depois de tanta descrença, mas há ainda um bom caminho pela frente rumo ao fim da pandemia, e as curvas atuais no Brasil impõem cautela. “Estamos quase empatando o jogo contra o vírus”, diz Luiz Vicente Rizzo, diretor superintendente do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa do Einstein. “E, quando isso ocorrer, será uma questão de muito pouco tempo para vencê-lo de vez”. As novas variantes estão entre os desafios para a ciência. Ainda não há consenso se são mais ou menos letais, mas sabe-se que aumentam o número de reinfecções, como se verificou em Manaus, origem de uma das mutações recentes do novo coronavírus. Pesquisa publicada na revista Science mostrou que cerca de 80% da população da capital amazonense já tinha anticorpos da doença e, mesmo assim, parte dela se reinfectou com a nova variante. A questão: vacinas serão eficazes contra elas? Muito provavelmente sim, é o que indicam trabalhos recentes. Todos os vírus mudam seu material genético, e na maioria das vezes as mutações não conferem vantagens nem desvantagens, são meras consequências aleatórias e naturais. O agente da gripe, por exemplo, tem uma taxa de mutação que é o dobro em relação às identificadas no novo coronavírus. A do HIV, quatro vezes maior. Estima-se que as vacinas para Covid-19 tenham de ser reformuladas a partir de 2022 — mas não agora. Não há aí nenhum grande susto. Todo ano os antígenos para gripe têm de ser modificados. “Até o próximo ano, a eficácia dos imunizantes atuais será suficiente para reduzir dramaticamente o número de mortes, casos graves e hospitalizações”, diz Salmo Raskin, geneticista da Sociedade Brasileira de Genética Médica que participou da equipe internacional do Projeto Genoma Humano.

A pandemia virou o ano vivíssima, assusta, mas já não pode ser resumida ao espanto e imprevisibilidade dos tempos inaugurais, quando um profissional como Fernando Gatti começou a enfrentar o desconhecido, e teve de vencê-lo na marra. A melhor imagem atual talvez seja a de seu sorriso largo, embora tímido, na terça-feira 16, ao exibir o registro de vacinação com a CoronaVac do Butantan. Assim, de maneira esperançosa, ancorada nas certezas científicas, começa o segundo ano da pandemia.

CURVAS DE ESPERANÇA

Os avanços da medicina no tratamento da infecção hoje salvam mais vidas (taxa de recuperação e mortos em porcentagem no Brasil

O RETRATO DA INFECÇÃO

Os casos no mundo

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 26 DE FEVEREIRO

GENEROSIDADE, FONTE DA PROSPERIDADE

A alma generosa prosperará, e quem dá a beber será dessedentado (Provérbios 11.25).

A prosperidade não é resultado da usura, mas da generosidade. A avareza é a mãe da pobreza, mas a generosidade é a progenitora da prosperidade. Aqueles cujo coração foi aberto por Deus têm mãos e bolsos abertos para socorrer os necessitados. Jesus Cristo disse que mais bem-aventurado é dar do que receber. A contribuição não é um favor que fazemos às pessoas, mas uma graça que recebemos de Deus. Quando abrimos a mão para ofertar, estamos investindo em nós mesmos e semeando em nosso próprio campo. Quem dá ao pobre empresta a Deus, que jamais fica em débito conosco. Deus multiplica a sementeira daquele que semeia na vida dos seus irmãos. Quem dá alívio aos outros, alívio receberá. A Bíblia diz: Bem-aventurado o que acode ao necessitado; o Senhor o livra no dia do mal. O Senhor o protege, preserva-lhe a vida e o faz feliz na terra; não o entrega à discrição dos seus inimigos. O Senhor o assiste no leito da enfermidade; na doença, tu lhe afofas a cama (Salmos 41.1-3). Quando damos a beber a quem tem sede, dessedentamos a nós mesmos. O bem que fazemos aos outros retorna para nós em dobro. No reino de Deus temos o que damos e perdemos o que retemos.

GESTÃO E CARREIRA

CONTROLAR OU NÃO CONTROLAR?

No home office de emergência da pandemia essa é uma questão que tem causado muitas dúvidas. Veja o que fazer

O trabalho à distância parece ter vindo para ficar. De acordo com uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, a prática deve crescer 30% no mercado brasileiro pós-crise. Embora o teletrabalho tenha caído nas graças das companhias, existem diversas dúvidas jurídicas sobre a questão. Uma delas diz respeito à jornada: é necessário controlá-la em casa?

A Reforma Trabalhista, aprovada em 2017 e parte da legislação vigente, diz que não e que acordos devem ser feitos entre empregado e empregador. O problema que a aplicação Integral do trabalho remoto em caráter de emergência tem causado Interpretações diferentes sobre a lei.

Para remediar os efeitos da pandemia, partiu do Executivo a edição da Medida Provisória 927 em março de 2020, que isentou empregadores de regras estipuladas na CLT para a adoção de teletrabalho, como a necessidade de aceite do empregado para iniciar suas funções na modalidade remota ou aviso prévio de 15 dias e aditivo contratual – o prazo caiu para 48 horas. Além disso, a MP suspendeu a necessidade de fazer uma adição ao contrato de trabalho falando sobre o home office. A medida provisória não foi votada pelo Congresso, o que garantiria sua vigência. Suas disposições tem se mantido de pé apenas pelo decreto de calamidade pública, aprovado pelo Senado em março, que tinha data de validade até dezembro de 2020. O que vai acontecer depois é incerto. Por isso, é preciso se preparar.

Para o especialista em direito empresarial, Marcus Vinícius de Carvalho Ribeiro, embora a CLT explicite que não é preciso supervisionar o tempo de jornada no teletrabalho, empregados em regime de home office transitório (que estão assim exclusivamente por causa da pandemia e que, em algum momento, retornarão às atividades presenciais) devem ter algum tipo de monitoramento. É necessário que as empresas tenham o controle de jornada, pois não há Legislação olhando para esses casos”, diz.

Benefícios como cadeira ergonômica e ajuda de custo para despesas de internet e luz também não são obrigatórios legalmente. Mas Andrea Massei, sócia da divisão trabalhista do escritório de advocacia Machado Meyer, faz um alerta: “Algumas convenções coletivas têm previsões nesse sentido e estipulam taxas fixas mensais que a empresa deve pagar para fins de ajuda no custeio do acréscimo de despesas”.

VAMOS COMBINAR

Como prevenção, os advogados sugerem a criação de uma política interna de home office e a redação de aditivos contratuais. “Se as empresas têm a intenção de permanecer nesse regime, é importante regular seus aspectos: como o teletrabalho vai acontecer, quem é elegível, quais são as questões de segurança, medicina, custeio e equipamentos”, diz Andrea.

Segundo Jacqueline Resch, fundadora da consultoria Resch RH, o controle de ponto por meio de acesso à máquina do funcionário tem sido uma opção adotada por algumas empresas. Porém, isso não é necessariamente efetivo na garantia de produtividade e entregas. E mais: lideranças com perfil de micro gerenciamento podem acabar frustradas por não entenderem a forma de produtividade mais flexível que o momento pede.

Neste mundo em que tudo muda constantemente, ninguém – nem o líder – dá conta de ficar no micro gerenciamento -, analisa.

Mas as companhias precisam ficar atentas. Por não haver ainda multas decisões sobre o pagamento de horas extras em regime de teletrabalho, Marcos Vinícius alerta ser imprevisível como os juízes vão julgar o tema daqui para a frente. Porém, se um empregado se sentir excessivamente cobrado e pressionado a trabalhar muito mais horas para dar conta das tarefas e não tiver a intrajornada respeitada, ele poder recolher provas (troca de mensagens em aplicativos como WhatsApp e de e-mails, por exemplo) e requerer indenização por assédio moral e recebimento de horas extras. “É muito fácil comprovar a hora extra considerando conversas por meios eletrônico”, diz Marcus Vinícius.

TRÊS ASPECTOS IMPORTANTES

Fornecer condições de trabalho e alinhar direitos e deveres faz a diferença

FERRAMENTAS

O empregador não é obrigado por lei a fornecer ferramentas de trabalho, mas pode ser acionado judicialmente em caso de doença adquirida pelo funcionário durante o teletrabalho. No dia a dia, a falta dessas ferramentas também pode impactar na produtividade individual.

REGRAS

Os trabalhadores que adotaram o teletrabalho durante a vigência da Medida Provisória 927 podem permanecer sem aditivo contratual e aceite. Já os que entrarem nesse regime após o fim da vigência da MP precisarão de aditivo contratual, aceite e aviso sobre home office com 15 dias de antecedência.

É recomendável criar políticas internas descrevendo direitos e deveres de empregados e empregadores.

ALTERNATIVA

Uma alternativa para o controle de jornada é realizar um ritual de metodologia ágil chamado daily. Nele, os membros de uma equipe têm entre 15 e 30 minutos para dar um panorama geral das tarefas que vão realizar no dia, sinalizar para o gestor as entregas do dia anterior e apontar as dificuldades presentes.

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

VOU DEIXAR PARA AMANHÃ …

A tendência à procrastinação tem comprometido a carreira, a saúde e a vida financeira de muita gente; embora a biologia possa ser responsabilizada – pelo menos em parte – por esse hábito, é possível se livrar dele

Um jovem advogado, denominado aqui pela inicial de seu primeiro nome, R., era conhecido no escritório por adiar o retorno de importantes ligações de negócios e a assinatura de súmulas legais. O comportamento que a princípio parecia inofensivo passou aos poucos a ameaçar seriamente sua carreira, o que o fez buscar a ajuda do psicólogo clínico William Knaus, de Longmeadow, Massachusetts. Ele entregou a R. uma sinopse de duas páginas sobre procrastinação, pediu-lhe que a lesse e “verificasse se a descrição se aplicava”.

R. concordou em fazê-lo durante um voo para a Europa. Em vez disto, assistiu a um filme. A seguir, prometeu que leria na primeira noite no hotel, mas caiu no sono cedo. Depois disto, a cada novo dia, surgia algo mais urgente a ser feito. No fim, segundo o cálculo de Knaus, o advogado gastou 40 horas adiando uma tarefa que ele completaria em, no máximo, 15 minutos.

O fato é que quase todo mundo ocasionalmente adia decisões e tarefas. É o que o economista Piers Steel, professor da Universidade de Calgary, no Canadá, define como procrastinar voluntariamente uma ação pretendida, apesar de saber que essa atitude lhe trará consequências negativas – que poderia facilmente evitar. Mas é preocupante que, assim como R., cerca de 20% dos adultos adiem rotineiramente atividades que melhor seria se fossem realizadas imediatamente. De acordo com uma pesquisa de 2007, coordenada por Steel, o problema aflige colossais 90% dos universitários, cujos horários acadêmicos lotados e distrações como “festa na república” os colocam em situações de desconforto.

Procrastinar não significa programar deliberadamente tarefas menos cruciais para momentos futuros. O termo é mais adequado para situações em que uma pessoa deixa de seguir essa lógica e acaba adiando as tarefas de maior urgência. Ou seja, se o simples pensamento sobre o trabalho de amanhã provoca um arrepio no pescoço ou a compulsão de fazer algo mais trivial, a pessoa provavelmente estará procrastinando.

O pendor para adiamento cobra seu preço. A procrastinação acarreta perdas financeiras, coloca em risco a saúde, prejudica relacionamentos e põe fim a carreiras. “A procrastinação mina o bem-estar, mas pode haver ganhos secundários recorrentes do mau hábito: os perpetuamente vagarosos parecem obter benefícios emocionais da tática que é sua marca registrada, que sustenta a inclinação humana de evitar o desagradável”, observa o psicólogo Timothy A. Pychyl, diretor do Grupo de Pesquisa de Procrastinação da Universidade Carleton, em Ottawa.

Ao longo da vida, aprendemos a adiar atividades, mas certos traços estruturais da personalidade aumentam a probabilidade de uma pessoa adquirir o hábito. “Procrastinação é uma dança entre o cérebro e a situação”, diz Pychyl. A concepção “natureza versus criação” faz parte de uma nova linha de pesquisa sobre o processo e a prevenção da procrastinação.

FALTA DE FOCO

Sucumbir às seduções do adiamento pode ser custoso. Especialistas estimam que 40% das pessoas tiveram uma perda financeira por causa da procrastinação, grave em alguns casos, por adiar pagamentos, decisões acerca de investimentos, compras ou vendas. Em 2002, os americanos pagaram US$ 473 milhões a mais em impostos como resultado da pressa e dos erros consequentes. A exiguidade dos fundos para a aposentadoria entre os americanos pode ser, em parte, atribuída ao fato de as pessoas adiarem o momento de separar de lado algum dinheiro. E no Brasil a prática de “deixar para a última hora” é cada vez mais comum.

A procrastinação também pode pôr a saúde em risco: depois de realizar uma triagem para colesterol alto em mais de 19.800 pessoas, a epidemiologista Cynthia Morris e colegas da Universidade de Saúde e Ciência de Oregon relataram em 1990 que 35 % dos que tomaram conhecimento de que tinham colesterol elevado adiaram a consulta com um médico por pelo menos cinco meses. Em 2006, a psicóloga Fuschia Sirois, da Universidade de Windsor, em Ontário, relatou em um estudo com 254 adultos que os procrastinadores tinham níveis mais altos de stress e problemas agudos de saúde, em comparação com indivíduos que concluíam as tarefas no momento oportuno. Os procrastinadores também fizeram menos checkups médicos e odontológicos e tiveram mais acidentes domésticos, resultado do adiamento de tarefas monótonas, como a manutenção de utensílios eletroeletrônicos.

A aversão a tarefas é um dos principais gatilhos externos da procrastinação. Quem deixa para fazer depois algo que adora? De acordo com a análise de Steel, metade dos estudantes universitários pesquisados citou a natureza da própria tarefa como o motivo da protelação. Sem dúvida, poucos se entusiasmam com a tarefa de escrever uma dissertação sobre a reprodução dos nematoides ou de limpar o armário. “Procrastinação muitas vezes tem a ver com a falta de projetos em nossa vida que realmente reflitam nossas metas”, diz Pychyl.

Somos mais propensos a nos distrair e a procrastinar quando o prazo parece a entrega de um projeto está distante. O motivo está num fenômeno conhecido como retardo temporal, que significa que quanto mais perto uma pessoa estiver de uma recompensa (ou de uma sensação de realização), mais valiosa parecerá a gratificação e, portanto, menos provável será que ela adie a realização do trabalho necessário para merecê-la. Em outras palavras, gratificação imediata é mais motivadora que os prêmios ou louvores a serem acumulados num futuro distante – o que pode ter forte base evolutiva. O futuro para as pessoas da   Idade da Pedra era, na melhor das hipóteses, imprevisível. “Portanto, havia verdade no dito ‘mais vale um pássaro na mão que dois voando’. Em prol da sobrevivência, os seres humanos têm tendência à procrastinação embutida em seu cérebro”, diz Pychyl.

Em 2004, o neurocientista Barry Richmond e colegas do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos relataram a descoberta de uma base biológica dessa tendência. Primeiro, a equipe treinou macacos a soltar uma alavanca sempre que um ponto vermelho na tela do computador se tornasse verde. Quando as cobaias continuavam a soltar corretamente a alavanca, o brilho de uma barra cinza aumentava, deixando que os animais soubessem que estavam se aproximando de uma recompensa, uma guloseima. Assim como os procrastinadores humanos, os animais eram relaxados durante as primeiras etapas do experimento, cometendo muitos erros. Mas quando o saboroso prêmio ficou mais próximo, os animais permaneceram na tarefa e cometeram menos equívocos.

Os pesquisadores levantaram a hipótese de que o neurotransmissor dopamina, um dos responsáveis pela sensação de recompensa, poderia estar na base desse comportamento. Trabalhando com Richmond, o geneticista molecular Edward Ginns utilizou um engodo molecular chamado DNA antissentido para impedir parcialmente a produção de um receptor de dopamina na região do cérebro dos macacos chamada córtex rinal, que associa indícios visuais com recompensa. A intervenção diminuiu os efeitos da dopamina até o ponto em que os animais não conseguiam mais prever em que momento do experimento teriam a guloseima. Assim, eles reforçaram as apostas, trabalhando duramente o tempo todo.

Mas nem todos os macacos com respostas diminuídas de dopamina se comportaram da mesma maneira. Alguns permaneceram sossegados depois do tratamento que reprimia a dopamina, empenhando-se pouco, mesmo quando o tempo até a recompensa diminuiu. Essa observação nos alerta sobre as características individuais da procrastinação: alguns de nós somos mais propensos a ela.

No final do século XX, alguns psicólogos começaram a estudar cinco grandes traços que se combinam para descrever a personalidade: conscienciosidade, afabilidade, neuroticismo, abertura a experiências e extroversão. De acordo com Steel, o grau em que uma pessoa exibe cada um desses traços ajuda a determinar a inclinação desse indivíduo à procrastinação.

A característica mais fortemente ligada à procrastinação é a conscienciosidade – ou a falta dela. Uma pessoa altamente conscienciosa é zelosa, organizada e diligente. Portanto, alguém que não apresente esse traço tem alta probabilidade de procrastinar. “Impulsivos também são proteladores em potencial. Não conseguem proteger uma intenção da outra, portanto, distraem-se à toa com as tentações – digamos, a oferta de uma cerveja – que surgem repentinamente no meio de um projeto, como redigir um trabalho de fim de semestre “, diz Pychyl.

FÓRMULA DO ADIAMENTO

A procrastinação também se origina da ansiedade, uma ramificação do neuroticismo. Muitas vezes, procrastinadores protelam por medo do fracasso, receio de cometer um erro ou de não lidar bem com o sucesso. Estes traços de personalidade entram em cena em situações particulares, em combinação com o ambiente. Os pesquisadores agora estão tentando capturar a interação natureza-criação para unificar as teorias existentes da procrastinação e predizer quem tem propensão ao adiamento de tarefas importantes e em quais circunstâncias. Steel desenvolveu uma fórmula matemática que define “utilidade”, ou seja, quão desejável uma tarefa é para um indivíduo. Para determinar a utilidade de uma tarefa e, portanto, a probabilidade de uma pessoa realiza-la imediatamente, Steel reúne quatro fatores básicos, expectativa (E), valor (V), retardo até a recompensa ou punição (D) e sensibilidade pessoal ao retardo (f), na seguinte equação:

Quando uma pessoa espera se sair bem numa atividade ou valoriza essa tarefa, é mais propensa a fazê-la. Logo, um número maior para expectativa ou valor aumentará a utilidade. Por outro lado, se uma recompensa ou punição se situar muito longe no futuro ou se uma pessoa for particularmente “sensível”, implicando distraível, impulsiva ou com falta de autocontrole, ela será bem menos propensa a fazer a tarefa, pelo menos a tempo.

Vários cientistas discordam da ideia de que um comportamento humano complexo possa ser definido por uma fórmula matemática. “Isto nos leva a acreditar que, se eu colocar números ali eu poderia lhe dizer o que você estará fazendo na próxima sexta-feira”, explica Pychyl. Mesmo assim, a equação de Steel é uma tentativa inicial de unificar várias teorias motivacionais e psicológicas da procrastinação e de dar um arcabouço para futuras pesquisas.

Em lugar de quantificar os traços de personalidade e resolver fórmulas, alguns pesquisadores preferem “extrair” a psicologia por trás do comportamento. Dois elementos importantes no desejo de deixar que os projetos desmoronem são a sensação de desconforto com uma atividade e o desejo de evitá-lo. “Um procrastinador diz, ‘eu me sinto horrível com uma tarefa’, e, portanto, me afasto para me sentir melhor”, explica Pychyl. O psicólogo Joseph Ferrari, da Universidade DePaul, cunhou a expressão “procrastinador por esquiva” para descrever aquele em quem a evitação é a principal motivadora.

Outro propulsor psicológico da protelação é a indecisão. Digamos que uma mulher pretende visitar uma amiga no hospital Em lugar de simplesmente apanhar as chaves e sair, a procrastinadora indecisa começa a debater internamente se irá de carro ou pegará o metrô. A dúvida pode continuar até que passe tempo bastante para que o horário de visita se encerre.

Uma terceira explicação muitas vezes citada para um atraso irracional é o estado de excitação. O “procrastinador pela excitação ” jura que trabalha melhor sob pressão e precisa da adrenalina do último minuto para dar a partida. Essa pessoa acredita que a protelação propicia uma experiência que o psicólogo Mihaly Csíkszentmihályi, da Escola Drucker de Administração da Universidade de Pós-Graduação de Claremont, define como se perder na atividade. Nesse momento, é como se o tempo desaparecesse e o ego se dissolvesse.

Mas procrastinação não facilita o fluxo, de acordo com o cientista social Eunju Lee, da Universidade Halla, da Coreia do Sul. Em 2005, ele relatou uma pesquisa com 262 estudantes e descobriu que os procrastinadores tendiam a ter menos, e não mais desse tipo de experiência. Afinal, uma pessoa precisa conseguir se libertar de si própria para “se perder” dentro de uma experiência, e os procrastinadores geralmente têm dificuldade em fazê-lo.

Pychyl e seu aluno de pós-graduação Kyle Simpson mediram os traços associados à excitação, entre os quais a busca de emoções e a extroversão, em estudantes que frequentemente procrastinavam. Na tese de doutorado de Simpson, ele e Pychyl mostram que nenhuma dessas qualidades explicava o desperdício de tempo que os estudantes relatavam. Portanto, provavelmente, os procrastinadores não estão realmente precisando de excitação, mas usam a crença de que precisam da pressão do último minuto para justificar o fato de estarem se arrastando vagarosamente, quando, na verdade, tentam contornar o desprazer. Outros, protelam estrategicamente os projetos como desculpa para um eventual mau desempenho. Dizem a si mesmos ou aos outros que poderiam ter se saído melhor se tivessem começado antes. Tal estratégia pode, em alguns casos, servir de escudo para um ego frágil.

TRUQUES DO OFÍCIO

Procrastinação nem sempre é prejudicial. Em uma pesquisa de 2007 com 67 universitários, que se reconheciam como “adiadores” de tarefas, o psicólogo Gregory Schraw, da Universidade de Nevada, Las Vegas, e colegas aprenderam que esses estudantes tinham encontrado maneiras criativas de usar o mau hábito a seu favor. Muitos deles, por exemplo, só escolhiam cursos nos quais o professor oferecia um sumário detalhado, em lugar de um esboço grosseiro, dos trabalhos a serem entregues. Essa especificidade permitia adiamentos “planejados”: os estudantes poderiam programar como prorrogar a execução da tarefa e, desta forma, se dar ao luxo de ter o máximo de tempo para atividades mais atraentes.

Para lidar com a culpa e a ansiedade acarretadas pela espera até o último minuto, alguns jovens adquiriam logo todos os livros necessários para a realização do trabalho – e os punham numa prateleira. Os estudantes diziam que, quando faziam isso, era como se “colocassem na prateleira” os incômodos pensamentos sobre a tarefa. Também se desviavam da culpa, dizendo a si próprios: pelo menos providenciei os livros. Só 48 horas antes do prazo para a entrega do projeto o procrastinador passava a produzir freneticamente para conseguir terminar a tarefa. Consequentemente, os estudantes faziam o máximo num tempo mínimo – com um mínimo de dor.

Portanto, embora esses alunos estivessem adiando o trabalho por mais tempo do que deveriam, ainda assim conseguiam terminar a tarefa e, ao mesmo tempo, manter a sanidade. Schraw enfatiza que seu estudo não pretende defender a procrastinação, mas destacar que a prática é capaz de engendrar algumas aptidões úteis para a sobrevivência, como planejamento tático, para realizar uma tarefa em tempo limitado e com o mínimo de tensão. “A moral da história é que as pessoas protelam na tentativa de ter uma vida mental melhor”, diz Schraw.

HORA MARCADA

Mas nem todos os especialistas concordam com ele. De fato, a análise de Steel sugere que 95% dos procrastinadores gostariam de mudar essa característica, mas não conseguem. “Hábitos são processos cerebrais não conscientes. Quando a procrastinação se torna crônica, uma pessoa está essencialmente andando em piloto automático”, diz Pychyl.

Alguns especialistas sugerem substituir o reflexo de protelação pelas prescrições de ação cronologicamente determinadas. O psicólogo Peter Gollwitzer, das Universidades de Nova York e de Konstanz, Alemanha, aconselha a criação de “intenções de implementação”, que especificam onde e quando uma pessoa exibirá determinado comportamento. Então, em vez de colocar uma meta vaga como “vou ficar saudável”, ela define uma estratégia, inclusive cronológica, embutida: digamos, vou encaminhar amanhã, às 7h30″, por exemplo, ou “a partir de hoje deixo de comer carne vermelha”.

PRAZOS PRÓPRIOS

A definição de prescrições tão específicas parece realmente inibir a tendência de procrastinar. Em 2008, o psicólogo Shane Owens e colegas da Universidade Hofstra demonstraram que procrastinadores que produziam intenções de implementação eram oito vezes mais propensos a cumprir uma intenção do que aqueles que não usavam esse recurso. ‘Você precisa criar, de antemão, um compromisso específico com uma hora e lugar em que você agirá. Isto o tomará mais propenso a ir até o fim”, diz Owens.

Um cronograma inteligente também pode frustrar a procrastinação. Em um experimento de 2002, o economista comportamental da Universidade Duke, Dan Ariely, que na época era do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, e o professor de marketing Klaus Wertenbroch, da lnsead, uma escola de administração com campi na França e Cingapura, pediram a alunos de um curso para executivos que determinassem seus próprios prazos para a entrega de três monografias naquele semestre. Ariely e Wertenbroch estabeleceram punições, impostas para aqueles que se atrasassem. Entre os estudantes, 70% escolheram datas de entrega espaçadas ao longo do semestre, em vez que agrupá-las no final do curso. O curioso foi que aqueles que definiram prazos menores se saíram melhor, em média, que os frequentadores de um curso similar, no qual Ariely definiu uma única data para os três artigos no final do semestre. Tal planejamento pode neutralizar a inclinação para adiar o trabalho.

Pychyl aconselha os procrastinadores a “simplesmente dar a partida”. Frequentemente, a expectativa de realizar a tarefa se revela muito pior do que a realização em si. Para demonstrar este fato, o grupo dele, num trabalho publicado em 2000, deu pagers a 45 estudantes e entrou em contato com os voluntários 40 vezes num intervalo de cinco dias para perguntar sobre o seu humor e com que frequência estavam adiando uma tarefa que tinham prazo para cumprir. “Verificamos que, quando os voluntários realmente fazem a tarefa que estão evitando, as percepções que têm da atividade mudam significativamente. Muitos deles realmente gostaram de fazê-la.”

EU ACHO …

POTÊNCIA E FRAGILIDADE

E de repente aquela dor intolerável no olho esquerdo, este lacrimejando, e o mundo se tornando turvo. E torto: pois fechando um olho, o outro automaticamente se entrefecha. Quatro vezes no decorrer de menos de um ano um objeto estranho entrou no meu olho esquerdo: duas vezes ciscos, uma vez um grão de areia, outra um cílio. Das quatro vezes tive que procurar um oftalmologista de plantão. Da última vez perguntei ao Dr. Murilo Carvalho, cirurgião dos Oculistas Associados, e também um artista em potencial que realiza sua vocação através de cuidar por assim dizer de nossa visão do mundo:

– Por que sempre o olho esquerdo? É simples coincidência?

Ele respondeu não; que, por mais normal que seja uma vista, um dos olhos vê mais que o outro e por isso é mais sensível. Chamou-o de “olho diretor”. E, por ser mais sensível, disse ele, prende o corpo estranho, não o expulsa.

Quer dizer que o melhor olho é aquele que mais sofre. É a um só tempo mais poderoso e mais frágil, atrai problemas que, longe de serem imaginários, não poderiam ser mais reais que a dor insuportável de um cisco ferindo e arranhando uma das partes mais delicadas do corpo.

Fiquei pensativa.

Será que é só com os olhos que isso acontece? Será que a pessoa que mais vê, portanto, a mais potente, é a que mais sente e sofre. E a que mais se estraçalha com dores tão reais quanto um cisco no olho.

Fiquei pensativa.

SIM

Eu disse a uma amiga:

  • A vida sempre superexigiu de mim. Ela disse:
  • Mas lembre-se de que você também superexige da vida. Sim.

***CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

HISTÓRIAS PARA ADULTOS

Aplicativos com contos de ninar viram sensação entre pessoas com dificuldade para dormir – técnica já validada pela ciência

Os contos de fadas nem sempre foram puros, delicados e construtivos, afeitos a fazer as crianças sonhar com a vida. A bruxa que comia uma menina de chapeuzinho vermelho a devorava mesmo, como metáfora da fome que grassava na Europa da Idade Média. Eram relatos feitos por adultos e para adultos. Foi apenas no século XVII, com a ”invenção” da infância, em residências com quartos separados entre pais e filhos, com compreensão mais detalhada das faixas etárias, que surgiram as histórias infantis, adaptadas e divulgadas pelo francês Charles Perrault (1628-1703). E foram todos felizes para sempre… Não é novidade, portanto, do ponto de vista histórico, que os grandões se interessem por ouvir narrativas idílicas e oníricas, por vezes assustadoras, com uma moral lá no desfecho. O novo – e interessante – é que pais e mães voltem a procurar textos dessa linhagem, modernizados, e com um objetivo: acalmar-se.

A onda da hora: celebridades internacionais e nacionais têm emprestado a voz, invariavelmente doce e aveludada, para acalanto por meio de aplicativos. O Caim, desenvolvido nos Estados Unidos e já lançado no Brasil, chegou a mais de 100 milhões de downloads. No YouTube há dezenas de canais especializados no recurso. A fórmula é descrever ambientes e sensações. Os personagens costumam ser graciosos. Já lançaram áudios desse gênero as atrizes Kate Winslet, Eva Green e os atores Matthew McConaughey, Idris Elba e Cauã Reymond. Uma campeã nacional é a mineira Juliana Tamietti, que faz da meditação uma arte, ao postar vídeos com histórias para dormir ao menos três vezes por semana.” Recebo inúmeras mensagens de pessoas dizendo que estão menos ansiosas e de famílias que buscam os áudios para relaxar juntas”, diz ela. Os tempos atuais, mergulhados nos temores da pandemia, aceleraram o movimento de busca por paz.

Há uma explicação científica para o fato de gravações em tom monocórdio ajudarem os adultos a cair no sono. A chave é o “foco”, mecanismo cerebral que envolve, sobretudo, as emoções e a memória. Se os pensamentos estão direcionados para problemas ou atividades que precisam ser feitas no dia seguinte, o sono demora para se instalar. “Essas histórias funcionam porque permitem prestar atenção em algo totalmente diferente do que causa o stress”, explica Leonardo Ierardi Goulart, neurologista especialista em medicina do sono do Hospital Albert Einstein. As historinhas, contudo, não funcionam como tratamento para quem sofre de insônia crônica – são apenas alento para momentos de tensão. E entregam a adultos o que contos de fadas sempre fizeram com os pequenos. Como disse René Diatkine (1918-1997), um dos lendários psiquiatras infantis franceses, em entrevista, em 1993: “Ouvindo histórias, ou lendo-as, a criança cria um espaço em sua cabeça para um mundo mágico literalmente fabuloso. Ela aprende a reagir a situações desagradáveis e a resolver seus conflitos pessoais”. Os adultos redescobriram esse fascinante caminho.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 24 DE FEVEREIRO

MÃOS ABERTAS, BOLSOS CHEIOS

A quem dá liberalmente, ainda se lhe acrescenta mais e mais; ao que retém mais do que é justo, ser-lhe-á em pura perda (Provérbios 11.24).

Na economia de Deus, você tem o que dá e perde o que retém. O dinheiro é como uma semente: só se multiplica quando é semeado. A semente que se multiplica não é a que comemos nem a que guardamos, mas a que semeamos. A semeadura generosa terá uma colheita farta, pois a quem dá liberalmente ainda se lhe acrescenta mais e mais. É o próprio Deus quem multiplica a nossa semente e faz prosperar a nossa sementeira quando abrimos a mão para abençoar. Mãos abertas produzem bolsos cheios. O contrário, porém, também é verdadeiro. Ao que retém mais do que é justo, isso lhe será em pura perda (Provérbios 11.24). Vazará dentre os dedos. É como receber salário e colocá-lo num saco furado. Aqueles que acumulam com avareza o que poderia socorrer o aflito descobrem que esse dinheiro acumulado não lhes pode dar felicidade nem segurança. Aqueles que ajuntaram fortunas e viveram no fausto e no luxo, deixando na penúria o próximo à sua porta, descobrirão que, quando a morte chegar, não poderão levar um centavo. Não há caminhão de mudança em enterro, nem gaveta em caixão. Mas o que você dá com generosidade é como uma semente bendita que se multiplica e alimenta milhares.

GESTÃO E CARREIRA

CUIDADO: COACH DE INSTAGRAM

As mídias sociais se tornaram a vitrine do momento para quem oferece serviços de coaching. Entenda como escolher um bom profissional e não se deixar enganar por curtidas e número de seguidores

Se você está em uma rede social, certamente já foi impactado por um post (ou anúncio) de algum serviço de coaching. Não é à toa. A internet está repleta desses profissionais. Uma simples busca pela palavra “coach” no Instagram traz mais de 43 milhões de menções. O número dá uma amostra de como o serviço se popularizou nas mídias sociais: são fotos, imagens inspiradoras, vídeos, stories e transmissões ao vivo com frases motivacionais, dicas sobre carreira, liderança e, claro, forte divulgação do trabalho de coaching feito pelos mais diferentes profissionais.

Alguns deles, inclusive, têm números estratosféricos: garantem ter turbinado mais de 100.000 currículos ou ter recolocado 100% de seus clientes. O que nem sempre corresponde à realidade. “Existe muito marketing e é fácil encontrar uma mensagem apelativa e sedutora”, diz Mário Pires de Moraes, gerente de pesquisa e criação de conteúdo do Instituto Brasileiro de coaching (IBC).

O efeito colateral da popularização do coaching – importante para consolidar a atividade e ajudar no desenvolvimento de muitos executivos – é a banalização da prática, o que gera grande desconfiança sobre a categoria. Em meio a tantas ofertas e promessas, o profissional de RH se vê diante de um desafio ao ter que procurar um coach para atuar com sua equipe, correndo o risco de cair na charlatanice.

CLAREZA DE OBJETIVOS

Saber o que quer é o ponto inicial na busca por um profissional desse tipo – pode ser que a companhia precise aplicar coaching, mentoring ou assesment, por exemplo. E esses três serviços, diferentes entre si, não são claros para as pessoas. De acordo com uma pesquisa global da lnternational Coaching Federation (ICF), apenas 30% das pessoas sabem o que é, de fato, coaching.

A gama de trabalhos de um coach varia: o profissional pode ser contratado para atuar pontualmente na resolução de um problema de performance de um funcionário ou de uma equipe, ou para auxiliar a liderança a conduzir uma profunda transformação cultural. “Entender onde está estagnado, o que precisa desenvolver, quais são os bloqueios, por que acreditou que o coach seria a solução – o profissional de RH tem que ter tudo isso definido ao contratar um coach”, explica Ricardo Basaglia, diretor-geral da consultoria de carreira e recolocação Page Group.

Mas um bom coach não faz milagre e costuma ser especializado em algumas questões ou em níveis hierárquicos. Portanto, um sinal de alerta podem ser aqueles profissionais muito generalistas, que fazem de tudo e com um trabalho muito padronizado, ou que usam uma   metodologia única. “O coach que diz resolver todos os problemas normalmente não resolve nenhum”, alerta Ricardo.

DIVÃ OU AUTOAJUDA?

É importante lembrar que coaching é uma metodologia de desenvolvimento profissional que tem como meta potencializar a performance. Não por acaso, o coach empresta o nome em inglês do treinador esportivo, que usa técnicas e métodos para explorar o potencial máximo do atleta de alto rendimento. A prática entrou no mundo corporativo, inicialmente, com foco na formação de lideranças e acabou absorvida. A questão é que ainda confunde-se coaching com terapia. “A prática não vai ocupar o lugar da psicologia jamais; é uma ferramenta”, explica Mario, do IBC. O especialista ainda lembra que não há problema em um psicólogo atuar como coach, desde que haja a compreensão geral de que as atividades não são as mesmas, mas complementares.

Outro ponto de atenção é o viés de autoajuda. Um profissional sério não vai dizer o que deve ser feito nem entregar fórmulas prontas baseadas em metodologias rasas – ou em metodologia nenhuma. A construção é sempre conjunta e tem como objetivo, como explica a ICF, “estimular o coach a maximizar seu potencial”.

Por isso, a entrevista é um dos momentos mais importantes para a escolha do coach. A recomendação de Eliete Gomes, master coach para a América Latina da consultoria LHH, é que uma das principais perguntas a se fazer seja “Como você acha que pode me ajudar?”. Isso auxilia a entender qual é exatamente a expertise do candidato. Também é importante pedir detalhamento sobre a metodologia e as ferramentas utilizadas e verificar quanto o coach está realmente interessado em compreender o problema que precisa ser resolvido, ou se está apenas “vendendo método”, nas palavras deRicardo, do Page Group.

DE OLHO NAS CERTIFICAÇÕES

A pesquisa global da ICF apontou também que, para os consumidores, um obstáculo na contratação de um coach são “pessoas não certificadas que chamam a si mesmas de coachs”. A mesma pesquisa revelou que a grande maioria considera muito importante haver profissionais credenciados, tanto entre aqueles que já tiveram a experiência de um processo (83%) como entre os que nunca fizeram isso (70%).

Para Eliete, é fundamental checar as escolas de coaching e se fixar nas certificadas, já que trabalham as competências necessárias para ser um bom profissional, com horas de estudo, prova escrita e oral, e sobretudo mantêm o código de ética do coach. A ICF, por exemplo, periodicamente faz uma reciclagem desse manual de conduta, que precisa ser acompanhada por seus membros e credenciados, os quais recebem créditos pela atualização no tema.

Esses cuidados são relevantes, já que não existe regulamentação da atividade no Brasil e ela tem se popularizado por aqui. De acordo com a ICF, nosso país tem 211 coachs cadastrados. Na América Latina, ficamos atrás somente da Argentina e do México. Mas apenas oito brasileiros detêm o certificado Master Certified Coach (MCC), que exige mais de 200 horas de treinamento e 2.500 horas de prática.

O certificado não resolve tudo. É necessário saber o quanto o profissional está atualizado   sobre as mudanças do mercado. Na pandemia, liderança à distância, transformação digital e empatia ganharam ainda mais força, e os coaches precisam estar por dentro de tudo isto. Resta ao RH verificar como o profissional acompanha as tendências. Afinal, as competências agora são diferentes das de um ano atrás, e as lideranças precisarão de apoio para a transformação – mas apoio sério, e não anúncios de que é possível mudar a vida depois de assistir a uma live e curtir posts de Instagram.

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

VALE QUANTO CUSTA?

Transações financeiras costumam ser marcadas por emoção e irracionalidade; o curioso é que o excesso de autoconfiança, a excessiva valorização de nossos bens em detrimento do que pertence ao outro, e a dificuldade de admitir decisões equivocadas podem causar prejuízos – ou lucros

Um homem que sabe lidar perfeitamente com dinheiro, calcula com tranquilidade, mantém sempre a cabeça fria em questões financeiras e toma decisões lúcidas. Assim, encontra a melhor solução para si, seja na bolsa de valores, na vida pessoal ou no e-bay. Seu nome: Homo oeconomicus. Esse administrador tão eficiente, porém, existe apenas no papel. E é um modelo fictício com o qual economistas descrevem a atuação humana na economia. De maneira geral, ele deve ser racional e voltado para o próprio lucro. Porém, os psicólogos estão convencidos de que o Homo oeconomicus é pura ficção – um ideal com o qual o consumidor comum não tem quase nenhuma semelhança. Há mais de 30 anos pesquisadores tentam provar com experimentos comportamentais que, quando se trata de dinheiro, com frequência nos deixamos guiar pela irracionalidade e pelos sentimentos.

Tudo começou na década de 70 com os psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky, da Universidade Hebraica de Jerusalém. Após uma série de estudos, eles chegaram à conclusão que realizamos avaliações lógicas somente com base em simples regras gerais, as chamadas heurísticas. Para demonstrar a incapacidade lógica do homem, em 1994, os psicólogos Veronika Denes-Raj e Seymour Epstein, da Universidade de Massachusetts, encheram dois potes com balas de geleia vermelhas e brancas. A tarefa dos voluntários que aceitaram participar do experimento era fazer o possível para, de olhos vendados, pegar uma bala vermelha de um dos dois potes. No recipiente menor havia dez balas, entre elas, uma vermelha. O grande continha 100 balas, dentre as quais cinco vermelhas. Os participantes foram informados de que sua chance de sucesso no pote pequeno era de 10% e no grande, de 5%. Apesar de saberem que estavam agindo de forma ilógica, a maioria dos jogadores decidiu pegar a bala do pote grande.

Aparentemente, eles não atentaram para a porcentagem das balas vermelhas, mas para o seu número absoluto, segundo Denes-Raj e Epstein. No primeiro caso, eles imaginavam apenas uma bala diante de si, no segundo, cinco. Os psicólogos chamam isso de poder do contador ou cegueira fracional: apesar de a chance de pegar uma guloseima vermelha estar mais associada ao número de balinhas brancas, elas foram ignoradas pelos participantes. As pessoas evidentemente não estão acostumadas a lidar com probabilidade – o que pode prejudicar muito seu sucesso econômico.

A incapacidade do homem de agir racionalmente pode ser observada nas mais simples atividades rotineiras: por exemplo, em supermercados nos quais os clientes têm de andar no sentido dos ponteiros do relógio para chegar ao caixa, eles gastam mais dinheiro do que em lojas estruturadas segundo o princípio anti-horário. Pessoas que fazem compras com cartão de crédito, em vez de usar dinheiro vivo, tendem a comprar mais. Diferentemente do que acontece com o Homo oeconomicus, para o indivíduo “normal”, de carne e osso, aparentemente vale a regra: dinheiro não é igual a dinheiro. Por isso, ele entrega sem pensar duas vezes o dinheiro de plástico ao caixa da loja, mas se separa com dificuldade das moedas verdadeiras que tilintam nos bolsos de sua calça.

A suposição de que o homem deseja fundamentalmente aumentar seus ganhos parece, em princípio, óbvia. Porém, também nesse caso os psicólogos fazem suas objeções. Como o pesquisador americano, já falecido, Richard Hernstein pôde comprovar em inúmeros experimentos, as pessoas têm em vista principalmente ganhos em curto prazo. Não as interessa tanto se, com uma decisão, terão sucesso a longo prazo em um jogo financeiro. “Temos mais dificuldade de calcular os benefícios de uma alternativa que se estende no tempo e, com isso, tendemos a ‘garantir’ ganhos momentâneos, ignorando possibilidades melhores no futuro”, diz o psicólogo de economia, Erich Kirchler, da Universidade de Viena. Diferentemente do Homo oeconomicus, em geral, somos mais espontâneos e fixados no presente.

Segundo Kirchler, essa lógica vem desde a infância. Se crianças podem escolher entre um chocolate grande e outro pequeno, invariavelmente optam pelo grande. Se, no entanto, tiverem de decidir entre receber uma barra pequena hoje e uma grande amanhã, escolhem frequentemente a menor – desde que imediatamente. Se, porém, lhes perguntarmos se querem ter um tablete pequeno de chocolate daqui a sete dias ou se preferem um grande em oito, eles se decidem inversamente. “Nesse caso, um dia ou dois a mais ou a menos deixa de ter importância para muitos e a escolha recai sobre o chocolate grande”, observa Kirchler. Racional isso não é, afinal, o atraso de 24 horas deveria ser igualmente ruim, independentemente de quando esse período de espera for acrescido. O fato de pessoas muitas vezes abrirem mão de um lucro maior a fim de parecerem justas perante seus semelhantes vai contra a teoria de que há um excessivo e generalizado interesse em obter lucros. Atualmente, pesquisadores estudam por meio de técnicas de neuroimagem quais fundamentos neurobiológicos levam à decisões irracionais nos chamados jogos de dilema ou ultimato. Será que o homem age fundamentalmente de forma irracional? Será que lhe faltam discernimento e know-how em questões relacionadas a dinheiro? Provavelmente, a maioria dos psicólogos cognitivos responderia a essas perguntas com um sim. Porém, economistas têm outra visão. Para eles o Homo oeconomicus nascido no final do século XIX, ainda não perdeu sua utilidade.

Talvez até mesmo a imagem do racional protagonista do mercado Homo oeconomicus esteja com seus dias contados. Tanto os opositores quanto os defensores desse modelo buscam suas provas em três grandes áreas: a pesquisa voltada para a overconfidence, segundo a qual os homens são pequenos impostores que superestimam suas capacidades e chances de sucesso; a pesquisa endowment, que mostra como tendemos a considerar nossos bens mais valiosos do que realmente são; e, por fim, a pesquisa commitment, que procura investigar o mecanismo que faz pessoas se manterem irracionalmente ligadas a projetos econômico que trazem prejuízos.

Desde os anos 80, psicólogos sempre voltam a oferecer provas de que aproximadamente dois terços dos adultos se consideram melhores do que a média, não importa se se trata de dirigir, fazer contas ou construir casas. Do ponto de vista estatístico, eles obviamente estão errados em sua suposição – porém, há uma boa causa para sustentar essa crença, como acredita o ganhador do Nobel de Economia, Daniel Kahneman: “A combinação de otimismo e autoconfiança exagerada é uma das mais importantes forças motrizes que mantêm o capitalismo vivo”.

CANBERRA OU ADELAIDE?

Mas será que o orgulho excessivo é realmente uma característica humana fundamental? O economista Ralph Hertwig, da Universidade de Basiléia, na Suíça, reuniu junto com Andreas Ortmann, alguns experimentos que demonstram que a supervalorização de si mesmo poderia ser também um “artefato metodológico”, ou seja, ser evocada pelo planejamento do experimento pelos pesquisadores. Pois em estudos nos quais a “sobreconfiança” foi detectada, quase sempre foi apresentada uma escolha arbitrária de perguntas – ou mesmo questões que deviam confundir propositalmente os sujeitos. Uma dessas perguntas seria: “Qual cidade tem mais habitantes: (a) Canberra ou (b) Adelaide, ambas na Austrália?”. A resposta correta é Adelaide, mas a maioria dos participantes escolhe a primeira opção e, em geral, estão bastante seguros de sua escolha. Um claro caso de supervalorização de seus próprios conhecimentos? Não, acreditam Hertwig e Ortmann. Pois Cabrera é uma capital – e capitais quase sempre são também as maiores cidades de um país. Assim, a confiança dos sujeitos não é irracional. Em estudos nos quais a escolha das perguntas reflete melhor a realidade, o desempenho dos sujeitos também está mais de acordo com a sua confiança declarada, segundo os economistas.

Um outro mecanismo frequentemente estudado por psicólogos macula a imagem do Homo oeconomicus racional: o homem tem orgulho de seus bens, por isso não gosta de vender suas coisas – mas quando o faz exige valores fantasiosamente altos. Cientistas falam em “endowment”: efeito da dotação. “Segundo ele, consideramos um objeto A que chamamos de nosso mais valioso do que um B, idêntico ou comparável, que não consta entre nossas propriedades”, diz o economista Georg Kirchsteiger, da Universidade Livre de Bruxelas. Quem possui algo, superestima o valor dessa propriedade em, aproximadamente, duas vezes mais – pelo menos do ponto de vista de potenciais compradores. Kahneman demonstrou o efeito da dotação no início dos anos 90 em um experimento. O psicólogo distribuiu canecas de café aos participantes de seu experimento com as palavras: “Elas agora lhes pertencem”. Em seguida, pediu-lhes que marcassem em uma lista o preço pelo qual estariam dispostos a vender as canecas. Por fim, apresentou os mesmos objetos a um grupo de compradores e quis saber quanto eles pagariam por elas. Resultado: os proprietários das canecas de café pediram por elas, em média, US$ 7,12 a compradores potenciais, que, porém, se propunham a pagar apenas US$ 2,78.

PRESENTE E BOM HUMOR

As descobertas sobre o efeito da dotação têm sido replicadas com variados objetos. Não importa que se trate de canetas, iPods ou maçãs – o resultado é o mesmo. As empresas tiram proveito desse princípio ao oferecer a interessados a possibilidade de testar aparelhos caros, como televisões, durante um período. Dessa forma, os clientes começam a se sentir “proprietários”. A consequência: o valor subjetivo do produto aumenta – e, com isso, também a disposição para comprá-lo. Experimentos na área de estudos do cérebro poderiam explicar por que temos tanta dificuldade em nos separar de nossas coisas: quem vende algo experimenta isso como perda, e ela dói, no sentido literal. Como comprovou Ben Seymour, do Centro Wellcome Trust de Neuroimagem, em Londres, perdas financeiras e dor física são processadas nas mesmas regiões cerebrais.

Em situações de negociação, porém, a avaliação errônea pode ser vantajosa: pessoas nas quais o efeito da dotação é mais forte, são mais duras e mais bem-sucedidas em transações comerciais. Há pouco tempo, os pesquisadores Charles Plott, do Instituto California de Tecnologia, e Kathryn Zeiler, do Law Center, de Georgetown, porém, mostraram que há situações em que o efeito de dotação desaparece. Primeiro eles realizaram o clássico “jogo da dotação”. Distribuíram lápis e canecas aos participantes do experimento com as palavras: “Nós os presenteamos com estes objetos”. Em seguida, as pessoas preencheram um questionário enquanto suas “propriedades” permaneciam à sua frente. Por fim, foi pedido que negociassem entre si. Como de costume, cada pessoa superestimou o seu bem, motivo pelo qual ocorreram poucas transações.

Em uma segunda rodada, os pesquisadores variaram o experimento: os lápis e as canecas foram distribuídos com a informação: você ganhou isso em um sorteio! Além disso, os questionários foram preenchidos sem que os objetos estivessem diante deles. Essas pequenas mudanças já bastaram para aniquilar o efeito de dotação. Plott e Zeiler acreditam que as pessoas, em parte, apenas negociaram suas propriedades a um valor superestimado porque as consideravam um presente do coordenador do experimento – e as pessoas não gostam de trocar presentes por dinheiro. Se eliminarmos esse gosto emocional, o efeito de dotação enfraquece notavelmente.

Quando as pessoas estão de bom humor, a ideia de propriedade se torna mais fraca, como demonstrou a psicóloga Ayelet Fishbach, da Universidade de Tel Aviv. E mais: quando as pessoas se aconselham com terceiros ou negociam alguma coisa que adquiriram apenas para revender, o efeito também some. Assim, para não perder seu objetivo de vista, as pessoas muitas vezes se prendem a crenças e estratégias, mesmo que elas já tenham se mostrado irracionais há muito tempo. Cientistas falam em “commitmenr, ou seja, compromisso. ‘Damos valor àqueles que permanecem fiéis a seus objetivos e confrontam todas as resistências “, diz o psicólogo Roman Soucek, da Universidade de Nüremberg-Erlangen. O problema, porém, é que muitas pessoas se fixam em planos irreais. ‘Todo compromisso pode e deve ser revisto, infelizmente há os que não se oferecem essa oportunidade e fazem investimentos escalonados”, diz Soucek. Nessa situação, o investidor, por exemplo, pode aplicar cada vez mais dinheiro em uma decisão que já causou altos prejuízos.

Em um típico cenário de laboratório, a pessoa assume o papel de um empresário com a tarefa de decidir se deve investir no produto A ou no B. Ao fazer sua escolha recebe a seguinte informação: este produto teve piores resultados no mercado em comparação ao outro que você não quis continuar desenvolvendo. Em seguida, a pessoa deve decidir em que projeto colocará o dinheiro da empresa. “O curioso é que a maioria permanece no caminho tomado e continua investindo no produto mal­ sucedido. Mesmo quando fornecemos repetidamente o feedback de que sua decisão foi errada e custosa”, diz Soucek. Pesquisas mostraram ainda que quanto maior a sensação de proximidade de um objetivo, mais relutantes as pessoas se tomam em deixar o rumo escolhido, por mais desastroso que se mostre. E quanto mais tempo alguém se mantém ligado a uma decisão, mais próximo ele crê estar, subjetivamente, de seu objetivo – mesmo que isso não seja assim objetivamente. Segundo a psicóloga motivacional, Veronika Brandstatter, da Universidade de Zurique, quem trabalha durante muito tempo com uma meta, costuma pensar: “Agora acho que logo vai dar certo!”. E nesse processo os novos prejuízos são percebidos como menos graves, uma vez que a pessoa já se acostumou ao prejuízo.

Como comprova um estudo publicado em 2008 por pesquisadores coordenados por Kim Wong, da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong, pessoas que têm forma de pensar extremamente racional encontram dificuldades em rever decisões equivocadas. “Supostamente, elas reúnem bons motivos a favor ou contra uma decisão. A partir do momento em que se comprometem, consideram sua escolha como extremamente refletida e por isso não se questionam tão rapidamente quando há problemas”, afirma Wong. Como também existem exemplos de projetos que, após situações aparentemente sem solução, acabam sendo bem-sucedidos; se manter fiel a objetivos definidos não é, necessariamente, irracional. “É difícil definir a partir de que momento manter-se preso a um objetivo é evidentemente um erro”, reconhece Soucek. Afinal, desistir cedo demais de um objetivo também é um risco. Ou seja: alguns comportamentos que, à primeira vista, podem parecer irracionais, podem trazer vantagem em longo prazo. Que os céus nos protejam!

ECONOMISTAS X PSICÓLOGOS

O pesquisador Andreas Ortmann, da Universidade Karls, em Praga, está convencido de que as pessoas, de maneira geral, agem racionalmente. Quase sempre experimentos originários da área econômica comprovam tal teoria. O motivo da divergência entre psicólogos e economistas, segundo Ortmann, estaria provavelmente no procedimento científico negligente dos primeiros que enganam seus sujeitos da pesquisa – não lhes explicam a verdadeira intenção do experimento. Os psicólogos observam um comportamento apenas uma vez e dispensam novas medições. Com isso, não vêm como os homens são capazes de aprender questões financeiras. Só porque agem irracionalmente na primeira vez, não significa que precisam se comportar da mesma forma na segunda e na terceira vezes.

O psicólogo social Fritz Strack, da Universidade de Würzburg, Alemanha, considera essas críticas injustificadas. Em sua opinião, alguns temas simplesmente não poderiam ser estudados sem omissões. Não é possível chegar, por exemplo, a posturas encobertas se revelarmos nossos motivos como experimentadores. Na medicina, por exemplo, é prática comum trabalhar com placebos. Strack também considera razoável que psicólogos prefiram deixar seus participantes decidir apenas uma única vez em seus experimentos, pois a vida é composta de inúmeras “opções únicas”, como fechamento de contratos de seguro e compra de imóveis. Sua lógica: na vida falta tempo para realizar tudo várias vezes e aprender com os erros. Por que então os pesquisadores deveriam dar esse tempo aos participantes de seus experimentos?

MÉTODO CIENTÍFICO PARA DECIDIR

Para tomar decisões econômicas, frequentemente precisamos avaliar as probabilidades. Para tanto, recorremos a regras simples – as chamadas heurísticas de julgamento. Os psicólogos Amos Tversky e Daniel Kahneman apresentaram em 1974 três funcionamentos, várias vezes comprovados experimentalmente, nos quais as pessoas se apoiam. Essas regras gerais não irracionais muitas vezes levam a julgamentos tão bons quanto os obtidos por meio de complicados processos intelectuais.

Heurística da representatividade. Será que o vizinho um pouco tímido, mas que adora ordem e detalhes, é bibliotecário ou pedreiro? As pessoas quase sempre arriscam o palpite de que ele trabalha com livros, pois sua descrição é representativa para esse grupo profissional – ou melhor, para o clichê relacionado à profissão. Porém, elas se esquecem da “porcentagem básica”: existem claramente mais pedreiros que bibliotecários, por isso, muito provavelmente o vizinho também trabalha com um martelo na mão.

Heurística da disponibilidade. Em português há mais palavras que começam com “c” (como “capela”) ou palavras com “c” na terceira posição (como “macaco”)? A maioria das pessoas aposta no primeiro caso – e erram. Motivo: é mais fácil reativar na memória palavras iniciadas por “c”, pois elas estão mais disponíveis mentalmente. Pela mesma razão, as pessoas também consideram mais provável a ocorrência de acidentes sobre os quais leram há pouco no jornal. Talvez isso explique, pelo menos em parte, porque tanta gente tem medo de andar de avião, mas não de carro, uma vez que acidentes aéreos têm muito mais destaque na mídia.

A heurística da âncora. Qual porcentagem de países africanos é membro da Organização das Nações Unidas (ONU)? Uma pergunta capciosa. Por isso, ao responder, os sujeitos gostam de se ligar a uma “âncora”, ou seja, um número à disposição no momento, pelo qual se orientem. A origem dessa âncora é bastante arbitrária: quem girou uma roleta anteriormente e tirou um número alto, estimou a porcentagem dos membros da ONU maior do que os sujeitos aos quais o jogo de azar forneceu um número baixo.

A MENTE EM BUSCA DA SATISFAÇÃO

Já na década de 30, Freud mencionou a possibilidade de estudar fenômenos do âmbito econômico com ajuda de ideias desenvolvidas pela psicanálise. Para ele, o fato inquestionável de que diferentes indivíduos, etnias e nações se conduzem de forma variada, sob as mesmas condições econômicas, por si só é bastante para mostrar que os motivadores de decisões que envolvem economia são inúmeros. É incompreensível que aspectos psicológicos possam ser desprezados quando estão em questão reações dos seres humanos, uma vez que por meio delas os sujeitos dão vazão às pulsões de autopreservação, agressividade, necessidade de ser amados, tendência a obter prazer e evitar desprazer. Tudo isso ficou muito nítido na recente crise econômica que o mundo inteiro vem enfrentando. As decisões, que se apoiam nos passos antecedentes da percepção e avaliação das condições oferecidas, constituem a essência dos atos humanos e reúnem a capacidade de captar informações, analisa-las e ponderar sobre elas, abrindo caminho, assim, para a função especial do pensar que, seguido pelo agir, pode criar e transformar. Segundo a psicanálise, a economia psíquica dos indivíduos e grupos os impulsiona para a satisfação de suas necessidades e desejos. Em Aprendendo com a experiência, Wilfred Bion afirma que se a intolerância à frustração prevalece, mecanismos poderosos envolvendo fantasias onipotentes serão acionados, o que nos relembra diversas situações de avaliação demonstradas experimentalmente por Kahneman e Tversky em seus trabalhos de 1974 e 1979. Naqueles casos, o julgamento frequentemente sofria vieses como, por exemplo, [tirei as preposições] confiança excessiva, facilidade de relembrar ou imaginar, ilusão de validade, correlação ilusória, e tantas outras heurísticas, em vez de uma análise mais isenta, rigorosa e completa dos fatos.

