COMO REINVENTAR A POLÍCIA
Policiais se tornaram inimigos de comunidades que juraram proteger

Não foi só um joelho no pescoço que matou George Floyd. Ou só uma chave de braço que abateu Eric Garner. Foram também séculos do racismo sistêmico que fermenta na sociedade e nas instituições dos EUA, entre elas o sistema de polícia excessivamente punitivo. E os vídeos das mortes recentes não mostram o dano maior que as abordagens, revistas corporais, prisões arbitrárias e outras ações agressivas causaram às comunidades negras e outras minorias. Uma reforma policial de âmbito nacional já deveria ter sido implementada há muito tempo.
Desde o início das “guerras” declaradas nas últimas décadas pelo governo ao crime e às drogas, a polícia deu uma guinada para a violência, e as polícias muitas vezes são vistas como adversárias das comunidades que deveriam salvaguardar, diz o pesquisador Peter Kraska, da Universidade do Leste do Kentucky. Vários estudos mostram que a polícia é mais propensa a interceptar, prender e usar força contra negros e latinos do que contra brancos. Uma pesquisa de Monica Bell, da Universidade Yale, mostra que indivíduos submetidos a esse super policiamento não veem a polícia como uma entidade que os protege, nem quando ela se preocupa com a violência em suas comunidades.
Reformas graduais não irão resolver. Chaves de braço são proibidas em Nova York há décadas, e a Polícia de Minneapolis determina que policiais intervenham quando um colega usa de força excessiva, mas normas não impediram as mortes de Garner e Floyd. Nem a tecnologia mudará as coisas. As câmeras corporais tornaram o problema da brutalidade policial contra comunidades minoritárias difícil de ignorar, mas não a refrearam.
Em vez disso, precisamos repensar como a segurança pública pode abranger todas as comunidades. Um modo seria criar políticas que usem assistentes sociais para tirar certas questões das mãos de policiais despreparados e mal treinados para lidar com elas, tais como os sem-teto e os doentes mentais, e trabalhar com jovens para prevenir a violência. Os próprios policiais destacaram estes problemas. Grupos comunitários de prevenção à violência reduziram tiroteios e assassinatos em cidades como Bal onde têm operado como Baltimore e Filadélfia, de acordo com o pesquisador Alex Vitale, da Brooklyn College. E programas como o CAHOOTS, do Oregon – que direciona chamadas de emergência sobre doenças mentais para assistentes sociais em vez de para a polícia – e o DASHR, a aliança de Denver para respostas a crises e conflitos de rua, oferecem modelos para outras cidades. Menos de 1% dos milhares de chamadas atendidas pelo CAHOOTS em 2019 demandaram reforço policial. Ao projetarem essas políticas, as autoridades têm de envolver as comunidades – em particular as que mais sofrem com o super policiamento – para entender quais as questões de segurança mais importantes para elas.
Um passo necessário será abordar a militarização do policiamento. O uso de equipes da SWAT se espalhou muito além das situações com reféns ou atiradores para as quais foram concebidas. Estudos de Kraska e de outros mostram que equipes da SWAT são muito mais usadas para mandados de busca e que comunidades de cor são muito mais visadas. Voltar a usá-las de forma apropriada, e restringir o acesso das polícias ao armamento militar ou a cães treinados para atacar pessoas reduziria as chances de violência desnecessária e danos físicos.
Responsabilização é outro elemento-chave. Autoridades federais e locais precisam de vontade política para criar mecanismos independentes de supervisão. Mas a responsabilização também depende da disponibilização pública de dados sobre assassinatos, uso de força, registros disciplinares, alocações orçamentárias e outras áreas. As polícias resistem a divulgar tais dados, portanto o Congresso precisa aprovar leis obrigando-as a fazê-lo. Uma grande reforma da polícia exigirá perseverança e dinheiro. (Parte do custeio pode vir de uma redução de seus orçamentos.) Essas abordagens são um ponto de partida à medida que confrontamos o modo como perigosos vieses, especialmente o racismo, tornaram-se arraigados na polícia e em outras poderosas instituições. Precisamos trabalhar para erradicá-los.
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