COMO DESAPRENDER O RACISMO?
Simples treinamentos contra o preconceito implícito não bastam. O que realmente funciona?

Em fevereiro de 2016, eu estava sentada em uma sala de conferências no elegante bairro de Upper East Side junto com outras 35 pessoas tentando responder a o que parecia ser uma pergunta bem direta: O que é racismo?
Eu – uma mulher branca, fisicamente capaz e cisgênera na faixa dos 30 anos – pensava que racismo era preconceito contra um indivíduo devido à raça ou etnia. Era por isso que eu tinha me inscrito para o workshop Desmontando o Racismo, um treinamento antirracista de dois dias e meio que analisa estruturas de raça e poder nos EUA: eu queria conseguir entender melhor por que algumas pessoas sentem tanto desprezo em relação àqueles que são diferentes delas. Meu anseio por respostas derivou de minha experiência pessoal com a discriminação como uma mulher judia e filha de imigrantes; meus pais fugiram da ex-União Soviética para os EUA em 1979. Tendo crescido numa pequena cidade ao norte de Nova York, seguida por uma cidadezinha ainda menor e mais rural na Geórgia, fui espezinhada e muitas vezes me senti excluída.
O workshop foi promovido pelo People’s lnstitute for Survival and Beyond (PISAB), uma entidade de colaboração social fundada há 40 anos por líderes comunitários que queriam criar uma sociedade mais equitativa abordando as raízes do racismo. Nossos professores – um homem negro, uma mulher branca e uma latina – nos convidaram a compartilhar nossas definições de racismo. Asrespostas variaram desde “um jeito maldoso e obtuso de pensar” a uma “discriminação baseada na cor da pele ou origem étnica de alguém”. Os professores validaram todas antes de destacarem sua variedade e explicarem que poucos tinham identificado o racismo como uma teia de poder institucional e opressão baseada na cor da pele. A falta de uma definição simples para o racismo ajuda a mantê-lo vivo. Para desfazer o segregacionismo, disseram eles, precisamos de uma linguagem comum que vincule fatores individuais e sistémicos. Escutar o racismo sendo descrito como uma hierarquia de Poder foi revelador para mim. Tendo sido marginalizada pessoalmente, eu pensava ser sensível a outros grupos que enfrentavam discriminação. Achei que tinha entendido.
Ao longo de muitos meses, os EUA vêm lidando com o racismo numa intensidade não vista desde o movimento pelos direitos civis. Os assassinatos de George Floyd, Ahmaud Arbery, Breonna Taylor e outros foram gatilhos de protestos contra a segregação sistêmica e a violência policial que atraíram uma participação multirracial. Alguns brancos participaram de manifestações do movimento Black Lives Matter pela primeira vez – ele está ativo desde 2013 – e viram de perto a brutalidade policial que antes só conheciam por leitura ou vídeos de celular. Essas experiências foram uma minúscula janela para a realidade da violência e opressão que pessoas negras sofrem. A pandemia enfatiza ainda mais as disparidades raciais contra as quais as pessoas estão protestando, com comunidades negras, latinas e indígenas sendo afetadas desproporcionalmente. Espalhou-se a discussão de que a violência policial e as mortes pelo vírus não são questões separadas: ambas estão enraizadas em um vasto sistema de segregação.
A definição de racismo do PISAB (que é similar à de outras organizações antirracistas, tais como o Instituto de Equidade Racial) é preconceito racial mais poder. Ela descreve como o racismo individual e o sistêmico estão interligados. Todos nós temos algum viés racial individual: qualquer um pode prejulgar uma pessoa somente com base em sua raça ou cor. Mas o que diferencia o racismo do preconceito individual é quem detém o poder institucional. Pessoas brancas controlam nossos sistemas e instituições governamentais em todos os setores, de órgãos encarregados do cumprimento das leis e da ordem a instituições educacionais aos cuidados para a saúde e a mídia, levando a leis e políticas que podem favorecer pessoas brancas, prejudicando todas as outras.
A dominância de pessoas brancas em nossos sistemas é a razão pela qual algumas pessoas recentemente têm se referido aos EUA como uma sociedade supremacista branca. Nesse contexto, a supremacia branca não se refere a grupos de ódio, tais como os neonazistas e o Ku Klux Klan, mas sim a todo um sistema no qual um único grupo tem todas as vantagens. “Racismo é supremacia branca, diz Joseph Baradt, um organizador e destacado treinador no PISAB. “É empoderar um suposto grupo racial em detrimento de outro e criar sistemas para reforçar isso”.’