Outro importante fenômeno que vem atraindo o interesse de muitos pesquisadores no mundo todo, devido à sua crescente prevalência, é o endividamento, no que se refere à impossibilidade subjetiva de adiar o gasto, fazendo-se contas mirabolantes para encontrar uma fórmula capaz de justificá-lo frente às reais posses do sujeito naquele momento. O que pode ser mais ilusório do que um cartão de crédito, que parece prometer que tudo é possível e acessível, como se nunca tivesse de ser efetivamente pago? Ou a compra de um veículo, de muitos milhares de reais, que começa com “entrada de R$ 1”, sem chamar a atenção, é claro, para o número de prestações que se seguirão e, menos ainda, para o valor total em que redundarão.

EU ACHO …

BOLINHAS

Não tomo bolinhas. Quero estar alerta, e por mim mesma. Fui convidada para uma festa onde na certa tomavam bolinha e fumavam maconha. Mas minha alerteza me é mais preciosa. Não fui à festa: disseram que eu não conhecia ninguém, mas que todos queriam me conhecer. Pior para mim. Não sou domínio público. E não quero ser olhada. Eu ia ficar calada. Maria Bethânia me telefonou, querendo me conhecer. Conheço ou não? Dizem que é delicada. Vou resolver. Dizem que fala muito de como é. Estou fazendo isso? Não quero. Quero ser anônima e íntima. Quero falar sem falar, se é possível. Maria Bethânia me conhece dos livros. O Jornal do Brasil me está tornando popular. Ganho rosas. Um dia paro. Para me tornar tornada. Por que escrevo assim? Mas não sou perigosa. E tenho amigos e amigas. Sem falar de minhas irmãs, das quais me aproximo cada vez mais. Estou muito próxima, de um modo geral. É bom e não é bom. É que sinto falta de um silêncio. Eu era silenciosa. E agora me comunico, mesmo sem falar. Mas falta uma coisa. Eu vou tê-la. É uma espécie de liberdade, sem pedir licença a ninguém.

***CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

AGORA É ASSIM

Adaptadas à cartilha antivírus, escolas brasileiras reabrem seus portões, dando a largada para sanar as lacunas do ano que passou e com o imenso desafio de atrair a atenção da garotada que perdeu o hábito de estudar

Nesses últimos tempos, aconteceu de tudo na vida estudantil. Muita gente confinada por causa da pandemia se viu de repente sem aula. Aí veio o ensino 100% remoto, depois a fase híbrida, com uma parte da lição na escola e a outra em casa, até que chegaram as férias. E essas foram únicas, com pais, professores e alunos compartilhando a sensação de que a montanha-russa acadêmica acabou por comprometer a aquisição de conhecimento e daquelas habilidades socioemocionais que se aprendem nas trocas humanas. A situação enche a todos de ansiedade e dúvidas sobre o que está por vir no ano letivo que se inicia agora para boa parte dos 47,3 milhões de crianças e adolescentes no Brasil. Meu filho estará mesmo seguro na sala de aula? Como recuperar o que não foi assimilado em 2020? E, após tanto sacolejo, como retomar a rotina de estudos de forma saudável e produtiva?

Para tentar responder a essas perguntas, ouvimos especialistas, famílias e mais de uma dezena de escolas de todas as regiões do país, empenhadas em proporcionar um regresso às carteiras sem solavancos, cercado dos cuidados sanitários que a presença do novo coronavírus ainda impõe. Todas elas vão oferecer a modalidade híbrida, sempre deixando aberta a opção àqueles que preferem por ora manter os filhos em casa. Outro traço que as une é a estratégia de retomar os trabalhos a partir de avaliações que indiquem em que pé da matéria os alunos verdadeiramente estão. “Vamos demorar um tempo para conseguir dar conta doque ficou para trás”, reconhece Christina Sabadell, diretora do colégio Pueri Domus; em São Paulo. Até lá, dá-lhe revisão de disciplinas passadas, mas não sedimentadas. “Sem uma boa revisão de conteúdos-chave, a aprendizagem fica comprometida”, diz Felipe Sundin, diretor-geral do Colégio e Curso AZ, no Rio de Janeiro. Nesse caso, o reforço está sendo oferecido em chamadas virtuais em que as dúvidas são sanadas pelos professores em tempo real e à base de encontros individuais.

Entrar em uma escola nos dias de hoje é um passeio pelo novo normal, recheado de protocolos estabelecidos mundialmente. Máscara, álcool em gel e divisórias de acrílico nas mesas são só o começo. A visão algo distópica segue no pátio, com número reduzido de crianças, monitoradas para que respeitem a distância umas das outras. No Colégio Seriõs, em Brasília, as turmas foram divididas em “bolhas”, compostas de quinze estudantes cada uma. O cronograma é montado para que uma não esbarre com a outra. Ao deixar a garotada no colégio, pede-se aos pais que não saiam do carro. “Como não tivemos nenhum caso de Covid-19 quando abrimos, em outubro, a confiança das famílias em mandar os filhos para o colégio saltou de 42% para 70%”, conta a diretora pedagógica Vanessa Araújo. A vigilância precisa ser permanente. Em São Paulo, o colégio Avenues, por exemplo, fará toda semana testes de Covid-19 nos alunos e na equipe pedagógica.

A batalha que se inicia com a volta às aulas exige um imenso esforço de adaptação de todas as partes. Os alunos se desacostumaram de suas rotinas e, como já foi vastamente medido, isso impactou no desempenho geral. Uma pesquisa da FGV-SP, encomendada pela Fundação Lemann, indica que, se as escolas não agirem ativamente, o atraso em português e matemática pode superar um ano. “A preocupação nesse momento é cultivar o hábito do estudo, difícil de adquirir e fácil de perder”, disse o matemático americano Salman Khan, dono da maior plataforma de aulas on-line do planeta. Também os pais têm um papel relevante no caminho de volta. Os especialistas recomendam que, sobretudo no caso de crianças pequenas, eles redobrem a atenção e, diante de sinais de que o processo está emperrado, acionem o colégio. “A comunicação entre as famílias e a escola é fundamental para que funcione”, enfatiza Olavo Nogueira, da ONG Todos pela Educação.

Para dar conta das matérias que ficaram para trás, os pedagogos de plantão também estão quebrando a cabeça para rearranjar os currículos e fazer caber neles tópicos fundamentais que acabaram não sendo bem absorvidos no ano que passou. Com isso, nasce uma espécie de dois em um, uma fusão entre o que estava programado para 2020 e o previsto para 2021. No Bandeirantes, de São Paulo, o conteúdo que não se encaixar agora será dado ao longo das séries seguintes, de forma diluída. A rede estadual paulista, que retomou o modo presencial na segunda 8, avisa que 2020/2021 serão como “um ciclo único” e lançou um quarto ano do ensino médio, para quem acharque precisa correr atrás do tempo perdido. As escolas municipais do Rio, de portas abertas no próximo dia 15, promoverão remexida semelhante no currículo e, para tentar frear a revoada de alunos sem computador nem celular para embarcar no ensino remoto (um nó que deixou muita gente sem lição), darão acesso às aulas em TV aberta e fechada.

O regresso à lição presencial, mesmo em sistema híbrido, inclui ainda um delicado desafio que extrapola a zona do aprendizado propriamente dito. A quarentena provocou em uma parte da turma mudanças de comportamento que merecem atenção. Uma pesquisa realizada na Espanha e na Itália, países bastante atingidos pela pandemia, revela que 85% dos pais perceberam nos filhos dificuldade de concentração (76%), tédio (52%), irritabilidade (39 %), nervosismo (38%) e solidão (31%). Uma parcela ainda demonstra ansiedade crescente e, às vezes, depressão. “Iniciativas para manter a criançada saudável e com a sensação de acolhimento são essenciais neste período”, frisa Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV. Para os mais novos, isso conta muito. “Desde dezembro, meus filhos participam de um programa de ressocialização. Vão para a escola só para brincar”, fala Carima Orra, 27 anos, mãe de um trio de 2, 4 e 5 anos que volta ao batente no colégio Pen Life, de São Bernardo do Campo, em 18 de fevereiro. “Estamos lidando com uma comunidade que se encontra em patamares diferentes de ansiedade e, por isso, é vital dar acompanhamento psicopedagógico a cada aluno”, afirma Nigel Winnard, diretor da Escola Americana do Rio.

Mandar ou não os filhos à escola é uma decisão individual, mas abrir os portões, dando a opção para quem quer frequentá-la, tem se demonstrado um caminho acertado. Mundo afora, o retorno às aulas presenciais, sempre aplicando a cartilha antivírus, não levou a uma alta de infecção entre os estudantes – ao contrário, ela foi baixíssima, segundo um relatório do Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças. Baseada nisso, a agência americana CDC recomendou a retomada das aulas nos Estados Unidos, mantendo-se o olhar atento para as boas regras sanitárias. O Brasil, um dos países que por mais tempo suspenderam a lição in loco – foram quarenta semanas de salas desertas em 2020, segundo a Unesco – , não destoa de tantos outros ao voltar às aulas entre quatro paredes. Se bem que, nestes tempos tão diferentes, até as paredes estão sendo derrubadas. Várias escolas começam a ensinar a matéria em praças, centros esportivos e parques. “Adaptamos sete estações de aprendizagem em parque recém-inaugurado para educar nossas crianças”, orgulha-se Vasti Ferrari, gestora da rede municipal de Jundiaí, a 57 quilômetros de São Paulo. São novos e bem-vindos ares.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 24 DE FEVEREIRO

MÃOS ABERTAS, BOLSOS CHEIOS

A quem dá liberalmente, ainda se lhe acrescenta mais e mais; ao que retém mais do que é justo, ser-lhe-á em pura perda (Provérbios 11.24).

Na economia de Deus, você tem o que dá e perde o que retém. O dinheiro é como uma semente: só se multiplica quando é semeado. A semente que se multiplica não é a que comemos nem a que guardamos, mas a que semeamos. A semeadura generosa terá uma colheita farta, pois a quem dá liberalmente ainda se lhe acrescenta mais e mais. É o próprio Deus quem multiplica a nossa semente e faz prosperar a nossa sementeira quando abrimos a mão para abençoar. Mãos abertas produzem bolsos cheios. O contrário, porém, também é verdadeiro. Ao que retém mais do que é justo, isso lhe será em pura perda (Provérbios 11.24). Vazará dentre os dedos. É como receber salário e colocá-lo num saco furado. Aqueles que acumulam com avareza o que poderia socorrer o aflito descobrem que esse dinheiro acumulado não lhes pode dar felicidade nem segurança. Aqueles que ajuntaram fortunas e viveram no fausto e no luxo, deixando na penúria o próximo à sua porta, descobrirão que, quando a morte chegar, não poderão levar um centavo. Não há caminhão de mudança em enterro, nem gaveta em caixão. Mas o que você dá com generosidade é como uma semente bendita que se multiplica e alimenta milhares.

GESTÃO E CARREIRA

ATENÇÃO NA DESPEDIDA

Entrevistas demissionais são um mecanismo importante de coleta de dados e podem evitar a judicialização de conflitos

Desde a Reforma Trabalhista de 2017, o número de novos processos trabalhistas em primeira instância caiu cerca de 30% no país, segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Isso se deve ao fato de os trabalhadores precisarem arcar com os custos caso percam suas ações. Mesmo assim, no ano passado o Brasil contabilizou 1,5 milhão de processos trabalhistas – e as empresas precisam usar diferentes estratégias para se protegerem de questões judiciais.

Uma maneira de fazer isso é aproveitar as entrevistas demissionais, conduzidas pela empresa depois de o funcionário ser informado de que não faz mais parte do quadro da companhia, para mapear problemas de conduta de colegas ou chefes e insatisfações que, no futuro, poderão se transformar em processos (como o não pagamento de horas extras).

“É uma oportunidade para resolver eventuais dúvidas ou conflitos existentes entre as partes, evitando, com isso, que o trabalhador saia da empresa com mágoas ou com a sensação de que foi injustiçado em razão de ter sido desligado”, explica Manoela Pascoal, advogada trabalhista no escritório Souto Correa Advogados. “A empresa sempre tem alguma coisa que precisa ser ajustada, e, nesse momento em que já não faz parte da companhia, a pessoa se sente mais à vontade para contar o que se passa”, complementa Luciana Cordeiro, gerente de RH da Reamp + Jellyfish, companhia de marketing digital.

Renato Santos, sócio da S2 Consultoria, especializada em prevenir e tratar atos de fraude e de assédio nas organizações, destaca que as empresas costumam ser dedicadas aos processos de admissão, mas não dão atenção ao processo demissional. “Esquecem que esse momento pode ensinar a organização sobre vários aspectos, que vão do clima à liderança.”

Foi conduzindo uma entrevista demissional para um de seus clientes que Renato deparou com um caso de corrupção, por exemplo. O funcionário confessou que seu chefe o convidou para participar de um esquema, que já contava com dois colegas da área. O profissional se recusou e, dois meses depois, foi demitido pelo gestor. Ele acreditava que isso havia ocorrido por não ter se juntado ao grupo de corruptos.

O caso foi levado à direção, que o apurou e tomou as medidas cabíveis. “Existem algumas empresas que entrevistam somente quem pediu demissão, porque acreditam que, quando o desligamento parte do gestor, a motivação é clara. Mas isso é uma mentira”, diz Renato.

EVITANDO A JUDICIALIZAÇÃO

Apesar de as entrevistas demissionais não terem força de prova em eventuais processos justamente por acontecerem em um ambiente controlado pelo empregador, recentemente o TST indeferiu o pedido de uma funcionária que solicitava o pagamento de horas extras e indenização por danos morais com base em sua conversa demissional e em um depoimento inicial ao entrar na empresa. “Fundamentaram ser incabível o acolhimento dos pedidos quando a própria empregada declarou em sua entrevista de desligamento que pedia demissão porque conseguira outra oportunidade de trabalho, fazendo comentários positivos acerca de sua relação com a ex-contratante e dizendo que trabalhava em outra companhia no horário em que supostamente teria feito horas extras”, diz Manoela, do Souto Correa Advogados.

Apesar de importantes, as entrevistas demissionais não podem ser obrigatórias e, para que sejam eficazes, devem abordar temas como cultura corporativa, políticas internas e condições de trabalho.

Além disso, é necessário treinar muito bem quem irá conduzir essas conversas para antecipar respostas e condutas, como explica Renato, da S2. “Se existir um relato de assédio sexual, por exemplo, a empresa já precisa ter um direcionamento definido. Se a companhia não fizer nada diante de um caso como esse, a entrevista demissional poderá ser mais prejudicial do que benéfica”.

CJHECK-LIST

Três passos para conduzir boas conversas de desligamento

1. SEM OBRIGAÇÃO

As entrevistas demissionais devem ser facultativas e conduzidas por um profissional neutro – melhor até se for de uma empresa contratada

2. ACOLHIMENTO

Lembre-se de que o funcionário pode estar abalado e deixe claro que o bate-papo é para sanar dúvidas e ouvir feedbacks sobre processos que podem ser melhorados ou sobre condutas inadequadas de chefes ou colegas

3. COLHA EVIDÊNCIAS

Embora as entrevistas não tenham peso de prova, podem compor evidências em eventuais processos

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

SEM PALAVRAS

Algumas crianças, como Mário, de 6 anos, passam parte da infância sem dizer uma só palavra fora do círculo de sua família, não se comunicam nem com as professoras ou parceiros de brincadeiras; trata-se do mutismo seletivo, um distúrbio da linguagem vinculado à dificuldade de regular o nível de excitação emocional

O menino de 6 anos já frequentava o jardim-de-infância desde os 4 e ninguém na escola jamais ouvira sua voz. Pelo menos não até aquele dia, quando, por puro entusiasmo, ele deixou escapar três palavras: “Deixa eu agora!”. Queria ver uma câmera fotográfica, tocá-la… “Posso apertar?” A criança tímida, normalmente calada, hoje não desgruda da fotógrafa e de mim. E fala conosco – mesmo que em voz baixa e apenas a uma distância segura de todos os outros. Um fato admirável, considerando que há três anos Mário (a mãe quer seu nome alterado para protegê-lo) se cala sempre que uma pessoa estranha entra na sala – e mantém a boca fechada, bem apertada, para que nenhuma palavra escape. A vigilância o transformou em um mestre do silêncio: quando quer alguma coisa de alguém, puxa a manga da própria blusa, e responde às perguntas balançando a cabeça. E quando se sente pressionado, o que ocorre com facilidade, seus olhos se enevoam e ele fica “ausente”, como se uma cortina interna baixasse.

Os terapeutas têm um termo para esse fenômeno: “mutismo seletivo”. Em determinadas situações, as crianças ou adolescentes não conseguem pronunciar nem uma palavra, apesar de (diferentemente dos “mutistas totais”) terem condições fisiológicas de falar normalmente, o que em geral ocorre quando se sentem seguros, por exemplo, em situações em que estão sozinhos com pessoas muito próximas. A maioria desses pacientes engole até mesmo o riso, choro e gritos de dor. Mário também só fala com algumas poucas pessoas “escolhidas”: a mãe intensamente amada, o pai, os avós, um vizinho, uma colega de sua mãe, um menino mais velho com quem costuma brincar e sua terapeuta, Gabriele Biegler-Vitek (que recentemente desenvolveu um estudo sobre o transtorno na Universidade Danúbio, em Krems). E agora ele falou conosco, duas mulheres desconhecidas. Pediu para explicarmos tudo sobre as câmeras, essas máquinas maravilhosas. “Deixa eu agora!”, uma frase curta, mas uma espécie de marco no caminho de muitos passos pequenos e árduos que Mário trilha há meses na terapia.

Os pequenos pacientes vão ao consultório de Biegler-Vitek pelos motivos mais diferentes, mas os integrantes desse grupo têm algo em comum: mostram-se inibidos e hesitantes, os braços permanecem colados ao corpo, e a cabeça, baixa. Encontram-se toda segunda-feira há mais de um ano. “Tudo bem com você?” pergunta a psicoterapeuta ao loirinho ao seu lado. A roda de aquecimento. Uma após outra, as crianças contam o que viveram na semana passada. “Tudo bem”, sussurra Mário, tão baixinho que eu, três poltronas à frente, mal o ouço. Mantém seu olhar fixo na terapeuta, conta apenas para ela aquilo que deveria dizer a todos. Na próxima hora, a profissional volta a solicitar que se dirija diretamente a um colega quando quiser alguma coisa dele. Mário sempre atende ao seu pedido, mas nunca toma a iniciativa. O mais importante, porém, é que faz algo que normalmente não consegue na escola ou no parque: fala! Para Mário é imensamente difícil encontrar seu lugar entre as outras crianças, e, não raro, fica à margem. No grupo de terapia isso é diferente: sabe que está num ambiente protegido e pode falar no seu ritmo. É como se fosse um campo de treinamento que o prepara para a vida “lá fora”.

TONS ACINZENTADOS

Acredita-se que o mutismo seletivo atinja menos de 1% da população abaixo de 15 anos – mas trata-se apenas de estimativas baseadas em pequenas amostras. O número de casos desconhecidos é provavelmente alto, já que crianças quietas passam facilmente despercebidas. Como as pessoas afetadas não querem chamar a atenção de forma alguma, o problema muitas vezes não é diagnosticado. “O mutista é como a cor cinza sobre um fundo cinza”, comenta Mira, 45 anos, integrante do fórum da Associação de Auto Ajuda ao Mutismo da Alemanha. Ela mesma ficou calada durante longo tempo durante a infância. Segundo diversos levantamentos, aquelas que crescem em ambiente multilíngue são as que mais frequentemente sofrem com o problema. Esse é o caso de Mário, com o qual os pais falam tanto alemão quanto italiano. O risco parece ser ainda um pouco mais alto no caso de imigrantes: talvez porque as crianças se encontrem, de uma hora para outra, em um ambiente estranho, no qual não são entendidas, ou tenham de enfrentar a mudança de sua família.

Muitas vezes, parentes não reconhecem o problema, supõem que a criança é apenas distraída, teimosa ou tímida, principalmente porque raramente é tão reservada em casa. E, não raro, pais, educadores e até psicólogos acreditam que essa dificuldade vai se resolver por si só e “desaparecer com o tempo”. Essa, porém, é uma visão muito simplista, pois o mutismo não é uma recusa a falar, na qual a criança decide, cedo ou tarde, voltar a conversar. Trata-se, na verdade, de um distúrbio grave de fundo emocional e, sem ajuda profissional, ela corre o risco de permanecer continuamente em seu mutismo e solidão. O que significa isso no dia-a-dia? No jardim-de­ infância, por exemplo, Mário não vai ao banheiro porque não consegue falar com a professora. Mais alguns anos sem terapia e ele provavelmente não andaria de metrô na adolescência, não sairia com amigos – caso fizesse algum. E na escola, provavelmente, teria maus resultados. Talvez um psicoterapeuta diagnosticasse um distúrbio do pânico ou uma fobia social.

Frequentemente encontram-se indícios de inibição linguística no decorrer de várias gerações. “Calados nunca vêm de famílias de festeiros”, diz o psicólogo infantil Boris Hartmann, especialista em mutismo. Se essa disposição é transmitida mais fortemente pelos genes ou pela educação ainda é objeto de discussão. De qualquer forma, nas famílias onde há uma criança mutista encontram-se com frequência pais e mães introvertidos, avós extremamente quietas e outros parentes bastante tímidos.

No caso de Mário, o pai também não falava na época em que começou a frequentar a escola, na Itália, mas de alguma forma ele conseguiu escapar de sua mudez. Mas os pais de Mário não querem contar com essa vaga esperança. Junto com Biegler-Vitek, eles formularam uma meta: quando entrar na escola fundamental, Mário terá de estar falando. Uma decisão acertada: quanto mais esperar, mais difícil será o processo. “A criança perde uma parte da socialização que não pode mais ser recuperada. Crianças quietas transformam-se em pessoas fechadas e caladas, algumas não pronunciam nenhuma palavra até a idade adulta”, alerta a psicoterapeuta.

O mutismo precoce começa quase sempre por volta dos 4 anos. Já o “escolar” ou “tardio” aparece entre 5 e 8 anos. Quando Mário entrou no jardim-de-infância se mostrava “tímido e observador”, conta a mãe. Mas adaptou-se rapidamente e, no início, não queria nem mesmo ir embora, de tanto que gostava de lá. Algum tempo depois, porém, ele começou a se retrair e parou de falar com parentes e amigos.

VESTIR PERSONAGENS

No consultório de Biegler-Vitek, as crianças se preparam para a representação semanal de papéis e vestem fantasias: jaquetas, calças e acessórios. Mário pega um chapéu e volta a se sentar. “Quem você quer ser?”, pergunta a terapeuta. “O prefeito”, ele murmura. Por quê? Ele quer cuidar de todos na cidade. Estranho, me dirá Biegler-Vitek mais tarde: “Normalmente, Mário não se arrisca muito”. As regras são combinadas: os “malvados”, o incendiário, o caçador e o espião devem ficar parados e se deixar levar quando o prefeito os encontrar. “Você está preso”, sussurra Mário, e os colegas põem as mãos para a frente. O menino fecha as algemas, mas move-se lentamente, como se o ar fosse composto de gelatina. Para ele, tudo acontece de modo rápido demais.

Segundo a tese de Biegler-Vitek, mutistas têm dificuldades para acompanhar mudanças de emoções e interações sociais. Segundo ela, o distúrbio raramente se desenvolve em consequência de um trauma, como erroneamente supõem alguns. É muito mais provável que seja inato. Enquanto a maioria dos bebês se “desliga” momentaneamente quando recebe estímulos ambientais em excesso, alguns – como Mário – mostram, desde muito cedo, dificuldade de regular seu nível de excitação. Crianças com tendência ao mutismo demoram mais para processar essa auto regulação, acredita Biegler-Vitek. Elas vagam desamparadas nesse mar de sinais que não conseguem classificar nem controlar. Com a pessoa mais próxima, como a mãe, quase sempre se desenvolve uma convivência ativa; mas, tão logo outras pessoas surgem, sente sobrecarregadas. Quando precisa sair do ambiente conhecido que compensa suas fraquezas, essa insegurança se transforma em medo de errar e ser ridicularizadas.

NÃO HÁ CULPADOS

Um perfeccionismo exagerado, típico dessas crianças, reforça o problema: como não consideram a fala e os sinais não verbais suficientes para superar o desconhecido, esses meninos e meninas se calam completamente. Inicia-se então um círculo vicioso: na tentativa de ajudar esses meninos e meninas e tornar as situações menos desagradáveis, outras pessoas passam a falar por eles. Quando a vizinha cumprimenta, a irmã responde. Quando alguém oferece algo, o pai agradece. Se a dona da loja esquece de dar a Mário as balinhas de sempre, ele reclama para a mãe. Rapidamente, aqueles que rodeiam a criança passam a ser seus “intérpretes”. E logo tudo passa a girar em torno dela, muda: em casa ou na escola. Essa posição especial representa ganho secundário do distúrbio. A terapeuta, que também frequenta a casa de seus pacientes, fala sobre pequenos tiranos que dominam, mandam e desmandam em sua família. A família, porém, mal percebe, aceita essa situação ou simplesmente não consegue pôr fim nela.

Tudo isso junto conserva o mutismo. “Mas não o desencadeia”, ressalta a terapeuta. “Nem a mãe nem a família têm culpa da mudez. Elas apenas reagem.” E, quanto mais cedo forem tomadas providências, melhor. Na idade de Mário, com a terapia, a chance de ele voltar a falar normalmente é de nove para uma. Para atingir seu objetivo, a terapeuta aposta na interdisciplinaridade: uma mistura de psicoterapia comportamental, logopedia (conjunto de métodos utilizados para a correção de hábitos de pronúncia) e pedagogia dos distúrbios da fala. Biegler-Vitek começa com consultas individuais nas quais formula regras claras: “Aqui você vai falar – e a mamãe vai lá para fora”, ela disse a Mário logo no início. Na primeira consulta, o primeiro som: “Quando isso funciona, então eu sei que vencemos”.

Mas, nesse momento, ela não se refere à fala propriamente dita. Exigir um “a, e, i, o, u” seria sobrecarregar a criança. Em vez disso, propõe uma brincadeira: pede para Mário soprar. Ele o faz e a pena que segurava sai voando suavemente. Logo ele assopra mais forte, movendo objetos mais pesados: bolinhas de lã, lascas de madeira e caquinhos de vidro. Esse método ajuda a superar barreiras que normalmente prendem as palavras em sua garganta.

Apesar de Mário ter falado na terceira consulta com Biegler-Vitek, a primeira fase da terapia durou aproximadamente seis meses. Então ele entrou no grupo e, lá, a palavra de ordem é treinar: tomar-se ativo em papéis como o do “prefeito”, interferir, impor-se – e falar alto espontaneamente. Um esforço fenomenal para o menino. No final da encenação ele está quente, suas bochechas estão vermelhas e as orelhas queimando

Ao mesmo tempo, Biegler-Vitek realiza um trabalho mais amplo, que chama de “instalar a fala”: envolve as pessoas que estão à volta do menino, amplia a “conversa com a terapeuta” cautelosamente para a “conversa com a terapeuta e outra pessoa”. Se Mário falar com alguém uma vez, então falará com essa pessoa também no futuro. Com a fotógrafa e comigo, por exemplo. Como ele nos encontrou no grupo no qual usa palavras para se comunicar, consegue falar conosco também na escola. No entanto, lá isso só é possível “escondido”, como ele nos confidencia: os outros não podem vê-lo falando. Para mutistas, abrir a boca em lugares onde as pessoas só os conhecem mudos é um grande desafio, pois é preciso abrir mão do lugar “daquele que não fala”. Talvez a frase: “Mas você sabe falar!” seja a mais temida. E é justamente isso que acontece no jardim-de-infância. “Ele falou uma coisa, eu ouvi!”, comenta uma garotinha, cheia de espanto. Quando Mário percebe, o brilho de entusiasmo desaparece de seus olhos e ele aperta a boca com força. Ele ainda não está pronto. Mas logo vai criar coragem.

SINAIS DE ALERTA

  • Ansiedade no trato social, variações de humor, enurese e hábito de roer as unhas
  • O mutismo dura meses e parece não melhorar
  • A criança age normalmente em casa, mas não fala na presença de estranhos
  • Quando alguém se dirige a ela, abaixa a cabeça e fica paralisada
  • A criança se acomoda em sua mudez, desenvolvendo o próprio sistema de sinais
  • Ao brincar, não faz barulho; evita até mesmo tossir, espirrar ou rir
  • Gagueira, atraso no desenvolvimento da fala ou dicção ruim

COM A AJUDA DOS ADULTOS

O mutismo seletivo não é causado por erros na educação, mas pode ser reforçado por eles. Além da terapia, atitudes de pais e educadores podem ajudar a criança a sair desse estado.

•  Principalmente as mães devem ficar atentas para não se envolver de forma simbiótica com os filhos mutistas, deixando de lado outros aspectos da própria vida

• É importante que o paciente enfrente a insegurança diante de situações novas; andar de bicicleta, nadar ou participar de esportes coletivos ajuda a superar o medo

•  A criança deve participar igualmente das tarefas em casa e na escola; assumir trabalhos

domésticos e responsabilidades da mesma forma que irmãos e colegas

•  Adultos devem evitar fazer papel de “pombo-correio” da criança, falando por ela

•  Comemore os aniversários e outros eventos, mesmo que a criança não queira convidar ninguém

•  Se os pais se sentem inseguros, devem procurar terapia individual para lidar melhor com as próprias questões

•  A família deve desenvolver habilidades sociais, por exemplo, convidando regularmente amiguinhos e seus pais para visitas

•  Deixe que a criança realize tarefas adequadas à sua idade, como alimentar-se sozinha, amarrar os próprios sapatos, lavar as mãos etc.

•  O papel do pai deve ser claro e reforçado; é importante que a criança confie nele e os dois tenham um tempo para se divertir juntos

EU ACHO …

DOS PALAVRÕES NO TEATRO

Eu própria não uso palavrões porque na minha casa, na infância, não usavam e habituei-me a me exprimir através de outro linguajar. Mas o palavrão – aquele que expressa o que uma palavra não faria – esse não me choca. Há peças de teatro, como A volta ao lar (Fernanda Montenegro, excelente) ou Dois perdidos numa noite suja (Fauzi Arap e Nelson Xavier, excelentes), que simplesmente não poderiam passar sem o palavrão por causa do ambiente em que se passam e pelo tipo dos personagens. Essas duas peças, por exemplo, são de alta qualidade, e não podem ser restringidas.

Além do mais, quem vai ao teatro em geral já está pelo menos ligeiramente informado, por rumores até, da espécie de espetáculo a que assistirá. Se o palavrão lhe dá mal-estar ou o escandaliza, por que então comprar a entrada?

E mais ainda: as peças de teatro têm censura de idade, e o mais comum é só permitir a entrada de menores a partir de dezesseis anos, o que é uma garantia. Embora mesmo antes dessa idade os palavrões sejam conhecidos e usados pela maioria da juventude moderna.

Qual é então o problema que o uso do palavrão adequado a um texto poderia suscitar? E sem falar que, agrade ou não, o palavrão faz parte da língua portuguesa.

***CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

MUDANÇA DE HÁBITO

Quem sempre viajou para comprar artigos de luxo está se rendendo à comodidade do comércio on-line

Nos velhos tempos em que viajar era uma atividade ao alcance de boa parte da humanidade, as madames com contas bancárias recheadas pegavam o avião, desembarcavam em Paris, Londres ou Nova York e partiam direto para seu turismo favorito: se esbaldar nas lojas da Prada, Dior, Gucci e Chanel, enchendo sacolas e mais sacolas de roupas, sapatos e bolsas caríssimos, mas ainda assim mais em conta do que em São Paulo ou Rio de Janeiro. As estatísticas confirmam a preferência nacional pelo esporte: em 2019, 58%das compras de artigos de luxo feitas por brasileiros ocorreram fora do Brasil. No ano passado, aquele diferente de tudo que se viu até agora, pegar avião deixou de ser possível e ficar dentro de casa, pendurado no celular e no laptop, passou a ser a nova realidade. Entre as muitas consequências desta reviravolta na vida das pessoas, uma de grande impacto foi a implosão do consumo de grifes de alto luxo – de uma hora para outra, os clientes sumiram e o faturamento desmoronou. Premido pela necessidade, o setor abriu uma brecha no muro da exclusividade e aderiu, ele também, às vendas on-line, para as quais sempre torceu o empertigado nariz.

Teve uma grata surpresa: as clientes aprovaram. “Por mais resistentes que sejam, as marcas tiveram de se tornar digitais. O comportamento do consumidor mudou”, explica Renata Carvalho, coordenadora da Câmara Brasileira da Economia Digital. Esnobado com o ambiente reservado a fregueses que não tinham traquejo social para frequentar o a r rarefeito das maisons, o comércio on-line está sendo a salvação do alto luxo. Segundo pesquisa do Instituto QualiBest, 40% das mulheres da classe altano Brasil estão comprando mais pela internet, 23% mantêm o volume de consumo de antes da pandemia e 12% são consumidoras novinhas em folha do e-commerce – ou seja, quase 80% das compradoras de maior poder aquisitivo estão comprando a distância. A assessora jurídica Paula Dias, de 28 anos, de Mato Grosso do Sul, sempre adorou desembarcar em Paris e bater perna nas lojas mais sofisticadas das Galeries Lafayette, seu ponto preferencial de compras. Quando o novo coronavírus fechou as fronteiras, Paula, sem outra opção, resolveu enfrentar a maratona de pesquisas nos sites de luxo – e aprovou. “Consegui descontos que nunca tinha visto no mercado de luxo. E ainda ganhei um monte de brindes junto com as compras”, relata, feliz da vida.

Animada com o potencial deste mercado, a L’Oréal Brasil, responsável por perfumes e maquiagem de marcas como Yves Saint Laurent e Giorgio Armani, investiu nas vendas on-line e viu aumentar em 30% o número de consumidores cadastrados. Em volume, o acumulado até outubro de 2020 já ultrapassava os números de 2019, apesar dos três meses de lojas físicas fechadas. “Para atrair a clientela, oferecemos vantagens como atendimento em português e um pós-compra descomplicado”, diz Roberta Sant’Anna, diretora da divisão de luxo da empresa. Além de vendas em seu próprio site, a L’Oréal também faz uso dos chamados marketplaces – sites em que vários lojistas vendem seus produtos e o cliente paga tudo junto, em um único carrinho. Dessa forma, é possível encontrar na Americanas. com, por exemplo, perfumes da Prada, óculos de Dior e Dolce & Gabbana e, no caso da americana Ralph Lauren, até algumas peças de vestuário. “Parte da atração dessas marcas está no fato de serem inalcançáveis para a maioria. Mas, quando a aura de exclusividade resulta em vendas raquíticas, as empresas não sobrevivem”, explica André Cauduro D’Angelo, autor do livro Precisar, Não Precisa: um Olhar sobre o Consumo de Luxo no Brasil.

Shopping centers conhecidos pela quantidade de grifes luxuosas em seus corredores, como o Iguatemi e o Cidade Jardim, em São Paulo, também se abriram com alarde ao comércio via internet, possibilitando a compra on­line de vestidos, bolsas e calçados de marcas inacessíveis ao comum mortal, como Missoni, Christian Louboutin e Gucci. Do lado da clientela, aqueles que se aventuraram no luxo on-line perceberam que, com o real desvalorizado, comprar no exterior deixou de ser tão bom negócio, mesmo levando em conta os altíssimos impostos locais. “Atualmente, só o que compensa nas viagens para consumir é a experiência da recepção, da hospitalidade”, afirma Catarina Sampaio, que trabalha com hotelaria e pesquisa este mercado. “Somando todos os fatores que impactam o preço final, é provável que, mesmo depois da crise, parte desse consumo continue no Brasil”, concorda Carlos Ferreirinha, presidente da consultoria MCF. Sem falar na maior de todas as vantagens de comprar artigos de luxo no país, só agora descoberta por muitas turistas do consumo: o inefável prazer de parcelar. A estudante Pietra Lins, 22anos, de Niterói, virou entusiasta do recurso tipicamente brasileiro: “A economia de comprar fora era absurda, mas agora já não vale tanto a pena e ainda perco a opção de pagar em várias vezes”. Como se vê, a pandemia, que mudou tudo no planeta, está deixando sua marca no até então inabalável mundo das marcas caríssimas.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 23 DE FEVEREIRO

DESEJOS SANTOS, FRUTOS BONS

O desejo dos justos tende somente para o bem, mas a expectação dos perversos redunda em ira (Provérbios 11.23).

Lawrence Crabb Junior, ilustre psicólogo americano, diz que o desejo produz o comportamento, e o comportamento desemboca em sentimento. O homem faz o que pensa em sua mente e deseja em seu coração. O que ele faz determina o que ele sente. Tudo começa com o desejo. É dessa fonte que brotam os ribeiros da vida ou os rios da morte. O coração é a cabeceira onde nasce esse rio. Ele pode levar a vida ou transportar a morte. O desejo dos justos tende para o bem, pois seu coração já foi transformado. Longe de ser uma fonte envenenada, é um manancial de onde fluem águas cristalinas que dessedentam os cansados. Já a esperança dos perversos é como uma torrente caudalosa que transborda para fora do leito, levando destruição por onde passa. A expectação dos perversos redunda em ira, pois parte de um coração soberbo, violento e impuro. A esperança do perverso é como um mar agitado que lança de si lodo e lama. As ondas revoltas que se levantam do coração do ímpio são verdadeiros tsunamis que devastam tudo à sua volta. O desejo do justo dá bons frutos, mas a esperança do perverso redunda em ira.

GESTÃO E CARREIRA

O ANO DA SAÚDE MENTAL

Sete em cada dez brasileiros estão com medo acima do normal devido à pandemia de covid-19. Essa vulnerabilidade acelerou uma tendência nas organizações: cuidar do psicológico dos funcionários. Veja quais são as melhores práticas

Bem antes de a covid-19 ser oficialmente declarada uma emergência mundial, a Organização Mundial da Saúde (OMS) previu que a depressão seria a doença mais incapacitante do mundo até 2020. Não deu outra. O ataque global do coronavírus veio aprofundar o que já era tido como uma pandemia silenciosa – a dos transtornos mentais – e chamar a atenção para o fato de que cuidar da saúde da mente é tão importante quanto da saúde física. Até porque, pelo conceito da própria OMS, saúde é “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou de enfermidade”.

Em maio deste ano, o censo norte-americano revelou que aproximadamente um terço da população do país mostrava sinais de ansiedade (30%) ou depressão (24%) como consequência da pandemia.

Por aqui, um levantamento realizado em maio pelo Instituto Bem do Estar e pela NOZ Pesquisa e Inteligência com mais de 1.500 pessoas em todo o Brasil mostrou que 53% estão tendo alterações de humor durante o isolamento, sendo que as impressões mais citadas foram medo acima do normal (71%), preocupação (70%), desânimo (56%) e sensação de que algo muito ruim pode acontecer (51%).

Outro estudo, do Instituto de Psicologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) em parceria com a Universidade Yale, dos Estados Unidos, realizado com mais de 3.300 estudantes e profissionais de diversas áreas residentes em todos os estados do país, revelaram que os índices de estresse alto, ansiedade, depressão, que já estavam acima das médias estabelecidas como aceitáveis para a população, quase dobraram entre março e abril, os primeiros meses de quarentena no Brasil. “Alguns grupos mais afetados pelas perdas econômicas, como empresários, administradores e trabalhadores do comércio, apresentaram níveis de depressão até 50% acima da nédia das demais ocupações”, diz Alberto Filgueiras, coordenador do Laboratório de Neuropsicologia Cognitiva da Uerj e coautor do estudo. “Profissionais que precisam sair para o trabalho mostram indicadores de estresse, ansiedade e depressão até 12 % maior do que quem tem a opção de trabalhar em casa.”

Em junho, as buscas por termos ligados a saúde mental no Google atingiu um recorde: aumentaram 61% em relação ao mesmo mês em 2019 e 70% em comparação com fevereiro deste ano, logo antes de as práticas de distanciamento social serem adotadas no Brasil. Procuras por “saúde mental na quarentena” e “exaustão mental” cresceram 150%, ainda de acordo com a plataforma.

TEMORES E INCERTEZAS

Isolamento social, medo de ficar doente, luto pela morte de amigos e parentes, mudanças na rotina doméstica e profissional, desemprego, preocupações financeiras, excesso de informações (e desinformação) e um horizonte de incertezas hoje se somam para tirar a tranquilidade dos brasileiros, desencadeando – ou agravando para quem já tinha o diagnóstico – quadros de estresse crônico, transtornos de ansiedade, depressão, síndrome do pânico e burnout, o esgotamento profissional. Isso sem falar em mais queixas de insônia, Sedentarismo, alimentação desregrada, tabagismo e abuso de álcool, drogas e medicamentos que também se refletem negativamente no bem-estar geral. Quando o foco vai para as mulheres, é possível ver que muitas enfrentam ainda, o peso da jornada tripla de funções e, em casos mais graves, da violência doméstica.

Dois fatores diretamente ligados ao trabalho, a migração às pressas para o home office teve (e continuam a ter) forte impacto no bem-estar mental dos trabalhadores. Se, por um lado, poupar tempo e saúde evitando trânsito, deslocamento e aglomeração no transporte são vantagens, por outro, o trabalho remoto se mostrou potencialmente desgastante. Isso porque nem todo mundo estava contava com estrutura de escritório e boa conexão com internet em casa, por exemplo. E, no caso de pais e mães com crianças, houve quem sempre precisou se desdobrar para conciliar a atividade profissional com as tarefas domésticas e a assistência ao estudo online dos filhos. Além disso, queixas como expediente estendido, excesso de reuniões (ainda que virtuais), vigilância de horários e rigidez em relação à produtividade e aos resultados se tornaram comuns.

Pensando em otimizar e tornar mais leve o trabalho em home office, a Novartis concedeu auxílio em dinheiro para que os funcionários pudessem fazer melhoria estrutura do escritório em casa, como mobiliário e iluminação funcionais. “Também incentivamos que os times sigam uma agenda consciente de reuniões, evitando encontros desnecessários e em horários críticos, como o horário do almoço, muito pela manhã ou no fim da tarde”, explica Julia Ruback Pirola, diretora de RH da farmacêutica. A área também organizou rodas de conversas sobre homeschooling (o ensino domiciliar), cuidados com pets e outros temas de interesse de quem está passando mais tempo em casa do que o normal.

Os gestores são estimulados a manter contato constante com as pessoas para saber como estão física e mentalmente, e empregados que precisam dedicar algum tipo de cuidado especial a filhos ou pais ganharam direito a um período de licença remunerada sem desconto nas férias. O retorno ao trabalho presencial será flexível, com cada um ficando responsável por definir quando prefere voltar, desde que em função elegível. “É uma maneira de demonstrar confiança e dar autonomia às pessoas”, comenta Julia, que cita o índice de satisfação mais alto do que nunca nas pesquisas de clima recentes.

POR QUE CUIDAR DO PSICOLÓGICO?

Não é de hoje que se defende que colocar dinheiro em iniciativas de saúde mental precisa ser visto como investimento, e não como gasto. De acordo com dados da OMS, cada dólar destinado por governos e organizações a políticas e treinamentos para manter equipes psicologicamente sadias resulta em retorno de 4 dólares em produtividade. “O capital humano é o ativo mais importante das empresas. Profissionais que se sentem cuidados são mais presentes, engajados, criativos, se relacionam melhor e cometem menos erros”, afirma Ana Maria Rossi, doutora em psicologia e presidente da International Stress Management Association (Isma-BR).

Dados pré-pandemia da Secretaria de Previdência do Ministério da Economia revelam que, até 2017, transtornos ansiosos e depressivos eram o terceiro motivo de concessão de auxílio-doença no país, somando mais de 72.000 benefícios. Na área jurídica, por exemplo, chegam a responder por até 60% dos casos de afastamento de advogados e procuradores, de acordo com números de 2019 do Ministério Público do Trabalho. A pandemia obviamente tornou todos esses índices obsoletos e, embora seja impossível calcular a quantidade de trabalhadores emocionalmente doentes, estamos diante de uma emergência de saúde.

No Fórum Econômico Mundial de 2019, em Davos, na Suíça, o bem-estar psicológico do indivíduo foi incluído pela primeira vez no relatório que trata dos fatores de risco à economia global. Estimativas mostram que gastos relacionados a doenças emocionais poderiam chegar a 6 trilhões de dólares em todo o mundo até 2030 – mais do que a soma das despesas com diabetes, doenças respiratórias e câncer, segundo dados do fórum. E isso sequer considerava o impacto do coronavírus. Ainda de acordo com o documento, o que vai determinar o crescimento de uma economia baseada no conhecimento, como a do século 21, seria capacidade das organizações de construir ambientes de trabalho acolhedores e seguros psicologicamente.

“Muitas vezes, o trabalhador com ansiedade ou depressão é rotulado como preguiçoso, incapaz ou incompetente quando, na verdade, ele está doente. Se não houver investimento por parte das empresas no sentido de cuidar dos empregados para evitar que adoeçam, haverá uma queda brutal de produtividade e, pior, que se estenderá por anos”, observa Alberto Filgueiras, da Uerj.

Diferentemente das doenças físicas, que, de modo geral, permitem o retorno ao trabalho depois de um período de recuperação de semanas ou poucos meses, as mentais não têm essa previsibilidade. A volta pós-depressão, síndrome do pânico ou estresse pós-traumático, por exemplo, pode demorar mais de um ano. “Ainda assim, a pessoa não volta no mesmo ritmo, o desempenho pode ficar limitado e pode haver recaídas”, diz Ana Maria, da Isma-BR.

Com a flexibilização da economia e o retorno gradual às atividades presenciais, muita gente está experimentando uma sensação que vem sendo chamada de FOGO, acrônimo para Fear Of Going Out, oumedo de sair de casa. Comparável à síndrome da cabana, um fenômeno psicológico vivido por trabalhadores e moradores de locais isolados após longos períodos de confinamento ou durante invernos rigorosos, a FOGO apresenta sintomas típicos de ansiedade, como palpitações, respiração ofegante, tensão muscular, vontade de chorar, medo paralisante, dificuldade de concentração e alterações no sono. Para quem convive com ela, é como se pegar o elevador, encostar em pessoas ou objetos, sair brevemente para compras essenciais e aí, respirar fora de casa se tornassem ameaças. Se não tratada – com ajuda de terapia, de preferência, para entender que sentir medo é normal diante das mudanças bruscas na rotina e conseguir superá-lo, com adoção de hábitos saudáveis e socialização com pessoas quer queridas, para evitar sentimentos de solidão -, pode evoluir para ansiedade generalizada, síndrome do pânico e depressão.

Outro desdobramento da pandemia esperado pelos especialistas em saúde mental é uma explosão nos casos de estresse pós-traumático, que é altamente incapacitante e uma das principais causas associadas ao suicídio. Os sintomas podem demorar até dois anos para se manifestar depois do evento traumático, e o tratamento pode levar até mais dois anos, ou seja, a capacidade funcional do trabalhador fica comprometida por muito tempo. ‘”Como os sintomas incluem agressividade, raiva e agitação, além de perda de vitalidade geral, como ocorre na depressão, pode haver ocorrências de assédio moral, comportamentos hostis e problemas de clima”, diz Alberto, da Uerj.

PREPARANDO AS LIDERANÇAS

 Gestores desempenham papel-chave na promoção do bem-estar. Agora muitos têm diante de si o desafio de liderar à distância e ainda assim manter equipes coesas e motivadas, além de se sentindo acolhidas em suas inseguranças e necessidades. “Boa comunicação é habilidade indispensável neste momento”, afirma Ana Cristina Limongi, professora do Programa de Gestão de Pessoas da Fundação Instituto de Administração. “Os chefes devem se mostrar próximos do time e genuinamente interessados em como cada um está se sentindo. Trocas constantes, por meio de conversas virtuais para quem está em home office, e escuta ativa são fundamentais”, diz.

A presença, porém, não deve ser pretexto para vigilância. Confiança, flexibilidade, empatia, tolerância e autonomia são aspectos que devem orientar a relação com os subordinados neste momento, a fim de simplificar o dia a dia. Isso vale tanto para os que estão em atividade remota quanto para os que não deixaram o trabalho presencial – afinal, é importante levar em consideração que estes últimos também enfrentam conflitos emocionais pelo medo da exposição e pela tensão geral do contexto.

Desde o início da pandemia, todos os treinamentos de liderança na Heineken foram direcionados para o acolhimento dos funcionários, comenta Renato Souza, diretor de RH do grupo. Depois de identificar, por meio de feedbacks do estafe remoto, o excesso de reuniões muito longas que vinham sendo agendadas nos primeiros meses em isolamento, gestores foram incentivados a limitar a 45 minutos o tempo de cada encontro, além de relaxar no monitoramento do expediente, procurando garantir apenas que não houvesse exagero de horas extras.

Em julho, uma live com o presidente da Heineken, que reuniu 40.000 funcionários e familiares, teve o objetivo de conscientizar todos da importância de manter práticas de saúde física e mental como autocuidado e de explicar sobre os planos da organização em prol das pessoas durante a quarentena. Foram ouvidos também o médico da empresa sobre os cuidados para evitar o contágio pelo coronavírus e um especialista em psicologia positiva para entender como cultivar pensamentos e atitudes que ajudem a atravessar a crise sem perder o equilíbrio emocional.  “A conexão faz parte da essência da companhia. Nossa preocupação agora é manter a proximidade e cuidar da segurança não só dos nossos empregados, mas dos seus parentes, pois sabemos que o bem-estar em casa também conta para a saúde mental”, diz Renato.

Os chefes podem fazer muito para remover o estigma em torno do diálogo sobre saúde mental no ambiente de trabalho, considerado o principal obstáculo para que a questão seja abordada com a seriedade e profundidade que merece. Estimular conversas coletivas, ainda    que informais, sobre como as equipes estão se sentindo é um primeiro passo.  Estar atento, reconhecer quando alguém está precisando de apoio de algum tipo, mesmo que não relacionado às atividades profissionais – afinal, questões familiares, financeiras e da vida prática também abalam as emoções – , e colocar se à disposição para escutar é desejável e pode fazer grande diferença para a segurança emocional e o sentimento de pertencimento.

Expor as próprias dificuldades e estratégias para cuidar da saúde emocional, além de compartilhar experiências de ansiedade, depressão, síndrome do pânico e outras doenças da mente seria determinante para diminuir o preconceito em relação aos transtornos mentais. Isso já ocorre em países como Inglaterra e Canadá, onde o debate público sobre saúde mental está em curso e muitas empresas já entenderam que é preciso se comprometer com a construção de uma cultura de promoção de saúde psíquica no contexto do trabalho.

TRANSFORMAÇÃO CULTURAL

A Virtude, plataforma de terapia online e educação emocional, viu saltar de 20 para 78 o número de empresas atendidas pela solução corporativa que oferece, passando a ter 150.000 usuários (eram 22.000 no pré-covid). “A pandemia escancarou uma demanda que já existia, mas não vinha sendo respeitada pelas empresas de atenção integral ao colaborador”, explica Tatiana Pimenta, CEO da startup. “Hoje os empregadores não têm mais como se isentar do cuidado com o funcionário. Isso influencia a reputação de qualquer marca e o valor da empresa no mercado.”

Para a Log-In, companhia de logística intermodal que mantém mais de 60% do efetivo total em trabalho presencial em embarcações e nos portos onde opera, a terapia à distância tem sido de grande ajuda para tranquilizar tanto os empregados (alguns quarentenados em hotéis depois de desembarcar de alguma viagem) quanto seus familiares. “Alguns enfrentam conflitos conjugais pela convivência no isolamento, outros devido à distância forçada pelo período em que os funcionários tiveram que ficar confinados. Nesses casos, cuidamos para ofertar psicoterapia com profissional especializado em casais”, explica Andréa Simões, diretora de gente e gestão da Log.In. No mais, todos funcionários remotos e presenciais, têm acesso a apoio psicológico, financeiro e jurídico pago pela companhia.

Rodas de conversa e palestras sobre temas ligados a saúde mental também estão em alta entre as soluções pensadas pelas áreas de recursos humanos para cuidar dos empregados. Para Toya Lorch, sócia fundadora da Get Ahead, empresa que desenvolve programas corporativos de bem-estar e saúde emocional, e da consultoria Kampas, são todas ações válidas e necessárias, mas que, isoladamente, têm função paliativa. “É claro que oferecem um alívio para o mal-estar e o sofrimento, mas devem ser apenas os primeiros passos de um programa estruturado de cuidados com a saúde mental”, diz. Ela defende que a preocupação com a saúde mental precisa estar embutida nos valores e na cultura da empresa, atravessar todas as áreas e pautar todas as decisões. “Não dá mais para ficar restrita ao momento da terapia ou da palestra sobre ansiedade ou mindfulness.”

Em outras palavras, é preciso desconstruir a mentalidade atual de saúde corporativa, focada na compensação dos prejuízos causados pelo dia a dia profissional à saúde física e emocional, e criar culturas organizacionais baseadas na consciência de cuidado integral com o funcionário e numa dinâmica de trabalho que evite o adoecimento. Por exemplo, em vez de apenas oferecer ginástica laboral ou fisioterapia para o indivíduo aguentar a sobrecarga de digitação, o correto seria rever todo o processo que permite que o empregado fique submetido a uma carga de digitação que o deixa doente e fazer as mudanças necessárias.

Também não adianta dar sessão de meditação, terapia à distância, palestra sobre resiliência e pufes para descanso, mas continuar submetendo o trabalhador a cargas enormes de estresse. “Por muito tempo, as organizações e as pessoas sacrificaram a saúde mental em nome da produtividade e da performance. Hoje não há mais espaço para isso”, diz Toya, da Get Ahead. “O conceito de saúde mental passa pela ideia de que é possível ser produtivo, exercer seu potencial e gerar valor para a empresa sem perder saúde. Ninguém teria que escolher entre uma coisa e outra”, diz.

E tem mais. Voltando aos países mais comprometidos com a promoção de bem-estar psíquico, o tema é foco de campanhas governamentais para disseminação de boas práticas entre a população geral e junto às organizações, além de inspirar a criação de políticas públicas. “A tendência é que o compromisso que as empresas têm com a saúde mental seja tão determinante para seu valor como ocorre hoje com a sustentabilidade e a diversidade”, afirma Toya.

DESAFIOS DO PRESENTE E DO FUTURO

Doenças emocionais não se instalam de uma hora para outra; vão escalando ao longo do tempo, sobretudo quando nada é feito para evitar que limitem a vida e a capacidade funcional do indivíduo. Da mesma forma, não é possível estimar a duração do impacto que terão na vida do paciente.

Em um editorial publicado em abril na Revista Brasileira de Psiquiatria, pesquisadores destacam, com base na experiência de epidemias passadas, que o número de pessoas com a saúde mental afetada tende a ser maior do que o de contaminadas pela doença infecciosa em questão e que as implicações para a saúde emocional podem durar muito mais tempo do que a própria epidemia, com impactos sociais, psicológicos e econômicos incalculáveis.

Diante disso, ao mesmo tempo que precisam agir agora para cuidar dos trabalhadores com dificuldades, as organizações começam a pensar em mudanças estruturais para evitar perdas ainda maiores no longo prazo em um mundo pós-pandemia que ninguém sabe exatamente quando ocorrerá. Nesse contexto, as tendências apontam para o surgimento de duas novas posições na estrutura organizacional: o diretor de bem-estar, de saúde mental ou de felicidade, dependendo da nomenclatura adotada (CWO, CMHO ou CHIO –   Chief Wellness Office, Chief Mental Health Officer ou Chief Happiness Officer, como já vem sendo chamado) e o mental health first aider, uma espécie de socorrista de saúde mental.

O diretor de saúde mental é um executivo com a função de liderar os esforços de desenvolvimento e a avaliação de programas corporativos de saúde e bem-estar. A Escola de Medicina da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, oferece um curso de uma semana de formação como CWO voltado para gestores. De acordo com a página da universidade, as aulas provêm ferramentas teóricas e práticas para a formatação de programas de saúde mental customizados e sustentáveis, além de estratégias de lideranças para colocá-los em prática e criar uma cultura que gere engajamento e realização pessoal.

O socorrista de saúde mental é o que o nome sugere: uma pessoa a quem o estafe pode procurar para primeiros socorros de saúde e bem-estar, ou seja, quando está se sentindo vulnerável, em crise, com dúvidas ou no caso de uma emergência psicológica. “Geralmente é alguém com conhecimento em saúde mental ou que se interessa pelo assunto, possui habilidades de acolhimento e escuta, conhece a cultura da organização e a estrutura de suporte que a empresa oferece para resolver a questão trazida pelo colaborador”, descreve Toya.

A função surgiu na operadora de saúde Care Plus como uma das primeiras iniciativas do comitê multidisciplinar criado para apoiar os empregados durante a pandemia. O Call Tree é um canal de comunicação por telefone que funciona 24 horas por dia com três profissionais da empresa à disposição para tirar dúvidas e dar informações aos funcionários e seus dependentes – de relatos de sintomas físicos de covid-19 até preocupação com os filhos, problemas financeiros e ajustes na estrutura e na rotina do home office. Dependendo da demanda, é resolvida prontamente pelo próprio “socorrista” ou encaminhada para o serviço de telemedicina, apoio psicológico, área de recursos humanos ou outra. Uma das voluntárias é a gerente executiva de RH da empresa, Camila Pignatari – as demais são uma diretora médica e uma profissional da área de compliance. “Quanto mais próximos estamos das pessoas e dispostos a escutar suas necessidades reais, mais preparados ficamos para tomar decisões assertivas que vão de fato ajudá-las”,’ diz Camila.

Na Inglaterra, por exemplo, já existem cursos de formação como socorrista de saúde mental para atuação com jovens e adultos, em escolas, organizações privadas e até nas forças armadas. E não existe a necessidade de ser um profissional de saúde para conquistar a formação. Mais de 178.000 pessoas já foram certificadas.

QUEM CUIDA DO RH?

A área de recursos humanos é a linha de frente para os cuidados com os trabalhadores e a manutenção da operação nas empresas. Com um bom comando da formação dos comitês de crise, da tomada de decisões difíceis – como as que implicam demissão, suspensão de contratos e corte de salários e de benefícios – e do compromisso de manter a comunicação e a motivação em dia, a imagem e a atuação do RH certamente sairão fortalecidas da crise. Mas não se pode esquecer que esses profissionais também sofrem com a situação geral da pandemia e do isolamento social.

Observando as inquietações e as experiências dos colegas, a consultora e sócia diretora da Resch RH, Jacqueline Resch, teve a ideia de criar um espaço de trocas e escuta para quem atua na área, que batizou de COMversas com RH. ”O que gera angústia é não saber como lidar em determinadas situações, e a crise trouxe muitas coisas novas. Saber que não está sozinho em uma situação desafiadora como a atual e ter a quem perguntar, com quem desabafar e trocar ideias faz muita diferença para se manter saudável e motivado”, explica Jacqueline. Os encontros virtuais já reuniram dezenas de pessoas e são um espaço para desabafar e para gerar insights de soluções que podem ser aplicados nos negócios. Para além do grupo de profissionais de recursos humanos a criação de comunidades por setor de atividade (bancos, indústrias, escolas, varejo etc.) é uma tendência na promoção de cuidados de saúde mental. E é interessante porque se volta para as necessidades específicas de cada área. A City Mental Health Alliance é um exemplo internacional. Trata-se de uma comunidade formada por pessoas – de todos os departamentos e posições hierárquicas – das empresas City, como é conhecido o centro financeiro de Londres. O objetivo é compartilhar conhecimento, disseminar boas práticas e influenciar a criação de políticas públicas voltadas para a atenção da saúde mental. Quando se trata de construir um ambiente humanizado e psicologicamente saudável, a união de diversas forças – entre líderes empresariais e governos – nunca foi tão importante.

COMO VOCÊ ESTÁ?

Levantamento da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e da Universidade Yale mostram como os sentimentos dos brasileiros mudaram na crise dacovid-19

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

SUTILEZAS DO PRECONCEITO

Mesmo pessoas bem informadas e tolerantes costumam ter convicções que conscientemente abominam; a intenção de rever as próprias ideias, porém, pode levar o cérebro a fazer novas associações

“É mais fácil desintegrar um átomo que um preconceito.” Albert Einstein (1879-1955)

Não há nada mais doloroso para mim nesta fase de minha vida do que caminhar pelas ruas, ouvir passos e começar a pensar em um possível assalto; depois olhar à volta, ver uma pessoa branca e me sentir aliviado”, disse certa vez o ativista político americano Jesse Jackson. A observação ilustra um fato básico de nossa existência, do qual nem mesmo um ativista negro, que defendeu os direitos civis ao lado de Martin Luther King, pôde escapar: ideias que não endossamos racionalmente podem se alojar na mente e, sem nossa permissão ou consciência, influenciar percepções, expectativas e avaliações.

Utilizando métodos sofisticados, psicólogos têm comprovado que as pessoas inteligentes e bem informadas aderem, involuntariamente, a um assustador elenco de crenças e atitudes estereotipadas sobre os grupos sociais, como de negros, brancos, homens, mulheres, idosos, jovens, homossexuais, heterossexuais, gordos, magros e tantos outros. Embora preconceitos implícitos estejam presentes em todos nós, diferimos em relação a alguns aspectos, dependendo do meio ao qual pertencemos, do nosso desejo consciente de evitar as ideias pré-formadas e da configuração de nosso meio cotidiano.

Essa forma velada de preconceito predomina sobre o tipo aberto ou explícito, que associamos com os nazistas ou grupos como a Ku Klux Klan, e estudos mostram que seus efeitos são igualmente insidiosos. Isso não significa dizer que a discriminação explícita desapareceu, nem que seja menos relevante do que a forma encoberta. Segundo um relatório federal de 2005, cerca de 200 mil crimes de ódio ocorrem nos Estados Unidos todos os anos.

No Brasil, os números mostram que a violência tem cor, raça e território: os principais atingidos são os negros, os pobres e os moradores de favelas. Segundo o estudo sobre violência contra crianças, encomendado pela Organização das Nações Unidas (ONU), em cada grupo de dez jovens de 15 a 18 anos assassinados no Brasil, sete são negros.

É consenso que, em certos casos, cenários e situações podem ativar, automaticamente, estereótipos que afetam nossas percepções, juízos e condutas. Pesquisadores tentam agora aprofundar a questão. Eles querem saber coisas como: de onde exatamente provêm tais preconceitos? Até que ponto influenciam nosso comportamento? Se as atitudes estereotipadas estão inscritas em nosso psiquismo, um maior conhecimento a respeito do tema pode nos auxiliar a superá-las?

Associações implícitas surgem a todo momento e são inerentes à cognição humana. Revelam-se em nossa tendência para categorizar e absorver mensagens. Para dar sentido ao mundo à nossa volta e lembrar das relações entre objetos, ações e adjetivos dispomos em grupos as coisas que nos cercam, suas características e as sensações que despertam. Por exemplo, notamos automaticamente que carros podem deslocar-se com rapidez, aviões voam, bolos são doces e mosquitos picam. Sem tais deduções, teríamos enormes problemas para nos orientar no mundo e sobreviver, pois a cada momento tudo pareceria novidade.

Chegamos a tais associações de forma extremamente rápida e, com frequência, elas escapam da compreensão consciente. Assim, para medi-las, os psicólogos recorrem a testes indiretos que não dependem da capacidade ou disposição do sujeito para refletir sobre seus sentimentos e pensamentos. Vários métodos comumente usados aferem a velocidade com que as pessoas relacionam palavras ou figuras representando grupos sociais – jovens e idosos, homens e mulheres, negros e brancos, obesos e magros, judeus e muçulmanos – com termos positivos ou negativos ou traços estereotipados.

Como os conceitos intimamente ligados estão vinculados na mente, a pessoa responderá mais rapidamente a pares relacionado de ideias – digamos, “martelo e prego” – do que a um par aparentemente não relacionado, como “chafariz e tênis”. O tempo de resposta, portanto, pode revelar associações ocultas, tais como “negro e perigo” ou “mulher e incapacidade”, que formam a base do preconceito subjacente. Mas podemos nos livrar das associações implícitas? “A resposta é não. E é bom que seja assim, pois se nos desvencilharmos completamente delas perderemos um instrumento muito útil, necessário à vida cotidiana”, diz o psicólogo Brian A Nozek, da Universidade de Virginia.

O problema surge quando formamos associações que contrariam nossas intenções, crenças e valores. Muitas pessoas vinculam, involuntariamente, deficiência com fraqueza, árabe com terrorismo ou pobre com inferioridade, mesmo que tais estereótipos contrariem a racionalidade e até mesmo valores que lhes são caros, como o de justiça ou igualdade.

Questões pessoais, relativas à autoimagem, muitas vezes encobrem associações implícitas. Para favorecer nosso próprio status, estamos predispostos a atribuir características superiores a grupos aos quais pertencemos e a exagerar as diferenças em relação aos que estão fora deles. Até mesmo nossas percepções visuais básicas tendem a favorecer nossos pares. Vários estudos mostram que as pessoas se lembram com mais facilidade do rosto de indivíduos de sua própria etnia.

A identificação com um grupo ocorre de forma surpreendentemente rápida. Em estudo de 2002, o psicólogo Anthony C. Greenwald, da Universidade de Washington, e seus colegas solicitaram a 156 pessoas que lessem os nomes de quatro membros de duas equipes hipotéticas, Púrpura e Dourado. Os participantes tinham 45 segundos para memorizar o nome dos membros de apenas uma das equipes. Em seguida, realizaram duas atividades em que deviam distribuir rapidamente os nomes. Primeiro, eles agrupavam os integrantes de uma das equipes no conceito “vencedor” e os demais sob a palavra “perdedor”; na tarefa seguinte, vinculavam cada equipe com a noção de “eu” e de “outro”. Os pesquisadores descobriram que os 45 segundos que as pessoas passaram pensando em um time fictício fez com que se identificassem com o grupo, vinculando-o consigo e passando a considerar implicitamente os seus membros como “vencedores”.

Alguns preconceitos disfarçados parecem enraizados em emoções intensas. Em estudo de 2004, o psicólogo Wil A. Cunningham, da Ohio State, mediu a atividade cerebral de pessoas brancas, enquanto estas visualizavam rostos negros e brancos. Os pesquisadores descobriram que, em comparação com as faces claras, as negras, iluminadas por apenas 30 milissegundos (rápido demais para que os participantes as notassem atentamente), desencadeavam maior atividade na amígdala, área do cérebro associada à vigilância, emoção e, às vezes, ao medo. O efeito foi mais acentuado entre as pessoas que mostraram preconceito racial implícito mais forte.

O mesmo estudo revelou que, quando os rostos eram mostrados durante meio segundo – intervalo suficiente para que os voluntários os processassem conscientemente -, as faces negras provocavam intensa atividade nas áreas pré-frontais do cérebro, associadas à detecção de conflitos internos e ao controle de respostas. Isso sugere que os indivíduos estavam tentando, conscientemente, eliminar suas associações implícitas.

Por que os rostos negros provocam vigilância? A psicóloga social Jennifer A. Richeson, professora da Universidade Northwestern, em Evanston, Illinois, especula que os estereótipos culturais vinculando jovens negros do sexo masculino ao crime, à violência e ao perigo são tão sólidos que nosso cérebro pode, automaticamente, dar maior atenção a negros como uma categoria, assim como dá a animais ameaçadores (cobras, por exemplo). Em estudo recente ainda não publicado, Richeson e colegas descobriram que a atenção visual de estudantes brancos se dirigia mais rapidamente a fotografias de negros, mesmo que as imagens fossem fugazes demais para que os participantes as notassem conscientemente. Esta vigilância intensificada não surgiu, porém, quando os homens nas imagens não estavam olhando para a câmera. O olhar baixo, sinal de submissão nos humanos e em outros animais, elimina a percepção explícita de ameaça.

TRAÇOS NEGATIVOS

Quaisquer que sejam as bases neurais do preconceito implícito, fatores culturais – como piadas étnicas depreciativas e insultos jocosos manifestados por pais, professores, amigos e meios de comunicação – o reforçam. Sinais socioculturais sutis podem ter efeitos particularmente insidiosos. Em estudo ainda não publicado, o psicólogo Luigi Castelli, da Universidade de Padova, na Itália, e colegas investigaram comportamentos raciais de 72 famílias italianas brancas. Eles descobriram que as preferências das crianças não eram influenciadas pelas posturas explícitas dos pais (talvez porque aquelas atitudes fossem silenciosas). As crianças cuja mãe tinha mais atitudes depreciativas implícitas em relação a negros, porém, tendiam a escolher um companheiro branco e atribuíam mais traços negativos a uma criança negra fictícia do que a uma branca.

As crianças cuja mãe revelou menos preconceito racial implícito nos testes eram menos propensas a exibir tais preferências.

Isso leva a crer que muitas de nossas associações veladas sobre grupos sociais se formam antes de sermos maduros o suficiente para considerá-las racionalmente. Em experimento inédito, os psicólogos Mahzarin R. Banaji, professor da Universidade Harvard, e Yarrow Dunham, da Universidade da Califórnia, descobriram que crianças brancas em idade pré-escolar tendiam a categorizar expressões faciais zangadas racialmente ambíguas como negras; mas não faziam o mesmo quando se tratava de rostos alegres. Em 2006, Banaji e Andrew S. Baron, estudante da Harvard, mostraram que o preconceito racial implícito surge nas crianças por volta dos 6 anos.

Em 4 de fevereiro de 1999, quatro policiais de Nova York foram ao apartamento do imigrante africano Amadou Diallo, de 23 anos. Eles pretendiam interrogá-lo, pois a descrição física do rapaz coincidia com a de um homem suspeito de estupro. Momentos depois, Diallo caía morto. Os policiais, acreditando que ele sacaria uma arma, dispararam 41 tiros, 19 dos quais atingiram o alvo. O que o jovem procurava em seu bolso não era uma arma, mas sua carteira. Os policiais foram acusados de assassinato, mas argumentaram que atiraram porque acreditaram que suas vidas estavam em perigo. O argumento foi aceito e os réus, absolvidos.

No caso de Diallo, a repentina decisão de atirar teve consequências trágicas. O processo e os protestos públicos que se seguiram suscitaram questões perturbadoras. Em que medida nossas decisões são influenciadas por preconceitos sociais disfarçados? Como esses preconceitos velados motivam nossas escolhas? Se nosso comportamento é de fato influenciado por convicções que nem sempre admitimos, ações reflexas e juízos instantâneos podem ser perigosamente vulneráveis às associações implícitas. Vários estudos mostram, por exempio, que tanto negros como brancos tendem a confundir um objeto inofensivo, como um telefone celular, com uma arma se um rosto negro estiver acompanhando o objeto. Essa ocorrência é mais frequente em situações nas quais as pessoas precisam avaliar a situação rapidamente.

Em estudo de 2002 a respeito de atitudes raciais e comportamento não-verbal, o psicólogo John F. Dovidio, hoje na Universidade Yale, mediu as atitudes raciais implícitas e explícitas de 40 estudantes brancos. Ele solicitou que os participantes conversassem com uma pessoa negra e outra branca e filmaram a interação. Dovidio descobriu que as atitudes explícitas dos participantes brancos mais previsíveis representavam os tipos de comportamento que podiam controlar facilmente, como o caráter amigável das palavras. Os sinais não-verbais, porém, como a quantidade de contato visual que mantinham, dependiam de suas atitudes implícitas. Segundo Dovidio, as pessoas das duas etnias saíram da conversa com os voluntários com impressões muito diferentes. Os brancos consideraram as interações satisfatórias, mas os negros, atentos ao comportamento não-verbal dos universitários, consideraram que os jovens eram conscientes dele e apontaram a intolerância dos interlocutores.

Os preconceitos implícitos também podem contaminar decisões deliberadas. Os psicólogos Laurie A. Rudman e Richard D. Ashmore, da Universidade Rutgers, em Nova Jersey, descobriram, em pesquisa feita em 2007, que brancos que manifestam maior preconceito implícito em relação aos negros também têm mais tendência a realizar atos discriminatórios na vida cotidiana, como evitar a convivência com negros e depreciar seu trabalho, contar piadas raciais, insultá-los, ameaçá-los ou agredi-los fisicamente. Ou seja: ainda que as palavras neguem, os atos falam por si.

Em uma segunda pesquisa relatada no mesmo artigo, Rudman e Ashmore conceberam um cenário experimental para examinar com mais detalhe o elo entre o preconceito implícito contra judeus, asiáticos e negros e o comportamento discriminatório em relação a cada um desses grupos. Eles pediram aos participantes que observassem uma proposta orçamentária em avaliação na universidade e que fizessem recomendações para a alocação de fundos a organizações estudantis. Os estudantes que manifestaram maior intolerância não assumida em relação a determinado grupo minoritário tenderam a sugerir alocações desfavoráveis às organizações dedicadas aos interesses desses grupos. O preconceito implícito também pode influenciar as decisões relativas à contratação de empregados. Em experimento ainda não publicado, o economista Dan-Olof Rooth, da Universidade de Kalmar, na Suécia, enviou a 193 empregadores candidaturas fictícias a emprego, com nomes de homens árabe-muçulmanos e suecos. Em seguida, o pesquisador entrevistou os profissionais de recursos humanos que avaliaram os currículos e mediu seus preconceitos implícitos em relação a árabe-muçulmanos. Ele constatou o que era de se esperar: quanto maior o preconceito do empregador, menor a probabilidade de um candidato com nomes como Mohamed ou Reza ser chamado para entrevista. O curioso é que as pessoas não admitem esse comportamento e chegam mesmo a condená-lo nos outros.

MENTE ABERTA

O preconceito racial inconsciente ainda pode contaminar decisões médicas cruciais. Em estudo de 2007, Banaji e colegas de Harvard apresentaram a 287 médicos de pronto-socorro uma fotografia e um breve resumo clínico descrevendo um paciente de meia-idade – em alguns casos branco, em outros negro – que chegava ao hospital se queixando de dores no peito. Os médicos, em sua maioria, não admitiram o preconceito racial, mas, na média, revelaram, segundo os testes realizados, uma tendência desfavorável aos negros, de forma moderada a intensa. Quanto maior o preconceito racial do profissional, menor a probabilidade de dar a pacientes negros as modernas – e dispendiosas – drogas trombolíticas (que dissolvem coágulos).

Os pesquisadores acreditaram, durante muito tempo, que como as associações implícitas se desenvolvem bastante cedo e somos inconscientes delas, seria praticamente impossível mudá-las. Mas a pesquisa recente sugere que podemos reelaborar nossas crenças e atitudes implícitas ou, pelo menos, controlar seus efeitos.

Contemplar os grupos-alvo em contextos sociais mais favoráveis pode ajudar a enfrentar atitudes tendenciosas. Em estudos de laboratório, ficou demonstrado que diversas estratégias permitem enfraquecer o preconceito implícito. Surte efeito, por exemplo, ver um rosto negro com uma bonita paisagem ao fundo em vez de uma rua deteriorada; considerar exemplos de negros admirados, como Denzel Washington e Michael Jordan, ou, ainda, ler sobre as contribuições que árabes e muçulmanos deram à humanidade. Estudantes que assistiram a um curso sobre redução de ideias preconcebidas com professor negro mostraram, ao final do semestre, menos preconceitos implícitos e explícitos do que os estudantes que tiveram o mesmo curso com professor branco. O psicólogo Nilanjana Dasgupta, pesquisador da Universidade de Massachusetts Amherst, descobriu em pesquisa recente que alunas de engenharia que tiveram um professor de matemática, em vez de uma professora, manifestavam atitudes implícitas negativas em relação à disciplina e consideravam a matemática como “masculina”. O mesmo não ocorria com as estudantes que tiveram aulas com uma mulher.

Há mais de meio século, o psicólogo social Gordon Allport denominou os rótulos dados a grupos de “nomes que operam divisões”, apontando assim o poder que as palavras têm de dar forma ao modo como categorizamos e percebemos os outros. A pesquisa recente sugere que as palavras têm o mesmo poder no nível implícito. Em estudo de 2003, o psicólogo Jason Mitchell, de Harvard, junto com Nozek e Banaji, solicitou que estudantes do sexo feminino categorizassem nomes típicos de mulheres negras e homens brancos segundo a etnia ou o gênero. Os pesquisadores descobriram que a divisão das palavras segundo a raça desencadeava uma tendência pró-branco, mas a categorização segundo o gênero levava a uma tendência implícita pró-mulher (e, portanto, pró-negro). “Essas atitudes se formam e também podem mudar rapidamente, se reestruturarmos o meio para substituir as associações estereotipadas por posturas mais flexíveis”, acredita Dasgupta.

Em outras palavras, as mudanças nos estímulos externos, muitos das quais estão fora de nosso controle, podem levar o cérebro a fazer novas associações. Uma estratégia mais óbvia seria confrontar as atitudes tendenciosas com o esforço consciente. Evidências sugerem que a força de vontade pode funcionar. Entre os médicos da pesquisa sobre drogas trombolíticas que estavam cientes do propósito do estudo, os que mostraram maior preconceito racial não admitido foram os mais propensos a receitar o tratamento a pacientes negros. Isso sugere que o reconhecimento da presença do preconceito implícito ajudou a superá-lo. Além disso, aquele que manifesta uma forte motivação para não ser preconceituoso tende a ser menos implicitamente tendencioso.

A VIDA SEM VALOR

Alguns estudos indicam que a pessoa hábil no uso da lógica e da força de vontade para controlar os impulsos mais primitivos exibe menos preconceito implícito. Pesquisas sobre o cérebro sugere que os indivíduos que melhor conseguem inibir os conceitos velados são especialmente hábeis em detectar descompassos entre suas intenções e ações. Elaborar estratégias simples e concretas para superar conceitos preconcebidos em situações particulares também pode eliminar os preconceitos implícitos, sugere estudo. O psicólogo B. Keith Payne, da Universidade da Carolina do Norte, em Chapei Hill, e seu colega Brandon D. Stewart, pós-doutorando na Universidade de Queensland, na Austrália, descobriram que os indivíduos decididos a pensar na noção de “segurança” sempre que vêm um rosto negro mostram enorme redução no preconceito racial implícito. “Não é preciso martelar isso na cabeça das pessoas. Basta ter essa estratégia na manga (pense no conceito e na palavra “segurança”), à qual se recorre sempre que necessário. Uma vez realizado ‘o plano’, ele se torna automático”, observa Payne.

Em artigo, publicado na edição de 2007 revista Group Processes & lntergroup Relations, os psicólogos Laurie A. Rudman e Richard D. Ashmore. Rudman e Ashmore disseram que o fato de crescermos em uma cultura na qual algumas pessoas são mais valorizadas que outras provavelmente permeará nossas concepções particulares, por mais desanimador que isso seja”.

Mas se aceitarmos essa característica da condição humana, teremos de escolher como lidar com ela. Podemos ficar melancólicos e apáticos ou reagir com determinação, de modo a superar o preconceito. “Nossa capacidade de mudança é grande”, afirma Banaji. “Mas queremos mudar? Esta é a questão colocada a cada um de nós como indivíduos, psicólogos, psicanalistas, professores, cientistas, juízes, empresários – ou simplesmente seres humanos.”

PARA DETECTAR CRENÇAS ESCONDIDAS

O principal método para medir o preconceito implícito é o Teste de Associação Implícita (IAT, na sigla em inglês), desenvolvido em 1998 por Anthony G. Greenwald e colegas da Universidade de Washington.

Desde então, os pesquisadores usaram o IAT em mais de 500 estudos. O procedimento mede a rapidez com que o indivíduo reparte os estímulos em categorias particulares. Por exemplo, ao investigar atitudes implícitas em relação a jovens e idosos, é usado um dispositivo para as respostas dadas a rostos jovens associados a palavras positivas como “prazer” e “paz” e outro para as respostas a rostos idosos com vocábulos negativos como “agonia” e “terrível”. No momento seguinte, o teste propõe o inverso, apresentando rostos jovens vinculados a palavras negativas e idosos a positivas (os pesquisadores variam a ordem nas várias aplicações do teste). A diferença no tempo de resposta para as duas situações sugere a força com que a pessoa liga esses grupos sociais a conceitos positivos ou negativos. Para obter o teste (em português) acesse https:// implicit.harvard.edu/implicit

OS COMENTÁRIOS REVELADORES DOS FAMOSOS

Depois de contar várias piadas racistas durante uma performance, o comediante Michael Richards, de Seinfeld, desculpou-se em um programa de televisão: “Perdi o controle… Estou profundamente arrependido… Não sou racista”. Por fazer comentários anti-semitas ao ser detido por dirigir embriagado, o ator Mel Gibson (à direita) defendeu-se: “Saibam do fundo do meu coração que não sou anti-semita ou intolerante. Qualquer tipo de ódio contraria minhas convicções”. Ao desculpar-se por um comentário homofóbico que fizera, o comediante Jerry Lewis disse: ”Todos que me conhecem sabem que não tenho preconceitos neste aspecto”. Ao recuar da sugestão de que os negros seriam menos inteligentes do que os brancos, o biólogo e prêmio Nobel James Watson (à esquerda) expressou espanto e consternação: “Não entendo como posso ter dito o que alegam que eu disse.

Não há base científica para tal crença”. Tais desculpas públicas indicam certa ingenuidade sobre a natureza do preconceito. Como as pessoas em geral desconhecem a atitude tendenciosa que está em todos nós, ficam chocadas quando comentários racistas, homofóbicos ou anti-semitas são proferidos por personalidades que admiram. Até os que fazem tais comentários ficam, às vezes, perplexos. O conhecimento de como funcionamos ajuda a entender as origens dessas observações: elas surgem de conexões subconscientes enraizadas na mente. O fato é que qualquer um de nós poderia ter proferido essas afirmações. Afinal, não escolhemos de forma plena nossas atitudes, pois nem sempre a mente consciente nos dirige. Assim, desejar não ter preconceito não é o mesmo que não ser preconceituoso.de qualquer forma, é possível ficar atento para evitar vexames.

EU ACHO …

BRINCAR DE PENSAR

A arte de pensar sem riscos. Não fossem os caminhos de emoção a que leva o pensamento, pensar já teria sido catalogado como um dos modos de se divertir. Não se convidam amigos para o jogo por causa da cerimônia que se tem em pensar. O melhor modo é convidar apenas para uma visita, e, como quem não quer nada, pensa-se junto, no disfarçado das palavras.

Isso, enquanto jogo leve. Pois para pensar fundo – que é o grau máximo do hobby – é preciso estar sozinho. Porque entregar-se a pensar é uma grande emoção, e só se tem coragem de pensar na frente de outrem quando a confiança é grande a ponto de não haver constrangimento em usar, se necessário, a palavra outrem. Além do mais exige-se muito de quem nos assiste pensar: que tenha um coração grande, amor, carinho, e a experiência de também se ter dado ao pensar. Exige-se tanto de quem ouve as palavras e os silêncios – como se exigiria para sentir. Não, não é verdade. Para sentir exige-se mais.

Bom, mas, quanto a pensar como divertimento, a ausência de riscos o põe ao alcance de todos. Algum risco tem, é claro. Brinca-se e pode-se sair de coração pesado. Mas de um modo geral, uma vez tomados os cuidados intuitivos, não tem perigo.

Como hobby, apresenta a vantagem de ser por excelência transportável. Embora no seio do ar ainda seja melhor, segundo eu. Em certas horas da tarde, por exemplo, em que a casa cheia de luz mais parece esvaziada pela luz, enquanto a cidade inteira estremece trabalhando e só nós trabalhamos em casa, mas ninguém sabe – nessas horas em que a dignidade se refaria se tivéssemos uma oficina de consertos ou uma sala de costuras – nessas horas: pensa-se. Assim: começa-se do ponto exato em que se estiver, mesmo que não seja de tarde; só de noite é que não aconselho.

Uma vez por exemplo – no tempo em que mandávamos roupa para lavar fora – eu estava fazendo o rol. Talvez por hábito de dar título ou por súbita vontade de ter caderno limpo como em escola, escrevi: rol de… E foi nesse instante que a vontade de não ser séria chegou. Este é o primeiro sinal do animus brincandi, em matéria de pensar – como – hobby. E escrevi esperta: rol de sentimentos. O que eu queria dizer com isto tive que deixar para ver depois – outro sinal de se estar em caminho certo é o de não ficar aflita por não entender; a atitude deve ser: não se perde por esperar, não se perde por não entender.

Então comecei uma listinha de sentimentos dos quais não sei o nome. Se recebo um presente dado com carinho por pessoa de quem não gosto – como se chama o que sinto? A saudade que se tem de pessoa de quem a gente não gosta mais, essa mágoa e esse rancor – como se chama? Estar ocupada – e de repente parar por ter sido tomada por uma súbita desocupação desanuviadora e beata, como se uma luz de milagre tivesse entrado na sala: como se chama o que se sentiu?

Mas devo avisar. Às vezes começa-se a brincar de pensar, e eis que inesperadamente o brinquedo é que começa a brincar conosco. Não é bom. É apenas frutífero.

***CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

RÁPIDO E PRA FRENTE

O desejo nostálgico por fitas cassete é o mais novo fenômeno retrô – e grandes nomes da música pop aderiram à onda

Era divertido, trabalho para horas a fio, mas era também desesperador quando aquela última canção não cabia mais no restinho de tempo da fita cassete – e dá-lhe a decepção no acabamento do presente para a namorada ou o namorado, naquela seleção que faria todo mundo dançar no bailinho, a balada daquele tempo, os anos 1960, 1970 e 1980. Com jeitinho, e a ajuda de um lápis sextavado, afeito a puxar daqui, puxar de lá, dava-se um jeito de então apagar a trilha indesejada para fazer caber. E não havia alegria maior do que gravar um programa inteiro de rádio – o rock da Fluminense FM, 94.9 no dial carioca, era o mais querido – e torcer para o locutor não falar nada, desmanchando os prazeres, estragando a peça que depois seria ouvida repetidas vezes no Walkman. Preparemo-nos, porque na trilha nostálgica, que sempre renasce em períodos difíceis da civilização, como este agora da pandemia, o K-7 voltou – e as sensações de antigamente estão aí à disposição. As estatísticas ecoam o crescimento de vendas das caixinhas.

No Reino Unido, tradicional reduto propagador de modismos musicais, a venda de cassetes passou das 157.000 unidades em 2020, maior teto desde 2003 – muito menos que o vinil, que bateu nos 4,8 milhões, e certamente menos que as músicas baixadas digitalmente, que representam 80% do mercado. Não é estatística avassaladora, evidentemente, mas indica um movimento interessante demais para ser desprezado. A campeã é Lady Gaga, com Chromatica, gravado especialmente para a antiga plataforma de rolinhas e oferecido em diversas cores, do branco ao rosa. Os lançamentos fazem parte da estratégia das gravadoras de acenar ao passado com peças de memorabilia. O produtor musical João Marcello Bôscoli, 50 anos, tem uma coleção de fitas cassete. A maior parte é de fitas enviadas por compositores ao longo da sua carreira, mas também há trabalhos de artistas de hip hop e R&B. Há pelo menos dois anos Bôscoli tem percebido o aumento da procura por essa família de produto de forma mais consistente. Uma das explicações é o comportamento dos fãs. “Mesmo no auge dos arquivos digitais, os artistas ainda vendem pôsteres, camisetas e outros produtos com seus nomes. Isso acontece porque o ser humano gosta do fetiche do ‘ter’, não quer só a memória etérea”, diz Bôscoli. “A fita cassete, assim como o vinil, faz parte desse contexto, porque é algo mais que se pode ter do artista, além de dar uma certa exclusividade para o fã”.

Atento a esse tipo de comportamento, há iniciativas empresariais recentes que fazem a roda girar. João Augusto, presidente da gravadora Decke consultor da Polysom, investiu, em maio de 2018, na fabricação e no lançamento de trabalhos de seus artistas também no formato tape. Até então, a Polysom era especializada em LPs. Para pôr a ideia em pé, o empresário comprou e reformou antigas copiadoras e impressoras. No começo, o público era formado por pessoas familiarizadas com a antiga mídia, mas o empresário percebeu com o passar do tempo com novos consumidores. “Fomos alegremente surpreendidos com uma infinidade de jovens comprando e saboreando o formato”, diz Augusto. “Acredito que existam os nostálgicos, os curiosos e aqueles que simplesmente gostam do formato”.

Mas, afinal de contas, onde se ouve o cassete? O interesse movimenta o mercado de segunda mão nos sites especializados e em grupos de fãs do tape espalhados pela rede social. A própria Sony, que inventou o Walkman lá atrás, em 1979, pegou carona no fenômeno e lançou uma edição limitada (e novíssima) do aparelho. Do modelo original só sobrou a aparência. O modelo reproduz áudio em alta qualidade via Wi-Fi ou por meio de um dispositivo micro SD de armazenamento com capacidade de 64GB.

E, como sempre, ouvidos mais delicados e saudosistas renitentes alimentam uma briga: qual é o melhor som? Os nostálgicos do cassete e do vinil, e agora também dos CDs, que viraram história, costumam dizer que as nuances das músicas, como eventuais acordes dissonantes, são suprimidas nas produções digitais, distribuídas por streaming. E a ausência do chiado – o “tape hiss”- incomoda os puristas. “Para quem gosta do black metal, vertente do heavy metal, é justamente essa sonoridade, o aspecto de algo mal gravado, com jeito de tosco, que atrai”, diz Gilberto Custódio Júnior, 43 anos, sócio da Locomotiva Discos, loja localizada na região central de São Paulo, especializada em CDs, LPs e fitas cassete. “É a sonoridade mais quente, confortável, apesar da baixa fidelidade”. As fitas custam de 40 a 45 reais. Um LP, 120 reais. Um CD, 30 reais. Os fiéis das mídias antigas, sublinhe-se, são colecionadores que não renegam o avanço da tecnologia, que começou com o MP3, ganhou tração com o iPod de Steve Jobs e levou a serviços indispensáveis como o Spotify. Mas para os amantes do K-7, os mais fervorosos, toda essa modernidade não foi capaz de apagar os sons do passado. Eis a graça de conviver com o novo e o antigo, simultaneamente.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 22 DE FEVEREIRO

BELEZA FÍSICA NÃO É TUDO

Como joia de ouro em focinho de porco, assim é a mulher formosa que não tem discrição (Provérbios 11.22).

Uma mulher bonita sempre chama a atenção. Quando Deus criou a mulher, não usou mais o barro; tirou-a da costela do homem. A mulher é a última obra da criação, a mais bela, a mais encantadora. A mulher tem uma beleza física singular. No entanto, a beleza exterior sem a beleza interior é uma completa frustração. A Bíblia diz que enganosa é a graça e vã a formosura. O apóstolo Pedro exorta: Não seja o adorno das esposas o que é exterior (1Pe 3.3). O sábio Salomão compara a mulher bonita, mas indiscreta, a uma joia no focinho de um porco. O porco é um animal imundo, que vive se arrastando na lama. Seu focinho revira constantemente o lixo e a podridão. Assim é a mulher que tem um corpo bonito, mas a língua solta; tem uma aparência atraente, mas destrava a boca para espalhar boatarias. Formosura e leviandade não combinam. A beleza externa de uma mulher se apaga completamente se sua língua é uma fonte de onde jorra maldade. Nesse tempo em que se cultua a beleza e se escarnece da virtude, precisamos dar ouvidos às palavras de Salomão: Como joia de ouro em focinho de porco, assim é a mulher formosa que não tem discrição (Provérbios 11.22). Beleza física não é tudo. É melhor ser bonito por dentro do que ser formoso por fora!

GESTÃO E CARREIRA

COMPLEXIDADE NO RH

A morte de um cliente por seguranças no Carrefour no dia 19 de novembro, caso de repercussão internacional, chocou o país e se tornou simbólica ao escancarar uma condição real e estrutural da sociedade brasileira na véspera do Dia da Consciência Negra. Eu gostaria de abordar esse caso não para fazer qualquer julgamento específico, mas para falar sobre o tamanho do desafio e da responsabilidade dos profissionais de recursos humanos hoje – em especial em situações complexas como a enfrentada pela rede de supermercados.

Muitos de nós fomos formados para trabalhar em um RH voltado para dentro, atuação que varia desde o perfil controlador e negociador com sindicatos (comum nos anos 1980 e 1990) até o dos profissionais atuais, focados em treinamento, atração e retenção de talentos. Mas, hoje, o papel dos recursos humanos vai muito além disso: precisamos estar atentos aos valores, à cultura, às arquiteturas das relações, à releitura social. É algo infinitamente mais complexo.

Isso significa que temos que estar, também, do lado de fora. Foi o que aconteceu com o Carrefour. No vídeo em que pediu desculpas à sociedade pelo ocorrido em uma de suas lojas, divulgado na TV aberta em horário nobre, o CEO da varejista estava acompanhado de seu executivo de recursos humanos, algo pouco provável anos atrás. Seu papel, naquele momento, era prestar contas ao público externo sobre os valores, as práticas e as políticas da empresa no combate à desigualdade.

Na medida em que o tema central do cardápio organizacional passa por compreender a sociedade e o ser humano, com uma estratégia de negócios que vai muito além dos resultados financeiros, é responsabilidade do RH ser o braço direito do CEO nesse entendimento. Não estamos aqui apenas discutindo diversidade, e sim uma questão de estrutura social.

Obviamente, isso tudo se torna desafiador na formação dos RHs. Nossos conhecimentos de psicologia e práticas de gestão de pessoas não são mais suficientes. Para conseguirmos interpretar e trazer para a realidade corporativa os temas de grande complexidade que estão sendo discutidos no mundo, temos que ir além dos negócios. É preciso entender de antropologia, de sociologia, de comunicação – e de todos esses temas que nos afetam como indivíduos e como corporações.

E, ainda assim, não adianta procurar sozinho as respostas para discussões que envolvem questões estruturais profundas. Um exercício importante é a busca por soluções de forma coletiva, promovendo debates e firmando compromissos com todo o mercado. O racismo – e a violência que decorre dele -, para ficarmos no exemplo deste artigo, não é um problema que uma empresa conseguirá resolver sozinha, por melhores que sejam suas ações e intenções. Esse é um desafio que se reflete fortemente em toda a sociedade e precisa ser ataca do em conjunto.

Que esse triste episódio sirva para que as empresas se unam mais em torno de grandes causas sob uma perspectiva de curto, médio e longo prazo. E a nós, RHs, cabe estarmos pilotando essas conversas e ações junto com os CEOs e os conselhos de administração.

VICKY BLOCH – é psicóloga, sócia da Vicky Bloch Associados e professora nos cursos de especialização em RH da FGV-SP e da FIA

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

POR TRÁS DA DECISÃO DE COMPRAR

Como e por que resolvemos adquirir um produto? Seguimos um impulso ou ponderamos a situação racionalmente? Estudos mostram que sentimentos e mecanismos inconscientes interferem fortemente quando abrimos a carteira

“O coração tem razões que a própria razão desconhece”, acreditava o matemático e filósofo francês Blaise Pascal (1623-1662). Já seu compatriota e contemporâneo René Descartes (1596-1650), fundador do racionalismo moderno, afirmava: “Penso, logo existo”. Dois pensadores, duas visões extremas acerca do homem. O curioso é que séculos depois essas citações ainda delineiam o limiar tênue entre sentimento e razão no qual a ciência moderna se norteia. Durante muito tempo economistas reforçaram o valor da racionalidade e negligenciaram a influência das emoções no que diz respeito às decisões que envolvem finanças. Viam no consumidor um ser absolutamente racional, que ponderava egoisticamente os custos e benefícios de suas opções para sempre aumentar o próprio lucro. Essa imagem, porém, tem algumas limitações, pois fatores emocionais como confiança e justiça influenciam nossas escolhas, no mínimo, com a mesma intensidade e importância.

Porém, como é possível compreender conceitos abstratos como a confiança de forma puramente científica? Aparentemente, os economistas precisam incluir em suas pesquisas o órgão que faz opções: o cérebro. É exatamente isso que procura fazer a nova linha de pesquisa da neurociência. Neuroeconomistas têm estudado mais detalhadamente o conceito de Homo oeconomicus. O rápido progresso da tecnologia, principalmente na área dos procedimentos por imagem, fez com que esses estudos fossem impulsionados nos últimos anos.

Entre os pioneiros estão os neurologistas Antoine Bechara e Antônio Damásio, da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, que estudaram pacientes com lesões cerebrais. Eles observaram que pessoas com o córtex pré-frontal lesionado apresentam comportamento social extremamente incomum: ponderam racionalmente vantagens e desvantagens das várias possibilidades, mas não parecem capazes de perceber e expressar seus próprios sentimentos ou de reconhecer os de seus semelhantes.

Com isso, mesmo decisões simples, como a compra de um xampu, tornam-se um problema: em vez de confiar em suas “sensações”, esses pacientes tentam analisar todos os prós e contras do produto – um processo extremamente demorado. Bechara e Damásio concluíram então que os sentimentos não apenas influenciam nossas decisões, substancialmente, mas que, na verdade, não conseguimos resolver absolutamente nada sem a ajuda das emoções. Segundo a teoria de Damásio, das marcas somáticas (soma, do grego, corpo), os sinais corporais emocionais influenciam a escolha entre duas alternativas, principalmente em situações complexas.

Mas, afinal, como sentimentos controlam nossas decisões econômicas? Para examinar essa questão, Alan Sanfey e outros pesquisadores da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, convidaram em 2003 voluntários para um. “jogo do ultimato”: dois sujeitos sempre jogavam juntos, sendo que um recebia determinada soma em dinheiro, da qual podia escolher e doar uma parte para seu parceiro de jogo. O ponto­ chave: os dois só podiam ficar com o dinheiro se o receptor aceitasse a oferta. Se ele a recusasse, por considerá-la injusta, ambos ficariam sem nada. Coloque-se no lugar do receptor. Com um montante total de, por exemplo, R$ 100,00, você aceitaria a metade? Provavelmente, sim. Mas como seria se a doação fosse de apenas R$ 1,00 e o outro jogador quisesse ficar com os R$ 99,00 restantes? Se você fosse um Homo oecomnomicus racional deveria aceitar qualquer oferta – um ganho, mesmo que minúsculo, afinal, é melhor do que nada.

Realmente, os voluntários aprovaram principalmente as propostas em que o valor foi dividido de forma mais ou menos justa. Se a oferta, porém, estivesse drasticamente abaixo da linha dos 50%, a maioria recusava, indignada. Os participantes preferiam lidar com uma perda financeira a proporcionar aos seus parceiros um ganho muito mais alto que o seu. Mas quando os pesquisadores coordenados por Sanfey disseram que eles jogariam contra um computador, o quadro transformou-se: mesmo ofertas “desonestas” foram aceitas. Ao que tudo indica, o fato de termos uma máquina como opositor afeta menos nosso senso de justiça.

Enquanto os jogadores negociavam entre si, os cientistas acompanhavam sua atividade cerebral por tomografia por ressonância magnética funcional (TRMf). Durante as medições, agitavam-se nos casos de ofertas especialmente injustas principalmente três regiões que participam da regulação de sentimentos: a área anterior da ínsula, o córtex cingular anterior, assim como uma parte do lobo frontal, e o córtex pré-frontal dorsolateral (CPFDL). Os participantes encontravam-se evidentemente em um conflito emocional que se refletia em diversas atividades cerebrais. Sanfey e seus colegas interpretaram a descoberta como uma tentativa do cérebro de superar o sentimento negativo e aceitar a oferta injusta para aumentar o ganho.

Em outro estudo, realizado em 2006, um grupo coordenado pela neurocientista Daria Knoch e pelo economista Ernst Fehr, da Universidade de Zurique, Suíça, no entanto, chegou a um resultado um pouco diferente. Nesse caso, os voluntários testaram o jogo do ultimato enquanto cientistas desligaram eletivamente áreas dos CPFDL direito ou esquerdo por meio de estimulação transcraniana – que influencia áreas cerebrais específicas por meio de impulsos eletromagnéticos. Os participantes apenas aceitaram com mais frequência ofertas injustas quando o seu córtex direito estava bloqueado – o mesmo efeito não se dava do lado esquerdo. Porém, os jogadores continuaram considerando as propostas mesmo gritantemente injustas, apesar de aceitá-las.

CONFIANÇA PREMIADA

Knoch e Fehr supõem que a área cerebral direita suprima sinais egoístas, possibilitando que a pessoa coloque em prática suas próprias regras de justiça. O lobo frontal desempenha um papel importante em tais decisões, tão fortemente influenciadas pelas emoções. E a confiança? Um Homo oeconomicus não lhe dá grande valor – pois quem se baseia na integridade de seu parceiro de negócio invariavelmente arrisca-se a ser passado para trás. A experiência mostra, porém, que sem confiança mútua várias relações comerciais fracassam. Quem compra um carro usado está sempre correndo um risco. Não lhe resta quase nenhuma opção a não ser confiar nas declarações do vendedor. Cientistas coordenados por Kevin McCabe, da Universidade do Arizona, em Tucson, colocaram voluntários numa cilada em um “jogo de cooperação recíproca”: o jogador 1 tinha de escolher entre dividir justamente um montante de US$ 90,00 ou aumentar o valor total para US$ 405,00. Se escolhia a segunda alternativa, se colocava-se nas mãos do jogador 2, que, desse valor total, podia devolver 180 dólares para seu companheiro e ficar com os 225 restantes como recompensa – ou pegar tudo para si. O primeiro participante, portanto, arriscava-se a ser enganado pelo seu parceiro se quisesse aumentar seu próprio ganho em quatro vezes, de US$ 45,00 para US$ 180,00. Mais uma vez, os pesquisadores observaram o cérebro de seus sujeitos durante o processo. E revelaram-se diferenças significativas: em jogadores que entregavam a seus companheiros o capital inicial, ou, inversamente, premiavam a confiança de seus parceiros com um comportamento cooperativo, o córtex pré-frontal medial apresentou taxas metabólicas mais altas do que as dos que foram relutantes em cooperar. Essa região cerebral é associada à capacidade de nos colocarmos no lugar dos outros. O grupo de pesquisadores coordenados por Jordan Grafman, do Instituto Nacional de Distúrbios Neurológicos e Derrames, em Bethesda, descobriu em 2007 que, em um jogo de confiança semelhante, outra região cerebral também era estimulada. Entre os voluntários que desde o princípio confiaram em seus parceiros, o córtex pré-cingular agitava-se – uma área que analisa o próprio comportamento e as ações presumíveis do outro. Além disso nessas pessoas, uma estrutura do sistema límbico revelou uma atividade aumentada no septo, onde é controlada a liberação dos hormônios vasopressina e oxitocina, que regula o comportamento social. Uma pequena pitada de oxitocina, administrada por um spray nasal, já basta para elevar a confiança do jogador. Isso foi o que descobriram os cientistas de Zurique coordenados por Michael Kosfeld em 2005, em um experimento pioneiro.

Mas de volta ao dia a dia, o que acontece em nossa cabeça quando estamos diante da prateleira de supermercado? Em 2005, Michael Deppe, da Universidade de Münster, na Alemanha, mostrou junto com um de nós, Peter Kenning, a 22 pessoas que estavam dentro de um tomógrafo, sempre imagens de dois produtos que – com exceção da marca – não se diferenciavam em nada. Os voluntários deviam escolher um dos artigos apresentados sendo que mulheres precisavam decidir entre 15 tipos de café, enquanto homens optavam entre 20 cervejas. De forma aleatória, a marca preferida dos sujeitos sempre voltava a surgir entre os pares apresentados – a escolha então se tornava fácil.

Durante essas decisões simples, a atividade do CPFDL se reduzia. Em compensação, a do córtex pré-frontal ventromedial se mostrava mais intensa. Isso leva a crer que o centro de controle racional do CPFDL é exigido quando o ato de escolher não provoca grandes emoções. Mas, se avistamos nossa marca de café ou de cerveja preferidas, as regiões cerebrais do controle cognitivo são desativadas e aliviadas. Assim, sentimentos positivos facilitam nossas decisões.

O grupo de trabalho de Read Montague, da Escola de Medicina Baylor, em Houston, avaliou, em 2004, o quanto o marketing pode interferir em nossos processos mentais. Os pesquisadores texanos analisaram um fenômeno interessante: a Coca-Cola é considerada a bebida gasosa com cafeína mais vendida do mundo. No entanto, em degustações de olhos vendados, sua maior concorrente, a Pepsi, quase sempre obtém melhores resultados. Ambas as bebidas desencadeiam – enquanto sua marca é desconhecida – atividades cerebrais semelhantes. Assim que o degustador pode ver o logotipo da marca, seu CPFVM já se agita. Michael Koenigs e Daniel Tranel, da Universidade de Iowa, descobriram em 2008 que em pacientes com lesões no CPFVM a preferência pela Coca-Cola inexiste. Os voluntários gostavam mais da Pepsi, mesmo sabendo que não estavam experimentando Coca-Cola. Portanto, aparentemente algumas empresas conseguiram marcar­ se a ferro no cérebro do consumidor.

Um argumento econômico decisivo continua sendo o preço. Você por acaso gastaria R$ 30,00 em um tablete de seu chocolate preferido? Dificilmente. Mas talvez arrematasse um vinho caro para impressionar seus amigos. Os preços, então, têm dois lados: por um, doem no bolso, por outro, são considerados indício de qualidade, elevando assim o valor ideal do produto. Em 2007, sob coordenação de Brian Knutson, da Universidade de Stanford, pesquisadores examinaram o que acontece no cérebro durante essas ponderações. Foram oferecidos bombons para ser comprados pelos participantes; se eles o faziam, agitava-se, principalmente, o centro de recompensa no núcleo acúmbens. Mas, se a iguaria lhes parecia cara demais, a ínsula impunha seu veto.

Em 2008, pesquisadores coordenados por Antônio Rangel, também de Stanford, demonstraram que o preço pode enganar nossa percepção sensorial. Os voluntários foram colocados dentro do TRMf para uma degustação de vinhos. Durante o processo, porém, foram apresentadas algumas bebidas baratas como se fossem um Cabernet Sauvignon. A valiosa bebida teve excelente aceitação. O córtex orbito-frontal medial, que memoriza boas experiências relacionadas a sabores, cheiros ou músicas, trabalhou de forma intensa. As áreas sensoriais do cérebro, por outro lado, não apresentaram atividade aumentada – não se deixaram enganar.

CENTROS DE ECONOMIA

Principalmente o córtex pré-frontal ventromedial e o dorso lateral interferem nas decisões econômicas do cérebro.

ASSUNTO DE PSICOTERAPIA

A maioria das pessoas que se submete a um processo psicoterápico, em especial de base psicanalítica, provavelmente terá de se haver, em algum momento, com a questão do dinheiro. Não por acaso: de uma forma ou outra, todos nós temos inquietações – e sofrimento em nossas relações com o vil metal. Na clínica, ele não é apenas tema de análise, mas também um elemento da sustentação do setting. A maneira como o paciente lida com o pagamento das sessões, o quanto e o como dispõe de seus recursos costuma oferecer material de trabalho ao analista e ao analisando, dando margem a reflexões, interpretações, elaborações e insights. “Há uma diferença fundamental em relação à maneira como o dinheiro circula no mercado e na clínica, onde está associado à economia inconsciente”, ressalta o psicanalista Mauro Mendes Dias, membro-fundador Sociedade de Psicanálise de Campinas. “Na neurose obsessiva, por exemplo, o traço de avareza corresponde sentido miserável que o sujeito atribui a seu próprio desejo. O pagamento introduz uma questão decisiva destacada por Freud, que remete às primeiras trocas da criança com a mãe”, observa. Dias ressalta que, para o profissional, também há algo a ser pago para que possa oferecer um tipo específico de escuta terapêutica. Ele lembra que no texto “A direção do tratamento e os princípios de seu poder”, de 1958, Jacques Lacan fala de “três preços”. O primeiro está vinculado à palavra do analista, que sempre deve ter efeito de interpretação – e, portanto, não pode ser banal; o segundo tem a ver com o esvaziamento do próprio ego. Para dispor dessas duas condições o psicanalista precisa ter se submetido à própria análise e à formação – o que costuma ser dispendioso. O terceiro preço está relacionado à necessidade de sustentar sua função por meio um processo continuado de aprendizagem, leitura, atualizações, troca com pares, participação em grupos de discussão e eventos – e isso requer investimento permanente, não só de dinheiro, mas também de tempo e desejo.

OS MÉTODOS DA NEUROECONOMIA

Já há bastante tempo economistas utilizam métodos fisiológicos em suas pesquisas. Medições de resistência cutânea ou de reações da pupila têm fornecido dados, objetivos sobre o comportamento decisório de consumidores. Essas técnicas, no entanto, levam a afirmações generalizadas apenas em termos, já que simplesmente captam um único sinal físico que, por sua vez, deve ser contrabalançado com as declarações dos voluntários. Isso seria, por exemplo, semelhante a uma tentativa de avaliar a qualidade musical de uma orquestra sinfônica apenas com base na intensidade do som. Além disso, subsídios fornecidos pelos próprios sujeitos revelam-se problemáticos, já que, por um lado, são distorcidos por expectativas sociais e, por outro, refletem apenas impressões subjetivas. Por exemplo, o nosso corpo pode sentir frio quando tem febre, apesar de o termômetro mostrar uma temperatura elevada.

As atividades cerebrais revelaram-se um critério melhor. Procedimentos de medição emprestados da neurobiologia contribuíram de forma relevante para a estabilização na neuroeconomia: métodos não invasivos permitem, hoje, visões profundas do cérebro em atividade. Com eles, os pesquisadores detectam atividades eletromagnéticas das células neurais – como na eletro­encefalografia (EEG) e na magnetoencefalografia (MEG) – ou utilizam procedimentos por imagens, como a tomografia por emissão de pósitrons (PET) e a tomografia por ressonância magnética funcional (TRMf), que se baseiam em características metabólicas cerebrais. Enquanto os métodos eletromagnéticos oferecem grande exatidão temporal, possibilitando acompanhamento direto da atividade neuronal, os pontos fortes dos procedimentos por imagem estão na localização espacial precisa das áreas do cérebro ativadas. A eles acrescentou-se mais recentemente a estimulação magnética transcraniana (EMT), na qual determinadas regiões podem ser objetivamente inibidas ou estimuladas por meio de um impulso eletromagnético. Neuroeconomistas têm utilizado a EMT para verificar resultados de estudos já existentes.

EU ACHO …

QUANDO CHORAR

Há um tipo de choro bom e há outro ruim. O ruim é aquele em que as lágrimas correm sem parar e, no entanto, não dão alívio. Só esgotam e exaurem. Uma amiga perguntou-me, então, se não seria esse choro como o de uma criança com a angústia da fome. Era. Quando se está perto desse tipo de choro, é melhor procurar conter-se: não vai adiantar. É melhor tentar fazer-se de forte, e enfrentar. É difícil, mas ainda menos do que ir-se tornando exangue a ponto de empalidecer.

Mas nem sempre é necessário tornar-se forte. Temos que respeitar a nossa fraqueza. Então, são lágrimas suaves, de uma tristeza legítima à qual temos direito. Elas correm devagar e quando passam pelos lábios sente-se aquele gosto salgado, límpido, produto de nossa dor mais profunda.

Homem chorar comove. Ele, o lutador, reconheceu sua luta às vezes inútil. Respeito muito o homem que chora. Eu já vi homem chorar.

***CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

BÊ-A-BÁ DESIGUAL

A pandemia exacerba a desigualdade educacional no Brasil. Mas há saídas: investimento no professor e em alternativas às limitações tecnológicas regionais

A pandemia tornou a educação à distância um imperativo. Conseguiram avançar nessa seara os países que dispunham de infraestrutura educacional tanto em seus sistemas públicos e privados como também em sua própria sociedade, organizada para dar amparo aos alunos em casa. O Brasil não faz parte desse grupo. A falta de estrutura das redes de ensino locais – somada à imensa desigualdade social do país – deixou mais de 4,9 milhões de estudantes do ensino fundamental e médio sem atividades escolares durante todo o ano. O resultado foi um ano quase perdido, em que até mesmo os sistemas que conseguiram implementar métodos de ensino não presenciais fracassaram ao não cumprirem a meta mínima de tempo de aluno em aula por dia. A educação do futuro – e um futuro que já começa no ano que vem – terá de apresentar novos formatos para conseguir absorver os alunos de forma presencial e virtual, enquanto a vacina não for uma realidade para a maioria dos brasileiros. Um estudo coordenado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) durante a quarentena mostra um quadro considerado inaceitável: os pesquisadores constataram que a 13,5% dos estudantes de 6 a 15 anos não foi ofertada nenhuma atividade escolar. A análise por estrato de renda é ainda mais desigual. Alunos mais pobres foram 633% mais afetados do que os mais ricos, prejudicados pela falta de infraestrutura em casa. No ensino fundamental, 4,43 milhões de crianças e adolescentes não têm acesso à internet. No ensino médio, quase 1 milhão de alunos também são 100 % desconectados.

No Reino Unido, um dos países em que a eficácia da educação remota foi maior, um estudo do Institute for Fiscal Studies feito com 5.500 famílias com crianças entre 4 e 15 anos mostrou que o tempo dedicado à atividade escolar caiu para todos – de 6,6 para 4,4 horas por dia, em média. No Brasil, nem os mais ricos chegam perto desses patamares. O levantamento da FGV mostrou que no Acre um aluno em atividade remota fica 1,23 hora estudando virtualmente, enquanto em Brasília, o melhor entre os entes federados, um estudante passa três horas diárias em aula. Bem abaixo dos parâmetros ingleses e insuficiente para atender ao mínimo de horas ­ aula que um aluno deve estudar, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que estipula quatro horas diárias.

Cleiton Augusto Cruz integra o grupo limitado de alunos que conseguiram receber algum conteúdo durante o ano. Aos 16 anos, passou os quatro últimos estudando em escola pública em Goiânia, Goiás. Com o sonho de conseguir cursar Direito, está há nove meses sem pôr os pés na escola. “A pressão é dobrada porque faltou muito conteúdo neste ano”, afirmou, ao se lembrar do desafio do vestibular em 2021. Com o ensino remoto, ele teve dificuldades para manter sua dedicação à escola. “Eu tinha para mim que aprender não dependia do professor ou do colégio, que quem fazia o aprendizado era o aluno. Hoje percebo que não é bem assim”, disse. O estudante tem internet em casa e revezou com a irmã mais nova o uso do computador da mãe. Para ele, pior do que a barreira tecnológica foi a metodológica. Seus professores passavam conteúdos por grupos de WhatsApp, mas eram apenas listas de tarefas, indicação de leituras ou vídeos, sem interação. “Toda a animação da sala, a ambição do conhecimento, nem que fosse para saber mais que o outro, nada disso eu consegui encontrar no remoto”, contou.

Apesar da preocupação por não ter rendido como gostaria, Cruz reconheceu que havia colegas em situação pior. “Alguns não têm Wi-Fi em casa, então viam as mensagens só eventualmente. Tem colega que me disse que preferia repetir de ano”, relatou. Assim como o jovem, Helena Tesserolli, de 9 anos, tem o perfil de uma estudante dedicada e participativa. Ela precisou dividir os recursos tecnológicos da casa com seus irmãos – embora já tenha seu próprio celular. Aluna do quarto ano da rede municipal de Jaguariúna, São Paulo, ela conseguiu ter um ano estimulante. Fez projetos a pedido da professora – e um deles até por curiosidade própria, uma fonte d’água que não precisa de energia elétrica. “Para mostrar o que fiz, eu gravava vídeos e mandava para a professora. Minha irmã ou minha mãe filmavam”, contou.

Para Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV, dadas as “profundas” desigualdades educacionais que já existiam no país antes da pandemia, as ações das redes de ensino foram até mesmo surpreendentes. “Muito cedo se constatou que uma resposta com base na conectividade não seria suficiente. Mesmo sem nenhuma coordenação do governo federal, estados e municípios adotaram abordagens combinando diferentes mídias, para chegar ao maior número de estudantes possível”, afirmou.

O Paraná foi o maior exemplo de sucesso em termos de conectividade: 95% dos alunos de ensino médio entraram constantemente na plataforma educacional lançada pela rede estadual em abril. Com o passar dos meses, o serviço foi ganhando novas funcionalidades e cursos extracurriculares, como aulas de programação. Na rede estadual do Rio de Janeiro, as aulas on-line também começaram em abril, mas até o mês de outubro 411 mil estudantes – 58% do total – não tinham acessado nenhuma atividade acadêmica.

Algumas redes municipais e estaduais tentaram minimizar a falta de conectividade por meio de dois modelos. Um deles foi a distribuição de chips de internet para os estudantes. Outro, usado pelo Paraná, foi organizar todos os conteúdos em um aplicativo que consome “dados patrocinados”. Funciona como uma espécie de ligação a cobrar: o estudante usa a banda, mas quem paga é o governo, dono do aplicativo. Ambos, contudo, esbarram na necessidade de os estudantes terem aparelhos relativamente novos e à disposição do uso escolar.

Apesar de reconhecer que muitos alunos acabaram excluídos, Costin ressaltou que o esforço foi sem precedentes. “Temos histórias de professores levando tarefas a cavalo para alunos da zona rural, de visitação domiciliar para tirar dúvidas com docentes indo de barco”, explicou a educadora. Ensino à distância não é sinônimo de aula on-line. Há diferentes maneiras de estimular a aprendizagem de maneira remota e, se bem estruturadas, as atividades educacionais podem cumprir mais do que uma função puramente acadêmica. “Teve secretário estadual enviando materiais impressos para redes municipais de cidades pequenas, que não tiveram condições de fazer esses materiais, de redes que não eram sua responsabilidade”, contou.