À medida que mais pessoas brancas procuram confrontar e desfazer o racismo em suas próprias vidas, elas estão descobrindo o que fazer. Em anos recentes, os workshops sobre preconceito implícito, que visam expor as pessoas às associações e estereótipos negativos que elas nutrem e expressam inconscientemente, têm sido usados para a conscientização sobre o segregacionismo em ambientes de trabalho. Mas falar de preconceitos não basta para confrontar os sistemas, ideias e legados racistas presentes em nossas vidas cotidianas. Não existe uma solução única ideal e adequada para todos, mas pesquisas mostram que desfazer o preconceito muitas vezes começa por entender o que raça e racismo de fato são. Também é crucial desenvolver uma identidade racial positiva; sentir – e não só intelectualizar – como o racismo prejudica a todos nós e, por fim, aprender como romper hábitos preconceituosos e se tornar uma pessoa ativamente antirracista. Mas isso não se alcança em um único fim de semana Para mim, um dos primeiros passos foi desaprender algumas falsas noções sobre a base das categorias raciais.
A BRANQUITUDE NAS ORIGENS DAS RAÇAS
o conceito de raça está profundamente arraigado em nossa sociedade, e, no entanto, ele é entendido erradamente como sendo de ordem biológica em vez de cultural. A noção de categorias raciais é, na realidade, bastante moderna, explica Crystal Fleming, professora de sociologia na Universidade Stony Brook: “Se pensarmos sobre o fato de a nossa espécie existir há pelo menos algumas centenas de milhares de anos, foi somente nos últimos vários séculos que vimos o surgimento histórico da ideia de raça”. Esta é uma história que a maioria dos americanos não aprende na escola.
As falsas classificações de humanos, que mais tarde seriam chamadas “raças”, surgiram nos séculos 16 e 17 quando o clero cristão começou a questionar se “negros” e “índios” eram humanos. À medida que a expansão colonial e a escravidão aumentaram, a religião foi usada para justificar a classificação de negros e outras pessoas de cor como “pagãos e seres destituídos de alma”. Mas, à medida que muitos deles foram convertidos ao Cristianismo e a Era do Iluminismo se instaurou nos anos 1700, a religião perdeu sua faceta legitimadora.
Em vez disso, a “ciência” foi usada para justificar a escravização de africanos e o genocídio de povos nativos indígenas, que já vinha ocorrendo em colónias britânicas por mais de um século. Johann Friedrich Blumenbach, antropólogo e anatomista alemão, é conhecido por propor uma das primeiras classificações da raça humana, sobre a qual escreveu no final dos anos 1700.
Sua medição de crânios oriundos de vários lugares do mundo o levou a dividir os humanos em cinco grupos, que mais tarde foram simplificados por antropólogos em três categorias: caucasoides, mongoloides e negroides. Parecia não importar que alguns proeminentes cientistas, incluindo Charles Darwin, rejeitassem uma base biológica para raça ao longo do século seguinte. Muitos cientistas se dedicaram a provar uma falsa hierarquia racial na qual os “caucasianos” eram superiores a outras raças.
Nos EUA, líderes políticos e intelectuais reforçaram a falsa ideologia de que os africanos eram biologicamente inferiores a outras raças e, portanto, muito mais adequados para a escravidão. Depois da Rebelião de Bacon, em 1676, que havia unido servos brancos e negros no sistema de servidão por contrato, legisladores da Virgínia começaram a fazer distinções legais entre pessoas ”brancas” e “negras”. Servos brancos pobres que cumprissem suas obrigações ou contratos até o fim podiam ser libertos e adquirir/possuir terras; negros eram obrigados a uma servidão vitalícia. Com a Lei de Naturalização de 1790, o Congresso americano codificou a vantagem racial branca em lei ao limitar a cidadania por naturalização a “pessoas brancas livres” mais exatamente, homens brancos. Mulheres, pessoas de cor e servos vinculados a contratos foram excluídos.
Com a superioridade branca cimentada em lei, nasceu o poder social e político da branquitude. Como categoria, ela foi associada a recursos e poder: leis e práticas explícitas que criaram a branquitude como um requisito para ser capaz de viver em certos bairros, poder votar, possuir terras, testemunhar em tribunal perante um júri. O legado do racismo “científico” persiste até hoje.
Embora a biologia tenha mostrado que não existem raças geneticamente distintas, a identidade racial – o modo como você e os outros percebem ou entendem sua raça – é muito real, assim como são as suas ramificações. Em uma sociedade predominantemente branca como a América, pessoas brancas tendem a não estar cientes de sua identidade e podem se considerar neutras, não pertencendo a raça alguma. Segundo o trabalho da psicóloga Janet Helms, que publicou seis estágios do desenvolvimento da identidade racial branca em 1999, o primeiro é definido por uma falta de consciência no que tange o racismo cultural e institucional. Este estágio também é caracterizado por ser “daltônico” – imaginar que não vemos as diferenças entre as pessoas e considerar isso como um traço positivo ao qual outros deveriam aspirar.