Costin reforçou que, apesar dos desafios de aprendizado, o ano trouxe aos alunos o desenvolvimento de outras aptidões. “Eles desenvolveram habilidades socioemocionais, como se abrir para novas experiências, se adaptar, ter persistência. Ainda que não seja na escola, estão aprendendo sobre vírus, contaminação, sobre como adultos podem ser irresponsáveis”, afirmou. Para 2021, sem certezas sobre como ficará o controle da pandemia, ela defendeu a prioridade de os professores receberem as vacinas. E lembrou ainda que escola é uma atividade tão essencial que, mesmo em meio a uma segunda onda muito forte, os países da Europa optaram por manter as aulas.

Outro passo essencial para o país é avançar na conectividade dos colégios públicos, já que muitas vezes nem mesmo a escola dispõe de uma rede capacitada para uma aula on-line. “Nada vai substituir o professor presencial, mas os professores hoje precisam usar as novas tecnologias para melhorar o processo de ensino-aprendizagem”, afirmou Mozart Neves Ramos, professor da Universidade de São Paulo (USP) e ex-secretário estadual de Educação de Pernambuco. Ele lembrou que o Brasil tem um fundo especifico para a universalização dos serviços de telecomunicação, o Fust. “Parte desses recursos deveria ter sido usada para fazer a transição para a educação digital. O que aconteceu é que os governos, pela área econômica, usaram o Fust para superávit”, criticou. O Congresso chegou a votar um projeto de lei que previa utilizar a verba para universalizar a banda larga em escolas públicas, mas o presidente Jair Bolsonaro, por recomendação do Ministério da Economia, vetou. No Congresso, há um projeto de lei que prevê a oferta de conexão emergencial para 18 milhões de estudantes e 1,5 milhão de professores. O texto já foi aprovado na Câmara e aguarda votação no Senado.

O consenso entre os especialistas é que, sem uma perspectiva de fim da pandemia, o ensino híbrido, ora virtual, ora presencial, se torne a regra – o que exigira investimento e preparo pedagógico. “Ele é importante para as pedagogias ativas, que centram o processo na aprendizagem do aluno. Cada jovem poderia estudar pela manhã com todos os colegas e, à tarde, mediado por tecnologias, se aprofundar em assuntos mais pertinentes”, defendeu Ramos.

O modelo de ensino-aprendizagem com apoio de tecnologias já conta com a aceitação em massa dos professores. “Existem dois tipos de barreira: a hard, que é a falta de internet e aparelhos. A outra, que é a soft, é que era o receio dos professores. Antes da pandemia, muitos se perguntavam se valia a pena usar tecnologias para ensinar, mas boje eles querem”, afirmou Denis Mizne, diretor executivo da Fundação Lemann. Após a crise sanitária, uma pesquisa encomendada pela fundação constatou que 73% dos educadores disseram que vão utilizar mais tecnologia no ensino do que usavam antes. E só 3% disseram não se sentir preparados para o uso de tecnologias.

Em Sobral, no Ceará, município que tem um dos melhores resultados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), assim que as aulas foram suspensas a Secretaria de Educação investiu no aperfeiçoamento do corpo docente. Organizou um curso on-line sobre como lidar com as ferramentas digitais e passou a fazer duas lives semanais com professores por meio do canal do YouTube Tecnologias Digitais na Educação, que hoje tem mais de 62 mil inscritos. O aperfeiçoamento do ensino remoto foi além da internet. Na cidade, 36% dos alunos, sobretudo nos distritos rurais, não têm acesso a conexão e computadores e tablets. Para esses, os professores foram orientados a enviar atividades impressas semanalmente.

Um trabalho de articulação nas políticas educacionais poderia ser liderado pelo Ministério da Educação, na avaliação de Alexandre Schneider, presidente do Instituto Singularidades e ex-secretário municipal de educação de São Paulo. Contudo, diante da atual conduta do governo em relação ao problema como um todo, ele é cético quanto à possibilidade de essa liderança se concretizar. “As idas e vindas do governo federal e a falta de comunicação geraram muita insegurança para a retomada”, disse. Entre as funções que podem ser lideradas no âmbito federal está a confecção de um programa de transição digital na educação. Para isso, seria necessário desenhar um plano de recepção dos professores e estabelecer os parâmetros de um currículo híbrido. ” Para ter um plano de aulas híbridas, o professor precisa de formação para entender o que deve ser trabalhado presencialmente e o que funciona bem à distância”, explicou ele. A tecnologia é imprescindível, mas a boa pedagogia também.

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

PRONTOS PARA GUERREAR?

A necessidade de viver em sociedade modula a agressividade humana; já o confronto rompe barreiras psicológicas, o que nos faz desqualificar o adversário e trata-lo como presa a ser caçada; ainda assim pesquisas apontam para uma conclusão surpreendente: empreender grandes batalhas não é o destino de nossa espécie

A agressividade contribui para determinar identidade social, limites simbólicos e fronteiras territoriais. Embora não seja programado geneticamente, esse aspecto importante da evolução se manifesta de diferentes formas na interação de indivíduos semelhantes ou de espécies distintas, por exemplo, por meio da luta, da competição, da fuga, da hostilidade e da submissão. Os correspondentes emocionais desses comportamentos são reações de medo, raiva, ataque e ameaça – que ativam uma ampla série de respostas físicas e variações de humor coordenadas pelo sistema nervoso simpático e parassimpático.

Essas respostas podem ser mais facilmente interpretadas nos mamíferos como gatos e cachorros, e em primatas não humanos. Isso foi evidenciado por Charles Darwin, em sua famosa obra A expressão das emoções no homem e nos animais (lançada pela Companhia das Letras no Brasil). O naturalista inglês comparou as diversas expressões faciais dos animais – particularmente os movimentos dos músculos e a postura da cabeça – com as dos homens para esclarecer a natureza das respostas e dos efeitos emocionais e somáticos como raiva e medo.

Entretanto, observar comportamentos num ambiente natural é muito diferente de acompanhá-los no laboratório. Se na presença de sinais ambientais conhecidos ou de comportamento combativo com indivíduos da mesma espécie o animal pode evitar a agressividade, optando pela fuga, no laboratório, em geral, escolhe o enfrentamento, o que torna a situação um tanto artificial. Em outros termos, as condições anormais que induzem agressividade no laboratório (isolamento compulsório, administração de choques elétricos etc.) alteram os dados experimentais, tornando-os pouco confiáveis.

Todavia, não há uma definição suficientemente clara, capaz de abarcar a vasta gama de comportamentos agressivos no animal e no homem. Se para o mundo animal podemos definir como agressivo qualquer comportamento que vise prejudicar ou ofender outros membros da mesma espécie, para o humano é bastante difícil especificar que comportamentos poderiam ser definidos como agressivos, violentos e, sobretudo, em que situações um comportamento poderia ser interpretado como uma forma de oposição, de defesa ou de protesto. Além disso, os comportamentos agressivos humanos frequentemente assumem características simbólicas extremamente sofisticadas, expressões permeadas por elementos da cultura ou explicitamente violentas no plano psíquico.

No âmbito neurobiológico, a violência e a agressividade estão associadas à ativação de estruturas subcorticais e do sistema nervoso autônomo que controla os demais órgãos internos do organismo (visceral autônomo), ao passo que a violência “culturalizada” (não menos destrutiva) se baseia predominantemente em estruturas corticais. Na realidade, os fatores que determinam violência e agressividade não são apenas neurobiológicos e individuais, mas também coletivos e socioculturais. Em geral, o reconhecimento e a elaboração das mensagens de alarme que anunciam atos violentos são efetuados por estruturas complexas como o córtex pré-frontal, a amígdala, o hipocampo, o córtex cingulado anterior e outras áreas cerebrais específicas. Parece, no entanto, que os correlatos neurobiológicos da agressividade se encontram no sistema límbico e no tronco encefálico. Por exemplo, diversos estudos demonstraram que estimulações elétricas leves no sistema límbico de ratos os levam a atacar animais próximos. Além disso, investigações sobre a influência do sistema neuro­endócrino identificaram a testosterona (hormônio sexual masculino) como um importante modulador de comportamentos agressivos, o que também explicaria, segundo alguns pesquisadores, a maior agressividade do homem em relação à mulher. Além disso, altas taxas de testosterona foram encontradas em mulheres particularmente violentas.

Embora a relação causal entre hormônio e agressividade não esteja clara, pois não se sabe se ela poderia induzir altos níveis do hormônio ou vice-versa, pesquisas recentes apontam para a possível influência, mesmo que indireta, de fatores genéticos sobre a agressividade e sua relação com problemas no desenvolvimento cognitivo – por exemplo, déficit de atenção – que podem resultar em condutas anti-sociais como demonstrou o neurologista Antônio Damásio, da Universidade do Sul da Califórnia. Em 1939, num estudo histórico, Heinrich Kluver e Paul Bucy, da Universidade de Chicago, descobriram que a retirada cirúrgica da amigdala reduzia a agressividade a hostilidade em animais e nos pacientes psiquiátricos violentos.

Esses resultados indicam existência de centros que exercem efeito inibidor e excitante da agressividade localizados no hipotálamo, no núcleo caudado, no septo e na amigdala, tanto no animal quanto no homem. E, um experimento famoso, em 1965, José Delgado, da Universidade Yale, demonstrou que a estimulação elétrica a distância dos centros inibidores cerebrais é eficaz a ponto de parar abruptamente o ataque de um touro. Por outro lado, alterações do sistema límbico (estrutura cerebral arcaica que recebe impulsos inibidores das regiões neocorticais) podem estar na base do comportamento fortemente violento de alguns indivíduos.

Essa sintomatologia configuraria a síndrome do descontrole, cuja origem seria uma patologia cerebral não especificada. Apesar destas evidências, estudos atuais indicam relações mais complexas entre a agressividade e o funcionamento cerebral. A antiga concepção que atribuía a regulação de funções a áreas específicas do cérebro, ou a um grupo isolado de neurônios, é claramente insuficiente à luz das mais recentes pesquisas neurofisiológicas. Parece muito mais plausível supor a existência de circuitos funcionais, constituídos por vias e áreas nervosas diferentes, que contribuem para a regulação de funções específicas. Todavia, embora a realidade seja mais intrincada do que julgavam os estudiosos que empreenderam as primeiras pesquisas nessa área, questionar a existência de centros da agressividade não implica necessariamente excluir a ação de circuitos neurais. Pesquisadores que usam ressonância magnética nuclear funcional (fMNR), tomografia computadorizada por emissão de fóton único (Spect) e tomografia por emissão de pósitrons (PET) orientam as pesquisas para a identificação de circuitos cerebrais responsáveis por comportamentos impulsivos e violentos.

Se a agressividade é um fenômeno biológico, individual e interno ao grupo, a guerra é, antes, um resultado da evolução cultural que ultrapassa determinantes biológicas, fazendo predominar condicionamentos culturais que levam o homem a matar. Diferentemente do confronto bélico, a agressividade é indispensável à sobrevivência, à evolução, às funções adaptativas e ao crescimento psicológico da criança – que tem de explorar o ambiente, avaliar a si mesma, descobrir o que lhe é permitido. Para o etólogo austríaco Eibl-Eibesfeld, a natureza da guerra é cultural, ao passo que a agressividade é um impulso inato, que podemos orientar em direção à evolução ou à autodestrutividade. O que impele o homem a guerrear são questões críticas como crescimento demográfico, devastação do ambiente, destruição da biodiversidade, competição violenta, ameaça de destruição em massa, recusa violenta da tradição, doutrinamento exasperado.

No curso da evolução, os grandes predadores desenvolveram forte inibição do uso das próprias armas naturais contra os membros da mesma espécie, sob pena de extinção. Essa inibição é praticamente ausente no homem, desprovido, como é, de armas naturais que lhe permitam matar rapidamente uma grande presa. Em outras palavras, na história humana faltou uma pressão seletiva que impulsionasse o desenvolvimento de mecanismos inibidores da matança de indivíduos da mesma espécie. Somente a invenção de armas que atingem de longe e de maneira anônima conseguiu inverter esse equilíbrio entre a capacidade de matar e as inibições sociais.

Proliferou ao longo da história, valores éticos como tolerância e solidariedade não foram suficientes para mitigar a destrutividade humana desencadeada por instintos arcaicos como a defesa de si, de seus pares e territórios. Quando, por mutação cultural, os mecanismos inibidores enfraquecem, o conflito transforma-se em guerra. Assim, se de um lado a agressividade individual entre os membros de um grupo é modulada por adaptações filogenéticas para evitar a intensificação destruidora, de outro a agressividade entre os grupos se expressa por meio do ferimento ou da matança dos inimigos com o uso de armas.

A guerra moderna, porém, não se realiza apenas com equipamentos que matam à distância. Também recorre uma doutrina voltada a menosprezar o inimigo. Isso demonstra como a agressividade entre os grupos se transformou num produto da evolução cultural, embora mobilize tendências inatas. O fenômeno contemporâneo baseia-se inteiramente na organização e na disciplina: o uso de armas que matam rapidamente permite eliminar o inimigo antes que ele envie sinais ou apelos capazes de inibir a violência. Para prevenir isso o inimigo é visto pelos combatentes como uma presa, uma caça ou um ser inferior. A finalidade é eludir os sistemas de inibição de agressividade, culturalmente mediados, que poderiam neutralizar o desdobramento do impulso para a guerra.

Nos conflitos que implicavam ataques a distâncias curtas, os combatentes poderiam perceber sinais de submissão e identificar-se com o adversário, o que poderia induzir sentimentos de compaixão capazes de frear comportamentos hostis. Freud formulou a hipótese de que os mecanismos de inibição da agressividade para com os semelhantes têm um fundamento psicobiológico. Com base em uma comparação etnográfica, ele notou que em diferentes populações primitivas os guerreiros que matavam seus semelhantes eram considerados imediatamente impuros e tinham de cumprir ritos de purificação para ser reinseridos em sua comunidade. “De todas essas proibições nos damos conta de que no comportamento para com os adversários também se exprimem outros impulsos além dos exclusivamente hostis. Vislumbramos expressões de arrependimento, de estima para com o inimigo, de remorso por ter lhe tirado a vida. Diria até que nesses selvagens esteja vivo o mandamento não matarás, como escreve Freud.”

Em tribos nilóticas da Etiópia, os sentimentos que animam um guerreiro vencedor são representados, como noutras culturas, por uma mistura de culpa e de orgulho pela ação realizada.

De um lado, pela admiração por parte do grupo a que pertence, de outro, pelo medo dos espíritos dos mortos e da vingança de seu grupo. O guerreiro que matou é obrigado a isolar-se numa choupana, enquanto as mulheres dançam à sua volta para propiciar o seu renascimento numa vida social normal. Em certos casos, o vencedor chega a assumir o nome do vencido, que, deste modo, se faz reviver simbolicamente. Em Etologia da guerra, Eibl-Eibsfeld relatou um notável volume de exemplos que indicam que a inibição para matar é inata. Além disso, ele mostrou que a ela se sobrepõem impulsos para matar inimigos fortemente culturalizados, mas incapazes de anular “o filtro das normas biológicas”. Nos conflitos tradicionais, nos quais prevalece o contato direto, um soldado não pode ignorar a natureza humana do adversário. Não raro, isso provoca um conflito interior, uma espécie de remorso.  Por esse motivo, no início de um conflito, quando a inibição à matança ainda está muito presente, adotam-se para superá-la por meio da psicologização do conflito estratégias voltadas a desumanizar o inimigo e a impedir qualquer contato interpessoal. A proibição de falar com pessoas da tribo inimiga, que vigora em diversas populações primitivas, ou as mais sofisticadas estratégias atuais dos governos,  para separar as operações de guerra do controle da consciência, como normas que visam a “não-fraternização”, com uso de armas a distância, proibição de ouvir a rádio inimiga e assim por diante, ilustram a estratégia de distanciamento.

CAMINHO DA PAZ

Durante a Primeira Guerra Mundial registraram-se inúmeros episódios de confraternização entre soldados de exércitos inimigos, os quais podiam pôr em risco os objetivos da guerra caso o ódio organizado viesse a faltar. Isso diz muito sobre a ambiguidade do comportamento humano: por um lado, os soldados arremessam-se uns contra os outros, pondo em campo todas as pulsões destrutivas da luta, quer inatas, quer suscitadas pela doutrinação; por outro, entram em conflito consigo mesmos quando, num confronto corpo a corpo, levam a cabo, pessoalmente, o homicídio.

A guerra como conflito armado entre grupos é tão antiga quanto o homem. Entretanto, em tempos pré-históricos os homens enfrentavam-se com utensílios rudimentares para conquistar territórios de caça e colheita, limitando-se a incursões repentinas que visavam surpreender pela tática da caça. Atualmente, os exércitos enfrentam-se numa espécie de “guerra total”. Como instrumento de política internacional, a guerra tem a finalidade de subjugar o inimigo. Alguns estudiosos chegaram até a defini-la como uma criação da civilização, na esteira da notória “continuação da política com outros meios”. Diferentemente dos embates tradicionais, a guerra deflagrada por conflitos entre Estados conferiu uma enorme importância a aspectos ideológicos e psicológicos. O recrutamento militar, por exemplo, só é eficaz se precedido por uma guerra psicológica preventiva.

A guerra fria – que só permaneceu fria por causa do risco de holocausto nuclear – foi um longo conflito. Mais do que qualquer outro, privilegiou batalhas psicológicas e ideológicas com o objetivo de enfraquecer a oposição adversária, reduzir a disposição de compreender a ideologia do inimigo e, ao mesmo tempo, repudiar seu sistema de valores. Por isso, antes de qualquer outra coisa, as tradições que conferem identidade à sociedade inimiga são repudiadas. Além disso, explora-se a eterna tensão entre a aspiração à liberdade do indivíduo e o poder do Estado, conflito que tem raízes na aspiração à autonomia e na rebelião contra o domínio ligado a essa aspiração.

Por outro lado, é possível incentivar as pessoas à desobediência simplesmente lhes oferecendo outra autoridade como alternativa mais segura. Até os profetas da antiautoridade erguem num pedestal modelos a ser honrados. Uma guerra desse gênero, não cruenta, pode ser vencida pelo grupo dominante quando este incute o seu próprio modo de pensar, seus próprios códigos, sua ideologia na mente dos adversários. Os slogans são as armas típicas dos conflitos ideológicos, precisamente como diz o termo alemão Schlagwort (de schlaghen = bater e wort= palavra). Esses conflitos podem ser incubadores de uma guerra quente, mas com maior frequência são apenas a forma humana do conflito como tal, pois proporcionam uma rejeição ao “inimigo” e podem levar à cisão da comunidade, destruição dos espaços de pluralidade e até mesmo a mudanças culturais.

Para os grupos dominantes, a guerra não é uma patologia, mas uma função: superá-la significa, em primeiro lugar, compreendê-la. Não basta mostrar aos homens a crueldade da guerra para que desistam dela. São ilusórias tanto as ideias de “pacifismo choroso”, de Aldous Huxley, quanto as ideias do “bom selvagem” e de sociedades animais idílicas. Uma cultura da paz tem de se livrar de qualquer preconceito antropocêntrico e reconhecer a realidade instintiva que condiciona nossos comportamentos. Antes de qualquer outro, o caminho da resolução não violenta dos conflitos provém, justamente, do mundo animal: as lutas pela posição e pelo território entre os vertebrados raramente levam à matança de um indivíduo da mesma espécie porque o conflito assume formas ritualizadas. Da destrutividade originária resta apenas um rastro e o caminho da pacificação permanece aberto.

UM INSTINTO COMO OUTRO QUALQUER?

Avaliar a importância relativa dos fatores inatos, por um lado, e dos fatores motivacionais e ambientais, por outro, tem sido decisivo na análise da agressividade humana. É necessário perguntar, com efeito, se a agressividade deve ser considerada um instinto que é parte da natureza animal ou um comportamento dependente de outros fatores, como a motivação, a frustração, a imitação e a aprendizagem. Com base nas teorias instintuais, entre elas a psicanálise, o comportamento agressivo vive de dinâmicas espontâneas, ou seja, elas se acumulam lentamente no organismo até alcançar níveis-limite que permitem uma descarga por meio de uma ação agressiva.

Para Konrad Lorenz, considerado o criador da etologia, a agressividade pode ser comparada a qualquer outro instinto, uma vez que é desencadeada por estímulos específicos e entra em ação por meio de comportamentos estereotipados, motivada por um impulso interno. Ora, o que ocorre se a tensão interna aumenta sem que um impulso alimentar, sexual ou agressivo seja satisfeito por falta de um estímulo desencadeador ou porque ele encontra obstáculo? É provável que o impulso aumente a um nível tal que qualquer estímulo não específico provoque descarga ou que, na falta de estímulos ambientais, aquele impulso se manifeste sob formas e expressões agressivas não reativas. Qual é, então, o significado da agressividade intra-específica? Em termos evolutivos, ela poderia significar vantagens relativas a posse de território, seleção sexual, autodefesa, cuidado com a prole e assim por diante. Para os etólogos, a agressividade estaria submetida ao controle de mecanismos inibidores, de modo a não se tornar disfuncional ou perigosa para a espécie. Após examinar uma ampla variedade de casos de aversão e frustração, em 1941, o pesquisador John Dollarde destacou a importância das situações reativas para os comportamentos agressivos do ser humano. Todavia, é preciso perguntar se reagimos desse modo em decorrência de frustrações ou as frustrações têm dinâmicas motivacionais autônomas. Parece mais plausível aceitar a segunda hipótese.

A emotividade – função adaptativa determinada pelas estruturas sociais – é o terreno necessário para a passagem da frustração à agressividade. Além dos aspectos naturais, foram investigadas também as determinantes culturais da violência. Mas nesse ponto as coisas não parecem fáceis. Diversas pesquisas realizadas com gêmeos e crianças, adotadas, com o objetivo de avaliar a predominância da conduta agressiva, não produziram resultados coerentes. A investigação do ambiente social evidenciou como a pobreza, a superlotação das periferias metropolitanas, a ausência de espaços para qualquer forma de atividade recreativa e a carência de higiene causam uma sensação de abandono e desespero que pode provocar comportamentos agressivos e desejo de desforra social. Um papel semelhante é desempenhado por crises econômicas, guerras, fome, doenças, que podem estar relacionadas a fenômenos ainda mais evidentes de criminalidade.

O ALTO PREÇO DOS CONFLITOS

Vítimas de traumas neurológicos sofrem declínio cognitivo mais rapidamente que a população em geral. Um estudo recente realizado nos Estados Unido com veteranos da guerra do Vietnã em processo de envelhecimento, com traumas causados por balas ou estilhaços alojados no cérebro, oferece um quadro sombrio do futuro de seus colegas que retornam do Iraque com ferimentos semelhantes, segundo o neurocientista Jordan Grafman, do Instituto Nacional de Transtornos Neurológicos e Trauma, que conduziu pesquisa equipe de Grafman descobriu que as funções cognitivas desse pacientes decaem quase duas vezes mais rapidamente que a de seus colega que não se feriram dessa forma. Porém, aqueles que tinham um alto grau de inteligência antes do trauma parecem ter ficado mais “protegidos” contra essa decadência. A educação tem também efeito protetor. “Quanto mais elevado o nível cultural da pessoa, mais apta se mostra para se recuperar” salienta o neurocientista. Os pesquisadores identificaram variáveis genéticas que podem ajudar a prever a deterioração pronunciada. As conclusões provavelmente se aplicam a combatentes do Iraque com o mesmo tipo de ferimento. “Sabemos que, em algum grau, essas pessoas sofrerão declínio cognitivo mais acelerado. Resta-nos oferecer-lhes acompanhamento neurológico adequado”, diz Grafman. Segundo os pesquisadores, dois terços dos soldados americanos atendidos no Walter Reed Medical Center ao retornar do Iraque já sofrem as consequências dos traumas neurológicos.

ENTRE PULSÕES DE VIDA E DE MORTE

Sigmund Freud, que num primeiro momento considerou as condutas agressivas como reação à busca frustrada do prazer, formulou a teoria das pulsões – sendo a de morte representada por Thanatos, antagonista do instinto de vida, Eros. Neste esquema, a primeira aproxima o indivíduo do estado inorgânico, opõe-se ao impulso vital, Eros. Segundo o modelo, o comportamento agressivo teria, por um lado, o objetivo de dirigir essa força para fora do organismo e, por outro, o de reduzir o estado de tensão. Na perspectiva freudiana, a guerra revela o homem primitivo que vive em nós, aquele que transforma o estrangeiro em inimigo a ser eliminado e banaliza a morte. Essa alteração na percepção da realidade de modo que as perdas pareçam estranhas ou irreais contrasta com a elaboração saudável do luto. Em dezembro de 1914, no início da Primeira Guerra Mundial, em carta ao amigo psiquiatra holandês Frederik van Eeden, publicada em 17 de janeiro de 1915, na revista The Amsterdammer, Freud escreveu: “Prezado colega, sob a influência desta guerra permito-me recordar-lhe duas assertivas que a psicanálise introduziu e que decerto contribuíram para tomá-la impopular com o público”. Do estudo dos sonhos e dos atos talhos das pessoas sadias, e também dos sintomas neuróticos, a psicanálise tirou a conclusão que os impulsos primitivos, selvagens e maus da humanidade não desapareceram de maneira alguma, mas continuam vivendo, ainda que recalcados, no inconsciente de cada pessoa·, esperando a oportunidade de reativar-se. A psicanálise, além disso, ensinou-nos que nosso intelecto é algo frágil e dependente, bibelô (futilidade, passatempo) e instrumento de nossas pulsões e de nossos afetos, e que somos obrigados a agir ora com inteligência ora com estupidez, conforme o querer de nossas atitudes íntimas e de nossas resistências. Pois bem, veja o que está acontecendo nesta guerra, veja as crueldades e as injustiças das quais se tomam responsáveis as nações mais civilizadas, a má-fé com que se comportam diante de suas próprias mentiras e iniquidades; e observe enfim como todos perderam a capacidade de julgar com retidão: é forçoso admitir que ambas as assertivas da psicanálise eram exatas”. Freud vislumbra no homem impulsos destrutivos primários prontos a reaflorar quando falham as ligações afetivas da comunidade.

A propensão gregária da maioria das pessoas supera a improvável submissão de suas pulsões à razão. Para Freud a salvação reside no (frágil) processo de civilização. Claro, as pulsões de morte não são neutralizadas pelas de vida. Aliás, uma interiorização excessiva, em outras palavras, uma intensa incorporação inconsciente das pulsões destrutivas não é desejável. Não obstante, para o criador da psicanálise, uma civilização deve ter em máxima consideração a potencialização do intelecto e a interiorização da agressividade, com todas as vantagens e os perigos que daí derivam. A guerra se contrapõe a todas as conquistas psicológicas alcançadas por meio da civilização. E é por isso que tudo o que favorece o ato de civilizar age também contra a guerra

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 21 DE FEVEREIRO

O HOMEM MAU RECEBE O CASTIGO CERTO

O mau, é evidente, não ficará sem castigo, mas a geração dos justos é livre (Provérbios 11.21).

É impossível praticar o mal e ficar sem castigo. É até possível que esse castigo não seja visto. É até possível que nesta vida a recompensa do mal não seja paga. Contudo, mesmo aqueles que escaparam do juízo dos homens jamais escaparão do justo julgamento de Deus. Asafe entrou em crise ao ver o ímpio, que blasfemava contra Deus, prosperando e vendendo saúde, enquanto ele, sendo um homem íntegro e fiel, era castigado todas as manhãs. Chegou a pensar que não valia a pena manter sua integridade e lavar suas mãos na inocência. Todavia, quando entrou na casa de Deus e atinou com o fim do ímpio, os olhos da sua alma foram abertos, e ele percebeu que o ímpio será irremediavelmente desamparado. O homem mau não prevalecerá na congregação dos justos nem encontrará amparo quando tiver de enfrentar o tribunal de Deus. A geração dos justos, porém, será poupada e desfrutará da verdadeira liberdade. Aqueles que buscam a Deus e confiam na sua graça recebem perdão para seus pecados e justificação diante do tribunal divino. Enquanto o homem mau será apanhado pelas cordas do seu pecado, o justo ficará livre dos seus para sempre. O mau recebe o castigo certo, mas o justo não ficará sem o seu galardão.

GESTÃO E CARREIRA

SAUDADE DO ESCRITÓRIO?

Os meses em home office nos ensinaram que o trabalho remoto funciona. Começa agora uma discussão sobre a volta às empresas. Mas qual é o propósito desses ambientes?

Em março, logo no início da pandemia, a Sephora do Brasil se viu forçada a fechar sua sede e todas as lojas no país, obrigando seus 600 funcionários a trabalhar de casa. Depois de cinco meses, a varejista de cosméticos decidiu reabrir as portas de seu escritório central, em São Paulo, para até dez funcionários diariamente. No primeiro dia, 17 de agosto, apenas oito dos que haviam se inscrito compareceram. No dia seguinte, nenhum. Desde então, a adesão tem sido mínima.

Voltar ao escritório tem se revelado uma frustração para quem esperava reencontrar o clima de antes da crise sanitária. Há uma proliferação de mesas vazias, com os objetos deixados para trás por quem esperava voltar em algumas semanas, e uma escassez de gente. As interações e a energia que caracterizavam o ambiente não estão mais lá.

Mesmo com o fim das medidas mais duras de isolamento, em todo o mundo prédios corporativos seguem esvaziados. Nos Estados Unidos, até 30 de agosto, menos de 35% dos trabalhadores relataram ter ido ao trabalho no dia anterior, segundo um monitoramento da consultoria Gallup. Gigantes do setor financeiro, como Goldman Sachs e J. P. Morgan, anunciaram em setembro que um número maior de funcionários deveria retornar, oferecendo benefícios para atrair o pessoal. A empresa de mídia Bloomberg passou a cobrir até 75 dólares de despesas com transporte individual como forma de incentivo.

Frente a esse desafio, mais do que questionar “se” e “quando” os ambientes de trabalho serão habitados novamente, o líder de RH deve provocar uma discussão mais profunda: o que será o escritório do pós-coronavírus? Qual será seu propósito existencial?

O TRABALHO EM XEQUE

Os seis meses de quarentena levantaram discussões. Nas metrópoles, perder horas e nervos para ir e voltar do trabalho nunca foi tão questionado. As viagens de negócios semanais se mostraram desnecessárias. A falta de confiança de gestores que queriam ter os subordinados por perto para controlar sua produtividade ficou evidente. E o desequilíbrio entre homens e mulheres na divisão das tarefas domésticas e nos salários foi escancarado.

As constatações advêm de uma crise que também é antropológica, segundo a consultora Betânia Tanure, sócia fundadora da empresa que leva seu nome. “Muda a dinâmica das relações e do que a gente valoriza no morar bem”, afirma Betânia. “E isso vai rebater diretamente no home office.

Para os indivíduos, o novo acordo está interessante. Uma pesquisa com 1.123 pessoas realizada pela Morning Consult com o The Times indica que quase 90% dos trabalhadores   remotos se dizem satisfeitos com o arranjo atual, mesmo que às vezes isso signifique atuar do quarto ou de outro cômodo travestido de escritório.

LIÇÕES DA PANDEMIA

Se os funcionários estão satisfeitos, as organizações buscam entender o seu papel no mundo pós-covid em meio aos aprendizados trazidos pela crise. O maior deles: nenhuma deixou de existir apenas por não poder aglomerar seus times sob o mesmo teto.

Suspeitas anteriores à pandemia, como a de que o home office comprometeria a produtividade e a inovação, não se confirmaram. Ao menos não ainda. Em uma recente entrevista ao The Wall Street Journal, Mary Barra, CEO global da GM, afirmou, como exemplo, que uma área em processo de mudança, com todos os funcionários trabalhando de casa, concluiu em um dia um projeto que, antes, levaria semanas.

Efeito similar foi percebido na varejista de cosméticos Sephora e na fabricante de produtos de limpeza Ypê. No meio da crise, a Ypê, que manteve suas fábricas funcionando por ser uma indústria essencial, passou a doar álcool em gel para hospitais da região. Foi impulso para o engajamento. ”Alguns funcionários se ofereceram para trabalhar no domingo, sem receber hora extra”, diz Bruno Szarf, vice-presidente de gente e gestão corporativa da Ypê, destacando que os trabalhadores registraram o ponto nesses dias.

O home office ainda abriu espaço para o RH inovar. A Ypê, por exemplo, com     sede em Amparo (SP), contratou profissionais de Belém (PA), Inglaterra e Estados Unidos para atuar remotamente até o fim da pandemia. O home office dá ao empregador a flexibilidade de buscar talentos em qualquer lugar.  Mas traz questionamentos. As companhias definem a remuneração pelo local em que os profissionais ficarão registrados, baseada em pesquisas com empresas da região.  “Se a pessoa vai trabalhar de casa, qual salário deve valer?”, pondera Bruno.

Outra mudança é na avaliação de desempenho. Existe um pensamento de que não faz sentido manter o modelo tradicional, baseado em metas, num ano como 2020. Na Sephora, a recomendação é que os gestores conversem não sobre metas, mas sobre prioridades – e que não sejam muitas. Já a Ypê criou um modelo chamado Diário de Competências. Por meio de uma plataforma, o funcion6rio pode dar, fazer e pedir feedback 3G0 graus, o ano todo. Um sistema de inteligência artificial monitora a ferramenta e, se perceber que há “coleguismo”, vai tirando peso das respostas. Para ajudar na análise, o empregado pode adicionar evidências, como uma apresentação.

UM DIA POR VEZ

A pandemia e a vida à distância também abriram espaço para novos comportamentos. Na Ypê, percebeu Bruno, graças ao uso massivo da tecnologia, as pessoas passaram a pensar de forma digital e robôs estão sendo construídos para otimizar os processos. Na Sephora, dos 600 funcionários, 75% trabalhavam nas lojas e nunca tinham feito home office. Com uma grade intensa de cursos, todos se voltaram para o e-commerce, ajudando a marca a aumentar as vendas online.

Novas atitudes passaram a ser vistas também na liderança. Chefes têm reconhecido sua fraqueza diante da crise, dando a sensação de uma gestão mais humanizada. Na primeira conversa com funcionários, Silene Rodrigues, vice-presidente de RH da Sephora, e os demais executivos explicitaram sua vulnerabilidade. “Demonstramos que os diretores também tinham medo de morrer, de ter um familiar doente, de ser demitido”, diz. O grupo ainda se comprometeu a falar a verdade. “Quando a gente não soubesse, iria dizer “não sei”, afirma. Desde então, ela tem se acostumado a não ter respostas. Qual será o futuro do escritório? Acho que o home office nunca irá ac abar, mas teremos de definir diretrizes para o trabalho.” E se os funcionários não quiserem voltar à empresa? ”Não sei. Estou vivendo um dia de cada vez.”

CHANCE DE MUDAR

Se o home office se comprovou efetivo, por que discutir um retorno ao escritório? A resposta mais comum é “por causa das relações pessoais e para manter a cultura”. Uma pesquisa do Gartner revela que a principal preocupação é não conseguir administrar o jeito de ser da empresa com o time disperso. “Existia um vínculo forte entre o lugar em que a gente trabalhava e o que a gente produzia. Isso foi realidade por muito tempo. Agora está sendo quebrado”, diz Russell McCall, conselheiro executivo do Gartner, em Washington.

Todos os ritos, cultos e heróis que moldara o jeito de ser corporativo foram desenvolvidos com base na interação presencial. Mas o fato de ser a forma que conhecemos não significa que é a única. Anderson de Souza Sant’Anna, professor na Fundação Getúlio Vargas, acredita ser possível construir e manter um ambiente – e as relações humanas – por meio da tecnologia. “Não preciso estar com gente no mesmo local geográfico para criar”.  O contato pode ser por holograma, Zoom – isso é pouco relevante.” Nessa transição, mais desafiador do que discutir o espaço será se livrar da amarra do tempo. “Antes, as pessoas tinham horas para o trabalho, para o deslocamento (que criava o rito de passagem) e para a vida pessoal. Isso será adaptado. Ainda não criamos uma cultura de trabalho remoto”, diz o professor.

A CASA NOVA

É provável que a maioria das empresas demore para criar uma cultura digital alinhada ao trabalho remoto. Antes disso, grande parte deve se mover para um novo conceito de escritório. O desafio é moldar um ambiente que, além de seguro contra o vírus, tenha um propósito forte capaz de convencer os funcionários a se deslocar.

Nos Estados Unidos já se fala do dynamic workplace (local de trabalho dinâmico, em tradução literal), uma versão flexível, com layout e gestão do open office. A ideia é que, com menos gente indo à empresa diariamente, parte atuando remotamente para sempre e parte seguindo um modelo misto, o ambiente corporativo seja um local de colaboração. Diferentemente do espaço aberto, desenhado para as pessoas irem pelo menos cinco dias por semana, o dynamic considera a rotatividade dos times e uma agenda elástica. O primeiro conceito foi criado para mudar a mentalidade das pessoas. O segundo surge para persuadir as pessoas a aparecer.

É nessa linha que os líderes de RH de Sephora e Ypê imaginam o escritório do futuro: um local para os times se encontrarem em reuniões importantes e comungarem nos projetos.  Na Sephora, apenas 1% dos respondentes de uma pesquisa interna afirmaram que gostariam de voltar ao prédio corporativo todos os dias. A maioria prefere ficar em casa três vezes por semana. Desde então, Silene tem refletido. “É importante ter endereço comercial e espaço físico. Mas ele muda de propósito: deixa de ser o ambiente onde vai trabalhar e passa a ser onde vai colaborar. Talvez as empresas não tenham mais um estilo formal, com mesa, cadeira, e mudem para um conceito tipo WeWork.” O tempo (e o espaço) dirão.

POR DENTRO DO TRABALHO REMOTO

Levantamento do Global Workplace Analytics mostra a relação das companhias e das pessoas com o home office

VAI DEMORAR

Pesquisa da revista Fortune perguntou aos CEOs das 500 maiores empresas listadas em 2020 quando eles acreditavam que pelo menos 90% da sua mão de obra retornaria ao ambiente de trabalho. Veja as respostas:

EU ACHO …

DAQUI A VINTE E CINCO ANOS

Perguntaram-me uma vez se eu saberia calcular o Brasil daqui a vinte e cinco anos. Nem daqui a vinte e cinco minutos, quanto mais vinte e cinco anos. Mas a impressão-desejo é a de que num futuro não muito remoto talvez compreendamos que os movimentos caóticos atuais já eram os primeiros passos afinando-se e orquestrando-se para uma situação econômica mais digna de um homem, de uma mulher, de uma criança. E isso porque o povo já tem dado mostras de ter maior maturidade política do que a grande maioria dos políticos, e é quem um dia terminará liderando os líderes. Daqui a vinte e cinco anos o povo terá falado muito mais.

Mas se não sei prever, posso pelo menos desejar. Posso intensamente desejar que o problema mais urgente se resolva: o da fome. Muitíssimo mais depressa, porém, do que em vinte e cinco anos, porque não há mais tempo de esperar: milhares de homens, mulheres e crianças são verdadeiros moribundos ambulantes que tecnicamente deviam estar internados em hospitais para subnutridos. Tal é a miséria, que se justificaria ser decretado estado de prontidão, como diante de calamidade pública. Só que é pior: a fome é a nossa endemia, já está fazendo parte orgânica do corpo e da alma. E, na maioria das vezes, quando se descrevem as características físicas, morais e mentais de um brasileiro, não se nota que na verdade se estão descrevendo os sintomas físicos, morais e mentais da fome. Os líderes que tiverem como meta a solução econômica do problema da comida serão tão abençoados por nós como, em comparação, o mundo abençoará os que descobrirem a cura do câncer.

***CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

O TAL NOVO NORMAL

O tradicional Dicionário Oxford não conseguiu escolher a palavra do ano. Entre “coronavírus”, lockdown e “reabertura”, e mais algumas que entraram na seleção final, os lexicógrafos decidiram ficar com todas.

Um único termo não faria jus a um ano tão conturbado como foi 2020. Em praticamente, todos os lugares do mundo, a rotina foi alterada e o modo de vida mudou. Algumas mudanças serão passageiras e outras talvez tenham vindo para ficar, mas só saberemos o que é o “novo normal” – outra expressão reverberada à exaustão – no decorrer da próxima década.

No fim de fevereiro, bastou a última escola de samba terminar o desfile para a crise já se apresentar na avenida: saíram mestre-sala e porta-bandeira, entraram álcool em gel e máscara – não de Carnaval, infelizmente. Antes utilizado quase que exclusivamente por profissionais da saúde, o acessório passou a ser exigido de todos os frequentadores de espaços públicos, inclusive sob pena de multa. Para quem está esperando pela vacina para se livrar dele, aconselha-se aguardar mais um pouco. Mesmo com a imunização, é possível que a recomendação de uso persista por um bom tempo. À parte o exagero da comparação, a gripe espanhola, que eclodiu em 1918, só desapareceu três anos depois, sem vacina, é verdade.

Na sequência dos acontecimentos, países começaram a levantar barreiras em portos e aeroportos como forma de evitar a propagação da Covid-19. Os aviões, no entanto, logo voltaram aos céus com novas regras de viagem. Além de exigir máscara, as companhias implementaram protocolos de segurança, como medição de temperatura e exigência de atestados médicos, além de higienização reforçada de aeronaves. Essas medidas devem ser mantidas no decorrer de 2021. Quanto aos cruzeiros marítimos, é melhor não contar com eles antes do verão de 2022.

Mal o ano letivo havia começado, e as escolas e universidades foram forçadas a paralisar as aulas. Algumas retomaram depois, outras não, e muitas adotaram o ensino a distância, principalmente, as particulares. Uma pesquisa conduzida pela Catho Educação apontou um aumento de 45% no interesse por cursos remotos já no começo da pandemia. Ao que tudo indica, o recurso sairá fortalecido da crise. Em julho, enquanto cada instituição de ensino tomava um rumo diferente, restaurantes e bares voltaram à ativa em alguns estados, ainda que com exigência de espaçamento entre grupos, horário de funcionamento controlado e número limitado de clientes. Estabelecimentos não conseguem sobreviver assim por muito tempo. Por isso, provavelmente os donos nunca mais vão querer ouvir falar de pandemia. mas o álcool em gel continuará nas mesas.

Durante o período de fechamento dos cinemas, que só voltaram em outubro, muitos lançamentos foram postergados (007 – Sem Tempo para Morrer foi adiado duas vezes) e outros estrearam diretamente no streaming. Houve algumas iniciativas isoladas de cinema ao ar livre, mas é difícil antecipar uma tendência aqui. Novidade mesmo foi a força que ganharam plataformas como Netflix, Amazon e a recém-lançada Disney+. Enquanto o futuro das salas de exibição é incerto, o de uma cinemateca própria dentro de casa é promissor.

Shows e concertos também tiveram de ser cancelados. No lugar, foram realizadas centenas de lives de artistas ao longo do ano, algumas com estrondoso sucesso, como a apresentação da cantora de sertanejo Marília Mendonça, que teve uma audiência de mais de 3,3 milhões de pessoas. No Brasil, as buscas por lives no YouTube cresceram 4.900% em seis meses. A executiva da plataforma, Amy Singer, afirmou que os vídeos ao vivo não serão esquecidos após a pandemia. Realmente, um show sem fins lucrativos como o que foi feito pelos Rolling Stones em abril é para ser lembrado para sempre.

O esporte foi outra atividade que levou caneladas do coronavírus. A fim de evitar aglomerações torcedores das mais diversas modalidades não puderam assistir aos jogos de seus times nos estádios. Os campeonatos de futebol acabaram eventualmente voltando no Brasil e na Europa, mas o público foi mantido em casa, o que garantiu maior audiência para os canais esportivos por assinatura. O som de torcida nas arenas vazias – ideia dos organizadores – dá uma sensação fantasmagórica, mas isso não é mais assustador que a iniciativa de monitorar a população por meio de câmeras termográficas. A Indonésia; por exemplo, mais flexível que os países ocidentais no quesito invasão de privacidade, intensificou o uso da tecnologia como forma de detectar pessoas febris nos aeroportos.

O ano de 2020 chega ao fim e uma outra palavra poderia ser escolhida por Oxford para emoldurá-lo: “desigualdade”. A crise escancarou a diferença abissal entre os que podiam ficar em casa e pedir entrega de comida e aqueles que, sem o auxílio emergencial do governo, nem mesmo sobreviveriam. Espera-se que, em 2021, a qualidade de vida de todas as pessoas melhore. Isso sim seria um aceitável novo normal.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 20 DE FEVEREIRO

A VIDA DO ÍNTEGRO, O DELEITE DE DEUS

Abomináveis para o Senhor são os perversos de coração, mas os que andam em integridade são o seu prazer (Provérbios 11.20).

Deus não é um ser apático e amoral. Ele se deleita naqueles que andam em integridade e sente repulsa pelos perversos de coração. Tem prazer na vida do justo e abomina aqueles que no coração maquinam o mal. Deus não se impressiona com as aparências. Muitos perversos de coração têm palavras doces, gestos nobres e apresentam-se como verdadeiros beneméritos da sociedade. Normalmente são pessoas que ocupam posições estratégicas nos altos escalões do governo e aparecem na mídia como heróis nacionais. Mas Deus não se deixa enganar. Não se impressiona com o desempenho rebuscado. Ele vê o coração, e não apenas o exterior. Deus abomina não somente a perversidade quando já está com seu maldito fruto maduro; Deus abomina o perverso quando essa maldade é apenas uma semente em seu coração. Se os perversos de coração são abomináveis para Deus, os que andam em integridade são o seu prazer. Deus é luz, e não podemos ter comunhão com ele andando nas trevas. Deus é santo, e não podemos navegar pelos mares da impureza e ao mesmo tempo desfrutar de intimidade com ele. Só os puros de coração verão a Deus. Só aqueles que trajam vestiduras brancas andarão na cidade santa com o Senhor.

GESTÃO E CARREIRA

BENEFÍCIOS À LA CARTE

O home office acelerou a tendência pela flexibilização da cesta de benefícios. Entenda quais cuidados devem ser tomados ao criar programas desse tipo

Nos primeiros meses de isolamento social, os RHs testemunharam um comportamento padrão entre os funcionários: a corrida para trocar o vale-refeição pelo vale-alimentação. Afinal, ninguém saía de casa para almoçar. Sem necessidade de se deslocar, incentivos como o vale-combustível e o estacionamento grátis no prédio da empresa também deixaram de ser atraentes. Em contrapartida, o plano de saúde foi ainda mais valorizado – uma pesquisa da consultoria de recrutamento Robert Half mostrou que esse é o benefício de maior importância para os empregados no pós-pandemia.

Todo esse contexto mostrou algo que, às vezes, passa despercebido: o valor não financeiro de um benefício pode mudar conforme a situação vivida pelos empregados – seja coletiva, seja individualmente. É por isso que começa a surgir a tendência. de flexibilizar os benefícios para torná-los mais personalizados. A proposta não é exatamente uma novidade, mas as necessidades durante a quarentena reforçaram um movimento que algumas empresas estavam promovendo por causa do aumento da valorização da diversidade e do bem-estar de seus empregados. “Há hoje uma força de trabalho muito mais diversa e é preciso ser capaz de servir às diferentes demandas, desde questões geracionais até de estilo de vida. Então o pacote de benefícios passa a suprir essas necessidades”, diz Tatiana lwai, professora de comportamento e liderança no Insper. Mas um bom programa vai além da troca do VR pelo VA. Em geral, ele funciona como um menu de opções: cada benefício tem uma pontuação ou peso, e o funcionário monta sua cesta conforme suas preferências e necessidades, desde que obedecido o teto de valor ou de pontuação. “É fantástico, mas há 20 anos tem baixíssima prevalência”, diz René Ballo, líder de benefícios na consultoria Willis Tower Watson (WTW). A empresa, inclusive, apontou em seu levantamento sobre o tema feito em 2019 que, embora uma em cada três companhias pretendam implementar pacotes flexíveis, apenas 9% já possuem ações em curso. A baixa adesão pode ser explicada pelo alto investimento – não necessariamente financeiro. “Há custos indiretos, como toda a energia que a área de recursos humanos irá despender com comunicação, educação, planejamento e gerenciamento do programa”, diz René.

Desenho detalhado Giselly Viveiros, gerente sênior de remuneração e benefícios da Danone, viveu essa experiência entre março de 2019, quando abriu concorrência para consultorias em flexibilidade de benefícios, e março de 2020, quando finalizou o projeto BenVocê, voltado para 4.500 funcionários e que começou a rodar em agosto. “É preciso desenhar muito bem. Sentei com o jurídico e o tributário para vermos ponto a ponto o que entraria de benefícios e de que maneira. O salário é tributável, já o benefício não é. Então não poderíamos gerar impostos sobre isso”, explica. “As liberações que antes eram em massa agora são praticamente individuais. “Durante o período de implementação do projeto, o RH ficou dez dias integralmente dedicado a atender aos pedidos e dúvidas dos funcionários.

O BenVocê, como grande parte dos programas de benefícios flexíveis, funciona por um sistema de pontuação. Cada funcionário tem direito a uma cota de pontos, que varia conforme o número de dependentes legais e a elegibilidade dos benefícios. Uma pessoa solteira e sem filhos, por exemplo, tem de 1.000 a 6.000 pontos para distribuir. O funcionário pode receber de 350 a 900 pontos a mais a cada dependente legal, a depender do padrão de assistência médica, que varia conforme o cargo.

RESPEITO E ABRANGÊNCIA

Na Serasa Experian, a prática entrou em vigor em 2017, depois que uma pesquisa interna mapeou que os empregados – que hoje somam 2.500 pessoas – gostariam de ter mais personalização em suas cestas. No início, o foco foi em benefícios tradicionais, como os de saúde e alimentação, e, depois de o programa estar maduro, entraram questões de educação e previdência privada, por exemplo. O programa também funciona por meio de pontos que podem ser distribuídos para opções sob demanda. “É uma mensagem bacana do empregador, pois mostra respeito aos funcionários”, diz Flavio Balestrin, vice-presidente de recursos humanos da Serasa Experian. Mas ele alerta: é necessário acompanhar os indicadores de perto. “Se a adesão é baixa, é preciso ver se faz sentido, porque é um trabalho que envolve muitos parceiros”, explica o executivo.

Além de mais engajamento, outra motivação das companhias que flexibilizam seus pacotes é atender às demandas de times heterogêneos. “Numa empresa com perfis tão diferentes, um pacote único não faz sentido. Fala-se tanto em escutar e ser ágil com o consumidor, temos que fazer isso com nosso time”, diz Sandro Bassili, VP de pessoas e assuntos institucionais do Grupo Boticário. A fabricante de produtos de beleza, que tem um quadro de 12.000 pessoas, implantou em outubro seu programa de benefícios flexíveis. Ele será válido para todos os trabalhadores da companhia: operadores de fábrica, vendedores e time administrativo. Chamada de Cesta Benflex, a iniciativa engloba questões como plano de saúde para pets, viagens, compra de equipamentos para home office, bolsa-educação e auxílio em ópticas.

SINAIS DE ALERTA

O empregador precisa ficar de olho em aspectos jurídicos na hora de flexibilizar as cestas. Vale lembrar, por exemplo, que alguns acordos trabalhistas exigem benefícios obrigatórios. Por isso, é preciso estabelecer os que são fixos e os que podem variar – e aqui entram ofertas que nem sempre são vistas corno essenciais, mas que têm alto valor agregado, como a previdência privada.

Outro ponto de atenção é a gestão dos fornecedores. Com a pulverização dos benefícios, o poder de barganha da empresa diminui e o RH precisa se dedicar para chegar a uma boa negociação.

“Os contratos e acordos são diferentes com cada fornecedor, incluindo prazos para renovações ou alterações. Nem as operadoras de saúde estão preparadas para benefícios flexíveis”, diz Gustavo Vitti, vice-presidente de pessoas do iFood, que adotou o modelo em 2018 e hoje oferece o programa para 2.500 funcionários.

Por isso a eleição – ou a modificação – da cesta, em geral, tem períodos para ocorrer (a cada seis meses ou a cada ano), com algumas poucas situações em que é possível realizar alterações, como uma promoção ou a entrada de um novo dependente.

FOCO NA COMUNICAÇÃO

Tudo o que mexe no pacote de remuneração gera dúvidas e inseguranças. Por isso a companhia tem que se preparar para comunicar as mudanças com muita transparência e agilidade. Intranet, newsletter, posts em redes sociais internas, lives com liderança e manuais de uso ajudam.

Além disso, a comunicação também auxilia o empregado a entender seu protagonismo e sua autonomia como beneficiário. “A principal vantagem desse tipo de programa é que o modelo privilegia o momento de vida de cada um e requer que todos se apropriem do programa e de suas escolhas”, diz Kelly Cristina Nunes, gerente sênior de pessoas da Vivo, que flexibilizou a cesta para os 33.000 funcionários. E ela destaca mais um bom motivo para aderir a essa prática: o aumento do reconhecimento da companhia como uma boa empregadora. “Os funcionários veem o programa como um valor.” Bom motivo para colocar essa política no radar.

FIQUE ATENTO

Ao alterar a política de benefícios, preste atenção nos pontos a seguir:

1. LIVRE-ARBÍTRIO

O funcionário deve ter liberdade para fazer ou não a substituição

2. SEM PREJUÍZO

O ideal é não existir piora na cesta oferecida. Se houver substituição de benefícios, eles devem manter a equivalência financeira com o que era disponibilizado anteriormente. Além disso, é preciso garantir que funcionários com mesma função tenham os mesmos direitos

3. FORMALIZAÇÃO

O empregado precisa assinar um documento concordando com as mudanças, que devem ser descritas detalhadamente

APOIO DAS STARTUPS

De olho na tendência de mercado, RHtechs auxiliam os gestores de pessoas a flexibilizar as cestas. Conheça duas delas

VEE

Com 600 clientes e 40.000 funcionários cadastrados, a plataforma teve crescimento de 500% de janeiro a setembro de 2020. O RH pode gerir os benefícios em um só lugar e a Vee disponibiliza um cartão com o qual os funcionários podem acessar benefícios de alimentação, mobilidade urbana, educação, home office, saúde, cultura, entre outros.

CREDITAS

A fintech de crédito ampliou seu portfólio e lançou, em setembro de 2020, o aplicativo @Work. A startup oferece a gestão de um cartão de benefícios com soluções de alimentação, refeição, mobilidade, cultura, saúde e educação.

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

NUVEM PASSAGEIRA

P1esquisa revela que pessoas prestes a romper uma relação mudam o padrão de linguagem nas redes sociais e expõem suas frustrações muito antes de o namoro acabar

Lá naquela outra era, antes da internet, os relacionamentos amorosos inegavelmente duravam mais. Seja por preconceitos enraizados na sociedade, seja por puro comodismo, os casais passavam anos juntos, mesmo se isso representasse uma tormenta. Houve, obviamente, quem conhecesse a felicidade por longos períodos, mas também não foram poucos os que sofreram em silêncio, suportando o desgaste de cada dia, e no fim se arrependeram por uma vida que, afinal, não foi desfrutada como deveria. Poucas vezes relações doentias foram tão bem retratadas quanto no filme Cenas de um Casamento, de 1973, do diretor sueco Ingmar Bergman, que expôs, com a crueza dos grandes artistas, o sofrimento por trás de um convívio infeliz. Agora, os tempos são outros, e irresistivelmente diferentes. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman até criou uma expressão, “amor líquido” (nome de um livro seu que se tornou sucesso de público e crítica), para definir a cada vez mais comum instabilidade das uniões afetivas. Nesta nova modernidade, tudo muda rapidamente, e o impulso de substituir o parceiro por outro, e depois outro, e mais um — e assim por diante —, é o que parece mover boa parte da sociedade. Com as redes sociais, a tal característica “líquida” foi exacerbada. As mídias digitais servem para encontrar o futuro amor, mas também para desfazer laços, refazê-los, e desatá-los de novo, num processo sufocante que parece não ter fim.

Se as redes sociais são os motores dos relacionamentos da nova era, elas também podem oferecer, mesmo que involuntariamente, as pistas que indicam se uma relação será duradora ou, quem sabe, apenas nuvem passageira. Uma saborosa e inédita pesquisa realizada pela Universidade do Texas, em Austin, nos EUA, mostrou que os seres humanos são muito mais previsíveis do que podem imaginar, até quando o que está em jogo são os desígnios do coração. Ao lado da lista dos algoritmos que preveem o que as pessoas gostariam de comprar e das inteligências artificiais que antecipam as jogadas do oponente no xadrez, surge agora uma tecnologia capaz de profetizar o fim de um relacionamento meses antes de o desenlace ocorrer — e tudo isso a partir da análise de posts nas redes sociais.

O estudo foi publicado no dia 1º de fevereiro no renomado periódico científico Proceedings of the National Academy of Sciences. Os pesquisadores coletaram 1 milhão de posts realizados por 6.800 usuários que publicaram sobre o fim de seus relacionamentos na rede social Reddit e os colocaram em um software capaz de analisar os padrões de linguagem usados até dois anos antes da separação definitiva. Para satisfação dos cientistas, que já suspeitavam que as pessoas dão pistas de seus desencontros, elas começaram a mudar o teor das postagens, em média, até três meses antes de terminar o namoro. A palavra “eu” passou a ser mais usada, o que indica uma maior preocupação com assuntos particulares do que com aqueles que diziam respeito à vida do casal. Ou seja: quem deseja terminar uma relação inevitavelmente passa a pensar mais em si em detrimento do outro — e essa regra é válida quase sempre para cada ex-apaixonado, seja ele usuário do Reddit, Instagram ou Facebook. Cresceu também a quantidade de posts com termos como “acho” e “deveria”. De acordo com os pesquisadores, eles costumam ser usados quando alguém está tentando superar um problema.

É curioso perceber que, quando a ideia de pôr um ponto-final em um namoro começa a ser gestada, a maioria das pessoas atua da mesma maneira. A pesquisa detectou uma queda abrupta do número de posts com teor analítico, ou daqueles com linguagem formal e complexa. Por outro lado, cresceu a frequência das publicações despojadas e recheadas de narrativas pessoais. A justificativa, segundo os pesquisadores, é simples: quando a pessoa passa por um momento delicado, ela costuma dar preferência a relatos íntimos, que refletem sua introspecção.

A psicóloga Sarah Seraj, pesquisadora da Universidade do Texas e principal autora do estudo, explica os mecanismos por trás do comportamento humano. “A linguagem de uma pessoa apresenta mudanças sutis de acordo com o seu estado psicológico”, disse. “Embora não notemos essas alterações em conversas cotidianas, o que apenas um computador é capaz de fazer, elas estão presentes e podem refletir o fato de que o indivíduo está passando por momentos conturbados.” Seraj ressalta que o estudo também reafirmou o poder das redes sociais em influir nos relacionamentos interpessoais. Nesses sites, as pessoas escrevem sobre sua vida cotidiana e não apenas deixam rastros de seu estado emocional como são igualmente influenciadas por posts de outras pessoas.

De fato, a popularização das redes sociais, no começo da década passada, levou a uma superexposição inédita na história da humanidade. Levantamentos recentes mostram que 4 bilhões de pessoas usam regularmente Facebook, Twitter, TikTok, Instagram e afins — é mais da metade de todos os habitantes do planeta. Nada mais natural, portanto, que as plataformas tenham papel ativo na vida amorosa. Um estudo realizado recentemente pelo Pew Research Center investigou a influência das redes sociais em relacionamentos românticos. Os cientistas notaram que, entre os jovens que participaram da pesquisa, 60% disseram acreditar que as redes sociais os ajudam a permanecer mais conectados à vida do parceiro. Em outras palavras: eles precisam das mídias digitais para, de alguma maneira, provar seu amor.

Ao mesmo tempo que pode ser considerada o caminho mais curto para novos enlaces — basta dar uma espiada no sucesso do Tinder para comprovar isso —, a internet traz aspectos bastante negativos. Espionar as publicações e curtidas da namorada ou namorado não é apenas condenável como pode resultar em fixação perigosa. O stalking, termo em inglês para designar perseguição nas redes sociais, é relativamente comum entre casais recém-separados. Outro bom exemplo de novos desafios trazido pela era digital é o oversharing, ou “excesso de compartilhamento”, que consiste na postagem em demasia de palavras ou fotos que deveriam ser íntimas ou menos frequentemente publicadas. Dele resulta a superexposição, que pode ser danosa não só para uma pessoa, mas para o próprio casal.

As redes sociais são mesmo usadas para tudo. Até para terminar uma relação sem confrontar o outro diretamente, o que pode ser considerado um tremendo desrespeito. Laura Conrado, escritora mineira de 36 anos, passou por três términos on-line. “Depois do primeiro, comecei a ver as redes sociais como fonte absoluta de frieza nos relacionamentos”, diz. “Com o tempo, isso passou, e percebi que elas também podem oferecer oportunidades para muita coisa boa nos namoros.” Segundo Laura, o acesso às redes sociais oferece apoio que pode ser crucial para um casal que passa por fases difíceis. Além disso, diz ela, as mídias proporcionam um meio de contato contínuo utilíssimo em romances a distância. O psicólogo Fred Mattos, autor do livro Relacionamentos para Leigos, amplia o raciocínio. “Para casais que têm uma relação feliz, as redes sociais potencializam o namoro como um estimulante”, afirma Mattos. “Para os inseguros e controladores, as mídias tornam-se uma bomba conspiratória recheada de tensão, fantasias de rejeição e abandono.”

Seja como for, a realidade é que as mídias sociais são ao mesmo tempo combustível para romances, mas também inspiração para desfazê-los. Há muita gente disponível na rede, como existem também pessoas prontas para trocar o parceiro de hoje por uma experiência diferente amanhã. Nesses casos, é bom prestar atenção. Na próxima vez que o amor de sua vida falar em excesso de si próprio numa postagem, talvez seja o sinal de que ele não está mais tão a fim de você.

ROMANCE DESFEITO

Os detalhes do estudo feito pela Universidade do Texas, nos EUA

EU ACHO …

A FAVOR DO MEDO

Estou certa de que através da idade da pedra fui exatamente maltratada pelo amor de algum homem. Data desse tempo um certo pavor que é secreto.

Ora, em noite cálida, estava eu sentada a conversar polidamente com um homem cavalheiro que era civilizado, de terno escuro e unhas corretas. Estava eu, como diria Sérgio Porto, posta em sossego e comendo umas goiabinhas. Eis senão quando diz o Homem: “Vamos dar um passeio?”

Não. Vou dizer a verdade crua. O que ele disse foi: “Vamos dar um passeíto?

Por que passeíto jamais tive tempo de saber. Pois que imediatamente, da altura de milhares de séculos, rolou em fragor a primeira pedra de uma avalancha: meu coração. Quem? Quem já me levou na idade da pedra para um passeíto do qual nunca mais voltei porque lá morando fiquei? Não sei que elemento de terror existirá na delicadeza monstruosa da palavra passeíto.

Rolado o meu primeiro coração, engolida atrozmente a goiabinha – estava eu ridiculamente assustada diante de um improvável perigo.

Improvável digo eu hoje, muito da assegurada que estou pelos brandos costumes, pela polícia áspera, e por mim mesma fugidia que nem a mais mimética das enguias. Mas bem queria saber o que eu outrora diria, na idade da pedra, quando me sacudiam, quase macaca, da minha frondosa árvore. Que nostalgia, preciso passar uns tempos no campo.

Engolida, pois, a minha goiabinha, empalideci sem que a cor civilizadamente me abandonasse o rosto: o medo era vertical demais no tempo para deixar vestígios na superfície. Aliás não era o medo. Aliás era o terror. Aliás era a queda de todo o meu futuro. O homem, este meu igual que me tem assassinado por amor, e a isto se chama de amar, e é.

Passeíto? Assim também diziam para Chapeuzinho Vermelho, que esta só mais tarde cuidou de se cuidar. “Vou é me acautelar, por via das dúvidas debaixo das folhas hei de morar” – de onde me vinha essa toada? Não sei, mas boca de povo em Pernambuco não erra.

Que me desculpe o Homem que talvez se reconheça neste relato de um medo. Mas nem tenha ele dúvida de que “o problema era meu”, como se diz. Não tenha dúvida de que eu deveria tomar o convite pelo que ele na verdade devia ser, igual a ter me mandado antes rosas: uma gentileza, a noite estava tépida, ele tinha carro à porta. E nem tenha dúvida de que – na simplória divisão a que os séculos me obrigaram entre o bem e o mal – sei que ele era Homem Bom Caverna Direita Só Cinco Mulheres Não Bate Nenhuma Todas Contentes. E por favor me entenda – apelo para o seu bom humor – sei que homem de fronteira, como ele, usa com simplicidade a palavra passeíto, o que para mim, no entanto, teve a terrível ameaça de uma doçura. Agradeço-lhe exatamente essa palavra que, por ser nova para mim, veio me dar o bom escândalo.

Expliquei ao Homem que não podia dar o passeíto, fina que sou. Séculos adestraram-me, e hoje sou uma fina entre as finas, mesmo como no caso, sem necessitar, por via das dúvidas debaixo das folhas hei de morar.

O Homem, esse não insistiu, se bem que não me pareça poder dizer com verdade que ele se agradou. Defrontamo-nos por menos de um átimo de segundo – com o decorrer dos milênios, eu e o Homem fomo-nos compreendendo cada vez melhor, e hoje menos de um átimo de segundo nos chega –, defrontamo-nos, e o não, apesar de balbuciado, ecoou escandalosamente contra as paredes da caverna que sempre favoreceram mais as vontades do Homem.

Depois que o Homem imediatamente se retirou, eis-me salvaguardada e ainda assustada. Por um triz um passeíto onde eu talvez perdesse a vida? Hoje em dia sempre se perde a vida à toa.

Retirando-se o Homem, percebi então que estava toda alegre, toda vivificada. Oh, não por causa do convite ao passeio, nós todas temos sido durante milênios continuamente convidadas a passeios, estamos habituadas e contentes, raramente açoitadas. Estava alegre e revolucionada – mas era pelo medo.

Pois sou a favor do medo.

Então certos medos – aqueles não mesquinhos e que têm raiz de raça inextirpável – têm-me dado a minha mais incompreensível realidade. A ilogicidade de meus medos me tem encantado, dá-me uma aura que até me encabula. Mal consigo esconder, sob a sorridente modéstia, meu grande poder de cair em medos.

Mas no caso deste medo particular, pergunto-me de novo o que me terá acontecido na idade da pedra? Algo natural não foi, ou eu não teria conservado até hoje esse olhar de lado, e não me teria tornado delicadamente invisível, assumindo sonsa a cor das sombras e dos verdes, andando sempre do lado de dentro das calçadas, e com falso andar seco. Algo natural não terá sido, posto que, sendo eu por força e sem escolha uma natural, o natural não me teria assustado. Ou já então – na própria idade das cavernas que ainda hoje é o meu mais secreto lar – ou já então eu fiz uma neurose sobre o natural de um passeíto?

É, mas ter um coração de esguelha é que está certo: é faro, direção de ventos, sabedoria, esperteza de instinto, experiência de mortes, adivinhação em lagos, desadaptação inquietantemente feliz, pois descubro que ser desadaptada é a minha fonte. Pois bem se sabe que vai chover muito quando os mosquitos anunciam, e cortar minha cabeleira em lua nova dá-lhe de novo as forças, dizer um nome que não ouso traz atraso e muita desgraça, amarrar o diabo com linha vermelha no pé do móvel tem pelo menos amarrado os meus demônios. E sei – com meu coração que por nunca ter ousado expor-se no centro, e há séculos, mantém-se em sombra à esquerda –, bem sei que o Homem é um ser tão estranho a si mesmo que, só por ser inocente, é natural.

Não, quem tem razão é este meu coração indireto, mesmo que os fatos me desmintam diretamente. Passeíto dá morte certa, e a cara espantada fica de olho vidrado olhando para a lua cheia de si.

***CLARICE LISPECTOR

OUTROS OLHARES

MUDANÇA DE HÁBITO

Quem sempre viajou para comprar artigos de luxo está se rendendo à comodidade do comércio on-line

Nos velhos tempos em que viajar era uma atividade ao alcance de boa parte da humanidade, as madames com contas bancárias recheadas pegavam o avião, desembarcavam em Paris, Londres ou Nova York e partiam direto para seu turismo favorito: se esbaldar nas lojas da Prada, Dior, Gucci e Chanel, enchendo sacolas e mais sacolas de roupas, sapatos e bolsas caríssimos, mas ainda assim mais em conta do que em São Paulo ou Rio de Janeiro. As estatísticas confirmam a preferência nacional pelo esporte: em 2019, 58%das compras de artigos de luxo feitas por brasileiros ocorreram fora do Brasil. No ano passado, aquele diferente de tudo que se viu até agora, pegar avião deixou de ser possível e ficar dentro de casa, pendurado no celular e no laptop, passou a ser a nova realidade. Entre as muitas consequências desta reviravolta na vida das pessoas, uma de grande impacto foi a implosão do consumo de grifes de alto luxo – de uma hora para outra, os clientes sumiram e o faturamento desmoronou. Premido pela necessidade, o setor abriu uma brecha no muro da exclusividade e aderiu, ele também, às vendas on-line, para as quais sempre torceu o empertigado nariz.

Teve uma grata surpresa: as clientes aprovaram. “Por mais resistentes que sejam, as marcas tiveram de se tornar digitais. O comportamento do consumidor mudou”, explica Renata Carvalho, coordenadora da Câmara Brasileira da Economia Digital. Esnobado com o ambiente reservado a fregueses que não tinham traquejo social para frequentar o a r rarefeito das maisons, o comércio on-line está sendo a salvação do alto luxo. Segundo pesquisa do Instituto QualiBest, 40% das mulheres da classe altano Brasil estão comprando mais pela internet, 23% mantêm o volume de consumo de antes da pandemia e 12% são consumidoras novinhas em folha do e-commerce – ou seja, quase 80% das compradoras de maior poder aquisitivo estão comprando a distância. A assessora jurídica Paula Dias, de 28 anos, de Mato Grosso do Sul, sempre adorou desembarcar em Paris e bater perna nas lojas mais sofisticadas das Galeries Lafayette, seu ponto preferencial de compras. Quando o novo coronavírus fechou as fronteiras, Paula, sem outra opção, resolveu enfrentar a maratona de pesquisas nos sites de luxo – e aprovou. “Consegui descontos que nunca tinha visto no mercado de luxo. E ainda ganhei um monte de brindes junto com as compras”, relata, feliz da vida.

Animada com o potencial deste mercado, a L’Oréal Brasil, responsável por perfumes e maquiagem de marcas como Yves Saint Laurent e Giorgio Armani, investiu nas vendas on-line e viu aumentar em 30% o número de consumidores cadastrados. Em volume, o acumulado até outubro de 2020 já ultrapassava os números de 2019, apesar dos três meses de lojas físicas fechadas. “Para atrair a clientela, oferecemos vantagens como atendimento em português e um pós-compra descomplicado”, diz Roberta Sant’Anna, diretora da divisão de luxo da empresa. Além de vendas em seu próprio site, a L’Oréal também faz uso dos chamados marketplaces – sites em que vários lojistas vendem seus produtos e o cliente paga tudo junto, em um único carrinho. Dessa forma, é possível encontrar na Americanas. com, por exemplo, perfumes da Prada, óculos de Dior e Dolce & Gabbana e, no caso da americana Ralph Lauren, até algumas peças de vestuário. “Parte da atração dessas marcas está no fato de serem inalcançáveis para a maioria. Mas, quando a aura de exclusividade resulta em vendas raquíticas, as empresas não sobrevivem”, explica André Cauduro D’Angelo, autor do livro Precisar, Não Precisa: um Olhar sobre o Consumo de Luxo no Brasil.

Shopping centers conhecidos pela quantidade de grifes luxuosas em seus corredores, como o Iguatemi e o Cidade Jardim, em São Paulo, também se abriram com alarde ao comércio via internet, possibilitando a compra on­line de vestidos, bolsas e calçados de marcas inacessíveis ao comum mortal, como Missoni, Christian Louboutin e Gucci. Do lado da clientela, aqueles que se aventuraram no luxo on-line perceberam que, com o real desvalorizado, comprar no exterior deixou de ser tão bom negócio, mesmo levando em conta os altíssimos impostos locais. “Atualmente, só o que compensa nas viagens para consumir é a experiência da recepção, da hospitalidade”, afirma Catarina Sampaio, que trabalha com hotelaria e pesquisa este mercado. “Somando todos os fatores que impactam o preço final, é provável que, mesmo depois da crise, parte desse consumo continue no Brasil”, concorda Carlos Ferreirinha, presidente da consultoria MCF. Sem falar na maior de todas as vantagens de comprar artigos de luxo no país, só agora descoberta por muitas turistas do consumo: o inefável prazer de parcelar. A estudante Pietra Lins, 22anos, de Niterói, virou entusiasta do recurso tipicamente brasileiro: “A economia de comprar fora era absurda, mas agora já não vale tanto a pena e ainda perco a opção de pagar em várias vezes”. Como se vê, a pandemia, que mudou tudo no planeta, está deixando sua marca no até então inabalável mundo das marcas caríssimas.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 19 DE FEVEREIRO

JUSTIÇA, O CAMINHO DA VIDA

Tão certo como a justiça conduz para a vida, assim o que segue o mal, para a sua morte o faz (Provérbios 11.19).

A prática da justiça é um caminho seguro. Mesmo que os homens não a reconheçam ou até mesmo nos persigam por causa dela, somos bem-aventurados. A justiça conduz para a vida. Aqueles, porém, que seguem o mal armam ciladas para seus próprios pés. Aqueles que andam pelos caminhos escorregadios da maldade transtornam a vida dos outros e abreviam seus próprios dias. Se a justiça é o caminho da vida, a maldade é a autopista da morte. A justiça é um caminho estreito, e poucos se acertam com ele; a maldade, porém, é uma avenida larga e espaçosa, e uma multidão se aglomera nessa maratona cuja reta de chegada é a morte. A justiça, mesmo cruzando vales escuros, subindo ladeiras íngremes e atravessando pinguelas estreitas sobre pântanos lodacentos, tem seu destino final na glória eterna. A justiça não ficará sem recompensa. A justiça conduz à vida, pois os justos são todos aqueles que foram justificados por Cristo e receberam dele a vida eterna. A maldade tem sua paga e seu salário. Também receberá sua justa recompensa. A Palavra de Deus é categórica: O que segue o mal, para a sua morte o faz (Provérbios 11.19). Siga o caminho da vida; fuja do caminho da morte!

ESTÃO E CARREIRA

AS PESSOAS NO CENTRO DO ROI

A abordagem humanizada do retorno sobre os investimentos se concentra em capacitar e energizar a força de trabalho para o presente e o futuro, com menos gastos em demissões

A forma de fazer negócios e a dinâmica corporativa vêm se alterando drasticamente por causa da pandemia. Os motivos vão desde a instabilidade da economia até a adaptação do modelo de trabalho para o home office, além da urgência em acelerar a transformação digital. Nesse sentido, o olhar atento às necessidades e aos anseios dos funcionários se tornou ainda mais relevante. São as pessoas – e como a companhia investe nelas e as desenvolve – que determinam se os negócios prosperam ou não. Isso exige um novo entendimento do retorno sobre os investimentos, o famoso ROI. Agora é preciso pensá-lo sob o ponto de vista das pessoas.

Essa abordagem se concentra em capacitar e reenergizar a força de trabalho para preencher funções atuais e futuras, com menos demissões, como explica Alexandre Marins, diretor de desenvolvimento de talentos da consultoria LHH. Isso significa abandonar estratégias de gestão de talentos reativas e caras, que se apoiam em uma abordagem de “demitir e contratar”, e adotar ações de capacitação de talentos que possibilitem passar de uma força de trabalho substituível para uma que seja renovável. “Na prática, quando olhamos para a equação financeira, vemos o retorno indireto de investir no capital humano”, diz Alexandre.

MELHOR PARA OS NEGÓCIOS

Segundo o estudo Future-Proofing the Workforce, do Adecco Group e do The Boston Consulting Group, as empresas que decidem requalificar e realocar em vez de demitir e contratar podem economizar até 136.000 dólares por funcionário. Isso porque investir em pessoas significa para as companhias evitar vários custos visíveis e invisíveis, como verba rescisória ou auxílio para transição ao funcionário que está deixando a empresa, gastos com recrutamento, perda de produtividade durante a contratação e a integração, e danos à marca empregadora caso a demissão seja malfeita, por exemplo.

Sem falar nos aspectos culturais do ROI que não é voltado para as pessoas. De acordo com Rafael Souto, presidente da Produtive, consultoria de planejamento e transição de carreira, ao olhar o desempenho do funcionário, é preciso mensurar “como ele entregou o resultado”, o que está muito alinhado aos valores da empresa, e não apenas “o que ele entregou”.

A postura de não investir no pessoal e optar sempre pela troca não possibilita que a companhia mantenha sua essência na realização das atividades, que envolve a maneira como cada profissional atua para chegar à meta. “Valores, competências e atitudes se sustentam mantendo um time mais coeso por mais tempo”, diz Rafael. Esse tipo de olhar requer uma ação estratégica que seja capaz de antecipar as necessidades de perfis e de competências que a organização terá no futuro. ”A área de recursos humanos não pode ser reativa, deve antever as demandas do negócio – esse é o maior desafio”, afirma Alexandre. Segundo ele, os líderes de RH precisam equilibrar a velocidade da execução do dia a dia, que é acelerada, e a transformação para o que está por vir.

HABILIDADE COM NÚMEROS

Apesar de o investimento em pessoas ser subjetivo, alguns indicadores podem ajudar nessa conta. Um deles é projetar quanto a empresa gastaria com desligamentos e reposições (valor total dos custos financeiros e de tempo dividido pela soma dos riscos envolvidos), versus o investimento em pessoas de forma planejada e antecipada. “É preciso fazer uma reflexão que permita que a maior parte dos recursos internos seja recapacitada e reaproveitada”, explica Alexandre.

O trabalho começa com a conscientização do RH sobre o tema e um mapeamento estratégico das tendências e características do negócio, do formato de trabalho e do perfil das pessoas. Segundo Rafael, o que geralmente acontece é que o RH, apesar de ter a mentalidade pró-desenvolvimento, carece de habilidades analíticas para interpretar informações de people analytics, por exemplo. “É preciso mostrar com mais dados quanto o investimento pode, de fato, ser mais impactante do que uma demissão”, afirma o CEO da Produtive. Ele sugere escolher índices para mensurar cada treinamento, o que tornaria o cálculo mais tangível. Uma capacitação em inovação e disrupção, por exemplo, pode usar indicativos de quantos produtos que estavam para ser lançados conseguiram sair do papel. “É possível olhar, ainda, dados da performance do indivíduo antes e depois do treinamento, o nível de engajamento e a média de turnover voluntário”, explica Rafael.

A CONTA FECHA

Analisar a retenção e a movimentação interna também ajuda no cálculo do novo ROI. A Atos, empresa que atua com serviços de tecnologia, tem metas globais para que suas vagas sejam preenchidas internamente e, no Brasil, o índice chega a 80%.

“Olhamos sempre para o grupo de pessoas que temos hoje, o que está acontecendo na tecnologia e no mercado, e quanto vamos precisar de mais pessoas preparadas”, diz Alexandre Benatti, diretor de recursos humanos da Atos para a América do Sul. Para isso, a companhia usa os conceitos de reskilling (capacitação do funcionário para que ele consiga fazer uma mudança de rota na carreira e se adaptar melhor ao mercado e às oportunidades abertas) e upskilling (capacitação que reforça e complementa o conhecimento do profissional na área em que ele já atua).

Segundo o executivo, essas capacitações são feitas por meio de academias internas de desenvolvimento, com cursos, palestras e materiais de diferentes áreas. “Isso traz velocidade à adaptação aos novos desafios e se traduz em números.” Alexandre explica, que um dos indicadores é o custo do desenvolvimento que a empresa teria com um novo funcionário. “Mesmo que tenha bons conhecimentos e entenda das demandas técnicas, ele vai entrar num ambiente novo e precisará de um tempo para se adaptar e entregar tudo o que pode. Vale muito mais investir no desenvolvimento do que arriscar em contratações desconhecidas”, diz.

A coordenação desses processos é possível por uma ação conjunta entre as áreas de operação e a equipe de recursos humanos da Atos, que está dedicada a identificar pessoas que possam se encaixar em novas oportunidades. “O RH é um facilitador. Temos buscado protagonismo para criar as pontes entre as diversas oportunidades e as pessoas”, afirma Alexandre.

SATISFAÇÃO QUE VIRA RESULTADO

Para que o cálculo do desenvolvimento das pessoas dê certo, o melhor é unir indicadores quantitativos e qualitativos, como crescimento da empresa, custos com demissão, análise de engajamento e taxa de absentismo. Na EDP, o retorno sobre os investimentos em pessoas se traduz em pilares como a alta taxa de engajamento na pesquisa de clima, que alcançou 86% em 2019 – o maior número elo grupo -, e o crescimento da empresa, que de 2014 para cá triplicou e alcançou 1,3 bilhão de reais de lucro líquido. “Para isso, olhamos para o colaborador de forma ampla, em todas as dimensões: emocional, física, social, espiritual, cultural e financeira”, explica Fernanda Pires, diretora de RH da EDP.

Do ponto de vista da educação, a empresa, que possui. uma universidade corporativa, investiu em 2019 na multiplicação interna com o intuito de capacitar pessoas para promoverem conhecimento especialmente sobre as demandas futuras. Um exemplo é o programa IMentors, que envolve treinamentos em design thinking e metodologias ágeis para, que funcionários se atualizem e atuem como multiplicadores. E, para medir a efetividade dessas capacitações, Fernanda conta que há sempre pesquisas pós-treinamento. Além disso, na pesquisa de clima, há perguntas voltadas apenas para esse tema. A executiva diz que, no último ano, a EDP cresceu dez pontos percentuais nas questões ligadas a iniciativas que impactam no desenvolvimento pessoal. “Esse é um termômetro para nós”, afirma Fernanda.

Mas esse novo ROI só será bem-sucedido, comenta Anderson Sant’Anna, professor na Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), se houver interesse genuíno nas pessoas. “É preciso pensar o ROI de uma maneira mais humana, olhando o bem-estar, a saúde e a satisfação do funcionário”, diz o professor. E não há crise que consiga esconder essa necessidade.

PASSOS IMPORTANTES

O retorno sobre os investimentos do ponto de vista das pessoas envolve pensar em três disciplinas de RH distintas – contratação, aprendizagem e reestruturação -, com base em análises da força de trabalho. Para isso, é preciso abordar seis estágios:

1. VISUALIZAÇÃO

Considere não apenas o desenho organizacional, mas também as necessidades futuras de habilidades. Para isso, pense na seguinte questão: para executar os planos e estratégias de negócios, de que tipos de pessoas você precisa e onde irá encontrá-las?

2. AVALIAÇÃO

Antes de olhar para fora da organização, preste atenção no ambiente interno. Isso envolve a avaliação das habilidades e da adaptabilidade dos funcionários atuais. Você precisa saber quem está apto para o futuro e quem está muito fora da rota para contribuir com os planos da empresa.

3. COMPROMETIMENTO

O apoio dos líderes e dos funcionários é essencial para a mudança ser bem-sucedida. É fundamental que todos saibam dos detalhes da estratégia de preparação da empresa para o futuro. Dessa forma, você conquista a confiança do time. A palavra de ordem aqui é transparência.

4. EXECUÇÃO

Assegure que a comunicação sobre a capacitação e a requalificação o seja transparente e que todos tenham acesso a ela – independentemente do cargo e da área. É importante promover uma cultura interna em que os funcionários possam se candidatar e treinar para diferentes funções em diversas áreas da empresa.

5. REVISÃO

Nenhuma organização vai acertar na primeira tentativa. Será necessário revisar e analisar todos os aspectos do processo. Estar preparado para melhorar o trabalho da movimentação interna, por exemplo, com ações de qualificação, é essencial. Uma revisão das políticas e práticas existentes ajuda a encontrar lacunas que precisam ser reparadas.

6. VISUALIZAÇÃO

Considere não apenas o desenho organizacional, mas também as necessidades futuras de habilidades. Para isso, pense na seguinte questão: para executar os planos e estratégias de negócios, de que tipos de pessoas você precisa e onde irá encontrá-las?

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

O CÉREBRO NAS RELAÇÕES REMOTAS

Os hábitos impostos pelo trabalho à distância afetam o modo como a mente funciona. Descubra três passos para manter o bem-estar

A migração para o home office gerou mudanças intensas na rotina de muita gente. Passado o choque inicial e apesar das dificuldades de adaptação relatadas em diversos segmentos, tudo indica que a mudança veio para ficar – pelo menos até que se tenha acesso a uma vacina para a covid-19 ou à medida que fique provado que é possível manter os negócios girando com pessoas à distância.

”Trabalho remoto não é novidade, e é fato que, para uma porção de setores e funções, não há mesmo necessidade de estar fisicamente na empresa para se relacionar e produzir bons resultados. O problema é o modo como estamos fazendo home office na pandemia. Por exemplo, em um estudo da Oracle em parceria com a empresa de consultoria e pesquisa de RH Workplace Intelligence, 42% dos respondentes disseram que, em casa, estão trabalhando até 40 horas a mais por mês (uma média de duas horas extras por dia) do que quando iam para o escritório. Não é só por isso que os profissionais estão tão estressados – 44% se dizem mais esgotados do que na pré-pandemia, segundo uma pesquisa da Microsoft detalhada mais adiante. É verdade que, de toda a sobrecarga emocional que as pessoas estão recebendo neste momento, não é possível separar com exatidão o que se deve à dinâmica do trabalho e o que vem de fatores ligados à covid-19, como o medo de ficar doente e a perda de entes queridos.

Mas aspectos relacionados às atividades em home office, como a falta de interações presenciais e o excesso de reuniões por vídeo, certamente se somam para demandar esforços de adaptação do cérebro a uma nova rotina e novas formas de realizar as tarefas, afetando também o corpo, o comportamento e o nível de entrega ao trabalho.

Em situações de estresse, o hipotálamo, no cérebro, aciona a liberação dos hormônios adrenalina e cortisol, que colocam o corpo em situação de “luta ou fuga”, provocando uma série de reações físicas (aumento da pressão arterial, da frequência cardíaca e do ritmo da respiração) e cognitivas (distração, “brancos” e dificuldade de raciocínio podem surgir como reação no hipocampo, área associada à memória). Quando esse estado se torna crônico, prejudica a resistência do organismo contra inflamações e aumenta o risco de doenças físicas (como de pele e cardiovasculares) e emocionais (por exemplo, depressão e transtornos alimentares).

VELHO NORMAL?

O excesso de vigilância por parte dos chefes tem sido uma insatisfação comum no expediente remoto e se dá de várias formas: obrigando todos a manter a câmera ligada nas conferências, marcando sucessivas reuniões por dia e até instalando dispositivos que monitoram a atividade do usuário no computador. Uma atitude que deveria ficar no “velho normal”, segundo os especialistas.

“Demonstra uma ilusão de controle sobre o subordinado, como se a presença física garantisse entrega de resultado. O trabalho remoto pede uma mudança de mentalidade, baseada na confiança, na autonomia, na autorresponsabilidade e na capacidade de autogestão”, diz Thaís Garneiro, neurocientista e sócia da consultoria Nêmesis Neurociência Organizacional.

Diante da possibilidade de o home office se tornar permanente em muitas organizações, o psicólogo Daniel Abs, professor na área de gestão de pessoas e relações de trabalho da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, chama a atenção para a urgência de repensar práticas e processos organizacionais a fim de impedir que seja dado um passo atrás na atenção à saúde mental.

“O cuidado precisa ser elemento central das estratégias de gestão. Os chefes não podem esquecer que, mais do que nunca, é difícil separar vida pessoal e profissional; a pessoa é uma só dentro e fora do trabalho. Estar atento ao relacionamento com a equipe e agir para facilitar a rotina de trabalho em casa devem ser medidas básicas de cuidado”, diz Daniel.

A seguir, mostramos por onde a sua empresa deve começar.

1. VIDEOCONFERÊNCIAS: MENOS É MAIS

Uma das principais reclamações de quem está trabalhando em casa é o excesso de reuniões por vídeo, muitas vezes sem necessidade e quando o assunto em questão poderia muito bem ser resolvido em um telefonema ou uma troca de e-mails.

Um estudo realizado entre abril e maio deste ano pela Microsoft com mais de 2.000 profissionais em regime de trabalho remoto em seis países comprovou o que já no início da pandemia ficou popular como “fadiga do Zoom”: o cansaço mental causado pelo tempo excessivo em reuniões por videochamada. A pesquisa utilizou um equipamento para monitorar a atividade cerebral de voluntários trabalhando e descobriu que o padrão de ondas cerebrais associadas a estresse e ansiedade foi mais alto durante videoconferências do que em tarefas sem essa interação, como escrever e-mails ou realizar outras atividades individualmente. Tem mais: ainda de acordo com a pesquisa, a capacidade de atenção diante da tela atinge um pico por volta de 30 a 40 minutos após o início da reunião, caindo bruscamente em seguida.

“Nas conversas virtuais em que só dá para ver o rosto da pessoa o cérebro precisa gastar mais energia na busca de sinais não verbais essenciais para estabelecer a comunicação, mas que são sutis online, como a linguagem corporal e o contato visual. Daí a sensação de fadiga mental”, diz a neuropsicóloga Adriana Fóz, mestre em ciências pelo Departamento de Psiquiatria da Unifesp. Para piorar, reuniões e conversas mediadas pela tecnologia não têm a fluidez das presenciais – as ferramentas podem travar, o feedback não é imediato, o diálogo pode sair truncado e exigir que as mesmas informações sejam repetidas várias vezes, pedindo esforço extra do cérebro. “Pense nas funções cognitivas como os músculos do corpo: se você os exercita demais, eles entram em fadiga e o desempenho cai. Com a atenção é a mesma coisa”, diz Fabio Porto, neurologista comportamental do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.

COMO RESOLVER

LIMITE A DURAÇÃO DAS REUNIÕES.

O máximo de 50 minutos é uma boa referência, e cuide para que haja objetividade. “Quanto mais denso for o tema da sessão, mais esforço cognitivo vai demandar dos participantes e, portanto, mais breve deve ser para que todos se mantenham focados”, sugere a neurocientista e professora Carla Tieppo, do Instituto Conectomus. Também é importante ser consciente ao agendar os encontros, respeitando a pausa para almoço e não marcando várias reuniões na sequência.

APOSTE NO PLANEJAMENTO DETALHADO DAS ENTREGAS

Assim não será necessário realizar calls diárias para alinhamento de ideias ou feedback – algumas empresas já adotam um ou mais dias por semana sem reuniões. Essa estratégia também permite que os funcionários se organizem para conseguir se dedicar a tarefas que demandem foco e atenção.

DIVERSIFIQUE AS FERRAMENTAS

Não é necessário usar vídeo para tudo. Muitas resoluções podem ser firmadas por telefone, e-mail, mensagem de texto ou áudio. Aplicativos de gerenciamento de projetos, como Trello e Slack, ajudam a manter a equipe conectada poupando videoconferências.

2. EQUIPE: A NOVA APROXIMAÇÃO

A conversa informal no café, a troca de ideias com o colega ao lado, a discussão pós-reunião que continua na hora do almoço, a radiopeão… Tudo isso deixou de existir para quem está em home office, para prejuízo dos negócios e do bem-estar dos empregados. Afinal, a convivência social engaja áreas do cérebro responsáveis pela linguagem e pela comunicação, e estimula emoções e competências como resolução de conflitos e tomadas de decisão. “As interações espontâneas são oportunidades de troca, formação de novos vínculos e colaboração. Sem elas, perde-se espaço para criatividade e inovação”, diz a neurocientista Thaís.

De acordo com a pesquisa já citada da Microsoft, a desconexão com o time foi considerada o segundo fator mais estressante do trabalho remoto – atrás apenas do medo de contrair a covid-19, no caso dos brasileiros entrevistados. Faz sentido. A privação de contato social altera os níveis de serotonina e dopamina no organismo, substâncias que entregam sensação de bem-estar e motivação.

Há, ainda, os obstáculos que podem impedir uma boa comunicação quando ela se dá exclusivamente via ferramentas digitais – pense em mal-entendidos, mensagens truncadas e potenciais conflitos em conversas por mensagem de texto, por exemplo -, fazendo o cérebro se esforçar mais para compreender e até refazer tarefas.

COMO RESOLVER

AVALIE A POSSIBILIDADE DE UM REGIME HÍBRIDO DE TRABALHO

Quando a volta for possível, desenhe um esquema que intercale o isolamento do home office com alguns dias no escritório físico e na companhia de colegas.

ESTIMULE ATIVIDADES EM EQUIPE

Elas ajudam a aprofundar as relações, reforçar o trabalho de time e aumentar o engajamento. Momentos de descontração à distância, como happy hours, festas, jogos e competições virtuais, podem ser encorajados.

PRESTE ATENÇÃO EM FUNCIONÁRIOS QUE VIVEM SOZINHOS

Essas pessoas e as que exercem funções que não envolviam muita comunicação podem se sentir mais isoladas no home office. Por isso, a troca com os gestores deve ser direta e frequente.

3. PAUSAS: NAO PODEM FALTAR

No escritório físico, os momentos informais de socialização também representam pausas necessárias para que o cérebro se autorregule entre tarefas e reuniões e continue funcionando com eficiência. São fundamentais, por exemplo, para normalizar a dinâmica do neurotransmissor acetilcolina, que a tua no hipocampo, nos processos de atenção e memória, e também no córtex cerebral, responsável por funções como reflexão e resolução de problemas. Muitos trabalhadores, no entanto, relatam que vêm emendando urna reunião virtual na outra, quando não entram em duas salas ao mesmo tempo e fazem o que podem para ninguém perceber. Quando veem, estão há horas diante da tela, sem levantar nem para beber água ou ir ao banheiro. Além de perderem capacidade de concentração, no final do dia sentem-se exaustos. “É mais fácil passar dez horas seguidas trabalhando no escritório porque o ambiente induz a fazer paradas frequentes. Em casa, é impossível se manter concentrado na tela por tantas horas seguidas”, afirma Thaís, da consultoria Nêmesis Neurociência Organizacional.

COMO RESOLVER

ADOTE E ESTIMULE UMA AGENDA DE REUNIÕES CONSCIENTE

Esse calendário deve respeitar horários de início e fim das sessões, prevendo intervalos de pelo menos meia hora entre os encontros e obedecendo momentos críticos, como almoço e, se for o caso, jantar.

INCENTIVE A ORGANIZAÇÃO DE UMA ROTINA EQUILIBRADA

Isso significa a possibilidade de conciliar o trabalho com atividades prazerosas e sem relação com o emprego, como movimentar o corpo. Exercícios físicos liberam endorfinas e outras substâncias que aliviam o estresse e contribuem para a eficiência cerebral.

EU ACHO …

A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO VOLUNTÁRIO

A covid-19 aflorou na sociedade do Brasil e do mundo o nobre sentimento de solidariedade. Diante de uma crise sem precedentes que escancarou nossa desigualdade social, assistimos a grandes mobilizações de pessoas e empresas em prol de ajudar o próximo e tentar minimizar os efeitos da pandemia. Cidadãos arriscaram a própria saúde para levar equipamentos de proteção, alimentos, produtos de higiene e atendimento médico a idosos, moradores de rua e comunidades carentes. Olhando sob a óptica do comportamento humano, todo esse movimento me fez pensar em quanto o voluntariado é uma forma de desenvolvimento da inteligência emocional e de exercício da cidadania. Eu me lembro como se fosse ontem do meu primeiro trabalho voluntário, aos 17 anos, no Hospital A.C. Camargo. Fui levada pelo meu pai que, quando foi tratado naquele hospital, descobriu que lá havia um programa do tipo. Na época, o hospital oferecia um curso de voluntariado no qual tínhamos aulas com médicas especialistas que nos mostravam como o câncer atuava em cada especialidade. Eles nos davam consciência não só da doença, mas do sofrimento psicológico dos pacientes.

Eu passava no A.C. Camargo boa parte do meu tempo livre. Participei muito dos encontros quase diários que dona Carmem Prudente, grande voluntária do combate ao câncer, fazia com as crianças que estavam em tratamento, para quem ela contava histórias. Foi naquele período que consegui, pela primeira vez, organizar meus sentimentos e entender a importância de apoiar o outro em situações de extrema criticidade. Entendi a essência do trabalho voluntário: ajudar o próximo e contribuir para a melhoria da sociedade sem esperar nada em troca.

Ao transformar a vida de uma comunidade, lidamos com problemas reais. Enfrentamos barreiras, dificuldades e aprendemos a transformar indignação em ação. Vivenciamos na prática o que é diversidade, exercitamos empatia, entendemos o real conceito de responsabilidade social.

Além de tornar a sociedade mais justa, o trabalho voluntário nos toma melhores seres humanos e, também, melhores profissionais. Não é a toa que universidades americanas dão um enorme valor às atividades voluntárias de seus estudantes. Esse tipo de trabalho aumenta o grau de socialização, melhora as competências para o trabalho em equipe, amplia a troca de experiências, estimula a criatividade, aumenta a autoestima e a satisfação pessoal e contribui para que os indivíduos lidem melhor com desafios.

Por mais que nosso tempo livre seja escasso, é importante pararmos para avaliar quais são as atividades que estão merecendo parte dessa nossa preciosa agenda. Será mesmo que não há como trocar as horas gastas nas redes sociais pela dedicação a um projeto social?

Mas o voluntariado deve ser uma atitude genuína. Não somos superiores quando ajudamos alguém menos favorecido. Não devemos usar a causa para uma autopromoção disfarçada de generosidade. Não teremos o poder de salvar o mundo com nossas atitudes. Mas podemos, com muita humildade, fazer nossa parte, ouvir e evoluir como seres humanos. A condição de vulnerabilidade não está apenas no outro – e não podemos nos esquecer disso.

*** VICKY BLOCH

OUTROS OLHARES

O BAILE DAS MÁSCARAS

Uma nova peça aparece no adereço-símbolo da pandemia: correntes que o deixam no pescoço. Quando retiradas, elas evitam o contato do acessório com superfícies

Um fato é inescapável: as máscaras de proteção contra o novo coronavírus permanecerão indispensáveis ainda por bom tempo, mesmo com a chegada das vacinas. Como a invenção é mãe da necessidade, o mercado soube se adaptar à realidade, com lançamentos de modelos cada vez mais funcionais. As mais recentes gerações são anatômicas com tecido antiviral. E por que não poderiam ser também bonitas? Podem – várias, aliás, possuem um design elegante. Agora começa a ganhar espaço uma nova tendência: as máscaras acopladas a correntes ou cordinhas que ficam presas ao elástico, atrás das orelhas. Pode parecer fútil (e alguns modelos são mesmo), mas o item em si tem um papel essencial: evitar a perda e o contato com superfícies, ao permitir que a máscara se mantenha presa ao corpo.

Não pelas questões sanitárias, claro, as grifes de luxo se movimentaram e criaram versões com materiais diversos. Há correntes de metal, tecido, acrílico, plástico, miçanga, prata, ouro e pérolas. Algumas chegam a custar o equivalente a exagerados 960 reais. São mais leves que os colares convencionais e têm ganchinhos nas pontas, semelhantes aos adereços usados em óculos. Celebridades como a cantora Jennifer Lopez e as atrizes Elle Fanning e Sarah Jessica Parker já aparecem em público com elas. Diz a consultora de design estratégico Valeska Nakad, coordenadora do curso de design de moda do Centro Universitário Belas Artes, em São Paulo: “É uma forma prática de se adornar, pois une a estética ao funcional”. Os médicos, porém, alertam que é preciso estar sempre atento à higiene. “Para não ser um veículo de transmissão do vírus, o penduricalho tem de ser higienizado com álcool em gel constantemente”, diz o epidemiologista Bruno Scarpellini, da PUC Rio. Uma importante mensagem. Afinal de contas, a beleza é louvável, mas a saúde vem em primeiro lugar.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 18 DE FEVEREIRO

PERVERSIDADE, UM SALÁRIO ILUSÓRIO

O perverso recebe um salário ilusório, mas o que semeia justiça terá recompensa verdadeira (Provérbios 11.18).

O dinheiro granjeado com desonestidade é como um salário ilusório. Do mesmo modo que chega fácil, vai embora rápido. A ânsia pela riqueza transforma muitas pessoas em verdadeiros monstros. Temos visto filhos que matam seus pais para tomar posse antecipada da herança. Temos visto cônjuges que tramam a morte de seu consorte para açambarcar seus tesouros. Temos visto políticos desonestos que roubam o erário para abastecer suas contas polpudas nos paraísos fiscais. Temos visto empresários bandidos que compram a peso de ouro licitações públicas e se mancomunam com órgãos públicos para enriquecer ilicitamente. Esses expedientes, entretanto, não são seguros. De vez em quando a luz da verdade chega a esses porões imundos e traz à tona toda a podridão da corrupção, deixando envergonhados seus protagonistas de colarinho branco. O sábio é enfático: o perverso recebe um salário ilusório. O que semeia a justiça, mesmo privado das benesses da riqueza terrena, tem uma recompensa verdadeira. Há coisas mais importantes do que o dinheiro, como o bom nome, a paz de espírito, uma família harmoniosa e a comunhão com Deus. Não ajunte os tesouros da impiedade; ajunte tesouros lá no céu!

GESTÃO E CARREIRA

SINAL DOS TEMPOS

O líder de trabalho remoto deve se tornar uma função importante para as empresas nos próximos anos. Saiba quais são as atribuições e os desafios desse profissional

Em setembro de 2020, o Facebook publicou em sua página global de carreiras uma vaga inédita até então: diretor (ou diretora) de trabalho remoto. Segundo a descrição, esse profissional seria “um pensador estratégico que entende de times virtuais e distribuídos; um excepcional formador de relacionamentos e um agente de mudanças”. A vaga vem em linha com o anúncio de Mark Zuckerberg, que espera que, nos próximos dez anos, pelo menos metade dos funcionários do Facebook passe a trabalhar de forma remota.

Mas não foi a rede social que criou a função. Na verdade, ela já existe desde 2011, quando a GitLab, empresa de softwares americana, contratou um líder de trabalho remoto responsável por articular as necessidades e os ajustes demandados pelas equipes em home office, desde questões tecnológicas até quais são as cidades e regiões com melhor estrutura para o teletrabalho.

Com a pandemia acelerando a adoção das atividades à distância, a tendência é que mais empresas abram posições como essa. Um exemplo é a Quora, rede social de perguntas e respostas. Depois de ver que a maior parte de seus 200 empregados queria ter a chance de trabalhar de casa, a companhia criou uma vaga de líder de trabalho remoto. Sua missão: ajudar a criar um modelo de “trabalho dinâmico”.

ANTECIPANDO O FUTURO

Mesmo que muitas empresas tenham conseguido, de uma forma ou de outra, se adaptar ao home office durante a pandemia, o desafio é pensar a transformação no longo prazo. “Fizemos cerca de 60 conversas com multinacionais no Brasil em vários setores, e praticamente todas estão pensando no modelo híbrido de trabalho”, diz Marcelo Godinho, sócio líder em gestão de pessoas da consultoria EY, se referindo à ideia de operar presencialmente e à distância de forma integrada.

“Trabalho remoto não é mandar todo mundo para casa, é dar aos funcionários a oportunidade de gerenciar a vida e o trabalho de forma melhor”, diz De’Onn Griffinn, diretora sênior de pesquisas do Gartner, consultoria global.

Para ela, o novo estilo deve ser encarado como uma prática de flexibilização. E essa é uma demanda dos funcionários. Em uma pesquisa do próprio Gartner, 48% dos profissionais que atuaram em home office na pandemia não querem retornar ao escritório em tempo integral. O novo cargo viria para orquestrar essas mudanças e entender, exatamente, como cada empresa deve criar a própria versão das atividades à distância. “Com uma força de trabalho distribuída, na qual as pessoas se deslocam com facilidade, pode ser importante ter alguém prestando atenção a essas dinâmicas em tempo real”, diz De’Onn.

A transformação vem, inclusive, para permitir que os profissionais morem em cidades menores, desocupando os grandes centros urbanos. Isso é o que defende o professor da Harvard Business School Prithwiraj Choudhury, que estuda o workfrom anywhere (“trabalho de qualquer lugar”) nos Estados Unidos. Nesse sentido, o líder de trabalho remoto teria um papel fundamental para gerenciar o bem-estar de quem está longe, assim como sua integração com o resto da empresa. “Eles não podem se sentir cidadãos de segunda classe nem ficar de fora de discussões da companhia ou de redes de informação”, diz Prithwiraj. Por isso, os processos organizacionais precisam ser repensados para incluir pessoas de qualquer localidade, não importa a área ou o nível.

Não é a primeira vez que um cargo é criado para ajudar na adoção de uma nova ferramenta ou de uma nova cultura. “Quase sempre, quando há uma nova tecnologia, coloca-se alguém dedicado a ela no começo”, afirma Antônio Salvador, líder de negócios de career na consultoria Mercer Brasil. “Mas a tendência é que as empresas desenhem a experiência do colaborador de forma integrada, não importa se ele é remoto ou não.”

ATUAÇÃO POLIVALENTE

O novo cargo deve envolver uma série de competências. ”Para entender as possibilidades da organização, é preciso combinar tanto o lado operacional quanto o cultural”, diz De’Onn, do Gartner. De um lado, ela diz, esse profissional precisa entender qual é a tecnologia disponível e ajudar a empresa a buscá-la e implementá-la. De outro, deve engajar as equipes nessa mudança. “Precisamos garantir que mesmo a mais simples reunião seja inclusiva e que todos se sintam ouvidos”, orienta a consultora.

Marcelo Godinho, da EY, explica que o líder de trabalho remoto deverá orquestrar ao menos quatro áreas funcionais na empresa. Afinal, a transformação para o modelo híbrido envolve setores distintos, como RH, facilities, jurídico e TI (veja o quadro Missão multidisciplinar, no tópico abaixo). Para ele, não será crucial criar urna nova diretoria dedicada à área; é possível absorver a demanda dentro do departamento de gestão de pessoas. ”As empresas estão num momento de segurar custos, por isso talvez seja mais razoável pensar em ter um profissional do RH dedicado a essas questões.”

Ainda assim, essa pessoa deve ser capaz de manter o ponto de contato entre todas as áreas e liderá-las no movimento. Outra proposta em vez de criar um cargo, é criar uma equipe multidisciplinar, como sugere Amélia Caetano, especialista em gestão remota do Instituto de Trabalho Portátil. “Seria interessante um modelo de squad dedicado, com um líder bom em gestão de projetos, que possa olhar a organização de forma sistêmica”, diz.

Qualquer que seja o formato escolhido, ter proximidade com tecnologias será essencial para a função. “O digital vai perpassar todos os processos da companhia”, diz Antônio Salvador, da Mercer. Mas a forma como isso será feito deve ser única para cada negócio e cultura.” Desenvolver esse conhecimento interno é importante para gerenciar e encontrar o que mais se adequa ao negócio. Isso não deve ficar fora da empresa, de forma terceirizada”, afirma o executivo.

Urna das principais funções desse profissional, para Prithwiraj, da Harvard, será organizar e formalizar as regras intrínsecas e o conhecimento existente na companhia. Isso é especialmente importante por que, com as pessoas espalhadas em diversas localidades, não será possível que um novo empregado pergunte ao colega no cafezinho como as coisas funcionam, nem que aprenda pela observação. “A primeira coisa que o líder de trabalho remoto deve fazer, além da política de home office, é reunir e documentar esse conhecimento”, diz o professor.

Esse manual deve ser de fácil acesso e não pode depender de interações ao vivo para ser assimilado por quem está chegando.

ESCUTA ATIVA

Um dos principais desafios, seja no ambiente remoto, seja no presencial, é um velho conhecido: alinhar as expectativas dos profissionais com as da empresa. Uma pesquisa da EY sobre o retorno ao trabalho depois da pandemia com 3.682 funcionários mostra uma disparidade entre a percepção das pessoas e a da liderança: 90% das empresas entendem que estão priorizando a geração de valor para os funcionários nas tomadas de decisão – percepção compartilhada por apenas 69% dos empregados. “É fundamental que esse líder execute um processo de escuta ativa de todos para endereçar as necessidades, conjugando as demais áreas”, diz Marcelo, da EY. Numa cultura como a brasileira, que exige interação e encontros, o raciocínio faz todo o sentido. “Talvez seja o caso de pensar no escritório como o lugar do coletivo, onde as pessoas podem se reunir”, diz o consultor. Importante lembrar: os gestores também precisam de cuidados e de acolhimento. “As lideranças estão sofrendo mais porque é difícil fazer a transição da gestão presencial para a virtual”, diz Antônio, da Mercer. “A maior parte do trabalho do líder é conversar, coordenar reuniões, fazer apresentações, e o virtual requer um preparo diferente.” Aí é que entra a necessidade de engajar os chefes na transformação do modelo de trabalho. Para Prithwiraj, se CEO e diretores continuarem indo ao escritório todos os dias, dificilmente a mudança será efetiva. “Somente se a alta liderança começar a trabalhar de forma remota é que você conseguirá que toda a organização se motive para o sucesso do modelo.” Na pandemia isso é até fácil. O desafio surgirá de verdade depois que o isolamento social se tornar desnecessário.

MISSÃO MULTIDISCIPLINAR

Para que o líder de trabalho remoto seja bem-sucedido, é necessário ter uma atuação integrada com outras áreas. O professor Prithwiraj Choudhury, da Harvard Business School, explica quais setores são cruciais nesse processo

RH

No modelo híbrido, é preciso repensar a cultura, o aprendizado, o engajamento e as jornadas dos funcionários. Além, é claro, dos benefícios que precisarão ser reformulados e levar em conta as rotinas diversas.

FACILITIES

Os espaços no escritório físico deverão ser reformulados tanto para novos usos (como locais de encontro) quanto para usos mistos (com reuniões envolvendo pessoas remotas). A área também apoia quem está em casa e precisa de estrutura.

TI E SEGURANÇA

O desafio de desenvolver ou escolher as ferramentas certas para diversos tipos de interações corporativas exige, do líder de trabalho remoto, proximidade com a área de TI da empresa, assim como um cuidado redobrado com a privacidade e a segurança de dados corporativos.

JURÍDICO

Acompanhar as novas leis trabalhistas e quais são as possibilidades legais de contratos de trabalho remoto ou híbrido é outra tarefa importante do líder de trabalho remoto.

SAÚDE

Este setor deve ajudar o líder em questões de segurança do trabalho em casa, adequação de espaços de home office e de mobiliários utilizados por trabalhadores remotos.

A TRANFORMAÇÃO JÁ COMEÇOU

Pesquisa da consultoria EY mostra como as companhias estão encarando as mudanças aceleradas pela pandemia

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

RETRATOS DO TRAUMA

Psicoterapias modificam circuitos neurais disfuncionais associados ao stress pós-traumático; pessoas com fobias, transtorno obsessivo-compulsivo e depressão também podem ser beneficiadas

Com relativa frequência pessoas de variadas idades e classes sociais são expostas a eventos violentos que ameaçam sua vida. A maioria de nós passou ou passará por situações dolorosas, de expressivo impacto psicológico, como perdas de entes queridos, acidentes e doenças. O National Comorbity Study estima que cerca de 60% da população enfrenta ao longo da vida pelo menos uma vivência passível de causar trauma psicológico. Contudo, experiências emocionalmente devastadoras podem disparar efeitos variáveis; isto é, a caracterização de um evento como traumático não depende somente do episódio estressor, mas, entre outros fatores, de como o indivíduo percebe e processa essa situação. Tal heterogeneidade vem motivando neurocientistas e profissionais da saúde ao estudo da fisiologia do trauma e dos diferenciais das respostas resilientes – que correspondem à capacidade de atravessar eventos estressores e voltar à qualidade satisfatória de vida.

Atualmente, compreende-se que traumas psicológicos podem causar grande impacto e caracterizar o transtorno de stress pós-traumático (TEPT). Entre seus sintomas estão recordações aflitivas, revivescência do trauma (por meio de lembranças, pesadelos recorrentes e pensamentos intrusivos), esquiva, entorpecimento emocional (isolamento, distanciamento afetivo) e hiperestimulação autonômica (irritabilidade, insônia, hipervigilância). A etiologia é conhecida: o transtorno ocorre sempre após um trauma psicológico. Portanto, existe a possibilidade de prevenção.

Porém, a desinformação e o subdiagnóstico do TEPT podem implicar a proliferação de outras psicopatologias, tendo em vista que esses pacientes apresentam risco aumentado para ocorrência de um segundo transtorno (depressão, abuso de substâncias etc.). Casos de TEPT subclínicos (que não atendem a todos os critérios internacionais para diagnóstico, mas apresentam indícios do transtorno) são diagnosticados como TEPT parcial. Estudos longitudinais sugerem que existe um número considerável de pessoas nessas condições, que também requerem cuidados terapêuticos.

A prevalência do TEPT na população geral é de aproximadamente 9%, enquanto a manifestação parcial do transtorno é calculada em 30 %. Entretanto pesquisadores têm dado atenção limitada a esse grupo sensivelmente maior de pessoas. Interessamo-nos em estudar possíveis impactos da terapia de exposição e reestruturação cognitiva – reconhecida como o tratamento de primeira escolha para indivíduos traumatizados – quanto à atenuação dos sintomas e respectivos correlatos neurais nesse grupo de pessoas que com frequência procura atendimento psicológico.

EXPRESSÃO FRAGMENTADA

Nosso estudo evidencia que a expressão psicopatológica do trauma não é estática e as memórias traumáticas podem se modificar em sua manifestação com o passar do tempo. Retratamos pela neuroimagem os substratos neurais que refletiram essas alterações influenciadas pela reestruturação cognitiva dos pacientes. O estudo esclarece o sentido da relação pré-frontal com a amígdala na atenuação dos sintomas de hiper estimulação por meio de psicoterapia e evidencia que o TEPT parcial pode partilhar similaridades neurais com os mecanismos que atuam na expressão sensorial fragmentada. Integrar traços mnêmicos sensoriais e emocionais do trauma em narrativas terapêuticas estruturadas é um dos desafios principais para as psicoterapias aplicadas às vítimas de traumas.

A terapia e exposição e reestruturação cognitiva pode influenciar o desenvolvimento de um padrão narrativo mais organizado que se sobrepõe aos substratos neurais da memória declarativa, além de melhorar os sintomas de forma geral.

LUZES DAS NEUROCIÊNCIAS

Hoje, as questões a respeito dos efeitos neurobiológicos e a psicoterapia estão entre as mais relevantes das neurociências. Métodos de neuroimagem começam a ser utilizados para avaliar as reciprocidades neurais envolvidas na terapia de indivíduos com fobias, transtornos obsessivo-compulsivo, depressão maior e de stress pós-traumático.  Ainda que poucos estudos tenham sido publicados até agora, os resultados revelam que as abordagens psicoterápicas aplicadas tiveram potencial de modificar os circuitos neurais disfuncionais associados às patologias estudadas. Ao favorecer o equilíbrio psicológico, a psicoterapia influencia o processo de normalização neurofisiológica.

A heterogeneidade das respostas sintomatológicas daqueles que sofreram traumas psicológicos aponta para a impossibilidade de existir um único circuito neural subjacente ao transtorno de stress pós-traumático. Amplas análises dos estudos neurofuncionais com paradigmas de provocação de sintomas em indivíduos com TEPT mostram redução da atividade do hemisfério esquerdo, do córtex pré-frontal médio (relacionado à classificação e categorização das experiências e do hipocampo (envolvido na capacidade de síntese e na aprendizagem e na memória) assim como maior atividade da amigdala (área do cérebro relacionada à expressão do medo.

Alguns estudos, no entanto, mostraram resultados discrepantes, tais como aumento da atividade no córtex pré-frontal. Uma possível explicação para tais resultados é dada pelo estado dissociativo dos voluntários. Por isso, é fundamental que os critérios de seleção dos participantes de estudos com neuroimagem funcional considerem a homogeneidade da amostra quanto às respostas de hiperestimulação ou dissociação. A despeito dessa variável, há importantes evidências da responsividade diminuída do córtex pré-frontal durante resgates de memórias traumáticas em indivíduos com TEPT e sintomas expressivos de hiperestimulação. Optamos pela tomografia por emissão de fóton único (SPECT, na sigla em inglês) como método de neuroimagem por utilizar marcadores de atividade encefálica com duração de quatro a seis horas, o que permite seu uso no ambiente psicoterápico, enquanto a memória traumática é recuperada. Nessas condições, a dispersão e a ansiedade que costumam ser disparadas pelo ambiente hospitalar são evitadas, e o paciente fica mais à vontade para deixar as emoções aflorarem naturalmente, sem a necessidade de permanecer imóvel. Como estratégia para evocação das memórias traumáticas – a recorrência delas é sintoma central do TEPT -, um roteiro personalizado foi composto para cada sujeito com um número idêntico de palavras-chaves. Utilizamos o radioisótopo 99mTe-ECO para investigar as possíveis alterações no fluxo sanguíneo encefálico (FSE) dos participantes com TEPT parcial durante o resgate de suas memórias traumáticas antes e depois da psicoterapia. Todos os participantes apresentaram memórias traumáticas recorrentes (critério B), hipervigilância e resposta de alerta (critério D) como sintomas prevalentes, mas não apresentaram sintomas do critério C – entorpecimento /anestesiamento da responsividade geral -, não preenchendo os critérios DSM-IV completos para TEPT O grupo-alvo reunia 16 voluntários submetidos à psicoterapia uma vez por semana, durante dois meses, num total de oito sessões. Para controle, estudamos 11 indivíduos com o mesmo diagnóstico, porém não submetidos à psicoterapia. Os dois grupos fizeram duas avaliações sintomatológicas e dois exames de neuroimagem intercalados por 60 dias, período em que os 16 participantes estiveram em psicoterapia e os 11 pacientes em lista de espera.

IMAGENS REVELADAS

Os indivíduos submetidos à psicoterapia mostraram decréscimo da atividade da amígdala e aumento da atividade do córtex pré-frontal, do hipocampo esquerdo e dos lobos parietais (estes últimos relacionados à orientação espacial e temporal dos eventos) (ver imagem abaixo da tabela no tópico memórias traumáticas e porcentagem de intensidade). Depois do tratamento houve diminuições dos índices sintomatológicos do TEPT parcial, da ansiedade e do impacto do evento traumático. Já as alterações dos sintomas do grupo controle não alcançaram significância estatística ou mudanças do FSE nos dois exames intercalados por 60 dias.

A hiperresponsividade da amígdala tem sido reportada durante a apresentação de narrativas personalizadas do trauma, de ruídos de combate, imagens relacionadas ao trauma e expressões faciais de medo. Todavia, não foi esclarecido se a atividade da amigdala pode decair apenas com a continuidade de tais apresentações. Alguns estudos indicam que não e sugerem que a simples apresentação dos estímulos ansiogênicos isoladamente pode provocar a reconsolidação da memória traumática. Em convergência com os estudos que revelaram a atividade da amigdala correlacionada positiva à remissão de sintomas de TEPT parcial. A exposição terapêutica dos pacientes aos estímulos estressores contribuiu para a reconstrução cognitiva e o arrefecimento da resposta emocional, além de desfavorecer a reconsolidação da memória traumática.

FEEDBACK INIBITÓRIO

Métodos estatísticos e análises de conectividade foram usados em vários estudos para testar alguns modelos patofisiológicos da TEPT, tal como a correlação entre a atividade do córtex pré-frontal e da amígdala. A cronicidade dos indivíduos com TEPT parece ser uma variável implicada no relacionamento inverso entre a amígdala e o córtex pré-frontal. Nosso estudo vem colaborar com o esclarecimento do sentido dessa relação, uma vez que a atividade do córtex pré-frontal esteve correlacionada positivamente à atividade da amígdala. A ativação do córtex pré-frontal esquerdo nos exames SPECT subsequentes à psicoterapia indicam provavelmente, um melhor processo de feedback inibitório relacionado à atividade da amígdala.

Um conjunto de estudos neurofuncionais mostrou a natureza não-verbal da recordação traumática entre sujeitos com TEPT comparado a um padrão mais verbal da recordação traumática em sujeitos sem o transtorno. O psicólogo Chris Brewin, professor da University College de Londres, postulou a teoria da dupla representação como uma diretriz preliminar para classificar dois tipos de memórias traumáticas: (1) hipocampo dependente e (2) não-hipocampo dependente. O primeiro formato – chamado de memória verbalmente acessível – fornece suporte a recordações auobiográficas comuns que podem ser recuperadas de maneira voluntária, editadas, havendo interação com o conhecimento autobiográfico geral. O segundo modelo – determinado memória situacionalmente acessível – traz suporte aos flashbacks que são característica marcante em pessoas traumatizadas. Tais memórias são sensorialmente fragmentadas, sua narrativa é pouco estruturada e não interagem com outros conhecimentos autobiográficos.

Todavia, evidências indicam que sistemas múltiplos de memória podem ser ativados simultânea e paralelamente, também interagindo em várias ocasiões. A interface entre os circuitos neurais é um aspecto fundamental à psicoterapia, que pode favorecer a procura por uma narrativa e uma tradução integrativa da memória traumática fragmentada em um sistema declarativo de memória. Considerando que as regiões superiores são subjacentes às habilidades cognitivas de classificação e categorização das experiências, enfatizamos a importância de ativar memórias autobiográficas emocionais positivas (de auto-eficácia e superação) anteriores ao trauma, para “abertura” do processamento pré-frontal, tendo em vista que os sistemas mnemônicos múltiplos fazem interface em várias ocasiões. Assim, fragmentos sensoriais relativos ao trauma serão possivelmente integrados em outro sistema de memória, com repercussões na redução da resposta emocional e sensorial. As conectividades das regiões pré-frontais ao complexo límbico são sugestivas de seu papel na aglutinação das informações sensoriais da memória, assim como no processo de controle emocional/comportamental.

ORDEM EM FOCO

O TEPT pode ser considerado uma desordem especialmente relacionada à memória, que resiste à atualização dos aprendizados referentes ao trauma passado. O hipocampo tem um papel crítico nos processos de aprendizagem e de categorização das experiências conectadas e atualizadas com outras informações autobiográficas. Os exames iniciais deste estudo, tanto do grupo submetido à psicoterapia como do grupo-controle, foram similares, resgates das memórias traumáticas pós- psicoterapia apresentaram ativação significativa do hipocampo esquerdo, e as memórias correspondentes foram sensorialmente menos intensas e cognitivamente mais organizadas.

Os efeitos terapêuticos podem ser em boa parte decorrentes de um processo ativo de aprendizado que estabelece uma nova hierarquia de respostas num processo ativo de aprendizado que estabelece uma nova hierarquia de respostas. Algumas funções integrativas parecem ser mais eficientes com a ativação do hipocampo. A ativação parietal pós-psicoterapia pode estar também envolvida no processamento mais preciso das informações espaciais e temporais relacionadas ao evento traumático.

As correlações entre os escores dos sintomas de TEPT parcial e as contagens do FSE mostram que a melhora nos sintomas dos participantes submetidos à psicoterapia esteve relacionada a níveis mais elevados de atividade do córtex pré-frontal esquerdo, assim como à atenuação da atividade da amígdala. Os escores narrativos mais elevados para as memórias traumáticas pós-psicoterapia estiveram também correlacionados com a atividade mais elevada do córtex pré-frontal esquerdo, fortalecendo a evidência da participação desse circuito na construção de narrativas resilientes. A recuperação da memória de eventos traumáticos foi emocionalmente menos intensa com um padrão narrativo mais estruturado, de maneira distinta do primeiro SPECT pré-psicoterapia.

As correlações entre as expressões neurofuncionais e os sintomas TEPT, porém, requerem ainda mais pesquisas, e quanto mais dados forem coletados com qualidade, melhores serão nossas intervenções como terapeutas em relação ao que podemos estimular nas pessoas para normalizar suas atividades neuronais.

VARIAÇÕES DA ATIVIDADE CEREBRAL PÓS-PSICOTERAPIA

Indivíduos que passaram por psicoterapia tiveram decréscimo da atividade da amígdala e aumento da atividade do córtex pré-frontal, do hipocampo esquerdo e dos lobos parietais (estes últimos relacionados à orientação espacial e temporal dos eventos). Depois do tratamento houve diminuições de sintomas do transtorno de stress pós-traumático e ansiedade foram amenizados sintomatológicos do TEPT parcial, no impacto do evento traumático e nos índices de ansiedade

GLOSSÁRIO

MEMÓRIA DECLARATIVA: também é chamada de explícita. Graças a ela sabemos que “algo se deu”. Apresenta-se em duas variações: episódica (relacionada a ocorrências específicas) e semântica (compreende aspectos gerais).

SISTEMAS MÚLTIPLOS DE MEMÓRIA: espalhados por diferentes áreas cerebrais, são ativados simultaneamente e podem interagir; a reconstrução terapêutica da memória traumática está ligada diretamente a essa possibilidade de criar interfaces.

ESTADO DISSOCIATIVO: caracteriza-se por profunda analgesia e amnésia, mas não necessariamente por perda da consciência.

EU ACHO …

VAI TER CARNAVAL

Mas será diferente, com homenagens à máscara e à vacina

Carnaval é mais que uma festa. Carnaval é um estado de espírito. Oque está sendo cancelado neste ano é a festa, ou até, em várias cidades, o feriado da Terça-Feira Gorda – segundo a tradição, o último dia em que se pode comer “gordura” antes do jejum da quaresma (aliás, neste ano bem que a terça poderia ser “magra”). De qualquer maneira, festas e feriados se cancelam, se a situação exige. Mas não se cancela um estado de espírito. Neste sentido, teremos Carnaval, sim!

Não me entendam mal. Não estou louca, nem pregando desobediência civil. Autoridades espalhadas pelo Brasil afora foram apenas responsáveis ao tomar medidas que evitem aglomerações desnecessárias. Afinal, se a vacina está chegando, seu efeito mais relevante para a sociedade – a tal imunização coletiva – ainda tardará um pouco.

Minha proposta é que, para começar, façamos um Carnaval diferente, com distanciamento social e com os foliões mais mascarados do que nunca. Mas reside exatamente nesse ponto a oportunidade de brilhar – não um brilho de reluzentes lantejoulas, mas aquele derivado da empatia.

Certa vez, Joãozinho Trinta, o filósofo da avenida, teria dito que quem gosta de miséria é intelectual, pois povo gosta mesmo é de luxo. Se estivesse por aqui hoje talvez completasse a tirada genial, refletindo sobre o que é luxo. Luxo não é necessariamente o dourado dos carros alegóricos, a seda esvoaçante dos costumes, a rica plumagem colorida sobre as cabeças. O luxo de verdade, sua quintessência, é a simplicidade. É por isso que a melhor fantasia para este ano é a máscara – a máscara básica, reutilizável ou descartável, branca, azul ou com a cor e o escudo do time do folião resguardado.

Na minha avenida imaginária visualizo uma comissão de frente em homenagem à vacina. Não a esta ou àquela. Mas às vacinas em geral – a chinesa, a americana, a russa, a indiana, a brasileira. Saúde não tem fronteira, ou não deveria ter. É assim no sambódromo do meu sonho. A evolução da bateria prepara o terreno para o puxador do samba-enredo, que exalta a atuação dos cientistas que trabalhara, incansavelmente durante meses para que hoje pudéssemos nos agarrar na expectativa de deixar para trás a pandemia. E não teria dúvida em fazer o refrão abordando as qualidades humanas dos profissionais da saúde. Depois do que fizeram e continuam fazendo, podem dizer que já sabem a que a existência deles se destinou.

Uma festa é só um ritual. É importante, mas não é fundamental. Mais relevante é o que está sob a fantasia usada no ritual – um brasileiro que quer acreditar num futuro melhor. Neste Carnaval teremos de nos reinventar. Estamos ficando especialistas nisso. Quantas limonadas já não tivemos de fazer com os limões que nos têm sido dados? Somos um povo resiliente. E criativo. E esperançoso. Se não por opção, então por falta de opção. Neste Carnaval vamos mais uma vez demonstrar tais atributos. Façamos como a moça disputada daquele antigo samba: “Quando para o samba / bate palmas, pede bis”. Bata palmas, sim, mas com as mão lavadas – e sem se esquecer dos demais protocolos de segurança, claro.

*** LUCÍLIA DINIZ

OUTROS OLHARES

ESPERANÇA À VISTA

Empresa israelense produz a primeira córnea artificial e realiza o implante com sucesso em um paciente de 78 anos

A visão é responsável por 80% das informações que recebemos. Jamal Furani, de 78 anos, passou a última década sem receber essas informações: ele ficou cego. No mês passado, o israelense comemorou uma vitória da ciência: graças ao primeiro transplante de córnea artificial da história, Jamal voltou a ver. A cirurgia aconteceu no Rabin Medical Center, em Israel, e ele se recuperou rapidamente: logo após a remoção dos curativos, imediatamente conseguiu ler e reconhecer os familiares que o acompanhavam. A córnea artificial foi produzida por um sofisticado processo de engenharia química em nanoescala que estimulou o crescimento celular e sua integração contínua ao tecido conjuntivo, a parte branca do olho.

O cirurgião oftalmologista Claudio Lottenberg, presidente do Conselho do hospital Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde, explica que a córnea humana é semelhante à lente de uma máquina fotográfica, onde o foco é ajustado para que a pessoa possa ver com nitidez. “Se há algum problema na córnea, a visão fica embaçada, arranhada”, explica. Segundo a Organização Mundial de Saúde, há trinta milhões de pessoas cegas no mundo devido a problemas na córnea. No Brasil, a fila para o transplante tem mais de sete mil pessoas.

A startup israelense CorNeat Vision, responsável pelo produto, já concluiu a fase pré-clínica. Segundo o pesquisador Gilad Litvin, inventor da córnea artificial, órgãos reguladores internacionais como o FDA, nos EUA, exigem que os testes sejam feitos em pelo menos 20 pacientes com acompanhamento com duração de um ano.

O implante de córnea artificial será uma boa opção para os casos onde ocorre a rejeição ou em países com poucas córneas disponíveis para transplantes. “Dispor de um produto sintético que pode substituir o tecido humano é uma grande notícia para milhões de pessoas”, comemora o cirurgião.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 17 DE FEVEREIRO

BONDADE, UM INVESTIMENTO EM SI MESMO

O homem bondoso faz bem a si mesmo, mas o cruel a si mesmo se fere (Provérbios 11.17).

Quando fazemos o bem aos outros, somos os primeiros beneficiados. O bem que praticamos aos outros retorna para nós mesmos. A Bíblia diz: Certos de que cada um, se fizer alguma coisa boa, receberá isso outra vez do Senhor (Efésios 6.8). Bebemos o refluxo do nosso próprio fluxo. Colhemos com fartura o que semeamos no campo dos outros. A prática do bem é o melhor e o mais seguro investimento que podemos fazer na vida. O apóstolo Paulo diz que o marido que ama a sua mulher a si mesmo se ama. E Salomão afirma que aquele que faz o bem aos outros a si mesmo o faz. Não é essa, porém, a realidade do perverso. O mal que ele intenta fazer contra o próximo cai sobre sua própria cabeça. Ele recebe a paga de sua maldade. O homem cruel é como um louco que fere a si mesmo. Comete o desatino da autofagia. As flechas envenenadas que ele lança sobre os outros voltam-se contra sua própria vida. A crueldade, antes de destruir seu destinatário, destrói seu remetente. A bondade é um investimento em si mesmo, mas a crueldade é a destruição de si mesmo. Fazer o bem compensa, mas praticar o mal é a mais consumada loucura. O que você tem semeado: o bem ou o mal? Bondade ou crueldade?

GESTÃO E CARREIRA

A LUTA PELA INCLUSÃO

Pesquisa exclusiva revela o cenário da diversidade nas empresas brasileiras e traz um alerta: 65% não têm uma estratégia bem definida. Saiba como virar esse jogo

O ano de 2020 foi fortemente marcado pela discussão do racismo. Em maio, a morte de George Floyd, um homem negro asfixiado por um policial em Mineápolis, gerou protestos nos Estados Unidos e manifestações de apoio globais ao movimento Black Lives Matter. A temática foi tão importante que analistas políticos americanos atribuem a vitória dos democratas Joe Biden e Kamala Harris (primeira mulher negra no cargo de vice-presidente) na corrida pela Casa Branca ao voto de eleitores negros – principalmente das mulheres -, que querem mais foco do governo na pauta racial.

No Brasil, a questão veio à tona em diversos momentos. Em setembro, o terna esquentou quando o Magazine Luiza abriu um programa de trainees voltado especificamente para negros para aumentar o número de líderes afrodescendentes na companhia. O projeto recebeu uma enxurrada de elogios – e de críticas -, sendo até chamado de inconstitucional. Mas juízes e procuradores se posicionaram a favor do programa, que seguiu. No final de outubro, a discussão pública voltou quando Cristina Junqueira, CEO da fintech Nubank, declarou no programa Roda Viva, da TV Cultura, que contratar negros era “difícil” e que não era possível “nivelar por baixo”. A fala, vista como discriminatória e distanciada do entendimento da inclusão, gerou tantos feedbacks negativos que a executiva se desculpou, o Nubank fortaleceu sua equipe de diversidade e anunciou um investimento de 20 milhões de reais em programas de combate ao racismo.

Mas foi em novembro, na véspera do Dia da Consciência Negra, que a temática se tornou pauta nacional. No dia 19 daquele mês, João Alberto Silveira Freitas, conhecido como Beto Freitas, foi espancado até a morte por seguranças de uma loja do Carrefour em Porto Alegre (RS). O assassinato impulsionou manifestações antirracistas por diversas cidades brasileiras, levou um grupo de artistas a pintar a frase “Vidas pretas importam” na Avenida Paulista e fez com que o presidente global do Carrefour determinasse a revisão do treinamento de funcionários. Além disso, a varejista criou um comitê externo que vai auxiliá-la em temas de diversidade.

Todos esses episódios mostram um movimento forte da sociedade brasileira na luta pela igualdade de direitos e deixam claro que as empresas serão cada vez mais cobradas quanto à pauta da inclusão. Foi nesse contexto que surgiu a pesquisa O Cenário Brasileiro da Diversidade e Inclusão, primeiro levantamento de práticas de D&I do tipo no país. O estudo é fruto da parceria da Revista Você RH com a consultoria Mais Diversidade e ouviu cerca de 300 empresas de diferentes setores. Nesta reportagem especial, compartilhamos os resultados do relatório pioneiro.

BOAS INTENÇÕES, MAS FALTA AMARRÁ-LAS

Um sinal positivo de que a diversidade está ganhando importância no mundo corporativo é que, mesmo em um período de crise global, 97% das empresas pretendem manter ou ampliar o orçamento da área em 2021. “Isso é muito significativo. Demonstra que as companhias não olham para o tema porque está na moda, mas porque está trazendo resultados para o negócio”, afirma Thiago Roveri, líder de pesquisas da Mais Diversidade e responsável pela condução do estudo. “A diferença de 15 anos atrás, quando começamos a trabalhar o assunto no mercado, para cá é que a agenda deixou de ser acessória e passou a ser prioritária”, complementa Ricardo Sales, sócio fundador da Mais Diversidade.

Mesmo com dinheiro disponível, falta às empresas pensamento estratégico sobre a temática. Segundo nosso levantamento, 65% das cornpanl1ias não têm uma estratégia que direcione suas práticas – o que resulta em ações soltas sem eficácia comprovada. Péssimo para os negócios. Para mudar esse quadro, é preciso entender que a diversidade está relacionada a outros aspectos além da responsabilidade social. “As empresas ganham no desempenho financeiro e na qualidade das entregas. Fora do Brasil há, inclusive, uma tendência de alguns investidores reforçando a importância de acrescentar a letra D, de ‘diversidade’, na sigla ESG [environmental, social and governance}, um indicador de comportamento sustentável”, diz Cristina Kerr, CEO da consultoria CKZ Diversidade e professora na Fundação Dom Cabral.

As multinacionais são as mais maduras nas práticas e 90% delas, segundo nosso estudo, adaptam suas ações para a realidade brasileira. O que dá margem para duas interpretações. políticas globais trazem assertividade, mas demonstram que há pouca proatividade das filiais nacionais em puxar o assunto, fazendo apenas pequenos ajustes nas diretrizes. “Lógicas culturais e de relação entre indivíduos se dão a partir de uma dimensão local. Mesmo que orientações da matriz estabeleçam a necessidade de políticas para a diversidade, isso não significa que vão se concretizar se o ambiente for hostil e preconceituoso”, afirma Márcio José de Macedo, professor e coordenador de diversidade da escola de negócios da FGV.

PRÁTICAS FORMALIZADAS

Na esteira da falta de estratégia vem o fato de que, segundo nosso estudo, 71% das empresas não têm ou estão construindo uma política de D&I, e apenas 26% adequaram suas práticas já existentes de RH a questões de diversidade. Ao contrário do que possa parecer, formalizar as ações de inclusão não é mera burocracia, e sim o indicativo de que aquilo faz parte dos valores da companhia – e que será levado em conta na hora de contratar, promover e desenvolver os funcionários, por exemplo. “As regras do jogo ficam claras e os empregados entendem como devem se portar. É importante”, diz Thiago. Além do mais, isso garante que a pauta será perene e não ficará restrita à visão de mundo de diretorias ou presidências específicas.

Há diversas formas de criar uma política de diversidade, mas revisar as práticas da empresa é um bom primeiro passo. O RH pode ajudar nesse sentido, sendo a primeira área a fazer essa análise. Envolver pessoas de diferentes cargos e setores em um workshop sobre condutas inclusivas também é uma boa ideia. Além disso, não se pode esquecer a comunicação: quanto mais o tema é debatido internamente, mais se torna parte do dia a dia. Infelizmente, a maioria das companhias só compartilha os resultados de diversidade com líderes seniores e a área de recursos humanos.

Foi justamente pensando em transparência que o Grupo Sabin, do setor de medicina diagnóstica, criou um documento que concentra as políticas de diversidade e inclusão. Dessa forma, fica bem claro para todos os 6.000 funcionários o que deve ser feito, o que não será tolerado e que o assunto é levado a sério. “Somos uma empresa fundada por duas mulheres, e diversidade é um valor compartilhado por quem cresceu aqui. Temos 77% de mulheres no quadro e 74% da liderança formada por elas”, diz Lídia Abdalla, CEO do Grupo Sabin. Manter esse entendimento numa companhia que está em expansão desde 2012 adquirindo outras empresas pelo país é um grande desafio. Afinal, ao comprar uma organização, é necessário entender mais sobre a nova população. Por isso, o Sabin usa censos demográficos para mapear quem são seus funcionários e criar metas. “Fazemos isso há quase dez anos para conhecer a fundo nossas pessoas e estabelecer quais programas trariam mais valor ao nosso público”, diz Lídia. “Programas e políticas estruturadas são importantes para passar adiante e reafirmar, especialmente para os que estão chegando, que essa é uma agenda importante.” A mais nova ação de diversidade do Sabin é atrair profissionais com mais de 55 anos por meio de um programa de recrutamento exclusivo para esse público. “O mercado está deixando para trás essas pessoas que têm tanta experiência”, diz a CEO.

E A ESTRUTURA?

O estudo aponta certa profissionalização do setor de D&I: cerca de 65% das companhias afirmam ter uma área, ou algum tipo de estrutura que pauta o tema. No entanto, apenas 25% dos profissionais atuam de maneira exclusiva, e a maior parte das empresas não vê como prioritária a criação de um setor de diversidade internamente.

A principal justificativa das companhias que não possuem um setor para tratar a agenda de inclusão é falta de orçamento – no entanto, se a pauta fosse prioritária, os recursos provavelmente seriam alocados. “Não existe lucro sem investimento. É preciso clareza de aonde se quer chegar e consistência nas práticas para alcançar o objetivo. Algum dinheiro é necessário e, para isso, deve haver uma mudança de mentalidade”, diz Márcio, da FGV. Mas existem saídas. “Sugiro que uma pessoa do RH fique focada nisso. Não é o ideal, mas é preciso que alguém acompanhe as métricas. O que não é medido não melhora”, diz Cristina, da CKZ Diversidade.

Ter uma área, no entanto, não resolve todo o problema. E pode até criar outros. Isso porque a existência de um departamento corre o risco de estimular um pensamento equivocado de que a inclusão é uma responsabilidade só daquela área, enquanto deveria ser uma pauta geral da organização. Além disso, é problemático o pensamento mágico de que montar a área irá resolver todos os desafios. “Ter dez pessoas que não são levadas a sério não determina o sucesso”, explica Ricardo, da Mais Diversidade. Novamente a questão estratégica vem à tona como crucial.

O Itaú Unibanco é um exemplo de empresa que conseguiu tornar sua estrutura de diversidade e inclusão relevante – e se destacou nessa categoria em nossa pesquisa. A instituição tem uma equipe de sete pessoas dedicadas ao assunto, e todas as áreas da companhia, com cerca de 87.000 empregados, têm funcionários que dividem suas funções com pautas de D&I – atuação que é devidamente orientada pela gerência de diversidade. Assim, o tema torna-se um valor amplo e de responsabilidade compartilhada. “Temos vários momentos de inserção do assunto ao longo do ano”, diz Camila Udihara, superintendente de diversidade e experiência do colaborador do Itaú.

Atualmente, o foco do banco está em dois grupos: mulheres e negros. Embora a instituição tenha 60% de funcionárias, a representatividade cai dez pontos percentuais a cada nível hierárquico. No caso dos afrodescendentes, o índice é baixo, e apenas 23% dos empregados se declaram assim. Para melhorar os indicadores, há revisão de critérios de seleção de novos empregados (como o fim da exigência de inglês, de idade-limite e de universidades específicas nos programas de estágio e trainee), mentoria para mulheres e negros, treinamento sobre vieses inconscientes e letramento racial para a chefia – projeto que está na agenda de 2021. “Há dois anos batíamos na porta das áreas para conquistar aliados. Hoje eu não dou conta de atender as lideranças que querem ter profundidade sobre o assunto. É uma construção lenta, mas muito possível”, explica Luciana Campos, gerente de diversidade e empreendedorismo do Itaú Unibanco.

AFINIDADE COM EFICIÊNCIA

Embora a maior parte das empresas afirme ter iniciativas de diversidade e inclusão, 2/3 não têm um programa implementado ou estão no processo de construí-lo. Isso significa, novamente, que as ações estão sendo desenvolvidas sem direcionamento. “O tema tem que estar atrelado à estratégia do negócio para conseguir permeabilidade e resultados. A ausência de governança sólida traz dificuldades para que a pauta ganhe robustez e espaço para diálogo com o corpo executivo”, diz Thiago, da Mais Diversidade. O problema de ter projetos pontuais, explica Regina Madalozzo, coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero do Insper, é a falta de eficácia. “Fazer as pessoas pensarem no assunto por duas horas é o que se ganha com ações ou palestras soltas. Se quer realmente algo que dê resultado, tem que ter consistência.”

Um exemplo dessa desconexão aparece nos grupos de afinidades. Nosso estudo mapeou que eles existem em 61% das companhias, mas que 50% operam sem um programa de D&I que possa orientá-los. “A ineficiência dos grupos é um desafio das empresas. Isso acontece porque muitos surgem espontaneamente, com a melhor das intenções, mas não sabem o que fazer. Sem direcionamento estratégico, eles perdem sua razão de existir e se tornam um problema”, diz Ricardo, da Mais Diversidade.

Os comitês de afinidades que dão certo passam por uma escala de evolução. Começam como um fórum de troca de experiências, evoluem para o que se chama internacionalmente de employee resource groups (que têm como objetivo ajudar a empresa a avançar naquela discussão específica), e se transformam em business resource groups (com a meta de ajudar o negócio no desenvolvimento de novos produtos e serviços com base em um olhar diverso).

No Brasil, a maior parte dos times ainda está na primeira etapa de desenvolvimento. “A troca de experiências é muito relevante, mas não pode ser o único objetivo das pautas dos grupos de afinidades. É preciso fazer algumas perguntas: os grupos têm direcionamento para trabalhar? Eles sabem o que eu espero deles? Eles têm objetivos? Esse esforço está sendo reconhecido?”, explica Ricardo.

Na Chubb, empresa multinacional do setor de seguros com 800 funcionários e um dos destaques na categoria Governança. de nosso estudo, os grupos de afinidades estão evoluindo. Eles começaram como a maioria: espontaneamente. Em 2018, estavam focados em compartilhar vivências e procuraram o RH para endereçar as ações, junto do qual criaram o Comitê de Diversidade. No ano seguinte, organizaram as ações por pilares (gênero, étnico-racial, pessoas com deficiência e LGBT+) e passaram a ter governança. Ou seja, metas, agenda definida, gerentes ou diretores que patrocinam as ações, executivos do C-Level que atuam como embaixadores e apoio do líder de diversidade e inclusão da empresa – mais de 30% da companhia faz parte da iniciativa. Tudo isso fez com que a equipe se tornasse um employee resource group e uma referência para as ações da companhia na América Latina. “A diversidade está no dia a dia das pessoas e, quanto mais envolvidas, mais elas se tornam agentes de mudanças”, diz Rafael Potenza Ramos, líder de diversidade e inclusão da Chubb que acumula a função de coordenador de treinamento e desenvolvimento da multinacional.

A LINGUAGEM DA LIDERANÇA

Quando o assunto é investimento em diversidade, nosso levantamento mostra que a principal prioridade dos profissionais da área é sensibilizar a alta gestão na temática – o que faz todo o sentido. “É a liderança que banca a decisão de incluir, contagia a empresa e faz a mudança acontecer. Sem sensibilizá-la, dificilmente o assunto ganhará relevância”, diz Ricardo.

Claro que essa aproximação é desafiadora e muitos erros são cometidos nesse processo, entre eles deixar de lado a linguagem que mais conecta com o C-Level: os resultados. Por isso, o que funciona melhor no convencimento da liderança é montar um business case com pesquisas que demonstrem como a D&I gera valor ao negócio (aumento da inovação e dos lucros são indicadores sempre presentes nos estudos do tema feitos pela consultoria McKinsey) e com exemplos de boas práticas de outras companhias do mesmo setor ou com os mesmos desafios (as companhias que se destacam costumam ser abertas para benchmarking).

Cristina Kerr, da CKZ, vai além e sugere levar um CEO que seja aliado da causa para conversar com a liderança da empresa. Esses passos ajudam, também, a encontrar diretores que fiquem mexidos pelo assunto e se tornem influenciadores. “Quando bem cuidada e munida de informação, essa pessoa sensibiliza os pares”, diz Regina, do Insper.

No Grupo Pão de Açúcar, que conta com aproximadamente 100.000 funcionários, a liderança abraça o programa de diversidade desde 2017, quando foi lançado exatamente por causa de uma semente plantada pela alta gestão. Na quela época, uma diretora fez um treinamento externo sobre o assunto, se sentiu tocada e levou a discussão para dentro de casa – a partir daí surgiram grupos de afinidades e demanda do topo para criar políticas de diversidade. “A presidência e o board sempre quiseram ser pioneiros em levantar essa bandeira e são pessoalmente defensores da causa”, diz Susy Yoshimura, diretora de sustentabilidade e compliance do GPA. Como há uma cobrança que vem do topo, a varejista atrela, desde 2016, as métricas de inclusão (como número de mulheres na liderança e contratação de PCDs) à remuneração variável da chefia – algo raro nas companhias, como revela nosso levantamento, que mostra que apenas 35% das empresas fazem esse tipo de conexão. “Temos o Casino como nosso controlador europeu, e essa agenda é mais madura por lá, então fomos fortemente estimulados a fazer isso. Mesmo sem uma área específica na época, já enxergávamos a diversidade como uma estratégia de ESG”, explica Susy.

De lá para cá, os indicadores melhoraram no Grupo Pão de Açúcar: atualmente há 50% de mulheres no quadro – 33% em cargos acima de gerência – e 47% das vagas de estágio foram preenchidas por afrodescendentes em 2020. Além disso, práticas como mentoria para negros, adoção de crachá com nome social para pessoas trans e obrigatoriedade de haver mulheres na linha sucessória dos cargos ele diretoria revelam cuidado com o tema. E tudo isso reflete diretamente na satisfação dos empregados com a empresa. Tanto que, na última pesquisa de engajamento do GPA, o item “ambiente propício à diversidade e respeito” foi o que teve mais favorabilidade dos funcionários.

Está aí uma demonstração objetiva de como o tema está tocando as pessoas e deve, mais do que nunca, se tornar prioritário nas empresas – indo muito além de hashtags em redes sociais.

EM QUAL GUARDA-CHUVA

As áreas de D&I têm vários reportes, mas a maior parte está sob o RH, o que diminui o peso estratégico. “O movimento global é responder ao presidente, o que dá poder para influenciar diretoria e conselho”, diz Thiago Roveri, líder de pesquisa da Mais Diversidade.

PARA FICAR DE OLHO

A pesquisa revela algumas tendências para quem trabalha com diversidade, e chama atenção a vontade das empresas de atuar para incluir pessoas que já passaram pela cadeia

CADA SETOR, UMA REALIDADE

As empresas participantes se dividem em 23 ramos de atuação diferentes, e eles revelam que a temática não é tratada de maneira homogênea

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

SONHO OU PESADELO?

consumo excessivo e desregulado de melatonina cresce entre brasileiros durante a pandemia

O publicitário Adam Smith, 33 anos, viu seu problema de insônia se agravar quando a pandemia do novo coronavírus sacudiu sua vida. Natural de São Paulo, mas morando em Lisboa, Portugal, desde 2018, em um ano ele perdeu quase todos os clientes de sua agência de publicidade, viu seus vínculos sociais desaparecerem à medida que as restrições de circulação aumentaram e deixou de viajar, um de seus hobbies. Da janela de seu apartamento em Odivelas, área metropolitana da capital portuguesa, as noites se transformaram em dias. O sono vinha quase por exaustão, muitas vezes quando o sol já havia nascido. Os problemas para dormir não eram inéditos na vida do publicitário. Desde a adolescência, sempre enfrentou crises de insônia. Nesses casos, recorria aos tradicionais remédios de tarja preta como Rivotril, clonazepan e diazepan. Ao perceber que havia certa dependência, decidiu trocar os medicamentos pela melatonina, que considera “mais natural”. Chegou à substância por intermédio de amigos e começou com uma mistura de melatonina e ervas calmantes. Nesse processo todo, não ouviu um médico. Vai na tentativa e erro.

Uma pesquisa inédita, feita pelo Instituto do Sono com 1.665 pessoa revelou que 55,1% alegaram piora no sono durante a pandemia. A principal queixa é a dificuldade para dormir (66,8%), mas houve aumento em diversos tipos de obstáculos para uma noite revigorante. Os relatos de problemas ocorrendo pelo menos uma vez por semana aumentaram. Entre os principais deles estão a falta de disposição ou entusiasmo, recorrência de pesadelos, demora demais de 30 minutos para conseguir pegar no sono e acordar no meio da noite ou muito cedo. Para os entrevistados, as causas estão relacionadas à pandemia mesmo: “Mais preocupações devido à situação” (75,1%), “mais tempo de tela (celular, computador, TV)” (64%) e “mais tempo dentro de casa” (54.1%).

Já o estudo Relato de tristeza/depressão, nervosismo l ansiedade e problemas de sono na população adulta brasileira durante a pandemia de Covid-19, com 45.161 pessoas, indica que 43,5% relataram início de problema de sono preexistente agravado. Participaram pesquisadores da Universidade estadual de Campinas (Unicamp), Universidade de São Paulo (USP), Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), e Universidade Federal de Sergipe (UFS). “A ansiedade relacionada a uma situação atípica, o medo de infectar, a falta de oportunidade, da prática de atividade física, a irregularidade da rotina e, por fim, a alimentação inadequada foram as principais causas do aumento de transtorno de sono em minha prática clínica. Quem já era predisposto desenvolveu um distúrbio, e quem não era foi premiado com algum em certas situações”, afirmou o psiquiatra e médico do sono Caio Bonadio, criador da plataforma digital Caio no Sono.

A melatonina é produzida pelos organismos de plantas e animais. É conhecida como o hormônio do sono, mas é mais do que isso: é uma das principais responsáveis pelo ciclo biológico de quase todos os seres vivos, usada no ritmo circadiano que regula a atividade física, química, fisiológica e psicológica do corpo humano. Pode ser encontrada em alguns alimentos como leite e cereja. No entanto, a quantidade que poderia ser absorvida pela via alimenta é muito pequena para ter resultado terapêutico.

A substância induz todas modificações necessárias para o repouso, como sono, jejum e redução da atividade cardiovascular, da pressão, da frequência cardíaca e até da temperatura corpórea. Enquanto faz isso, durante a noite, prepara o organismo para o despertar. Assim que a produção cai, os hormônios da glândula adrenal sobem, o sistema nervoso muda, e o indivíduo desperta. É uma ação complexa. “Ela é uma pista química importante para nosso relógio biológico funcionar corretamente. Interage com diversos outros centros produtores de sono, localizados no cérebro. É um importante regulador de nosso ciclo sono-vigília. Além disso, tem outras funções, como a ação antioxidante”, explicou Bonadio.

Nos últimos anos, o consumo do medicamento aumentou pela facilidade da compra no exterior e pela liberação do uso em alguns países. No Brasil, porém, a melatonina não pode ser vendida, nem com receita médica, em drogarias comuns, apenas em farmácias de manipulação. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) disse que não há registro de nenhum medicamento com a substância no país, que já recebeu petições de empresas interessadas, “mas até o momento as análises não foram concluídas”. A demora é criticada pelo médico José Cipolla Neto, professor de fisiologia humana na USP e pesquisador da melatonina no Laboratório de Neurobiologia da mesma universidade. Segundo ele, há farmacêuticas que aguardam há anos a decisão da Anvisa e já existem mais de “30 mil trabalhos sobre o tema”. Em sua opinião, a venda deveria ser liberada no país desde que sob a exigência da receita.

De acordo com o médico e pesquisador, há alguns grupos que podem ser muito beneficiados por uma reposição de melatonina, desde que prescrita por um médico – como idosos, já que a produção cai com a idade -, mulheres na menopausa, diabéticos, indivíduos com mal de Parkinson, autismo ou outra doença neurológica e, por fim, patologias do sono, como quem tem “atraso de fase” (sono que começa e acaba mais tarde que o normal), ou sono dessincronizado. Mas a primeira coisa que tem de ser dita é que só toma melatonina quem precisa. Ela não é inócua, pode trazer malefícios se for mal administrada. Ninguém vai à farmácia e toma hormônio tireoidiano à toa. É um problema sério para quem toma de forma inadvertida”, afirmou Cipolla Neto. “O cara toma 10 miligramas de melatonina à noite. Só que isso vai ficar no organismo até as 2 horas da tarde do dia seguinte. Dorme bem, mas bagunça a fisiologia inclusive podendo levar a um estado de resistência à insulina e pré-diabetes.

Nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, o consumo é liberado, e medicamentos com melatonina podem ser encontrados em farmácias e supermercados, já que são rotulados como suplementos. Não há nem a necessidade de receita médica. Adam Smith, por exemplo, comprou na farmácia em Lisboa uma caixa com 21 comprimidos por cerca de 19 euros. Quem volta de viagem pode trazer na bagagem, desde que haja prescrição médica, o mesmo valendo para a importação.

Os médicos defendem que a prescrição clínica é fundamental para definir a dose, a formulação certa (liberação rápida ou lenta) e a hora correta para que a melatonina seja tomada. E, depois, deve ser feito o acompanhamento para ver não só se a pessoa está dormindo melhor, mas também se não há sonolência durante o dia, assim como verificar se não há alterações cardiovasculares ou de insulina. Cipolla Neto explicou que um adulto jovem precisa de 0,1 miligrama de melatonina. Mas o que se vende é, no mínimo 0,3 miligramas, sendo extremamente comum nos EUA encontrar dosagem de 5 miligramas, 10 miligramas e até 20 miligramas. E existe uma máxima na administração: não se toma a melatonina para depois ir jantar, porque o hormônio prepara o organismo para o jejum. “Tomar melatonina significa: começou o repouso. A pessoa deve estar preparada para dormir, num ambiente calmo, sem alimentação.”

O mais comum, no entanto, é encontrar pessoas que usam a substância sem acompanhamento médico. A representante comercial Camila (nome alterado para preservar a identidade) começou a tomar melatonina quando viajava com uma amiga, usuária frequente, para o Litoral Norte de São Paulo. Gostou tanto que mandou fazer numa farmácia de manipulação da capital, sem que fosse exigida receita. Achou que efeito não era mesmo e decidiu comprar importada pela internet. Apesar de não sofrer de insônia, disse que toma o medicamento quando está muito ansiosa e preocupada com problema pontuais ou “para dormir gostoso”.

É exatamente contra esse tipo de situação que o psiquiatra Caio Bonadio alerta. “A melatonina não deve ser usada sem orientação médica. Alguns efeitos colaterais possíveis são pesadelos, dores abdominais, diminuição do nível de alerta durante o dia, fadiga e dor de cabeça. Mas o grande problema mesmo é a automedicação, situação na qual o paciente nem sequer sabe seu diagnóstico ou se existe mesmo a indicação do uso do hormônio. O grande contra do uso indiscriminado da melatonina é que o paciente acaba demorando demais para procurar ajuda e, quando procura, o problema já está muito complexo, o tratamento fica mais caro e há mais chances de complicações no longo prazo.”

Às vezes, em vez de ajudar a reverter essa situação, a melatonina pode atrapalhar. A produtora de cinema Patrícia Aguiar, de 31 anos, nem gosta de tomar remédios, mas viu na melatonina da irmã uma opção “natural” para ajudá-la a dormir quando eslava com os horários desregulados pelas filmagens noturnas. Na primeira vez, ela dormiu mal e teve pesadelos, mas, como havia ingerido álcool, achou que a culpa era da bebida. Tentou outra vez. “Depois fiquei toda desregulada e decidi tomar a melatonina de novo para evitar um remédio mais forte. Até me ajudou a cair no sono rápido, não fiquei horas rolando na cama, mas tive vários pesadelos, depois acordava e tinha de voltar a dormir. Não descansei, o sono não foi reparador, pelo contrário”, contou. “Quando conversei com um médico, ele me disse que é um efeito colateral do remédio mesmo e que não deve ser tomado desse jeito.”

Bonadio é taxativo: a melatonina não é indicada para o tratamento da insônia. Na medicina do sono, é indicada para pessoas que têm transtorno do ritmo circadiano, as chamadas “doenças do relógio biológico”. Ou seja, antes de tomar comprimidos para suportar a pandemia, é preciso identificar o que está atrapalhando o sono. Só então dá para saber se a melatonina é mesmo o remédio certo. Para todas as pessoas que não têm tido seu merecido descanso, o especialista aconselha procurar ajuda. “Não faça automedicação. As medicações para o tratamento da insônia são seguras e eficazes, desde que sejam prescritas por um profissional habilitado. Além disso, é prudente rever maus hábitos de sono, como sedentarismo, uso excessivo de telas no período noturno, má alimentação, falta de estímulos noturnos e diurnos corretos, falta de rotina de sono, dentre muitos outros.”

EU ACHO …

ASSIM COMO LUCAS, DIGAMOS NÃO À BARBÁRIE

Não foram necessários muitos dias de confinamento para que a 21ª. edição do Big Brother Brasil reafirmasse a lógica que cimenta o espetáculo da barbárie desde a sua primeira edição, em 2001: competição, humilhação, mérito, egoísmo, autoritarismo, autoexposição, desumanização… A edição de 2021 veio com uma questão suplementar, que logo se tornou central: a presença significativa de pessoas negras, que eram sete até a saída de Lucas Penteado. Embora não sejam maioria, o ineditismo foi o bastante para que os holofotes dentro e fora da casa jogassem luz nas dinâmicas das relações raciais no Brasil, como se a microrrede de intrigas fosse um exemplar do que acontece
na vida como ela é.

Não quero com isso dizer que a vida fora da bolha do Big Brother não conheça a tirania, a destituição, a concorrência desleal, o apego ao mérito. Longe disso. Chamo atenção para o fato de que se temos de depor nossos olhares, quase que compulsoriamente, num programa que reativa os piores instintos, parece que o empobrecimento da experiência se tornou lamentavelmente uma cifra do nosso tempo. Um dos conceitos mais bonitos diz que experiência é aquilo com o qual saímos transformados, a experiência não artificializa o vivido. Por que então depor nossos olhares num programa que artificializa a experiência sem abrir mão, contudo, do que sacrifica a nossa condição de humanos? Por que perseverar em torno do roteiro de um filme extenso que leva todos à exaustão? Por que cedemos a um espetáculo montado para ganhar dinheiro por meio de uma máquina tirânica cujas engrenagens moem a todos, os que estão dentro e fora da casa?

Notem: minhas indagações não passam por uma estética do gosto (Big Brother é um programa ruim, despolitizado, uma vez que eu mesma usufruo de uma coleção de baboseiras), ou mesmo pela hierarquia da atenção (em vez de se assistir Big Brother pode-se assistir algo mais educativo), mas sinalizam para uma urgência política. Dizer que a assistência do BBB coexiste com a assistência e fruição de outros bens da indústria cultural é entrar no jogo das equivalências. Decididamente, BBB não se equivale nem ao mais pasteurizado dos programas. Ele nasce e floresce fora dos limites civilizatórios. Lucas Penteado fez uma trajetória errática dentro do BBB e, assim, ensinou involuntariamente que é impossível habitar a “casa mais vigiada do Brasil” na rubrica já posta. Assim como ele, desertemos: digamos não à tirania que drena nossa atenção e empobrece a nossa experiência.

*** ROSANE BORGES

OUTROS OLHARES

MENOS É MAIS

Por necessidade ou opção, o jovem adulto abraça uma ideia transformadora: desfrutar pode ser melhor do que possuir

Morar em um apartamento alugado do tamanho de um carro e, para completar, não ter carro. Essa tem sido a escolha de milhões de jovens adultos no Brasil e no mundo. É a forma como estão encarando o capitalismo no século XXI, seja por necessidade, seja por opção pessoal. Trata-se de um estilo de vida marcado por uma lógica revolucionária: menos é, sob diversos aspectos, mais. Para os adeptos, a nova forma de viver significa, por exemplo, ter menos dívidas e mais tempo para aprender, crescer e viver – desfrutar é mais relevante do que ter. Pelos menos assim aponta a pesquisa das agências Harris Poli e Eventbrite, que revela que 78% da geração Y, os nascidos entre 1981 e 1996, prefere gastar seu dinheiro com experiências a investi-lo em bens materiais – às vezes sob o olhar crítico de pais e amigos da geração predecessora. Os millennials (outro nome para designar os Ys) pareciam predestinados a encontrar a satisfação nas pequenas coisas e a valorizar o consumo consciente, mas apenas recentemente eles chegaram à idade de exercer seu poder de compra e ditar as novas regras do mercado.

O setor imobiliário foi um dos mais afetados pela mudança de prioridades, mas demonstrou ser capaz de se adaptar. Em 2019, foi entregue, por 99.000 reais, o menor apartamento do Brasil. Localizado em São Paulo, ele tem 10 metros quadrados (pouco maior que um sedã médio, porém menor que uma vaga de estacionamento). Minúsculo em tamanho, tornou-se o maior símbolo dos microapartamentos, categoria de até 30 metros quadrados. A filosofia é simples: viver apenas com o essencial – mesa, cadeira, banheiro e um sofá-cama. A casa do millennial típico baseia-se, sobretudo, na funcionalidade. Às vezes tem uma planta, um canto para o pet e porta-trecos feitos de materiais sustentáveis. Microapartamentos não comportam cozinha, escritório e muito menos lavanderia, que passaram a ser áreas compartilhadas do condomínio, disponíveis a todos os moradores. A geração Y parece ter abraçado o conceito sem resistência.

“Não temos orgulho da metragem, mas, sim, da acessibilidade à moradia”, afirma Alexandre Frankel, dono da Vitacon, que lançou o micro de 10 metros quadrados. A estratégia é pensar no prédio inteiro como uma extensão do apartamento. Em 2020, 75% das unidades vendidas pela empresa foram as de até 30 metros quadrados. Além da praticidade, outro benefício trazido por esses empreendimentos é a localização. Ao abrir mão de espaço, o cliente pode escolher algo próximo do trabalho, ganhando tempo com o deslocamento diário.

Deslocamento pressupõe carro, e automóvel é outro bem que ficou menos atraente para o jovem adulto, especialmente em cidades congestionadas. Com a popularização dos aplicativos de transporte, o usuário pode pedir uma corrida enquanto termina o café da manhã. E, para quem ainda precisa de um, já existe o serviço de assinatura, a locação feita diretamente com as montadoras. Toyota, Audi e Volkswagen oferecem diversos modelos e se tornaram uma opção às locadoras tradicionais de veículos, que, por sinal, mal conseguem dar conta da demanda. As vantagens, qualquer um pode imaginar: nada de preocupação com IPVA, licenciamento, manutenção e seguro – está tudo incluído na assinatura.

Verdade seja dita, a forma de consumo dos millennials se estende para além da casa e do carro. Trata-se de uma geração que veio para reformar o mundo, atualizá-lo e questionar os padrões herdados dos mais velhos. As expressões desse novo modo de pensar são visíveis não apenas nas escolhas de casa e transporte, mas em todos os aspectos da vida. Só o tempo dirá se a tendência terá atalhos ou reversões. Por enquanto, o futuro é minimalista.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 16 DE FEVEREIRO

CORAÇÃO BONDOSO, MELHOR DO QUE BOLSO CHEIO

A mulher bondosa conquista o respeito, mas os homens cruéis só conquistam riquezas (Provérbios 11.16, NVI).

Há um contraste aqui entre a mulher de coração generoso, que conquista o respeito dos poderosos, e os homens cruéis, que só conquistam riquezas. Há ricos que são desprezados pelo povo porque adquiriram essa riqueza com opressão, corrupção e devassidão. A riqueza da iniquidade não traz honra, mas desprezo. Não é fruto do trabalho honesto, mas do roubo criminoso. Não promove a glória de Deus; ao contrário, atrai sua ira. Não promove o bem do próximo, mas lhe traz opressão. Os homens cruéis só têm dinheiro, mas nenhum respeito. Quando deixarem este mundo, nada levarão de suas riquezas, mas certamente carregarão o desgosto do povo e a condenação divina. A mulher de coração generoso, porém, mesmo não tendo acumulado riquezas na terra, possui um tesouro no céu. Seu coração não é um poço de avareza, mas uma fonte de generosidade. Seus bens estão a serviço de Deus e do próximo, porque seu tesouro não está aqui, mas lá no alto, onde Cristo vive. Permanece o conselho do sábio: um coração bondoso é melhor do que um bolso cheio. É melhor conquistar respeito do que riquezas. É melhor ajuntar tesouros no céu do que acumulá-los na terra.

GESTÃO E CARREIRA

ELAS SÃO DIGITAIS

Grandes empresas de tecnologia apostam em lideranças femininas no Brasil, uma mudança bem-vinda que reflete os novos anseios igualitários da sociedade

Nos últimos anos, o movimento feminista deflagrado principalmente por meio de campanhas públicas como o #metoo – que deu publicidade aos casos de assédio sexual em Hollywood – jogou luz sobre uma questão incômoda: a presença quase irrestrita do machismo na sociedade, nos mais diferentes segmentos e regiões, pautando ambientes em que homens e mulheres coexistem, em casa, na escola e no trabalho. Nesse cenário, era comum até pouquíssimo tempo atrás classificar que determinada área ou atividade fosse “coisa de menino” e, portanto, um espaço que as mulheres não deveriam ter interesse em ocupar. Foi assim com o futebol, a matemática e, é claro, a tecnologia. Felizmente, a lógica começa a ser invertida em uma vibrante guinada que se deve aos anseios dos novos tempos. Direto ao ponto: empresas multinacionais de tecnologia passaram a apostar em mulheres para ocupar os mais altos cargos de gestão no Brasil. Há, pelo menos, meia dúzia de executivas liderando corporações colossais da área digital. O mais recente anúncio veio da IBM, uma das maiores empresas dos Estados Unidos, com 110 anos de história. Pela primeira vez no Brasil, a companhia tem uma mulher no cargo de diretora-geral, a paulista Katia Vaskys.

A movimentação brasileira está de braços dados com outras regiões do mundo. Na Espanha, companhias de peso como HP, LinkedIn e Google são lideradas por mulheres. Nos Estados Unidos, Sheryl Sandberg causou estrondo no mercado ao assumir o cargo de COO (chefe operacional) do Facebook. Trazer à tona a ausência de mulheres tem deixado de ser um tabu dentro das empresas e se tornado uma política interna com metas bem definidas. Na Intel, empresa líder em processadores, o objetivo é que, até 2030, 40% dos cargos técnicos da organização sejam ocupados por mulheres e que o número de líderes do sexo feminino dobre. Hoje, 25% das posições de programação e 20% dos cargos de chefia da empresa nos Estados Unidos são ocupados por profissionais do sexo feminino, um número ainda assim expressivo na comparação com a média de executivas no Brasil. Contudo, a Intel tem um bom exemplo no mais alto escalão: Gisselle Ruiz y Lanza, no posto de presidente da operação brasileira. “Os gestores são treinados para realizar entrevistas de contratação que sejam amigáveis do ponto de vista de diversidade e inclusão. Isso não quer dizer que ele deve contratar necessariamente uma mulher, mas que ele deve ter um painel diverso para a escolha”, disse a executiva.

Não se trata somente de um livre interesse das companhias em apostar na variedade de gênero de forma natural. A movimentação é também uma exigência de um mercado marcado por consumidores cada vez mais engajados em causas sociais. “Hoje em dia, as empresas são cobradas para que mostrem suas ações envolvendo diversidade. Os investidores querem saber quais são as políticas de inclusão e se elas funcionam”, diz Élica Martins, sócia da consultoria Grant Thornton Brasil. Os recrutadores apontam que o aumento de firmas que procuram mulheres para cargos executivos foi de 25% nos últimos três anos. “Lentamente, o entendimento equivocado de que só homens saberão desempenhar esses papéis vai caindo”, diz Paulo Moraes, diretor da área de recrutamento de tecnologia na Talenses. “Algumas empresas chegam a flexibilizar pré-requisitos da vaga para que possam contar com uma mulher no time, tamanha a importância da presença delas”. A flexibilização está ligada ao que se chama “gap” de formação, algo como a diferença entre homens e mulheres em seus diplomas acadêmicos e formações extracurriculares, o que complica a equação para elas. Uma pesquisa da consultoria McKinsey exemplifica como o número de mulheres que poderiam formar-se em tecnologia é inferior ao que deveria ser quando estende-se a lupa sobreo interesse de jovens estudantes em relação ao ramo. De acordo com o estudo publicado pela empresa em 2018, 47% das garotas no ensino fundamental e médio têm interesse em computação, mas apenas 16% delas chegam a pegar diplomas universitários na área. “É preciso dar condições e incentivar as meninas e mulheres a ficar na área, a se qualificar”, diz Camila Achulli, presidente da MasterTech, uma escola de habilidades tecnológicas com forte apelo à diversidade. “Do contrário, daqui a dez anos essa geração de líderes que estamos vendo não terá sucessoras disponíveis. Não dá para querer contratar só altos cargos, é preciso investir desde a base.”

A família também desempenha papel fundamental na manutenção das profissionais mulheres no mercado de trabalho. “A migração de sistemas de informação sempre ocorre de madrugada, o que pode ser um empecilho para uma mãe que amamenta, por exemplo”, diz a professora Pollyana Notargiacomo, especialista em tecnologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “A divisão igualitária de tarefas em casa é fundamental.” Pensar em mulheres na tecnologia, porém, não é apenas invenção do nosso tempo, mas também resultado de uma característica do setor desde a sua gênese. É da inglesa Ada Lovelace o mérito de ter produzido o primeiro algoritmo de computador que se tem notícia. A ideia inicial era programar um tipo de máquina analítica idealizada pelo inventor Charles Babbage, que ela conheceu em 1833, mas com sua morte precoce, aos 36 anos, a jovem nunca viu o código rodar. Na década de 1940, quando os computadores digitais começaram a existir de fato, as mulheres eram responsáveis por escrever os softwares para as máquinas. Os homens não estavam interessados na tarefa de desenvolvedores e até consideravam a tarefa servil.

Eles só debutaram no setor em meados de 1950 e 1960, nos Estados Unidos, com uma volumosa abertura de vagas relacionadas ao interesse das empresas em ter sistemas automatizados próprios para processar folhas de pagamento e outros dados internos. A balança entre os gêneros, no entanto, atingiu a disparidade em meados dos anos 1980, quando o computador pessoal passou a fazer parte das casas americanas e, normalmente, era dado como presente dos pais aos rapazes. Assim, os jovens do sexo masculino aprenderam a programar por meio da experimentação e aos poucos se tornaram uma maioria consistente nos bancos das universidades.

Apesar dos avanços dos últimos anos, a masculinização das salas de aula persiste até os dias atuais – estudos mostram que os homens continuam a ser maioria nas disciplinas ligadas ao setor tecnológico. A nova ordem que se instala está atrelada a mulheres cada vez mais interessadas em ocupar posições que, registre-se, podem ser preenchidas por qualquer gênero. “As minhas alunas nem pensam se deveriam ou não ocupar cargos ligados à computação”, diz a professora Pollyana, do Mackenzie. Ela define a questão: “O lugar da mulher é onde ela quiser”.

PONTO DE VIRADA

As mulheres começam a ocupar mais espaço nas empresas de tecnologia, mas ainda há muito que avançar

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

DIAGNÓSTICO PRECISO

Pesquisadores australianos desenvolvem sistema de testagem que pode diagnosticar de forma eficaz transtornos de humor como a depressão e a bipolaridade

Um exame de sangue é a nova arma da medicina para detectar os níveis de uma proteína presente em pacientes com transtornos de humor. Desenvolvido pela Universidade da Austrália, o método vai auxiliar os psiquiatras a fazer um diagnóstico mais assertivo da depressão e bipolaridade. O teste analisa os níveis de BDNF, proteína presente em pequeno número no circuito neural de portadores dessas patologias.

No estudo realizado na China, os pesquisadores analisaram o sangue de 215 pessoas, incluindo 90 pacientes com depressão clínica e 15 com transtorno bipolar. Em contato com uma substância reagente, o sangue dos pacientes com baixos níveis dessa enzima apresentou uma coloração rosa. Quanto mais severa a depressão, menor o nível de BDNF circulante. O estudo estabeleceu que níveis de mBDNF abaixo de 12,4 mg/ml podem ser usados como um ponto de corte para diagnosticar o transtorno de humor. Os cientistas que desenvolveram o método garantem que a precisão do kit está acima de 80%. A proteína BDNF (Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro, em português) desenvolve papel importante no organismo. O corpo humano pode apresentar dois tipos, a mBDNF “boa’”, que tem propriedades neuroplásticas e melhoram o funcionamento do tecido neural, e a proBDNF “ruim”, que ativa o sistema imunológico, aumenta o processo inflamatório e promove neurodegeneração, ou seja, destrói neurônios. Esses sinais ficaram bem aparentes nos pacientes com transtornos de humor que participaram do estudo.

FATORES

Para Luiz Fernando Petry Filho, da Clínica TrialCare, especialista em transtornos de humor, é possível fazer uma analogia entre o funcionamento do sistema neural e uma árvore grande. Se a árvore é bem regada e sua copa está cheia, de forma que os raios solares quase não ultrapassam suas folhas, ela está bem – é a mesma coisa com o cérebro saudável. “A mBDNF faz o papel de ‘molhar’ o cérebro para mantê-lo em bom funcionamento”, explica o médico. Segundo ele, os processos que levam às alterações entre a BDNF “boa” e “ruim” ainda não são bem conhecidos. “Mas com certeza esses fatores fazem parte das causas da depressão”, pontua. O médico reconhece a importância do estudo australiano. “Abre-se uma nova porta para a pesquisa sobre causas de depressão e tratamento”, afirma.

EU ACHO …

CHECKLIST ELEITORAL

“Um guia de boas práticas pode ajudar eleitores a escolher melhores governantes”

Governar dá trabalho. Para dar certo requer prática, discernimento, experiência e habilidade. Escolher um governante com boa chance de acertar tampouco é tarefa fácil, desde que se dê importância ao ato. Donde o ideal seria que o eleitorado exigisse de si o mesmo e mais um pouco, tendo o preparo da pessoa escolhida como fator determinante numa eleição.

Não tem sido, no entanto, a regra no período de três décadas e meia de redemocratização. Com exceção de Fernando Henrique Cardoso, eleito duas vezes no primeiro turno com base na questão objetiva de gestão, o que temos visto são escolhas referidas em presunções não raro enganosas que no confronto com a realidade mais adiante geraram decepções.

Em 1989 havia 22 opções, entre as quais umas muito boas, outras com certeza bem melhores que o aludido caçador de marajás. Em 2002 deixou-se de lado a continuidade de FH representada por homem (José Serra) de inequívoco preparo em nome da ideia de que Luiz Inácio da Silva seria, afinal, a redenção dos pobres e a salvação do país.

Seguimos na mesma toada nas outras eleições, levando à Presidência a “mulher do Lula”, de novo em detrimento de José Serra, que já havia dado inúmeras demonstrações de competência no ramo de governo, mas era “muito antipático” para nossos padrões de camaradagem. Até que chegamos a Jair Bolsonaro, cujas credenciais serviam no máximo para lhe assegurar lugar no panteão das figuras folclóricas, mas sem atuação consistente em 27 anos de vida no Congresso com destaque meramente caricato.

Diante de tal jornada de escolhas guiadas pelo impressionismo de ocasião, não é de estranhar que o Brasil tenha destronado pela via constitucional dois presidentes e já esteja pensando em impedir um terceiro, no espaço de menos de trinta anos. Isso fala dos mandatários, mas fala, sobretudo, dos respectivos eleitorados.

Não existe uma receita infalível de bom governante, mas existe uma série de atributos a ser observados como uma espécie de checklist para os cidadãos dispostos a almejar a condição de diligente eleitor.

Pensei em algumas dessas características. Deve haver muitas outras que cada um a seu gosto e consciência pode gravar na mente. Colecionar como precioso patrimônio a ser acionado na urna junto com a tecla do nome de sua escolha para governar, pensando numa durabilidade mínima de quatro anos.

Vamos a elas sem juízo de valor sobre a ordem de entrada em cena, porque tudo é importante quando se trata de transferir temporariamente a outrem o destino da nação. Do que é feito um(a) presidente?

1.  De capacidade de liderança.

2. Da aptidão para que seus atos e palavras sirvam de exemplo e, assim, estabelecer um padrão de ação e pensamento.

3. De habilidade para detectar, aplacar e / ou evitar crises.

4. De vocação para promover o entendimento. Vale para o ambiente político e vale para o trato com a sociedade.

5. Da posse de referências humanitárias de vida.

6. De boa compreensão da realidade.

7. Do conhecimento acima do razoável sobre como funciona o mundo.

8. De perfeito discernimento a respeito dos limites entre o público e o privado.

9. De paciência extrema quando necessário, tolerância zero se for preciso e sabedoria para distinguir as duas situações.

10. Da reverência absoluta, religiosa mesmo, à Constituição.

11. De compreensão do peso e do papel de cada uma das Instituições.

12. Das boas maneiras, dos modos lhanos.

13. Do respeito ao uso correto do Idioma nacional.

14. Da compreensão estreita sobre as limitações do poder.

15. Do compromisso inequívoco com o bem-estar coletivo.

16. De astúcia e conhecimentos suficientes para reunir as melhores pessoas na formação de equipes e saber coordená-las.

17. Da serenidade para se conter diante das permissividades do poder.

18. Do talento para inspirar e motivar as pessoas.

19. Da propensão para o exercício da amabilidade combinada com firmeza.

20. Do senso de urgência para as necessidades do público.

21. De coragem para fazer o que é preciso, ainda que ao custo de enfrentamentos à primeira vista impopulares.

22. Da consciência da autoridade inerente ao cargo sem resquício de concessão ao autoritarismo.

23. Do apreço pela transparência.

24. De resistência a pressões indevidas.

24. Da disposição de ceder a demandas pertinentes, ainda que ao custo de recuos.

Desnecessário que o candidato gabarite o teste. Mas inaceitável que não se enquadre em nenhuma das alternativas.

*** DORA KRAMER

OUTROS OLHARES

JOGOS (NADA) INOCENTES

Criança e adolescentes se tornam alvos fáceis de negócio atrás do dinheiro gerado por dados, anúncios publicitários e compra dentro de jogo e aplicativo

Enquanto trabalhava em casa durante a pandemia, em Wilton, Connecticut, na Costa Leste do Estados Unidos, a corretora de imóveis Jessica Johnson, de 41 anos, não percebeu que o mais jovem de seus dois filhos tinha ido às compras em seu iPad. Em julho, o garoto de 6 anos comprou anéis vermelhos a U$ 1,99 e de ouro a U$ 99,99 apena com alguns cliques. Nenhuma das compras era de objeto reais, e, sim, de pacotes adicionais ao jogo Sonic forces que lhe permitiram acessar novos personagens emais velocidade, gastando centenas de dólares de cada vez. Em apenas um dia, a criança chegou a gastar U$ 2.500 (cerca de R$ 13.500). Quando Johnson descobriu que a Apple e o PayPal estavam retirando quantia pesadas de sua conta no Chase, ela chegou a pensar que era uma fraude ou erro. Confusa, ligou para o banco. “A forma como as cobranças são agrupadas tornou quase impossível descobrir que eram de um jogo”, disse ela em entrevista à imprensa americana. No total, o menino gastou US 16 mil (cerca de RS 85 mil).

Os jogos eletrônicos e aplicativos, em geral, são feitos para viciar. O tempo de engajamento é uma das principais métricas da indústria de tecnologia, todo o desenvolvimento é pensado para atrair e manter a atenção dos usuários. Com menor discernimento, crianças e adolescentes se tomam alvos fáceis de negócios atrás do dinheiro gerado por dados, anúncios publicitários e compras. Isso pode comprometer a saúde dos jovens e preocupa pais, responsáveis e o próprio setor, que dá passos em direção à maior proteção desse público. De acordo com a última edição da pesquisa TI Kids Online, realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, 89% dos brasileiros entre 9 e 17 anos estão conectados, e os smartphones são o principal dispositivo para o acesso à rede, sendo usados por 98% dos jovens internautas.

Em média, dois em cada dez relatam algum tipo de problema relacionado com o uso excessivo, como deixar de comerou dormir ou passar menos tempo com as família e os amigos. “As famílias precisam perceber que crianças e adolescentes não são miniadultos. O cérebro deles está em desenvolvimento”, alertou a pediatra Evelyn Einstein,membro do Grupo de Trabalho sobre Saúde na Era Digital da Sociedade brasileira de |Pediatria (SBP). “Eles não podem passar oito horas por dia conectados, precisam de tempo para outras atividades, para os exercícios físicos”.

Existem leis que regulam a forma como as companhias de tecnologia devem lidar com esse público, principalmente no tocante à privacidade, como a americana Children’s Online Privacy Protection Act (Coppa, Lei de Proteção à Privacidade da Criança, na tradução do inglês), que exige o consentimento dos pais para a coleta de dados de menores de 13 anos. Na Europa, o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados também oferece proteção a menores de 16 anos. No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) tem um artigo específico e em destaque dado por pelo menos um dos pais ou pelo responsável legal” e que informações sobre o tratamento de dados sejam “fornecidas de maneira simples, clara e acessível, consideradas as características físico-motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais e mentais do usuário, (…) adequada ao entendimento da criança”. A própria Constituição tem artigo que cita como dever da família, da sociedade e do Estado a proteção de crianças e adolescentes. Temos ainda o Estatuto da Criança e do Adolescente, que garante a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral”, ressaltou a advogada Patrícia Peck, especialista em Direito Digital e presidente do Instituto iStart

Mas a privacidade é apenas um dos aspectos dessa indústria. “Os jogos de vídeo games aplicam um método que a gente conhece como persuasão. Começam fáceis, para o jogador se ambientar, depois dão as recompensas, com ponto e itens. Sem perceber, o jogador fica dependente”, destacou Eisenstein, da SBP. O problema é tão grave que transtornos relacionados ao jogo eletrônico foram classificados como doença pela Organização Mundial da Saúde. Para ajudar desenvolvedores, que em geral têm formação em áreas tecnológicas, não em humanas, o Unicef criou um guia para orientar o design de jogos e aplicativos para crianças. “Quando a criança está no centro, temos de tomar alguns cuidados. Desde os mais simples, como o controle parental, até a mecânica e o conteúdo”, explicou Luiza Guerreiro, CEO da Explot, que desenvolve aplicativos infantis. Segundo ela, existe um problema com o modelo conhecido como “freemium”, onde o uso é gratuito, mas há venda de itens dentro do app. “Aplicativo que são oferecidos de graça precisam que os usuários gastem muito tempo ali”.

Esse modelo, muito difundido na indústria, também monetiza os desenvolvedores via publicidade, com excesso de anúncios. Diferente de outros meios, como a televisão, não existe um órgão de autorregulação da propaganda na internet. “Pode acontecer de num aplicativo infantil aparecer um anúncio que não é adequado para aquela faixa etária”, alertou Guerreiro. A desenvolvedora chama a atenção ainda para jogos e aplicativos que não são criados com foco nas crianças, mas acabam endo acessados pela garotada, como as redes sociais. Em geral, elas adotam a idade mínima de 13 anos, mas são usadas por mais jovens. Segundo a TIC Kids Online, 28% das crianças com 9 ou 10 ano e 51% das de 11 e 12 anos fazem uso dessas plataformas. “Não dá para jogar toda a responsabilidade para os desenvolvedores.  É uma via de mão dupla, famílias também precisam assumir sua parte”, disse Guerreiro.

O aplicativo TikTok, que é proibido para menores de 13 anos, vem reforçando sua medida de proteção para menores de idade. No início da configuração-padrão de contas de usuários entre 13 e 15 anos para privada, removeu a publicação de comentários por desconhecidos e proibiu o download de vídeos, publicados por eles. “As novas configurações para as contas definem um patamar mais elevado de segurança para a privacidade dos usuários”, afirmou Tracy Elizabeth, líder global de Política de segurança de menores do TikTok. Por meio desse engajamento dos adolescentes desde cedo na jornada da privacidade, esperamos ajuda-los a tomar decisões mais conscientes sobre sua presença on-line”.

Existe ainda a questão das compras, que dão dor de cabeça para muitos pais. Para maximizar os lucros, as empresas de tecnologia investem tempo e dinheiro para simplificar o processo. A Amazon se tornou referência ao lançar, ainda no século passado, a compra com um clique onde todas as informações de crédito eentrega ficam pré- cadastradas. Hoje, a prática é difundida por toda a indústria, e avançou tanto que o ato de comprar ficou tão simples que pode ser realizado por uma criança.

Foi isso que aconteceu na casa do juiz trabalhista Fábio Câmera Capone, que, em meio à pandemia, deixou seu filho Guilherme, de 4 anos, jogar Roblox em seu console Xbox. ”Ele passou a manhã jogando, paramos para almoçar e voltei a trabalhar, em home office. Quando chequei meu e-mail, vi uma mensagem da Microsoft agradecendo a aquisição de 350 robux, que é a moeda usada no jogo, por R$ 400″, relembrou Capone. “Imediatamente, solicitei o ressarcimento, dizendo que a compra tinha sido feita por engano por uma criança, e a resposta que me deram foi que o cancelamento não era possível por ser um produto consumível.” Ciente de seus direitos, Capone apresentou uma queixa no Procon e publicou seu relato no site Reclame Aqui.

Para Guilherme Farid, chefe de gabinete do Procon- SP, jogos e aplicativos, muitas vezes, não expõem claramente que o cartão cadastrado para uma compra continua habilitado para outras. Além disso, os consumidores têm o direito ao arrependimento. “Crianças e adolescentes não têm condição de realizar uma compra. Não à toa, a empresa tem negociado com os consumidores”, disse Farid. “A Roblox colocou o mercado de games em nosso radar. Trata-se de um setor que precisa ser acompanhado. Além das questões de pagamento, é preciso estar atento a outros pontos, como a publicidade direcionada à criança.”

Alguns dias depois da queixa de Fábio Capone, a Microsoft entrou em contato com o juiz para resolver a questão, com o estorno do valor da compra e a remoção das moedas no jogo: “Se eu não tive acionado o Procon, a resposta dele já tinha sido negativa. Mas eu estava disposto a seguir atrás dos meus direitos, nem tanto pelo valor, mas pela sensação de injustiça”.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 15 DE FEVEREIRO

NÃO SEJA AVALISTA, ISTO É PERIGOSO

Quem fica por fiador de outrem sofrerá males, mas o que foge de o ser estará seguro (Provérbios 11.15).

O fiador é aquele que dá garantias de que o devedor irá cumprir sua palavra e pagar suas dívidas; caso contrário, ele mesmo arcará com esse ônus. O fiador empenha sua palavra, sua honra e seus bens, garantindo ao credor que o devedor saldará seus compromissos a tempo e a hora. O fiador fica, assim, obrigado, mediante a lei, a pagar em lugar do devedor caso este não cumpra seu compromisso. Multiplicam-se os exemplos dos muitos sofrimentos e prejuízos sofridos pelos fiadores. Há pessoas que perdem tudo o que granjearam com seu trabalho honrado para pagar as dívidas dos outros. Não poucos, de boa-fé, ficaram por fiadores de gente desonesta e acabaram pobres e desamparados. A Bíblia nos alerta a fugir dessa prática. Quem foge de ser fiador estará seguro. Não temos a responsabilidade de financiar a irresponsabilidade dos outros. Não podemos comprometer o sustento e a estabilidade financeira da nossa família para assegurar os negócios arriscados daqueles que nos pedem um aval. Fuja de ser avalista. Esse é um caminho escorregadio, e o fim dessa linha é o desgosto.

GESTÃO E CARREIRA

A CRISE DOS ESTAGIÁRIOS

A taxa de desemprego entre os jovens é de 31% – o dobro do índice geral. Por trás disso, temos uma tempestade per feita, que junta economia débil, pandemia e mudanças na estrutura do mercado de trabalho. Entenda.

O Brasil atingiu a sua maior taxa de desemprego na história. Você já sabe: são 14 milhões de pessoas que buscam trabalho e não encontram – o que dá 14,3% da população economicamente ativa no terceiro trimestre. O número assusta, mas tem um outro, tão preocupante quanto: o do desemprego entre jovens. Segundo o IBGE, 31% das pessoas entre 18 e 24 anos estão procurando um emprego para chamar de seu, e dando com a cara na porta. Ou seja: essa é a situação de um a cada três jovens – contra uma proporção de um a cada sete na média geral. Trata-se da maior já registrada. Um recorde que ninguém gostaria de bater.

Dados do CIEE mostram que os primeiros meses da pandemia foram os mais difíceis. Em abril, a contratação de estagiários caiu 83%. E, mesmo com um aumento gradual das ofertas de emprego, a realidade ainda está longe do patamar de 2019. Entre janeiro e outubro, foram 38% de contratações a menos.

Além da seca de novas contratações, houve a tempestade de demissões. Foi o que aconteceu com Carolina Santos, de 26 anos. A estudante de Administração estava há um ano e dez meses estagiando em uma empresa alimentícia em São Paulo quando recebeu, em setembro, a notícia de que seria demitida por conta de um corte de custos. “Isso me deixou em uma saia justa, porque o trabalho estava fluindo, eu estava aprendendo coisas de outras áreas e seria efetivada em poucos meses. A demissão veio do nada, no meio de uma crise, e preciso trabalhar para pagar a faculdade.”

Nos últimos meses, Carolina já participou de cinco processos seletivos e não conseguiu passar em nenhum. O motivo é que ela se forma no primeiro semestre de 2021 e as empresas não querem contratar – um problema comum entre alunos em fim de curso.  “Teriam que me demitir ou me efetivar com pouco tempo de emprego. Nas vagas CLT, querem que eu esteja formada e que tenha experiência, mas, para conseguir experiência, preciso trabalhar. Caí nesse ciclo sem fim.”

Wemerson Parreiras, de 21 anos também está em uma corrida contra o tempo. O mineiro nascido em Betim, estuda Engenharia de Produção e já trabalha como estagiário em uma empresa que fornece equipamentos industriais ”É o meu primeiro estágio. Demorei para conseguir porque não tinha experiência, e as companhias sempre pedem isso. Fiz vários processos seletivos até conseguir passar nesse. Concorri com outros 300 candidatos.”

O problema é que o contrato de Wemerson termina em fevereiro. Ele já precisava ter outro emprego na agulha, mas, até agora, nada. “Se antes da pandemia já estava difícil, agora está dez vezes pior.”

PRECARIZAÇÃO

75% dos estagiários contribuem com o orçamento familiar, segundo um levantamento da Companhia de Estágios, uma empresa de recursos humanos especializada na área. E estamos falando daquele salário magrinho de estagiário, claro: 53% recebem até um salário mínimo. A pandemia pressionou ainda mais a parte financeira, já que os pais desses jovens também perderam o emprego ou sofreram redução salarial. “Procurar um estágio para complementar a renda não chega a ser uma situação grave, mas acende um sinal amarelo. Ele vai deixar de fazer um curso ou comprar um livro para contribuir com arroz e feijão. E o foco do estágio não deveria ser esse, e sim a busca por experiência para complementar a formação”, diz Tiago Mavichian, CEO da Companhia de Estágios. O estudo ainda apresenta um agravante: o aumento do número de estagiários que trabalham praticamente de graça, sem receber bolsa-auxílio. O salto foi de 4% em 2019 para 10%. Acontece o seguinte: a Lei de Estágio determina dois tipos de atividade, a obrigatória e a facultativa. No primeiro caso, o estágio faz parte da grade curricular; ou seja, o estudante precisa estagiar para receber o diploma. Por causa disso, as empresas não precisam pagar salário – se precisassem, a obtenção do diploma estaria condicionada às flutuações do mercado de trabalho. Essa modalidade é comum nos cursos da área da saúde, além de Pedagogia e em licenciaturas (Letras, História, Matemática e outros que capacitam o formando a dar aulas).

No caso do estágio não obrigatório, a lei prevê o pagamento de auxílio-transporte, seguro contra acidentes pessoais, férias remuneradas e bolsa-auxílio ou “outra forma de contraprestação”. Aí é que está a pegadinha. Essa contraprestação pode ser, por exemplo, o pagamento da mensalidade da faculdade ou de algum curso.

A alta registrada na pesquisa não está relacionada ao aumento no número de estudantes em cursos que exigem o estágio. Vamos aos fatos. A quantia de alunos que ingressam em cursos de bacharelado é maior que os de licenciatura. De acordo com o lnep, em 2019, 66% dos universitários eram de bacharelado, contra 19,7% de licenciatura e 14,3% de tecnólogos. Os dados de 2020 ainda não foram divulgados, mas é improvável uma mudança nesse cenário, já que essa proporção se mantém desde 2009.

Além disso, dos dez cursos que mais formaram profissionais, só quatro fazem parte dos que exigem o estágio obrigatório (Pedagogia, Enfermagem, Psicologia e Educação Física com formação de professor), e eles somam 233 mil dos 1,2 milhão de universitários que vestiram a beca em 2019.

Por fim, os dados históricos do levantamento da Companhia de Estágios registravam uma queda de estagiários sem bolsa-auxílio antes da crise: de 17% (em 2016 e 2017) para 6% (2018) e depois 4% (2019). Com a pandemia, a prática voltou a crescer, e agora um em cada dez estagiários trabalha sem ser remunerado basicamente pela esperança de que surja uma vaga CLT até o final do contrato.

Como toda essa precarização, a taxa de inadimplência nas faculdades tem aumentado, idem para o número de jovens que desistem da universidade. Segundo dados do Sindicato de Mantenedoras dos Estabelecimentos de Ensino Superior, a quantidade de alunos que deixaram de pagar mensalidades aumentou 30% no primeiro semestre de 2020. Já a evasão universitária subiu 14% – 423 mil alunos trancaram seus cursos.

NEM ESTUDA, NEM TRABALHA

A dificuldade para os mais jovens é um clássico do mercado de trabalho. No primeiro trimestre de 2012, a taxa de desemprego no grupo de 18 a 24 anos era de 16,4%, enquanto a média nacional estava em 7,9%.

A falta de emprego deu um salto em 2015, por conta da recessão iniciada no ano anterior. A distância entre a taxa geral e a dos mais jovens aumentou, e seguiu crescendo desde então.

“A ausência de um crescimento econômico expressivo nos últimos anos impede que as empresas absorvam todos os jovens que estão entrando no mercado. Não tem espaço. Além disso, os profissionais mais velhos estão se aposentando cada vez mais tarde, porque o valor pago pelo INSS não é suficiente para se manter”, afirma Marcelo Gallo, superintendente nacional de operações do CIEE.

Tem mais. Com as empresas sem dinheiro, é cada vez mais comum esticar os contratos de estágio até não poder mais. A companhia pede para o estagiário adiar a entrega do TCC, por exemplo, para poder continuar contando com a mão de obra barata por mais tempo.

Os cenários que vimos aqui têm a ver com baixo crescimento econômico. Se o PIB voltar a crescer com alguma força, tudo muda de figura. Mas há outra questão, que parece mesmo ser um caminho sem volta: o mercado de trabalho passa por uma mudança drástica no mundo todo. A ascensão dos robôs deixou de ser ficção científica, e tem destruído vagas menos qualificadas, justamente aquelas que são ocupadas pelos mais jovens (e pelos mais pobres, mas aí é outra história, ainda mais complexa). O telemarketing, por exemplo, sempre foi uma porta de entrada para quem não tinha experiência e precisava de emprego. Nos últimos anos, porém, o número de vagas na área diminuiu brutalmente por conta dos sistemas de inteligência artificial, que fazem o trabalho sozinhos sem pedir salário em troca.

Nisso, cada vez mais jovens ficam na mão, no mundo todo. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) prevê que o número de jovens que não trabalham nem estudam – os famosos “nem-nem” – chegue a 273 milhões de pessoas em 2021 (eram 259 milhões em 2016).

O presidente da Associação Brasileira de Estágios (Abres), Carlos Henrique Mencaci, ressalta que a baixa escolaridade agrava a situação do Brasil. “A gente tem um problema na qualidade da educação básica que dificulta a entrada no ensino superior. No final, isso afeta a empregabilidade e o salário. E, se formos analisar a vida desse jovem como um todo, vai interferir na renda familiar, moradia, estudo e saúde dos filhos.”

De fato, apenas 21% dos brasileiros de 25 a 34 anos têm diploma universitário, de acordo com a OCDE. É a média mais baixa entre as nações analisadas na América Latina. A Argentina lidera o ranking, com 40%. Depois vêm Chile (34%), Colômbia (29%) e Costa Rica (28%). Além disso, o IBGE identificou que a escolaridade dos pais é decisiva na vida acadêmica dos filhos. 69% das pessoas cujos pais fizeram faculdade seguiram o mesmo caminho. Já entre aqueles cujos pais não estudaram, apenas 4,6% terminam um curso superior.

DESALENTO

“Se ninguém contrata, então porque mandar currículo?” É isso que uma parte dos jovens tem pensado. Dados do IBGE mostram que o número de desalentados, ou seja, daqueles que desistiram de buscar por uma vaga e nem como desempregados contam mais, triplicou entre 2014 e 2018, chegando a 1,7 milhão de jovens. Além disso, a pesquisa da Companhia de Estágios identificou que a maioria dos candidatos de até 24 anos não é chamada para uma entrevista de emprego desde 2018 (56% no caso dos estagiários e 61% dos formados). E, quando parecia que não tinha mais para onde piorar, veio a pandemia. O IPEA estima que 30% dos jovens que ainda mantinham a esperança acesa deixaram de procurar emprego em 2020.

Lorena Ávila, de 23 anos, faz parte do grupo que está sem trabalho há mais de um ano. Nascida em Santo André (SP), ela se formou em Jornalismo em dezembro de 2019, mas não consegue se recolocar no mercado desde julho do mesmo ano. “Comecei a estagiar em 2018 na agência-escola da faculdade e depois passei seis meses em um jornal do ABC paulista. Mando currículo todos os dias, de domingo a domingo, mas a maioria nem responde.”

O desemprego é só um dos problemas. Lorena também está sentindo na pele a crise econômica causada pela Covid-19. Seus estágios não eram remunerados. Como tinha bolsa de estudos e a família estava com as finanças em dia, ela guardava o pouco dinheiro que recebia de alguns trabalhos freelancers e do auxílio-transporte – chegou a juntar RS 3 mil. Acontece que os pais dela tinham duas lanchonetes e um restaurante, e com o isolamento social os negócios encolheram para uma lanchonete só. Lorena usou o dinheiro para ajudar nos negócios. “Você não consegue um emprego e começa a ver o tempo passar. A parte mais difícil de lidar é a emocional.”

MENOS LIVROS, MAIS CONTAS

Dos jovens que conseguem entrar no mercado de trabalho, a grande maioria precisa ajudar nas contas de casa.

O ELO MAIS FRACO

A taxa de desemprego entre os jovens sempre foi mais alta do que em outras faixas etárias. E o indicador disparou a partir de 2015.

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

ARTES DA LOUCURA

Obras produzidas por pessoas com transtornos mentais podem estabelecer comunicação entre o universo psíquico e o mundo exterior

A proximidade entre arte, genialidade e doenças psiquiátricas tem exercido, ao longo dos séculos, verdadeiro fascínio sobre cientistas. Já na Antiguidade, o filósofo grego Platão qualificou mania – a “exaltação da alma”- como presente dos deuses a artistas e poetas. No diálogo Fedro, ele escreveu: “Ora, toda grandeza se dá no âmbito da loucura”. Mais de 2 mil anos depois, em 1811, o médico americano Benjamin Rush (1745-1813) observou algo bem parecido acerca da força criativa do “enlouquecimento”: “Mediante uma exaltação sobrenatural, a porção do cérebro livre da manifestação atinge um patamar de consciência capaz de revelar dons até então ocultos”.

Rush comparou a esquizofrenia a um terremoto que desloca placas tectônicas do “espírito civilizado” e libera um potencial submerso equivalente a fósseis valiosos. Essa perspectiva romântica da doença mental ressurge com frequência no pensamento científico. Não se trata, entretanto, de fixar correlações entre criação artística e esquizofrenia: a doença, em si, não faz de ninguém um artista. Trata-se de reconhecer características peculiares nas obras e perceber o que talvez seja uma luta desesperada para reencontrar o self perdido e sua antiga constituição. Para essas pessoas pode ser mais confortável buscar, em vez de na vida real, a identidade no universo hermético da obra de arte. O paciente esquizofrênico parece recobrar, mediante a criação plástica, um momento inestimável de sua liberdade de ação.

No fim do século XIX, o psiquiatra e antropólogo italiano Cesare Lombroso (1835-1909) popularizou a visão romântica das relações entre arte e doenças mentais. Em seu trabalho Gênio e loucura, de 1888, ele analisou importantes pintores e escritores de seu tempo e encontrou sinais de “vulnerabilidade psíquica” relacionada a aspectos genéticos. Ele parecia influenciado pela teoria psiquiátrica da degenerescência, em voga na época, segundo a qual a humanidade estaria sujeita à decadência hereditária. Cinquenta anos depois, os nazistas retomaram as concepções de Lombroso, sobre as quais impuseram seu próprio viés. Na célebre exposição itinerante Arte degenerada (1937-1941), foram mostrados trabalhos de doentes mentais ao lado de obras de artistas contemporâneos, com o intuito de reduzir produções modernas à condição de “doentias” e “desvirtuadas”. Ao mesmo tempo, pintores surrealistas enalteciam os trabalhos de portadores de distúrbios psíquicos como criações revolucionárias, anti racionais, expressões do inconsciente livre de amarras.

Há, de fato, intersecção entre criatividade artística e doenças psíquicas. O pintor alemão Friedrich Schrõder­Sonnenstern (1892-1982) iniciou sua produção logo após manifestação de distúrbio mental. O poeta, pintor e compositor suíço Adolf Wõlfli (1864-1930) criou seu próprio vocabulário e um sistema numérico, além de uma espécie de mitologia particular. Já o holandês Vincent van Gogh (1853-1890) pintava antes do surgimento da psicose. Outros pintores como o norueguês Edvard Munch (1862-1944) e o suíço Louis Soutter (1871-1942) também são conhecidos por seu histórico de distúrbios mentais. Acreditamos que, na maioria dos casos, um artista não cria grandes obras em virtude de seus transtornos psíquicos, mas apesar deles.

ESTILO ORIGINAL

A psicose, entretanto, parece operar uma transformação na forma de expressão e no estilo. Talvez por isso Van Gogh tenha pintado suas telas mais importantes nos primeiros quatro anos e meio a contar da manifestação da doença. Também Munch criou muitos de seus trabalhos mais conhecidos por volta de 1895, durante severas crises de depressão e abuso de álcool. Evidentemente, nem todos os artistas com transtornos mentais se tornam célebres. A imensa maioria permanece no anonimato, em arquivos de instituições. Uma coleção bastante conhecida de criações de artistas esquizofrênicos leva o nome do psiquiatra e historiador da arte alemão Hans Prinzhorn 11886-1933). Em 1919 ele encarregou o então diretor da clínica psiquiátrica de Heidelberg, o médico Karl Wilmanns (1873-1945), de organizar um “museu para a arte patológica”, com a produção plástica de doentes mentais. Três anos depois Prinzhorn deixou Heidelberg e os planos não se concretizaram. O projeto possibilitou, entretanto, reunir produções de diversos estabelecimentos psiquiátricos, inclusive de fora da Alemanha. Entre 1885 e 1925, foram selecionados cerca de 5 mil trabalhos de aproximadamente 450 internos. Sem influência de medicamentos antipsicóticos, inexistentes na época, essas obras revelam características peculiares, ao mesmo tempo universais e singulares. São desenhos ou guaches, pinturas a óleo, trabalhos com fiação e tecidos, colagens e esculturas de madeira. Os pacientes improvisaram cores e formas usando materiais à sua disposição no hospital: folhas de papel ofício, calendários, formulários, jornais ou papel higiênico. Surgiu daquele material uma profusão de cores em obras de arte providas de certa engenhosidade e, é preciso reconhecer, ímpares. Com essa produção, Prinzhorn organizou o livro Expressões da loucura (1922), considerado referência no estudo da relação entre distúrbios psíquicos e arte. O psiquiatra analisou e classificou as obras segundo sinais figurativos característicos, de simples rabiscos a exemplares simbolicamente bastante complexos. Em dez peças escolhidas na coleção, ele conseguiu relacionar a obra à história de vida do autor, resgatando a individualidade dos pacientes. Como o processo de criação era voluntário e não precedido de preparação, restava saber o que impelia os portadores de transtornos psíquicos a expressar-se daquela forma. Prinzhorn acreditava que cada pessoa contém em si um ímpeto criador, escondido sob o processo civilizatório. A esquizofrenia possibilitava a expressão desse impulso, mesmo em indivíduos sem nenhum conhecimento artístico.

Era precisamente essa a concepção de artistas de vanguarda. Criações muitas vezes excêntricas e grotescas eram, para eles, formas originais da expressão figurativa, comparáveis à arte produzida por crianças ou povos primitivos. Com essa forma de interpretação, o desenhista e escritor austríaco Alfred Kubin (1877-1959) visitou o acervo de Heidelberg e redigiu um relatório surpreendente a respeito da coleção. O trabalho de Prinzhorn acabou influenciando também Salvador Dalí, Paul Klee, Max Ernst e Pablo Picasso, entre outros representantes do surrealismo europeu. A história posterior do acervo reflete mudanças culturais do século passado. Numerosas exposições foram organizadas até 1933, quando os nazistas passaram a usar as obras como propaganda ideológica. Com o fim da Segunda Guerra Mundial (1945), a coleção caiu no esquecimento e somente na década de 60 voltaram a ser realizadas algumas pequenas mostras do acervo. No início dos anos 80, a médica lnge Jádi, da clínica psiquiátrica da Universidade de Heidelberg, submeteu as obras a processo científico de catalogação e conservação, preparando-as para apresentações em Londres, Lisboa e Nova York. Em setembro de 2001 a coleção foi reunida na exposição permanente Visão de Wilmanns, em Heidelberg, para inauguração do Acervo Prinzon.

EXPRESSÃO INCONSCIENTE

O símbolo oficial da coleção é uma tela de Josef Forster (1878-?), paciente da clínica Regensburg. A obra, produzida em 1916, traz a forma delicada de um homem sustentado por longas pernas de pau com pesos em suas extremidades. Distante do chão, ele se equilibra sobre muletas, parecendo flutuar. Seu rosto está coberto por um tecido, como máscara ou mordaça. No canto superior direito da gravura, Forster escreve: “Temos aqui algo a representar uma pessoa já sem o peso incômodo de seu corpo; ela pode, nessa medida, com mais velocidade mover-se pelo ar”. De fato, a tela mostra uma pessoa que parece já não sentir o próprio corpo, não tem o chão firme sob os pés e busca se conceder, pela arte, um peso que, de outro modo, já não experimenta; talvez a enfermidade tenha lhe roubado a capacidade natural de comunicar-se. O paciente empreende sua busca “sobre pernas de pau”, sem contato com as pessoas: é o modo como encontra o seu caminho. Mesmo assim expressa possibilidade de alegria: capacidade de criar é, assim, “se locomover pelo ar a grande velocidade. O psiquiatra suíço Ludwig Binswarger (1881-1966) descreveu esse traço como maneirismo ou extravagância. Segundo seus estudos, falta “aderência ao esquizofrênico, que teria perdido o chão de sua existência e o contato com os outros; por isso precisaria do auxílio da arte solitária. Binswanger complementou sua análise com a declaração de um de seus pacientes: “Sou lançado ao mundo preso apenas por uma linha: a qualquer momento esse fio pode ser cortado e eu irei embora de vez”.

As possibilidades de expressão dos portadores de transtornos mentais transcendem o ímpeto constitutivo desordenado. Os esquizofrênicos são com frequência inundados por associações e sensações expressas de maneira intensa – um processo difícil de ser descrito com precisão. Abre-se, assim, para o doente, um mundo individual e peculiar, onde ele pode dar forma e organizar vivências inominadas e, para ele, ameaçadoras.

CONTRA ALUCINAÇÕES

Pintar ou desenhar significa a possibilidade de imputar, a esquemas internos, uma forma concreta, visível. O paciente pode atribuir, à imagem por ele criada, a leveza que não encontra a realidade. Se o esquizofrênico é condenado à passividade ante suas vivências psicóticas, ele confere à sua criatividade plástica uma experiência de “efeito-resposta”. O esquema interno é sucedido pela ação, que pode levá-lo a ancorar-se novamente na realidade. Alguns artistas esquizofrênicos como Adolf Wolfli conseguiram deslocar o foco de suas alucinações. O artista americano Richard Lachman, nascido em 1928, mostra esse movimento. Seu trabalho The voices never stop foi concebido durante uma aguda crise psicótica.

Podemos imaginar como é, para pessoas como Lachman, ser conduzido por vozes. “No período de internação eu as ouvia me dizendo o que fazer. Quando pintei o quadro, estava tão doente que já não conseguia distingui-las de meu pensamento. Eu me via sob ataques e agressões de pessoas e forças à minha volta.” Mais tarde Lachman contou como lhe foi possível, durante as crises, comunicar algo, e assim se fortalecer psiquicamente deixando a condição de vítima para adquirir alguma autonomia por meio da arte. “Em vez de direcionar os pensamentos para mim mesmo, passei a, de novo, entabular relações com os outros.”

O paciente pode se expressar em um espaço simbólico protegido como sujeito determinado e ativo. O objeto de sua criação ocupa o lugar do outro ou do espelho no qual ele reconhece seu próprio mundo, ainda que desfigurado. Com sua produção artística oferece informações a outras pessoas, mesmo que o universo de conteúdos abstratos, cores e formas com o qual estamos acostumados nem sempre seja compatível com representações mais elaboradas.

A mudança no conceito de arte no século XX permite observar as excentricidades dessas criações, sem considerá-las – ou a seus autores – estritamente sob a óptica da doença. Na expressão da dor, amenizada artisticamente nesses quadros, é possível apreender algo sobre a tragicidade da condição humana em face do insondável abismo da alma: as imagens representam pontes para o mundo do paciente – mesmo que demoremos a reconhecê-las como tal.

TALENTOS BRASILEIROS

Em 1957, durante o Segundo Congresso Internacional de Psiquiatria, em Zurique, o suíço Carl Gustav Jung, criador da psicologia analítica, viu, pela primeira vez, as obras de arte produzidas por pacientes internados em hospitais psiquiátricos no Brasil. O trabalho o surpreendeu. “Fiquei impressionado com a pintura dos brasileiros, pois elas apresentam, no primeiro plano, características habituais da pintura esquizofrênica, mas em outros planos há harmonia de formas e de cores que não é habitual nesse tipo de obra”, comentou. A grande incentivadora da expressão do inconsciente foi a psiquiatra Nise da Silveira (1905-1999), fundadora do Museu das Imagens do Inconsciente. Trabalhos dos pacientes psiquiátricos Arthur Bispo do Rosário (1911-1989) e Adelina Gomes (1916-1984) se destacam. Ela produziu cerca de 17.500 peças, entre quadros e esculturas. Bispo costumava dizer que suas peças eram “uma homenagem aos anjos e à Virgem Maria” e, no dia do juízo final, seriam “apresentados ao Todo-Poderoso”. Sua obra ultrapassou os limites do manicômio e em 1995 foi exposta na Bienal de Veneza.

INTERMINÁVEIS CALENDÁRIOS DA MORTE

Muitos trabalhos do Acervo Prinzhorn revelam conteúdos carregados de racionalidade. É o que mostram as telas do comerciante alemão Heinrich Josef Grebing (1879-1940), impregnadas de conteúdo quase lexical. Grebing foi vítima de psicose aguda que transformou completamente sua vida. Ele reunia informações desesperadamente, produzia listas intermináveis, criava calendários, ordenava colunas de números posteriormente ornamentadas com requinte artístico, como se buscasse um antigo significado para fenômenos, situações e para a própria vida. A atividade tornou-se obsessiva: numa folha de papel coberta com números minúsculos que representavam a contagem de centenas de anos, o surgimento de um erro o levava a cancelar o cálculo, arruinando seu trabalho, reiniciado posteriormente. Além desse, Grebing escreveu calendário mórbido, acreditando que a disposição dos algarismos escondia a numerologia da morte.

Grebing parece revelar a fragilidade do mundo, dos construtos de pensamentos enganosos. Seus trabalhos costumam ser descritos como “obras de arte do engano”. Embora não tenham sido concebidas como contraposição à ameaça de morte e da dissolução egóica, tinham uma função organizadora para o paciente.

EU ACHO …

TER VACINA VIROU DIFERENCIAL

Líderes com vacina crescem, os sem-vacina perdem popularidade

Deu a louca no mundo – e isso não é novidade nenhuma na era do coronavírus. Ridicularizado como um líder indeciso e hesitante, que falava uma coisa e fazia outra menos de 24 horas depois, Boris Johnson está com o prestígio em alta. A pioneira campanha de vacinação no Reino Unido virou um motivo de orgulho nacional. Enquanto isso, a venerada Angela Merkel amarga um desencanto sem precedentes: a lerdeza e a paquidérmica burocracia da União Europeia, aquém a primeira-ministra confiou as negociações conjuntas sobre a compra das vacinas para os 27 países-membros, provocam revolta e indignação. A situação não é muito diferente para Emmanuel Macron, que tomou a atitude nada esclarecida de desdenhar dos ingleses e de uma das suas vacinas, a Oxford/AstraZeneca, uma atitude extraordinariamente parecida com a de uma certa raposa que não alcançava um apetitoso cacho de uvas. Para complicar, o sem-vacina Macron tem no encalço uma adversária capaz de fazer um vinagre duro de engolir com qualquer uva verde, Marine Le Pen. Uma pesquisa chocante deu à sua adversária garantida na próxima eleição presidencial 48% das preferências. Apenas 34% dos franceses apoiam o modo como Macron conduz a crise do corona.

A eleição na França é só no ano que vem e até lá todos os franceses deverão estar vacinados, espera-se. O que conta é a janela de oportunidade do momento atual e como ela está sendo aproveitada: os com-vacina avançam para um planejamento realista da normalização de atividades, inclusive os tratamentos médicos suspensos pela pandemia; os outros esperneiam. A vacinação rápida e eficiente não traz automaticamente o sonhado “passaporte verde”, que permitiria liberdade de viajar e trabalhar. Mas é muito melhor ter pelo menos os grupos de risco vacinados.

O mundo da era do vírus não se comportou melhor ou pior do que o anterior. Em lugar da nobre e solidária ação conjunta, cada país saiu correndo para proteger os seus – pelo menos, entre os que entendem a relação entre dominar a pandemia e ganhar eleição. A tentativa de ação coletiva feita pela União Europeia redundou no atual fiasco. Melhor nem falar nas iniciativas da ONU. O impulso de autopreservação, salpicado pelo conhecido perfume de nacionalismo, funcionou. Sem dinheiro e competição ao velho estilo, ambos em grandes quantidades, não teria sido possível chegar ao extraordinário número de vacinas de eficácia já comprovada. China e Rússia também captaram rapidamente o potencial da “diplomacia da vacina” – e a dependência dos sem-imunizantes ficou demonstrada em todos os seus humilhantes detalhes no caso do Brasil. A corrida das vacinas tem sido comparada ao Grande Jogo, a disputa por domínio e recursos na Ásia Central, na virada do século XIX, entre a Grã-Bretanha e a Rússia, na época do imperialismo puro e duro. As disputas hegemônicas da erado coronavírus são travadas inteiramente com soft power. Quem é bom em pesquisa e desenvolvimento tem poder. Quem não chegou lá tem de ser esperto. “A sorte favorece as mentes preparadas”, ensinou Louis Pasteur, o genial precursor da microbiologia e pai da vacina antirrábica.

*** VILMA GRYZINSKI

OUTROS OLHARES

DÉFICIT DE BEBÊS

Nada de baby boom. Na pandemia, o que se observou foi um declive nos índices de natalidade, acentuando uma tendência que vinha de antes – e já faz populações começarem a encolher

No começo do ano em que todo mundo ficou preso em casa, imaginou-se aquilo mesmo: que o resultado de tamanha proximidade seria, nove meses depois, uma explosão de bebês pelo planeta. Mas agora se constata que aconteceu o contrário – em vez do esperado baby boom, a preocupação com o futuro espalhada pelo novo coronavírus ocasionou um baby bust (derrocada, em inglês), como está sendo chamada a queda na taxa de natalidade em quase toda parte. Em paralelo, a taxa de mortalidade aumentou significativamente no mundo inteiro, e a junção dos fatores fez de 2020 um ano demograficamente atípico. Passada a fase pandêmica, porém, a média anual de mortes deve retornar à normalidade. Já o recuo acentuado nos nascimentos provavelmente só fará se agravar no futuro, visto ser uma tendência global que se observa há anos. “O baque mental e financeiro da pandemia afetou e continuará afetando a natalidade de forma sem precedentes”, diz Cho Youngtae, demógrafo da Universidade Nacional de Seul.

O dado mais alarmante até agora vem justamente da Coreia do Sul, onde o governo fez tudo certo em matéria de controle da pandemia. Graças a uma combinação de testes em massa com rastreamento de contatos e distanciamento social, o país, sem um único dia de lockdown total, fechou 2020 com menos de 1.000 mortes por Covid-19. No entanto, no mesmo período nasceram apenas 275.800 bebês, uma queda de quase 10% em relação a 2019, enquanto o total de mortos crescia 4,3%, para 308.000. E assim, pela primeira vez na história, o número de habitantes ali pôs-se a encolher. A trilha já estava traçada: o crescimento da população passou de 1,5%, em 2010, para 0,05%, em 2019.

Mas, segundo os especialistas, foi a crise na saúde que fez a balança pender de vez para o negativo. “A partir de agora, os nascimentos não mais conseguirão superar as mortes”, adianta Cho Youngtae.

A baixa natalidade afeta de forma semelhante boa parte do mundo desenvolvido e é motivo de estudos e preocupações. A amplificação do fenômeno ainda está longe: ele só deve se reproduzir em dimensões planetárias lá por 2100, segundo as projeções da ONU. Mas o balé das curvas demográficas já tira o sono dos governos e os faz agir, no aqui e agora, inapelavelmente. Uma população com menos bebês naturalmente envelhece – e isso impõe à humanidade o desafio de seguir avançando economicamente com menos braços no mercado. No planeta atual, de 7,7 bilhões de habitantes, a razão é de sete adultos na ativa para cada idoso. No próximo meio século, serão apenas quatro. Esse cenário vai exigir um ganho de produtividade – ou, na linguagem popular, se fazer mais com menos -, e ainda bem que as conquistas tecnológicas estão aí para ajudar a alimentar essa engrenagem. Ela terá de funcionar a toda para suprir a inevitável subtração de jovens por vir. Um estudo da Universidade Católica de Milão, que ouviu gente de 18 a 34 anos da Itália, Alemanha, França, Espanha e Reino Unido, mostra que mais de dois terços dos jovens planejam adiar ou desistiram de ter filhos por causa da pandemia.

Nos Estados Unidos, país no qual a população tem declinado consistentemente, a Brookings Institution, que trata de políticas públicas, prevê até 500.000 menos nascimentos em 2021, em razão das preocupações com a Covid-19. Na Itália, em processo de encolhimento da população desde 2015, os nascimentos tiveram em 2020 uma redução de 3% em relação a 2019, período que já havia registrado o menor número de bebês em 150 anos. No Japão, cujo índice de reposição de habitantes ficou negativo em 2010, o número de bebês em 2020 também foi o mais baixo desde que os registros começaram a ser computados, em 1899.

A pandemia exacerbou aspectos que já vinham contribuindo para a redução da natalidade em diversas partes do planeta. No ano passado, a agência Yonhap informou que um quinto dos sul-coreanos que se casaram em 2015 ainda não tinha filhos, uma virada de conceitos que teve como consequência a menor taxa de natalidade do mundo: 0,92 filho por mulher em 2019, 0,86 em 2020 e previsão de 0,83 em 2021, muito abaixo dos 2,1 necessários para que um país mantenha sua população. No Brasil, a conta está em 1,7.

Na Europa, a situação se agrava pelo fato de os jovens ainda sentirem de perto os efeitos da recessão de 2008, que dificultou os ritos de passagem para a vida adulta: conseguir um emprego estável, comprar uma casa e constituir família. A crise atual também tem um impacto psicológico significativo, impulsionado pelo medo de ficar doente, pelo desconforto dos confinamentos e pelas mortes de entes queridos. As mulheres passaram a evitar a gravidez ainda por não poder estar acompanhadas no parto e não ter a mãe por perto depois dele, além do temor de transmitir Covid-19 aos bebês e da parcela desproporcional das tarefas domésticas que assumiram durante a quarentena. Um estudo nos Estados Unidos, do Instituto Kinsey, acrescenta outro ângulo: quase metade dos adultos consultados relatou diminuição na atividade sexual. “O estresse é um dos maiores inibidores do desejo”, diz o psicólogo Justin Lehmiller, autor do estudo.

A reposição populacional no Brasil também foi marcadamente afetada pela pandemia: em 2020, houve uma queda de 7,5% nos registros de nascimentos, em relação ao ano anterior, enquanto os óbitos davam um salto de 15%. O país ainda não entrou na fase de recuo sistemático da natalidade, mas caminha para ela sem ter tirado o devido proveito do chamado bônus demográfico – o bom período em que a população economicamente ativa supera a fatia de idosos e crianças. A chance de se beneficiar dessa janela, elevando a produtividade e fazendo a economia deslanchar, infelizmente passou. A previsão é de que a proporção de idosos triplique até 2060, enquanto o índice de fecundidade cai, inapelavelmente, desde os anos 1960, em todas as classes sociais e regiões do país.

Os governos das nações já duramente atingidas pela queda na natalidade estão tomando uma série de providências destinadas a estimular casais a ter filhos e, assim, amenizar o problema mais imediato e visível do menor número de jovens e da maior população idosa: o peso sobre o sistema previdenciário. Na Alemanha, avançam os projetos destinados a manter as fronteiras abertas à imigração, um ponto delicado e polêmico, alimento para reações absurdamente xenófobas, mas que vem sustentando o crescimento populacional no país. A Itália, entre outras providências, está se preparando para recompensar o terceiro filho nascido em 2019 e 2020 oferecendo à família um lote de terras agrícolas por vinte anos e empréstimos a juro zero para a construção de uma casa no local. No Japão, além de o governo já ter introduzido em 2019 plataformas de paquera no estilo do Tinder para facilitar encontros (e, posteriormente, casamentos), o primeiro-ministro, Suga Yoshihide, quer que os planos de saúde passem a cobrir tratamentos de fertilização in vitro. O presidente sul-coreano Moon Jaein, por sua vez, lançou um programa de bolsa-bebê: famílias receberão 1.850 dólares para cada criança nascida, além de um pagamento mensal de quase 300 dólares até o bebê completar 1 ano de idade.

Experiências anteriores indicam que o declínio nas taxas de natalidade após catástrofes pode ser revertido rapidamente: a fertilidade caiu após a epidemia de Gripe Espanhola, de 1918, o surto de Sars de 2003, em Hong Kong, e a passagem do furacão Katrina no sul dos Estados Unidos, mas se recuperou logo depois. A incógnita, neste momento, reside na duração da crise. “Estamos vivendo uma situação historicamente nova. Nunca enfrentamos bloqueios nacionais generalizados por um período tão longo”, diz Martin Bujard, diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisa Populacional da Alemanha (BiB), país que encolheu em 2020 pela primeira vez em uma década. Só o tempo dirá se o desejo de ter filhos, que já esteve no centro das ambições masculinas e femininas, recuperará seu lugar de honra na vida dos casais.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 14 DE FEVEREIRO

GOVERNO TOLO, POVO ABATIDO

Não havendo sábia direção, cai o povo, mas na multidão de conselheiros há segurança (Provérbios 11.14).

A história está repleta de exemplos de maus governantes, que à nação impuseram desgraça e opressão; ao mesmo tempo a história destaca a importância dos conselheiros sábios para dar segurança ao povo. A loucura de Adolf Hitler transtornou a Alemanha e provocou a Segunda Guerra Mundial, com sessenta milhões de mortos. O governo truculento de Mao Tsé Tung matou na China mais de cinquenta milhões de pessoas. Ainda hoje ditadores carrascos abastecem-se do poder e vivem nababescamente enquanto o povo geme sob o tacão cruel da pobreza e da opressão. O rei Salomão declara: Não havendo sábia direção, o povo cai (Provérbios 11.14). Cenário bem diferente é o da nação que é governada por conselheiros sábios. Na multidão dos conselheiros há segurança (Provérbios 11.14). Quando o justo governa, o povo é abençoado. Quando a verdade assenta-se no trono, a justiça floresce. A Bíblia diz que feliz é a nação cujo Deus é o Senhor (Salmos 33.12). Todas as nações que foram estabelecidas sob a égide da Palavra de Deus tornaram-se prósperas e felizes; entretanto, caíram em opróbrio todas aquelas que proibiram a liberdade e perseguiram o evangelho. A Bíblia nos ensina a orar por aqueles que governam, por aqueles que estão investidos de autoridade, para que tenhamos paz.

GESTÃO E CARREIRA

BIG BROTHER DO CHEFE

O uso de ferramentas que monitoram o computador dos funcionários disparou durante a pandemia. Entenda corno essas tecnologias funcionam e até onde as empresas podem ir com a espionagem.

Você está em home office e a companhia resolve instalar um software no seu computador. Com ele, o seu chefe vê todos os sites que você está acessando, sabe exatamente quantas horas por dia você passou no Facebook ou naquela planilha do Excel. Mais. Ele recebe, em tempo real, um gráfico com a movimentação do seu mouse e, a cada 30 segundos, printscreens das telas em que você está navegando. Pior. De 10 em 10 minutos, a webcam do notebook tira fotos da sua mesa de trabalho. Vai que você resolveu dar aquela dormida depois do almoço?

Se você suou frio com a mera possibilidade de isso acontecer, temos uma má notícia. Todas as ferramentas descritas existem – e já são usadas para monitorar funcionários. A tendência já vem de antes da universalização do home office. Uma pesquisa da consultoria Gartner, publicada em 2019, mostrou que mais de 50% das 239 empresas americanas que eles pesquisaram já adotavam técnicas “não tradicionais” (como as que veremos nesta reportagem) para espionar funcionários. Em 2015, esse número era de apenas 30%.

Cada vez mais empresas de tecnologia se especializaram em fornecer softwares voltados para essa patrulha. A americana TimeDoctor é uma das mais famosas. Cobrando USS 9,99 por usuário cadastrado, ela promete ajudar “companhias e indivíduos a serem mais produtivos” por meio de capturas periódicas de telas, cronômetro de atividades e pop-ups que avisam quando os funcionários entram em sites não relacionados ao trabalho.

A TimeDoctor também atua no Brasil e não faltam concorrentes nacionais. Um deles é a mineira fSense, fundada em 2015, a companhia faz parte do Grupo Arcom, um conglomerado que conta com operações de call center e comércio atacadista em Minas Gerais. Ela nasceu de uma necessidade das próprias empresas do grupo.

“Na época não encontramos nenhuma prestadora desse tipo de serviço por aqui. Então fizemos um estudo com organizações americanas para desenvolver uma ferramenta nossa”, afirma Eduardo de Souza Vieira, gerente de produtos da fSense.

Assim como a TimeDoctor, a mineira oferece um painel no qual os gestores acompanham ao vivo os sites que os funcionários acessam e, a cada 30 segundos, captura uma imagem da tela (adeus, WhatsApp Web…).

O EFEITO PANDEMIA.

Depois da Covid-19 a procura por esse tipo de serviço cresceu de forma exponencial, claro. De março para cá, as vendas de licenças de uso do sistema da fSense aumentaram em 2.000%. Hoje, 6 mil funcionários de mais de 100 companhias, como Cielo e Net têm o software da empresa instalado em suas máquinas. “Sem a supervisão presencial, o uso dessas ferramentas se tornou mais aceitável”, afirma Tatiana Iwai, professora de comportamento organizacional e liderança no Insper, em São Paulo.

A FieldLink foi outra que viu a demanda disparar. O produto da companhia paulista monitora a localização dos funcionários via GPS (na versão para celulares). Ele também dá a duração das ligações feitas para clientes, por exemplo.

Criada em 2016, a FieldLink atende grandes empresas, como Itaú, Peugeot e Ifood, e estima que o seu faturamento dobrou em 2020. Acostumada a ser procurada por empresas com grandes equipes comerciais, ela também viu uma mudança no perfil dos clientes. “Escritórios de Direito e até empresas do terceiro setor vieram atrás de nós”, diz Diego Cueva, CEO da FieldLink.

Algumas gigantes de tecnologia quiseram aproveitar a onda – mas acabaram se arrependendo. É o caso da Stefanini. Em agosto de 2020, a multinacional brasileira de TI lançou um conceito inusitado. Batizado de Home Booth, tratava-se de uma cabine de 1 metro de largura por 1,6 metro de profundidade, climatizada e com isolamento acústico, com o objetivo de ser instalada na casa dos funcionários que estivessem em home office.

O Home Booth ainda contava com um sistema de monitoramento digno de Big Brother: biometria facial para permitir a entrada na cabine, além de basicamente todo tipo de controle. Assim que foi divulgada, a ideia se tornou alvo de críticas nas redes sociais. Dias depois, a Stefanini apagou a menção ao projeto do seu site oficial.

Outra que voltou atrás foi a Microsoft. Em outubro de 2020, a empresa lançou o Productivity Score. A ferramenta criava uma linha do tempo com um placar de produtividade dos funcionários, baseado em cinco pilares: comunicação, reuniões, compartilhamento de conteúdo online, colaboração entre as equipes e mobilidade.

Para produzir essas métricas, o software analisaria informações como o número de e-mails enviados por dia e uso de chats internos pelo time. Porém, o mais assustador: ele também seria capaz de monitorar a linguagem corporal e expressões faciais dos empregados durante reuniões virtuais, para identificar o “nível de engajamento” nos encontros (ai de quem bocejasse). A exemplo do que houve com a Stefanini, assim que foi lançado, o Productivity Score recebeu uma avalanche de críticas. Com o resultado, em dezembro, a empresa anunciou mudanças no produto, afirmando que a partir dali as métricas deixariam de ser individuais e mostrariam apenas o desempenho da empresa como um todo.

E OS LIMITES?

Verdade seja dita, mecanismos para controlar a produtividade dos funcionários são tão antigos quanto o trabalho em si. O registro de ponto que o diga. Mas o fato é que o cerco está se fechando. “Hoje, temos uma ‘plataformização’ desse controle. Eu não tenho mais um gestor, mas uma tecnologia que me vigia. E isso traz uma série de complexidades”, diz Fabrício Barili, mestrando em Ciências da Comunicação pela Unisinos e pesquisador no tema.

A maior dessas complexidades é óbvia. Qual é o limite para a espionagem? A resposta ainda é difusa. De um lado, a Justiça do Trabalho entende que as empresas podem, sim, fiscalizar tudo o que seja ferramenta profissional, como e-mails e notebooks corporativos. A lógica é simples: esses dispositivos pertencem às companhias, e não aos funcionários.

Outra forma de legitimar a espionagem é por meio do Código Civil brasileiro. Ele prevê que os empregadores são responsáveis por todas as atividades realizadas por seus funcionários enquanto eles estiverem usando os equipamentos e as conexões da empresa. Ou seja, se um funcionário praticar algum crime usando os sistemas da organização (como enviar mensagens de e-mail que configurem assédio sexual ou consumir pedofilia), a companhia pode responder judicialmente pelo ato. Logo, há um grande estímulo para que as companhias monitorem o comportamento online de seus funcionários, e também para que elas demitam quem sair da linha.

“Se o empregado estiver acessando pornografia com o computador corporativo, por exemplo, pode ser demitido por justa causa. E daí a empresa também vai precisar do histórico de sites como prova durante o processo de auditoria”, explica Fabiana Fittipaldi, advogada trabalhista e sócia do escritório PMMF.

Mas o direito da empresa se limita aos equipamentos e sistemas corporativos. Se o e-mail ou o notebook for pessoal, aí a história é outra – e monitorar essas ferramentas se torna violação de privacidade. “No caso dos equipamentos pessoais, ainda que o funcionário esteja em home office, não é permitido esse tipo de controle”, diz a advogada.

Mesmo que via de regra, todos os equipamentos corporativos possam ser acessados pelos chefes, isso também não significa que vale tudo. “Não existe uma lei específica, mas capturar a tela dos funcionários pode configurar assédio moral. Uma situação assim indica que o profissional está trabalhando sob extrema pressão”, diz Fabiana.

A paulista Bruna (nome fictício), de 32 anos, conhece bem o estresse causado pelo monitoramento excessivo. Formada em Letras e com doutorado em linguística, a jovem começou a trabalhar para uma empresa de tecnologia em 2020., prestando serviços na área de linguística computacional. Para controlar a jornada de 20 horas semanais, realizada em home office e com contrato de PL a companhia pediu que ela instalasse um aplicativo de monitoramento.

A partir do momento em que Bruna se logava no sistema, toda a sua atividade online era rastreada. A movimentação do mouse, períodos inativos e printscreen das telas navegadas     iam parar em uma linha do tempo acessada pelos gestores. Se o cronômetro mostrasse que, durante o expediente, Bruna havia passado 30 minutos sem nenhuma movimentação na planilha de trabalho, a empresa descontava esse tempo do pagamento combinado.

“No começo, você cai em várias ciladas. Esquece o aplicativo ligado enquanto vai ao banheiro e acaba sendo penalizada. Se abre um e-mail pessoal, o printscreen captura e você leva bronca também”, diz Bruna.

Quem dava um de espertinho e apagava as imagens tinha o valor correspondente a 10 minutos da jornada de trabalho descontados do pagamento, como multa. “Esse controle gera uma pressão absurda. Eu terminava as semanas exausta, parecendo que havia trabalhado o dobro do tempo”, afirma Bruna.

Segundo aquela pesquisa de 2019 da Gartner, mais de 50% dos funcionários diziam que tudo bem serem espionados, contanto que a empresa explique previamente o que está sendo observado. Mas nem sempre isso acontece na vida real.

Bárbara (nome fictício), de 30 anos, tem um bom exemplo. A empresa na qual ela trabalha, uma exportadora em São Paulo, passou a monitorar os sites e aplicativos que os funcionários acessam. Mas foi tudo na surdina. Bárbara descobriu pela chefe, de maneira informal. “Acho que deveríamos, ao menos, ser avisados. Nem sei que tipo de informação eles rastreiam. As redes sociais já eram bloqueadas, mas agora eu nem entro em aplicativos de música com medo de ser punida de alguma maneira”, diz.

Para o bem ou para o mal, o fato é que o monitoramento veio para ficar. E deu origem a um paradoxo. Num momento em que vários países buscam limitar o acesso de dados pessoais por parte de gigantes de tecnologia, como Google e Facebook, empresas criam seus Big Brothers particulares com ferramentas cada vez mais intrusivas. Para detectar possíveis abusos, talvez valha monitorá-las mais de perto.

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

COMO O DINHEIRO MEXE COM A NOSSA CABEÇA?

Há mais de três décadas os psicólogos Amós Tversky e Daniel Kahneman, da Universidade Hebraica de Jerusalém, começaram a investigar como as emoções distorcem nossas percepções e capacidade de fazer cálculos, focando suas pesquisas em situações nas quais as pessoas precisam tomar decisões que não afetam apenas sua vida econômica, mas envolvem seu sistema de crenças, funcionamento cerebral e traços de personalidade. Em 2002, Kahneman tornou-se o único psicólogo a receber o Nobel de economia. Desde então, o interesse pelo tema tem sido cada vez maior. Em tempos de crise, quando preocupações com variações de câmbio, oscilações das bolsas de valores e taxas de juros, compras, aplicações e desemprego são constantes, compreender os sentidos que recursos financeiros adquirem no âmbito psíquico pode melhorar a forma de lidar com ganhos e perdas.

Dinheiro. Apenas uma palavra, mas carrega uma misteriosa força psicológica. Respeitados pesquisadores garantem que o simples ato de pensar sobre conceitos associados a dinheiro surte efeitos curiosos, como nos deixar mais autoconfiantes e menos inclinados à filantropia. E, surpreendentemente, em alguns casos, manusear notas pode afastar por alguns momentos o sentimento de rejeição social e até diminuir a dor física.

Isso parece muito estranho se considerarmos a função concreta do dinheiro. Para os economistas, trata-se de uma ferramenta usada para tornar as trocas mais eficientes. Como um machado, que nos permite cortar árvores, possibilita a existência de mercados que, de acordo com economistas tradicionais, nos possibilitam colocar, desapaixonadamente, preços em tudo, de um pão a um quadro de Pablo Picasso. Ainda assim, o dinheiro consegue criar mais paixão, stress ou inveja do que qualquer machado ou martelo poderia. O fato é que a maioria de nós não é capaz de lidar racionalmente com ele…

Em geral, a relação com o dinheiro possui inúmeras facetas. Algumas pessoas parecem compelidas a acumulá-lo, enquanto outras não conseguem deixar de estourar seus cartões de crédito e acham impossível guardá-lo para dias difíceis. Ao entendermos melhor o efeito que o dinheiro exerce sobre nós, percebemos que o cérebro de algumas pessoas reage a ele como a uma droga, enquanto que o de outras, como a um amigo. Alguns estudos sugerem que o desejo por dinheiro pode causar uma espécie de “reação cruzada” com o apetite por comida. E, como possuir recursos financeiros significa comprar mais coisas, ter dinheiro torna-se sinônimo de status – tanto que perder dinheiro pode levar à depressão e até mesmo ao suicídio.

VALORES RELATIVOS

Até mesmo como simples meio de troca, o dinheiro pode tomar uma desconcertante variedade de formas – de tiras de cortiça e penas, passando por punhados de sal, moedas e notas, até dados no computador de um banco. Coisas, em sua maioria, frias e que, por si sós, não suscitam emoção. O valor de R$ 100,00, por exemplo, deveria ser relacionado à quantidade de cerveja ou combustível que pode ser comprada com ele, e mais nada. Não deveríamos nos importar mais com os R$ 5,00 faltando no troco do supermercado do que com o mesmo valor perdido ao fazer um empréstimo para comprar uma casa de R$ 200 mil.

Na realidade, quando o assunto é dinheiro não somos racionais – e nem de longe o tratamos como uma ferramenta a ser usada com precisão objetiva. Ele assume conotações emocionais e influencia nosso funcionamento psíquico. Os resultados, frequentemente são imprevisíveis. Para entender como o comportamento é afetado por questões financeiras, alguns economistas estão começando a pensar mais como antropólogos evolucionistas. O pesquisador Daniel Ariely, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos, é um deles. Ele sugere que a sociedade moderna apresenta dois conjuntos de regras comportamentais. Existem normas sociais “mornas e aconchegantes”, planejadas para cultivar confiança, cooperação e relacionamentos de longo prazo. E há um grupo de princípios de mercado que priorizam a competição e o individualismo.

As trocas econômicas ocorridas ao longo da história tornaram possível para nossos antepassados desenvolver a capacidade de reconhecer a diferença entre situações regidas por regras sociais ou de mercado – o que pode ter ocorrido antes mesmo do aparecimento da moeda. Aparentemente, reconhecemos as pistas associadas com o mundo mercantil de forma imediata e nem sempre consciente. Experimentos publicados em 2007 revelaram que um contato passageiro com conceitos ligados ao dinheiro orienta nossa mentalidade mercadológica, suscitando comportamentos específicos.

MAIS CONFIANÇA, MENOS DOR

A pesquisadora Kathleen Vohs, do Departamento de Marketing da Universidade de Minnesota, em Minneapolis, nos Estados Unidos, e sua equipe dividiram estudantes voluntários em dois grupos e pediram que a primeira equipe montasse frases utilizando palavras que não tinham relação com dinheiro (como “frio”, “mesa” ou “fora”).

Ao outro grupo foi solicitada a realização da mesma atividade, só que com o uso de vocábulos relacionados a finanças (incluindo, “salário”, “custo” e “pagamento”). Em seguida, solicitaram aos indivíduos de ambas as turmas que organizassem um conjunto de discos seguindo determinados padrões.

Os pesquisadores descobriram que os voluntários que trabalharam com palavras com sentido monetário se dedicavam por mais tempo à tarefa antes de pedir ajuda. Em experimentos relacionados, pessoas no grupo vinculado ao dinheiro se mostravam menos dispostas a cooperar com os companheiros que pediam ajuda do que as pessoas preparadas com outras palavras.

Vohs sugere que existe uma dinâmica simples funcionando: “O dinheiro torna as pessoas mais auto suficientes e mais propensas a se esforçar para atingir seus objetivos, mesmo que para isso precisem se isolar”. Sob a ótica socioafetiva podemos até desaprovar esse comportamento, mas inegavelmente ele é útil para a sobrevivência. A habilidade para distinguir que há normas que se aplicam a cada situação é importante para guiar nosso comportamento. Ela evita, por exemplo, que você aja com excesso de confiança em meio a uma negociação competitiva ou que cometa o erro de oferecer um pagamento para sua sogra por ela ter cozinhado uma refeição deliciosa. “Quando mantemos normas sociais e de mercado em caminhos separados, a vida flui bem, mas, quando elas colidem, surgem os problemas”, diz Ariely.

Muitas vezes, crises financeiras podem levar à perda de controle emocional, depressão e redução da expectativa de vida. Numerosos estudos em psicologia descobriram uma permuta entre a busca de aspirações extrínsecas – como riqueza, fama e imagem – e as intrínsecas, como construção e manutenção de relacionamentos pessoais; fortes. Em geral, pessoas com foco nas aspirações exteriores a elas apresentam pontuações mais baixas nos indicadores de saúde mental. Os que são fortemente motivados pelo dinheiro têm mais dificuldade de manter relações afetivas estáveis. Isso não significa que não deve haver nenhum foco em aspirações materiais – pelo contrário. Todos precisam de dinheiro e de fato há áreas importantes da vida governadas pelas normas de mercado.

Agora que os dias de crédito fácil e consumismo desenfreado parecem ter acabado, pelo menos por enquanto, seria bom pensar que podemos desenvolver uma relação mais equilibrada com o dinheiro. Infelizmente, isso não é tão simples. Uma das razões foi exposta pelos últimos achados de Vohs, que revelou outro aspecto peculiar de nosso relacionamento mental com o dinheiro. Em um estudo que será publicado em breve no periódico Ciência Psicológica, Vohs e os psicólogos Xinyue Zhou, da Universidade de Sun Yat-Sen, em Guangzhou, na China, e Roy Baumeister, da Universidade Estadual da Flórida, em Tallahassee, nos Estados Unidos, descobriram que as pessoas que se sentiam rejeitadas ou eram submetidas à dor física ficavam menos propensas a conceder prêmio em dinheiro durante um jogo, proposto logo depois da experiência desagradável. Os pesquisadores constaram também que o simples ato de tocar em notas de dinheiro pode reduzir o stress associado à exclusão social e diminuir desconfortos físicos.

“O dinheiro tem grande poder simbólico e funciona como um recurso de interação cultural, habilitando as pessoas a manipular o sistema social, para que este lhes dê o que precisam, independentemente de serem ou não queridas”, diz Vohs. É como se recursos financeiros assumissem a função de tornar nosso ego fortalecido, pelo menos momentaneamente. Mas esse efeito pode explicar por que algumas pessoas focam tanto aspirações externas, ao custo de prejudicar relações afetivas? Os psicólogos Stephen Lea, da Universidade de Exeter, e Paul Webley, da Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres, ambas no Reino Unido, sugeriram outra razão para atitudes obsessivas e pouco saudáveis com relação a finanças: acreditam que o dinheiro age em nossa mente como uma espécie de droga de abuso, fazendo com que alguns joguem compulsivamente e outros trabalhem ou gastem em excesso. Todas essas manifestações podem indicar compulsão e dependência. Lea e Webley propuseram que, como a nicotina e a cocaína, o dinheiro pode ativar centros de prazer no cérebro, criando sensação de recompensa semelhante à de quando fazemos algo benéfico para a espécie, como sexo. Segundo eles, do ponto de vista neurológico, o dinheiro pode ter efeito semelhante aos textos pornográficos, desencadeando estímulos bioquímicos e fisiológicos que agem sobre nossas percepções e emoções.

Algumas evidências da ideia da “dependência do dinheiro” aparecem em estudos de neuroimagem. Em um experimento publicado pela Science, uma equipe liderada pelo psicólogo Samuel McClure, da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, pediu a voluntários que escolhessem entre receber um vale para o Amaton.com naquele momento ou um valor maior alguns dias depois. Aqueles que optaram pela recompensa instantânea mostraram forte atividade cerebral em áreas envolvidas no processamento de emoções, especialmente no sistema límbico, ligado a comportamentos impulsivos e dependência de drogas. Aqueles que preferiram a recompensa tardia mostraram atividade maior em áreas como o córtex pré-frontal, conhecido por estar envolvido no planejamento racional.

A ideia de que o dinheiro pode estimular circuitos vinculados a sistemas de recompensa cerebrais é reforçada por outra descoberta intrigante. Numa tentativa de fornecer uma explicação evolucionária para nossa motivação na busca por dinheiro nas sociedades atuais, a pesquisadora Barbara Briers, da Escola de Negócios HEC, em Paris, decidiu testar se nosso interesse por dinheiro estava diretamente relacionado ao nosso apetite por comida.

Ela e sua equipe fizeram três descobertas, publicadas no volume 17 da Psychological Science: voluntários famintos estavam menos propensos a fazer doações para caridade do que aqueles que estavam satisfeitos. Aqueles que foram preparados para ter grande desejo por dinheiro, imaginando que tivessem ganho na loteria, comeram quase todo o doce do teste; já pessoas com o apetite estimulado por ficar esperando sentadas em uma sala com um cheiro delicioso estavam menos propensas a dar dinheiro do que aquelas que aguardavam em salas com odor normal. Para Briers, isso indica que nosso cérebro processa ideias sobre dinheiro e comida pelo mesmo sistema, o que significa que, para a mente, os dois têm capacidade similar de nos satisfazer – ou frustrar.

FELICIDADE COMO PRÊMIO

Pessoas com mais dinheiro tendem a ser mais felizes do que as com menos – mas apenas até certo ponto. Essa é a polêmica conclusão dos psicólogos Ed Diener, da Universidade de Illinois, em Urbana -Champaign, e Martin Seligman, da Universidade da Pensilvânia, em Filadélfia, ambas nos Estados Unidos, que revisaram inúmeros estudos observando os efeitos psicológicos da riqueza. Eles relataram que o impacto do acúmulo de bens sobre o estado emocional acrescenta mais felicidade, uma que a pessoa tenha o suficiente se alimentar, se abrigar e desfrutar de um conforto moderado. Entretanto, a não ser que você esteja nadando em dinheiro, vale a pena continuar comprando seu bilhete da loteria. Quando os pesquisadores Andrew Osvald da Universidade de Warwick Reino Unido, e Jonathan Gare da consultoria em negócios Wa: Wyatt Worldwide, investigaram uma amostra aleatória de cidadãos britânicos que ganharam prêmios na loteria entre $1.000 e $120 – encontraram indicadores significativamente melhores de saúde mental entre essas pessoas, comparando com os que não ganharam nada ou receberam prêmios menores.

Os pesquisadores acreditam que a aquisição de um capital extra deixa as pessoas menos preocupadas com a vida financeira, e, consequentemente, mais resistentes a doenças relacionadas ao stress. O dinheiro adicionado pode não ter comprado a felicidade diretamente, mas certamente deu aos ganhadores tempo e condição materiais para aproveitar as boas oportunidades da vida, aprender e se divertir. Porém, mesmo sem a sorte inesperada é possível fazer com que o dinheiro traga alegrias, se for cuidadoso em gastá-lo. O pesquisador Ryan Ho da Universidade Estadual de São Francisco, nos Estados Unidos, e seus colegas perguntaram a alguns voluntários sobre suas compras recentes. Eles descobriram que as pessoas achavam que “compras vinculadas a experiências”, como viagens, idas ao teatro e investimento em cursos, traziam mais felicidade do que aquisições materiais, como roupas ou um carro novo. Uma compra concreta pode custar mais e durar mais tempo, mas uma experiência traz mais prazer.

CONTABILIDADE MENTAL

Adicionar R$ 50,00, por exemplo, a uma conta de cartão de crédito que já acumule dezenas de vezes essa quantia parece bem menos extravagante do que pagar esse valor, em dinheiro, por uma refeição. De fato, já foi comprovado cientificamente que quando as pessoas pagam com “plástico” se lembram menos de quanto gastaram do que em situações em que acertam suas contas com dinheiro vivo. Como salienta o economista Richard Thaler, cartões de crédito funcionam como “equipamentos de separação”, que desvinculam o prazer da compra da dor do pagamento, empurrando o acerto para um nebuloso futuro. Congelar o seu cartão dá a você a chance de superar o empurrão emocional e agir racionalmente.

Thaler identifica desvios irracionais que levam a distorções da nossa contabilidade mental. Um deles é que a maioria das pessoas tem aversão a perdas – dói mais perder R$ 50,00 do que faz bem ganhar R$ 50,00, por exemplo. E temos a inclinação para avaliar o dinheiro em termos mais relativos do que absolutos – consideramos R$ 10,00 irrelevantes quando fazemos uma viagem internacional, mas não ao pagarmos uma refeição. Da mesma forma, achar R$ 100,00 na rua deixa as pessoas mais felizes do que ter a redução de uma conta de R$ 950,00 para R$ 835,00, mesmo que o ganho real, no segundo caso, seja maior. Estar atento a essa estranha lógica mental das finanças que confunde preço com valor, poder e afeto pode nos ajudar a lidar com a dificuldade financeira – e com a dor que vem dela.

MELHOR COLOCAR NO GELO

Gastos excessivos no cartão de crédito? Tente congelá-lo – literalmente. Coloque-o dentro de um copo com água e guarde-o no freezer. Assim, quando sentir urgência em comprar, será preciso esperar que descongele, e nesse período sua sanidade vai prevalecer. É o que sugere o pesquisador de comportamento econômico Richard Thaler. Segundo ele, truques como esse podem ser úteis para conter tendências financeiras irracionais, que surgem porque os desvios de nosso psiquismo fazem com que coloquemos dinheiro em diferentes “contas mentais” e pensemos no conteúdo de cada uma delas de maneira diferente.

A dica de Thaler para economizar é “retirar” o dinheiro (qualquer que seja a quantia) da categoria mental “trocados soltos”. Em vez de simplesmente colocar diretamente R$ 100 em uma conta ou fundo destinado a suas economias, pode ser mais efetivo, sempre que possível, arredondar suas compras para cima – pensando que um item de R$ 22,50 custa R$ 30,00 e guardando sempre a diferença. Outra estratégia para não sofrer com custos associados a problemas no carro ou outras despesas imprevisíveis: deixar uma soma, no início de cada ano, separada mentalmente para doações à caridade. Se alguma conta inesperada aparecer, recorre-se a esse fundo, que, em sua mente, já estava comprometido. O que sobrar pode ser de fato doado a uma instituição, em dezembro.

Daniel Ariely, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, criou um plano ainda mais ambicioso. Ele sugere que todos nós deveríamos ser capazes de adicionar categorias a nossos cartões de crédito e criar limites para cada uma delas: não mais de R$ 600,00 para jantares fora, por exemplo, e, digamos, R$ 500,00 anuais para sapatos. Não por acaso, Ariely ainda não conseguiu persuadir nenhum banco de que essa pode ser uma boa ideia.

BOM SENSO E AULA PARA APRENDER A INVESTIR

São oferecidos hoje, no Brasil, dezenas de cursos de educação financeira em escolas particulares, faculdades, corretoras e na Bovespa, em São Paulo (onde são gratuitos, já que o objetivo é atrair novos investidores). A proliferação desse tipo de oferta configura um fenômeno similar ao que se deu no início da década de 80 nos Estados Unidos. Há algumas décadas, entretanto, a possibilidade de ter aulas sobre como lidar com a própria vida financeira era impensável. Até porque a ideia disseminada pela cultura católica de que acumular bens pode ser pecaminoso, em contraposição à de que é de fato prazeroso desfrutar confortos materiais, causou paradoxos na cabeça de muita gente. E o dinheiro, embora extremamente desejado, simbo­ licamente tornou-se, para muitos, ícone de sujeira e constrangimento. Justamente por isso é impossível falar dele de forma objetiva, sem levar em conta suas conotações psíquicas.

Também os sentimentos, as variações de humor e os traços de personalidade podem afetar nossas decisões econômicas. Pessoas especialmente ansiosas, por exemplo, podem agir de maneira contrafóbica, ou seja, ficar tão incomodadas com o desconforto de ter de fazer determinado investimento, compra ou venda que terminam por fechar o negócio de maneira precipitada – e equivocada. Deprimidos também correm risco de fazer mau negócio. Presa da apatia ou da auto estima rebaixada, o paciente pode perder boas oportunidades ou recorrer a aquisições desnecessárias, a fim de tentar aplacar com bens o vazio afetivo.

Mesmo os mais confiantes devem ser cuidadosos e evitar a ilusão de controle, derivada do sentimento mágico (típico do funcionamento mental infantil, mas também presente em adultos) que conduz àfalsa certeza de que é possível controlar todas as variáveis e que as previsões que fazemos acerca da realidade vão se confirmar. A imaturidade emocional, independente­ mente da idade cronológica, também é fator de risco. No comportamento econômico costuma ser característica daqueles que acreditam ser possível obter ganhos mirabolantes, rapidamente e sem esforço, em negócios para os quais raramente estão preparados. Em geral, seguem dicas que não se confirmam. A promessa de lucros fáceis ativa o mecanismo cerebral de recompensa, que desencadeia atitudes compulsivas. Nesses casos, o mais adequado é evitar agir de imediato, já que postergar a ação desativa o mecanismo cerebral.

EU ACHO …

AMOR & PANDEMIA

A desafiadora tarefa de manter o casamento vivo no isolamento

Um casamento resiste à vida confinada? Hábitos mudaram, o jeito de trabalhar também. Home office transformou-se em realidade. Para boa parte das empresas, é mais lucrativo. Não se gasta com espaço, instalações, cafezinho…As pessoas até trabalham mais! Atividades sociais diminuíram. Sim, eu sei que o Brasil não é a Europa. Praias continuam cheias, há festas, baladas e restaurantes lotados (hospitais também). Mas a atividade social em si caiu. Resultado: os casais são obrigados a ficar juntos. A tomar café da manhã, almoçar e jantar juntos. A conviver.

Muitos casamentos duradouros só se mantinham porque marido e mulher mal se viam. Um vizinho, com trinta anos de casado, resumiu: “Tenho uma inimiga dentro de casa. E ela cresce!”. Talvez ele e ela nem percebessem pequenos defeitos um do outro, como pelinhos no nariz. Depois de décadas, que importância tem? Só se viam após uma longa e exaustiva jornada de trabalho. Existiam as viagens profissionais. Amantes.

A traição ficou mais difícil. Se ninguém sai de casa sem motivo, como fazer? Dizer que vai às compras? E na volta, ela pergunta: “Amor, tomou banho no supermercado?”. Não, não… Mesmo aquele flerte casual, numa saída… rola com máscara?

Quando a convivência é maior, tudo pode crescer. Há mulheres que até desejam assassinar os maridos que não levantam a tampa do vaso sanitário antes de urinar. Os próprios pais que, em sua maioria, ainda jogam a educação dos filhos para a mulher, passam a conviver com choros, gritos, teimas… e a rebelião contra aulas on-line. Justo no horário de trabalho! Alguns pensam em trancar as crianças nos armários, mas não confessam. Pior: quando alguém trabalha em casa, as pessoas têm dificuldade em aceitar que é realmente trabalho. Interrompem, puxam conversa… pedem alguma coisa.

O celular é um risco constante, um dia um deles o esquece à vista e o outro descobre uma conversa com um antigo relacionamento. Ou pior, um novo! Os dois descuidam da aparência. Ele esquece de fazer a barba, ela não fez as unhas esta semana. O botão da camisa que estoura na barriga, os novos pés de galinha em torno do olho, tudo conta! Os dois engordam. Casais veem filmes pornô, para reacender a chama. Alguns chegam a usar artifícios, como amarrar e vendar, partem até para um sexo mais selvagem (se a barriga não atrapalhar). Mas, depois, reclamam entre si: “Ficou marca da mordida”. Nem todo lar pode se transformar em cenário de filme pornô. Há riscos. No meio do sexo arrasador, o filhinho pode bater à porta: “Mamy, você tá gritando?”. Aí, é preciso parar tudo, e voltar à formula da família margarina – “Mamãe teve um pesadelo. Com um urso”.

Tudo fica tão difícil que alguns casais não se suportam mais e se separam. Ou pensam em romper todo o tempo, só aguardam a libertação que virá com a vacina. Mas… há os que resistem, descobrem novas formas de se relacionar. E ficam mais apegados. É uma boa notícia. Se o seu amor sobreviveu à Covid, você não se separa nunca mais.

*** WALCYR CARRASCO

OUTROS OLHARES

A VOLTA DO DIREITO DE IR E VIR

Autoridades avaliam implementar um documento digital que comprove imunidade à Covid-19 tanto para viajar quanto para frequentar shows, cinemas e teatros

Desde que as autoridades da China anunciaram a eclosão de um vírus que provocava sintomas semelhantes a pneumonia, em 31 de dezembro de 2019, tudo mudou no trabalho, na escola e nas relações pessoais. A vida agora é feita de máscaras, de permanente lavagem de mãos, de menos abraços e mais toques de cotovelos, de trabalho e educação a distância e de restrições a viagens. À medida que a vacina, o tesouro tão esperado, começa a ser aplicada na população mundial – ainda que a passos lentos -, estuda-se a adoção de uma espécie de passaporte de vacinação.

Na prática, funcionaria do seguinte modo: pessoas que já foram vacinadas contra a Covid-19 poderiam voltar a frequentar shows, cinemas e teatros, e principalmente viajar, mediante apresentação do documento. Dinamarca e Israel são os primeiros países a se organizar para implementar o procedimento. Israel, que está com a imunização de seus cidadãos adiantada, vai emitir passaporte verde para os cidadãos vacinados contra o coronavírus. Ele será concedido a quem receber o imunizante e dará ao portador vantagens como frequentar eventos esportivos e culturais, além de não precisar ficar em quarentena ao retornar ao país do exterior. A Dinamarca, por sua vez, anunciou a emissão de um passaporte de vacina digital para que seus cidadãos possam viajar a países que exigem a comprovação de imunização – embora até o momento nenhuma nação tenha formalizado tal obrigatoriedade.

Diversas empresas e grupos de tecnologia também começaram a desenvolver soluções, como aplicativos e cartões digitais que armazenam detalhes de saúde, incluindo resultados de testes de Covid-19 e comprovante de vacinação. A organização sem fins lucrativos The Commons Project fez parceria com o Fórum Econômico Mundial para construir um sistema de passe digital de saúde. O aplicativo Common Pass permite que os usuários carreguem dados médicos, gerando um atestado na forma de QR code, que pode ser apresentado às autoridades sem revelar informações confidenciais. Antes da viagem, o sistema notifica o usuário sobre as regras do local de destino – como prova de teste negativo para o vírus – e, em seguida, verifica se o passageiro atende às exigências, o que lhe possibilita embarcar em voos internacionais.

Dois gigantes da tecnologia, a IBM e a Linux Foundation Public Health, que ajuda autoridades de saúde pública a combater a Covid-19, também estão desenvolvendo softwares nessa direção. A IBM criou o Digital Health Pass, aplicativo que propicia às empresas personalizar os indicadores que julgam necessários para controlar a entrada de funcionários e visitantes, incluindo teste de coronavírus, checagens de temperatura e registros de vacinação. Já a Linux Foundation se juntou à Covid-19 Credentials lnitiative para elaborar um conjunto de padrões universais que sejam utilizados pelos aplicativos. O infectologista e epidemiologista Bruno Scarpellini, da PUC-RJ, explica: “Certificados de vacinação para viajantes já são exigidos para algumas doenças e isso deve ser uma tendência global, porque pandemias são uma questão de segurança nacional e internacional, que impactam a população e o setor produtivo”.

A rigor, esse procedimento já é utilizado no turismo internacional. Na década de 60, em meio à epidemia de febre amarela, a Organização Mundial da Saúde lançou um documento de viagem internacional conhecido como cartão amarelo. Até hoje, viajantes de certas regiões (Equador, Peru e países do Sudeste Asiático) são obrigados a mostrar uma versão desse cartão quando chegam aos aeroportos. Embora sejam restritivas, essas ações podem, sim, ajudar a controlar a pandemia e melhorar a circulação de pessoas. Por outro lado, os passes digitais talvez tragam alguns problemas ao dividir a sociedade entre aqueles que tiveram acesso à vacina e os que não a tomaram.

Episódios semelhantes de segregação, é verdade, já aconteceram no passado. No século XIX, em Nova Orleans, Estados Unidos, a imunidade contra a febre amarela chegou a dividir as pessoas entre as que já haviam contraído a doença e sobrevivido e as que nunca tinham sido acometidas pela febre. No caso, ter a imunidade garantia o direito de ir e vir, liberdade para se casar e pedir emprego. Aos outros, restavam as restrições.

Evidentemente existem algumas dificuldades para a implementação de um passaporte global – a diferença entre a eficácia das vacinas em uso, questões de privacidade e o grande subconjunto da população global que ainda não usa ou tem acesso a smartphones são algumas delas. Para resolver esse último impasse, algumas empresas já estão trabalhando em soluções, incluindo um cartão que seria um meio-termo entre os certificados em papel e a versão on-line mais fácil de armazenar. Quanto à privacidade, caberá ao usuário consentir ou não o compartilhamento de seus dados, além de escolher o nível de detalhe que deseja fornecer. Os defensores do documento lembram que o deslocamento entre países nunca foi livre. Afinal, as nações exigem passaporte e visto. Por isso, não se espante se a Covid-19 inaugurar uma nova era, na qual o certificado da vacina venha a ser o documento mais importante numa viagem.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 13 DE FEVEREIRO

GUARDAR SEGREDO, UMA ATITUDE SENSATA

O mexeriqueiro descobre o segredo, mas o fiel de espírito o encobre (Provérbios 11.13).

Um indivíduo que não guarda segredo não merece a confiança das pessoas. Quem tem a língua solta torna-se uma ameaça para seu próximo. O mexeriqueiro é um assassino de relacionamentos. As pessoas que vivem bisbilhotando a vida alheia à procura de informações sigilosas para espalhá-las com malícia tornam-se agentes de intrigas e inimizades. A Bíblia diz que o pecado que Deus mais odeia é o de espalhar contendas entre os irmãos. O mexeriqueiro não apenas descobre o segredo dos outros, mas, ao divulgá-lo com astúcia e maldade, lhes destrói a reputação. Não é assim a vida de um indivíduo fiel. Ele é confiável. Com ele podemos abrir o coração, na certeza de que não nos desprezará por causa de nossas fraquezas nem as espalhará ao vento para nos envergonhar. O fiel de espírito encobre os segredos em vez de descobri-los. Protege o próximo em vez de expô-lo ao ridículo. Ele é agente de vida, e não coveiro da morte. É bálsamo que consola a alma, e não vinagre na ferida. É instrumento de Deus que cura, e não agente do maligno que fere e mata. Precisamos de gente assim na família e na igreja, na academia e na política, na indústria e no comércio. Gente que seja instrumento de vida e portadora de esperança.

GESTÃO E CARREIRA

DA TERRA PARA O PRATO

Com a proposta de entregar marmitas orgânicas, com alimentos produzidos por agricultores parceiros, a startup Liv Up cresceu de cinco para 600 funcionários em quatro anos.

Seja no home office, seja no presencial, bateu 13h a barriga ronca. E aí? Qual vai ser? Aquela feijoada que vai te fazer pescar em frente à tela até às 15h? Ou o tradicional bife a cavalo, com quilos de salitre para beber água a tarde inteira? Não gostou das opções?

Os amigos Víctor Santos e Henrique Castellani também não gostavam. lá em 2015, quando ainda eram engenheiros recém-formados, famintos, em busca de almoço na Faria Lima. Foi então que, enquanto procuravam pelas (raras) opções de comida saudável a um preço que não fizesse o vale-refeição acabar no dia 15, eles viram aí uma oportunidade de empreender.

E assim nasceu em 2016 a Liv-up, uma startup de comida saudável que entrega refeições prontas e congeladas, com um diferencial: eles firmaram parcerias com pequenos agricultores para o fornecimento da matéria-prima (sempre orgânica).

Funcionou. No início, a operação contava com cinco pessoas e oferecia 30 pratos diferentes, somente na cidade de São Paulo. Hoje, já são mais de 600 funcionários, 150 opções no cardápio de refeições prontas, além da venda de sucos, legumes, verduras e papinhas para bebês. E entrega em 50 cidades.

INOVAÇÃO EM MEIO AO CAOS

No final de 2019, a Liv Up ainda recebeu um gás: um aporte de RS 90 milhões do fundo americano ThornTree Capital Partners. A grana entrou que nem o salário na conta – caiu e sumiu: foi ela que financiou a expansão do portfólio de produtos da startup. E o resultado veio rápido: o faturamento dobrou, de RS 50 milhões em 2019 para RS 100 milhões em 2020.

A intenção dos fundadores para 2020 era ingressar no segmento de alimentos para consumo imediato (só havia congelados e pré-cozidos até então). Nisso, lançaram dois spin-offs da Liv Up: o Salad Stories e o Brotto.

O Salad Stories é um delivery de saladas. O Brotto, um de pizza. Claro, é impossível dizer que qualquer pizza possa ser algo realmente saudável, mas aí eles usam outros chamarizes para atestar a diferença: massa de fermentação natural, molho de tomate orgânico, linguiça artesanal.

Os dois entregam só em São Paulo por enquanto, e funcionam no sistema de cloud kitchens, que são como coworkings, mas de cozinha. Têm fornos, pias e geladeiras para a preparação dos alimentos. E empresas e deliveries podem alugar o espaço. Não que a Liv Up não tenha suas próprias cozinhas. Mas elas são equipadas para a preparação dos congelados e pré-cozidos, e não de pratos para consumo imediato.

Em 2021, a expectativa é de expansão desses novos serviços, que vão se juntar à operação da startup que está distribuída pelo país. O escritório fica em São Paulo, mas há 14 centros de distribuição espalhados pelos Estados. E os 25 núcleos de agricultura familiar ficam em São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais.

Para o fundador e CEO Victor Santos, a pandemia ajudou na consolidação da marca. Afinal, 2020 foi o grande ano do delivery de comida. Quem só pedia pizza e hambúrguer aprendeu a variar – já que não havia mais o quilo para a refeição balanceada do dia.

LIÇÃO DE CASA EM DIA

O investimento da startup não foi só em produtos, mas em pessoas também. Com o aumento no número de funcionários e mudança no sistema de trabalho para o modelo remoto, alguns processos tiveram que evoluir. Os líderes contaram com um treinamento de longo prazo, com módulos como produtividade e autonomia no home office.

Outro assunto que ganhou mais espaço foi a inclusão de minorias. Desde 2018, a empresa tem o grupo Liv Up Pride, que promove debates entre os funcionários e atua junto ao RH na inclusão da comunidade LGBTI+. Depois dele, foram criados outros dois que funcionam da mesma forma, o She’s Up, para mulheres, e o Negritude, para pretos e pardos. Segundo o CEO, metade dos cargos gerais e também de liderança são ocupados por mulheres. E as posições preenchidas por pretos e pardos avançaram, de 22% em 2019 para 27% em 2020, com foco em cargos administrativos. “Estamos crescendo rapidamente e nos esforçando para fazer isso de forma estruturada”, diz Victor.

Uma das ferramentas que eles usam como norte para a expansão é o feedback 360°. Nesse modelo, não é somente o gestor direto que dá um retorno sobre a atuação do profissional, mas todos os outros colegas e chefias que trabalham com a pessoa. Isso estimula o convívio entre diversas áreas da empresa e nutre o que eles consideram competência essencial para os funcionários: a compreensão de que cada setor é importante para o todo.

GESTÃO DE PESSOAS

1. CARONA

O setor administrativo da empresa está em home office desde o começo da pandemia. Já as equipes da cozinha e dos centros de distribuição passaram a ter ónibus fretados que levam e buscam os funcionários todos os dias.

2. TOTAL FLEX

Nada de home office eterno. O escritório em São Paulo já está aberto para quem quer voltar ao presencial e, passada a crise, as duas opções continuarão à disposição.

3. TREINAMENTO

Há um voltado para líderes, que neste ano focou em gestão remota de pessoas. A Liv Up também organiza debates entre funcionários, nos quais eles escolhem o tema com antecedência – já rolou sobre produtividade e viés inconsciente, por exemplo.

4. BEM-VINDOS

Ao entrar na Liv Up, os novos funcionários conhecem todos os setores da empresa: administração, produção e logística. A partir do isolamento, o tour passou a ser feito por vídeo.

5. DIVERSIDADE

A Liv Up diz que metade dos cargos de liderança são ocupados por mulheres. E que o número de funcionários pretos e pardos aumentou de 22% para 27% em 2020.

6. FAMÍLIA

Héteros ou homos, com filhos biológicos ou adotados, os novos papais e mamães têm direito a licenças de um e seis meses, respectivamente.

7. FEEDBACK

Na startup não é somente o gestor direto que dá uma posição sobre o desempenho do funcionário, e sim todos que atuam em contato com a pessoa. É chamado de feedback 360° – que estimula um convívio melhor entre colegas e entre gestores de diferentes departamentos.

8. SALÁRIO 2.0

Todos têm 40% de desconto nos produtos da empresa, além de um crédito mensal de R$100 com a mesma finalidade. Outros benefícios são Gympass subsídio de educação para cursos e um cartão flash que pode ser usado em serviços aleatórios, como Uber e Netflix.

9. ATUALIZADOS

Uma vez por semana, a diretoria faz reuniões com a frente administrativa e operacional para atualizar os resultados dos últimos dias, revisar estratégias e manter a comunicação em dia.

10. SOLIDARIEDADE

Logo no começo da pandemia, a startup participou de movimentos solidários. Ao todo, 39 toneladas de alimentos orgânicos dos produtores parceiros foram doadas para famílias carentes do Estado de São Paulo.

COMPETÊNCIAS

Saber trabalhar em equipe e entender que cada setor da empresa é importante para o todo. “Tem que ter interesse em fazer a coisa certa, do jeito certo. Se um elo falha, o problema é coletivo”, diz Victor Santos, CEO e cofundador da Liv Up.

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

O MUNDO PELA METADE

Transtorno de atenção pouco comum, causado por lesões no lado direito do cérebro, faz com que pacientes ignorem uma parte daquilo que vem – e só se deem conta disso quando alguém lhes chama a atenção

Uma paciente, que chamaremos aqui de S., sofreu recentemente um acidente vascular cerebral que danificou seu lobo parietal direito sem afetar outras partes de seu cérebro. O lado esquerdo de seu corpo – controlado pelo hemisfério direito – ficou paralisado. Mentalmente ela continuava saudável, falante e inteligente como antes do derrame. Entretanto, seu pai observou sintomas perturbadores que, estranhamente, não eram percebidos pela própria paciente. Ao tentar se movimentar por um cômodo em sua cadeira de rodas, por exemplo, algumas vezes colidia com objetos à sua esquerda. Testes posteriores confirmaram que ela era indiferente a objetos e eventos à sua esquerda, embora não fosse cega para eles, pois se prestasse atenção conseguia vê-los. Seus olhos estavam normais, o problema era prestar atenção a esse lado. Durante as refeições, comia apenas a comida que estava à direita do prato, ignorando a porção à esquerda. Porém, se chamassem sua atenção, conseguia enxergar, reconhecer e pegar os alimentos. Esse déficit indica que ela sofre de heminegligência (ou apenas, negligência), uma desordem que pode ocorrer de forma isolada, sem paralisia significativa.

Como tais perturbações da percepção ocorrem? A negligência é, fundamentalmente, um transtorno de atenção. Embora o cérebro humano possua cerca de 100 bilhões de neurônios, somente um pequeno grupo deles pode estar ativo a cada momento, criando padrões significativos, e esse limite resulta em um gargalo de atenção. É por isso que você consegue enxergar um pato ou um coelho na imagem (a). Isso também explica porque, ao dirigir, você não fica conscientemente alerta das coisas que ocorrem à sua volta, enquanto foca em um pedestre à sua frente. Neste cenário, a síndrome neurológica da negligência é, na verdade, uma versão exagerada da negligência sensorial que, em algum momento, todos apresentamos, para evitar uma sobrecarga sensorial.

PARA COMPENSAR

Para entender a situação, precisamos considerar alguns aspectos anatômicos. As informações visuais coletadas pela retina são enviadas pelo nervo ótico e divergem em dois caminhos paralelos chamados o “novo” e o “velho”, de acordo com sua evolução. O primeiro ramo, também chamado de “onde”, projeta-se para dentro do lobo parietal e está envolvido na orientação e localização das coisas ao redor. O segundo se projeta para o córtex visual, e a partir daí emergem dois novos ramos, chamados “o que” e “como”, que se projetam, respectivamente, para os lobos temporais e parietais. O caminho “o que” está envolvido em reconhecimento e identificação de objetos, enquanto o “como” direciona de que modo devemos interagir com eles. As opções “como” e “onde” convergem para o córtex parietal e são funcionalmente relacionadas – você deve processar tanto o local onde a cadeira está como o movimento para desviar dela. S. apresentou danos no ramo responsável pelo “como”, localizado no hemisfério direito, e, deste modo, ignora tudo que está à sua esquerda.

Curiosamente, a negligência só é vista em pacientes com danos no hemisfério direito do cérebro. Porque prejuízos no lado esquerdo não resultam em negligência da parte direita do mundo? O neurologista Marcel Mesulam, da Universidade Harvard, propôs uma explicação engenhosa: o hemisfério direito, que possui mais recursos de atenção e um papel proeminente na visão espacial, pode pesquisar toda a cena, nos campos direito e esquerdo, simultaneamente. O parietal esquerdo, em contrapartida, só consegue cuidar do lado esquerdo. Então, quando o esquerdo está danificado, o direito pode compensar. Mas se o parietal direito for o prejudicado, o campo visual esquerdo não vai receber atenção, e ocorre a negligência unilateral. É bastante fácil diagnosticar esse transtorno – o paciente tende a olhar para o lado direito constantemente e não procura, espontaneamente, o esquerdo, mesmo se uma pessoa estiver se aproximando nessa direção. Ao tentar acompanhar algo indo da direita para a esquerda, o indivíduo perde o objeto no meio do caminho – não consegue segui-lo quando ele estiver à esquerda do seu nariz. Uma paciente aplica maquiagem apenas no lado direito do rosto. Um homem só, barbeia meio queixo. Ou podem escovar, os dentes apenas do lado direito.

Também é possível diagnosticar negligência com alguns testes simples. Peça para o indivíduo desenhar, de cabeça, uma flor ou outro objeto qualquer, e ele irá desenhar apenas metade (b), na página seguinte. Estranhamente, esse efeito “desenho pela metade” é verdadeiro mesmo que a pessoa trabalhe com os olhos fechados, o que mostra que o paciente está negligenciando a parte esquerda do objeto que se forma em sua mente. Quando pedimos para que o paciente desenhe um relógio, ele apenas desenhará metade. O círculo será traçado completamente, em parte, por ser uma resposta “balística ” já aprendida, que não exige atenção focal. Mas os números estarão todos na metade direita do relógio (c), ou inseridos apenas de 1 a 6. Peça para que o paciente divida uma linha ao meio. Seu corte estará muito fora do centro, para a direita, porque estará dividindo ao meio apenas a parte direita.

Poderíamos concluir que, se a linha fosse movida inteiramente para o lado direito (não negligenciado), poderia dividi-la corretamente. Mas não conseguirá. Mesmo que seu prato seja inteiramente posicionado em seu campo visual direito, a pessoa continuará a comer apenas a parte da comida que está na metade direita. Ou seja: além de negligenciar o lado esquerdo do mundo, o paciente também ignora o lado esquerdo de objetos, mesmo quando colocados totalmente à sua direita.

SEM HESITAÇÃO

Não existe uma linha dividindo ao meio o campo visual, separando a esquerda afetada da direita não negligenciada. Em vez disso, devemos pensar em um gradiente de negligência. O efeito do dano no lobo parietal é diferente do visto quando há prejuízo no córtex visual. Nesse caso, o resultado é um limite preciso entre a região cega, à esquerda, e a região intacta, à direita de seu campo visual. E, obviamente, pacientes com danos no córtex visual não podem enxergar objetos à sua esquerda, mesmo quando forçados a prestar atenção na área cega. E também não enxergam melhor o lado afetado do que veem atrás de sua cabeça.

Um aspecto curioso da negligência é que o paciente não tem ciência dela. Ele negligencia sua negligência. Em alguns pontos pode perceber, vagamente, que há algo errado, e dizer que precisa de óculos. O desligamento de S. para sua condição sugere ainda que o que apresenta não é meramente um defeito sensorial nas informações visuais que entram por seu lado esquerdo, nem apenas uma falha em dar atenção a esse lado. Em vez disso, devemos pensar em uma aniquilação do lado esquerdo do universo. Para ela, a esquerda simplesmente parou de existir. Talvez até mesmo tenha problemas com ideias abstratas que envolvem a palavra “esquerda”, mas não testamos ainda essa ideia.

Extraordinariamente, esses pacientes podem não ter consciência da paralisia de seu braço esquerdo, uma condição chamada de anosognosia. Quando pedimos a S. que tocasse o nariz com sua mão direita não paralisada, ela prontamente conseguiu. Quando perguntamos se ela conseguia mover a mão esquerda, ela respondeu: “Sim, posso movê-la bem”. Mas, ao pedirmos para ela tocar seu nariz com a mão esquerda, ela agarrou a mão sem vida com a direita e levantou-a na direção do nariz, usando uma ferramenta para levantar a mão paralisada. Claramente, mesmo que a pessoa consciente não soubesse da paralisia no braço esquerdo, alguma parte de seu cérebro saberia. Por que outra razão ela iria, sem hesitação, agarrar o braço e movê-lo em direção ao nariz?

O humor inadvertido de sua resposta estava perdido nela. É importante ficar claro que, em todos os outros aspectos, S. era completamente lúcida, inteligente e articula da. As implicações totais da negligência foram trazidas a nós mais vividamente quando penduramos um espelho de 6,5m x 6,5m na parede à sua direita. Quando ela virou a cabeça para a direita para se olhar, viu sua face e, é claro, reflexos dos objetos à sua esquerda, que ela estava negligenciando, e sabia que estava vendo seu rosto refletido. Nossa pergunta, entretanto, era: iria o espelho “corrigir” sua negligência deixando óbvio que havia um mundo inteiro do lado esquerdo que ela estava ignorando? Pedimos a um estudante para segurar uma caneta à esquerda de S., de forma que ela pudesse ver o reflexo do objeto à sua direita no espelho – e ela disse que o via. Quando pedimos para que pegasse essa caneta para escrever seu nome em um bloco que estava no seu colo, ficamos chocados ao vê-la ir em direção ao espelho para tentar pegar o reflexo. Perguntamos onde estava a caneta, e obtivemos uma resposta frustrante: “A caneta está dentro do maldito espelho”. Em outras ocasiões, tentou alcançar o objeto atrás do espelho, e tateou insistindo que “a caneta estava atrás do espelho”. Era como se seu cérebro estivesse dizendo “este é um reflexo no espelho, então a caneta deve estar à minha esquerda, mas como esse lado não existe no meu universo, ela deve estar dentro do espelho. Essa é a única solução para o problema”.

ESPERANÇA DE RECUPERAÇÃO

O que é surpreendente é a resistência da ilusão à correção intelectual. Seu alto grau de conhecimento sobre espelhos e o que eles fazem não pôde corrigir seu comportamento, mesmo depois de falhar consecutivamente ao tentar pegar a caneta. Na verdade, é o oposto: seu conhecimento sobre ótica de espelhos foi distorcido, para acomodar o estranho mundo sensorial no qual está presa (de forma a racionalizar sua ação dizendo “a caneta está dentro do maldito espelho, doutor”). Nós apelidamos esse novo transtorno (ou sinal) neurológico de agnosia do espelho.

A agnosia do espelho, provavelmente, não é um déficit restrito aos espelhos. Na verdade, já vimos pacientes se recuperarem temporariamente da negligência (por meio da irrigação do ouvido com água gelada), mas continuarem tentando pegar a caneta no espelho. Devemos considerar essa característica como manifestação específica – se não dramática – de uma desordem mais genérica: uma inabilidade para lidar com relações especiais mais complexas, causada por dano parietal direito. O reconhecimento de uma imagem no espelho como uma figura de fato, requer uma representação dupla peculiar cerebral. Com um lobo parietal danificado, o cérebro de S. não pode lidar com essa justaposição peculiar. Até mesmo uma criança de quatro anos e um orangotango, raramente confundem a imagem de uma banana no espelho com um objeto real, mas S., mais velha e mais sábia, confunde, mesmo com toda a sua experiência de vida com espelhos.

A negligência é um problema clínico extremamente frustrante para os terapeutas que tentam reeducar os pacientes para voltar a usar o braço paralisado durante as primeiras semanas após o derrame. A indiferença do indivíduo quanto ao lado esquerdo se toma um impedimento para a terapia.

Descobrimos que, com esforços repetidos, S. começaria a procurar a caneta do lado esquerdo, mas se voltássemos depois de algumas horas, a agnosia do espelho retomava. Sessões repetidas de treinamento, espalhadas em diversos dias, corrigiriam, finalmente, essa condição? O paciente seria capaz de se livrar completamente da negligência? Essa cura ainda não foi vista. Por enquanto, fica claro que o estudo de pacientes com o déficit de S. pode nos dar informações valiosas sobre como o cérebro constrói a realidade.

EU ACHO …

FAMOSO QUEM?

O brilho fugaz (e bem pago) das celebridades da internet

Famoso, antes a gente sabia quem era e pronto. Eu só me atrapalhava no Prêmio Nobel, com uns cientistas e literatos ícones. Descobriu o que na física? Escreveu um poema em que língua? Ultimamente, tem tanto famoso que já não sei o nome de todos. Antes, a popularidade era fruto da participação em programas de televisão, novelas… Todos os anos, de dezembro a janeiro (agora!) vivo uma fase tétrica. São inúmeras as pessoas que me pedem ajuda para entrar no BBB (de fato, o BBB tem uma seleção rigorosa, comandada pelo Boninho). Como eu trabalho na Globo, acham que posso ligar: “Botem fulano lá…” A fama trazida por um reality como o BBB é um ativo em si. Já foi passaporte para uma ótima carreira de atriz, como no caso da Grazi Massafera. Para as urnas, como para o Jean Wyllys. Sabrina Sato se tornou apresentadora. Se não eram tantas as portas que se abriam, ainda havia uma boa temporada de presenças vips bem remuneradas. Mas surgiu uma nova espécie de fama, a da internet. São famoses (famosas e famosos) que não sei quem são, o que fazem exatamente… infuencers!  E, se alguém me explicar o que significa exatamente influencer, ganha um seguidor. Faturam fortunas. Uma influencer com cerca de 30 milhões de seguidores (sim, 30) cobra em torno de 700.000 reais por campanha de produtos, principalmente de beleza. Outra, 110.000 por um único post. São vários por semana. Famosos do Instagram têm aviões, moram em mansões. No mundo inteiro, as fashionistas influencers têm lugares privilegiados nos desfiles de alta moda. O próprio BBB já traz influencers – como na edição passada. Há influencers que lançam livros, receitas de cozinha, programas de fitness e, claro, os que mostram os bastidores da vida artística e intimidade de… influencers! Há ídolos, como Neymar, com 145 milhões de seguidores. Mas é excepcional. Influencer de sucesso, como Kéfera, tem 13,2. Carlinhos Maia, 21,2 e Felipe Neto, 13,3 no Instagram mais 41,1 no YouTube. Ah, sim, Whinderson Nunes, 48,8 só no Instagram. Há muitos e muitas na casa dos milhões, como a polêmica Gabriela Pugliesi, com 4,3 milhões. É uma enormidade de seguidores, que atraem campanhas, patrocinadores, negócios. E, se um influencer de peso ainda faz um reality, vai às alturas.

Um dia acordei lotado de mensagens raivosas porque eu não colocaria determinada celebridade da internet na novela. Alguém havia publicado que eu havia retirado a moça do elenco. Ameaçavam me boicotar, me destruir. Só um detalhe: eu não tinha a menor ideia de quem fosse a garota. Era tudo fake news. Não reconhecer alguém famoso é no mínimo indelicado. Blasé. Mas são tantos, tantos novos famosos, de tantas áreas… O jeito é perguntar, por mais constrangedor que pareça: “Famoso quem?”. Se for escritor como eu, ou cientista, tudo bem, estamos acostumados a não ser reconhecidos. Mas basta ser alguém que postou um nude bombado para se tornar um inimigo mortal caso a gente não se curve, ofuscado pela fama.

*** WALCYR CARRASCO

OUTROS OLHARES

NÃO ME TOQUES

Com o nariz torcido embaixo da máscara, o mundo inteiro se conformou com a proibição de abraçar e beijar – e vai ser assim por um bom tempo

A ciência comprova que o contato físico é indispensável para separar e identificar as relações humanas: assim que uma pele encosta na outra, o cérebro recebe um sinal para analisar o contexto da situação e produzir sentimentos de afeto, tristeza ou medo. “O toque executado com o objetivo de oferecer apoio ou consolo gera aumento da liberação de ocitocina, que é importante na formação de vínculo e apego”, diz o neurocientista Paulo Boggio, coordenador do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social da Universidade Mackenzie. As pesquisas também revelam que receber um abraço reduz o nível de cortisona e atenua situações de estresse. Há ainda estudos que mostram que quem abraça bastante corre menos risco de pegar infecções – o que não deixa de ser irônico em uma pandemia -, porque as manifestações de afeto baixam os níveis de tensão que enfraquecem o sistema imunológico. Abraços, beijos e contatos íntimos fazem parte da própria essência humana, mas ele estão, pelo menos por ora, suspensos pela onipresença da Covid-19. Como será quando o vírus passar?

A ausência de carinhos caiu como um raio sobre gente que nem sabia que sentia falta deles. Seja porque a cultura brasileira é calorosa, seja porque as conexões cerebrais exigem, os especialistas têm certeza deque, ao contrário do home office e do delivery – atividades que, sim, vieram para ficar, mas que de alguma maneira esfriam as relações humanas -, a interdição dos contatos de primeiro grau vai cair ladeira abaixo assim que o novo coronavírus deixar de ameaçar a vida das pessoas. ” Uma pandemia não será suficiente para mudar a cultura brasileira”, diz Stella Schrijnemaekers, socióloga e antropóloga da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp-SP). De fato, mudanças profundas em padrões de comportamento podem levar uma geração inteira para se firmarem, mas é pouco provável que, em 2021, os abraços apertados estejam de volta à rotina. Por um tempo, e só por um tempo, as pessoas ainda estarão temerosas de contaminar seus entes queridos, e talvez ainda vão preferir praticar a proximidade com algum zelo.

Pouca coisa permaneceu igual no cotidiano desde que uma microscópica bolinha de proteína começou a pular de um organismo para outro e obrigou o mundo todo a se trancar em casa para fugir dela. Como se não bastasse a poda sumária do ato de sorrir, hoje escondido atrás da máscara, as manifestações de afeto também foram deletadas pela ameaça do vírus, para profundo pesar do caloroso povo latino. Até agora, com as restrições mais relaxadas, continua valendo o metro de distância entre indivíduos que não pertencem ao mesmo círculo íntimo. “Ainda não conhecemos tudo sobre a Covid-19. Por isso, as recomendações permanecem iguais às do início da pandemia: evitar tocar e ficar no mesmo ambiente com outras pessoas por muito tempo”, reitera o infectologista José Angelo Lindoso, da Universidade de São Paulo (USP).

A triste verdade é que não há como impedir que as gotículas orais e os contatos de superfícies pelos quais o vírus viaja contagiem quem se beija, se abraça ou executa um aperto de mão. Nos grupos de menor risco, já se permite um insatisfatório abraço rápido, de máscara, olhando um para cada lado. “Mas os mais suscetíveis, especialmente os idosos, ainda precisam evitar qualquer contato próximo com familiares que estejam saindo de casa”, adverte Lindoso. E dá-lhe senhoras e crianças trocando afetos enroladas em metros de plástico, como se estivesse uma dentro e outra fora do boxe do banheiro, e adultos encostando cotovelos – sem falar no “abraço de costas”, que requer boa dose de contorcionismo. ”O não tocar se tornou uma demonstração de cuidado e cooperação”, diz o neurocientista Paulo Boggio.

Diferente de outras culturas, em que camisetas com a frase Nota Hugger (não gosto de abraço) fazem enorme sucesso, encostar pele na pele é uma necessidade entre os latinos. “O que em outras culturas pode ser visto como deselegante é algo essencial para os brasileiros”, afirma a socióloga Stella Schrijnemaekers. Ou seja: a imagem do futuro é de abraços e beijinhos sem fim. É só ter paciência.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE SABEDORIA PARA A ALMA

DIA 12 DE FEVEREIRO

O PRÓXIMO, ALGUÉM MUITO ESPECIAL

O que despreza o próximo é falto de senso, mas o homem prudente, este se cala (Provérbios 11.12).

Desprezar e ridicularizar o próximo é uma insensatez. Tratar os vizinhos com desdém é uma falta de bom senso. Jesus contou uma parábola para mostrar que devemos amar o nosso próximo, não apenas de palavras, mas de fato e de verdade. Ele falou sobre o homem que caiu nas mãos dos salteadores, foi despojado de seus bens e acabou largado à beira da estrada, ferido e agonizante. O sacerdote e o levita, homens religiosos, passaram por ele e o deixaram entregue à sua desdita. O samaritano, porém, ao ver o homem caído, pensou-lhe as feridas, levou-o para um lugar seguro e tratou dele. É assim que devemos agir com o próximo, seja ele um parente ou um estrangeiro, um amigo ou um desafeto. Nosso papel não é humilhar as pessoas nem nos omitir quando elas precisam de socorro. Nossa função não é espalhar boatarias para jogar uma pessoa contra a outra, mas colocar guardas na porta dos nossos lábios e falar somente aquilo que edifica e espalha graça aos que ouvem. O coração e a língua podem ser fontes de vida ou podem ser laboratórios nos quais se fabricam os mais letais venenos. O próximo é alguém muito especial. Devemos honrá-lo e protegê-lo, em vez de desprezá-lo. O amor ao próximo é a evidência do nosso amor a Deus e o cumprimento da lei e dos profetas.

GESTÃO E CARREIRA

ENTREGA A CAMINHO

A logística forma as veias e artérias da economia. E agora, com a ascensão definitiva das compras online, ela ganha um papel ainda mais central. Veja como é trabalhar na área.