Como a acadêmica e ativista Peggy Macintosh observa em um artigo de 1989, essa falta de consciência é comum. Ela descreve o privilégio branco como um “invisível pacote de vantagens desmerecidas, porém garantidas, das quais posso me beneficiar todos os dias, mas sobre as quais eu ‘teoricamente deveria’ permanecer inconsciente e alheio. Privilégio branco é como uma mochila invisível cheia de provisões especiais, mapas, passaportes, livros de códigos, vistos, roupas, ferramentas e cheques em branco”.
Então, para desaprender o racismo, pessoas brancas precisam primeiro examinar sua identidade racial. Estudiosos e escritores negros sabem disso há mais de um século; sua sobrevivência dependeu disso. Frederick Douglass, W.E.B. Du Bois, James Baldwin, André Lorde, Ângela Davis, Ta-Nehisi Coates e muitos outros observaram, analisaram e escreveram sobre a branquitude por gerações. Du Bois fez observações sobre a branquitude em 1899 com seu estudo sociológico, e Philadelphia Negro e em 1935 com seu livro Black Reconstruction in America. Recentemente, Ijeoma Oluo, autora de So You Want to Talk about Race, escreveu em um popular artigo na plataforma Medium: “Eu conheço a cultura branca melhor do que a maioria das pessoas brancas conhece a cultura branca”
Foi somente nas últimas poucas décadas que estudiosos brancos direcionaram as lentes para si mesmos com o nascimento dos chamados Estudos Críticos da Branquitude (CWS, em inglês), um campo acadêmico que visa examinar as estruturas da supremacia e privilégio brancos e investigar se conectam ao racismo. De acordo com Barbara Applebaum, professora de filosofia e pedagogia na Universidade de Syracuse, os CWS alteraram o foco, e, portanto, a culpa, das vítimas de racismo para os perpetradores. Como ela explica, “eles dão nome ao elefante na sala – a construção e manutenção da branquitude”.
WORKSHOPS NÃO BASTAM
Ao longo dos últimos 20 anos, as iniciativas para lidar com o racismo têm se concentrado bastante em workshops de preconceito implícito. Um volume crescente de pesquisas cognitivas demonstra como esses vieses ocultos impactam nossas atitudes e ações, que resultam em consequências no mundo real.
Esses seminários, que muitas vezes são patrocinados por departamentos de recursos humanos, porém ministrados a funcionários por empresas de consultoria externas, podem consistirem módulos que apresentam ou explicam às pessoas o que é preconceito inconsciente e sua origem como ele surge no ambiente de trabalho, como é mensurado (em geral através do Teste de Associação implícita) e como reduzi-lo. Na década passada, foram muito usados entre instituições ligadas à lei, assim como na indústria de tecnologia, e empresas como Facebook e Google inscreveram milhares de funcionários nesses seminários. Mais recentemente, workshops antipreconceito têm ocorrido em escolas para professores.
Embora os seminários possam ser úteis para expor preconceitos inconscientes, não geram mudanças comportamentais de longo prazo individuais ou sistêmicas. Num artigo de 2018, publicado em Anthropology Now, o sociólogo Frank Dobbin, da Universidade Harvard, escreve: “Centenas de estudos remontando aos anos 1930 sugerem que o treinamento antipreconceito não reduz vieses, altera comportamentos ou muda o ambiente de trabalho”.
Uma recente meta análise de 492 estudos (com um total de 87.418 participantes) sobre a eficácia do treinamento de preconceito implícito constatou efeitos fracos. Os autores observam que “a maioria dos estudos focou em produzir mudanças de curto prazo com manipulações breves e em uma única sessão” e que a maioria das sessões “produziu mudanças triviais de comportamento”. E concluem que uma mudança num preconceito inconsciente é possível, mas não se traduz, necessariamente em mudanças no viés ou comportamento explícito, e que existe uma grande falta de pesquisas sobre os efeitos de longo prazo.
“Treinamentos contra preconceito implícito aumentam a conscientização, mas eles também dizem às pessoas: “O cérebro funciona assim”, diz Rachel Godsil, cofundadora e codiretora do Instituto Perception, uma organização que busca avaliar a eficácia de intervenções para lidar com vieses implícitos, ansiedade racial e os efeitos de estereótipos. “Isso meio que deixa as pessoas com a sensação de estarem livres de culpa ou responsabilidade”. “Não é que o cérebro esteja programado para ser racista, mas ele é programado para colocar pessoas em categorias. E as categorias que foram construídas nos EUA, explica Godsil, têm significados que tendem a ser negativos para pessoas de grupos marginalizados. Ela enfatiza que parte do que significa desaprender racismo é desvincular os estereótipos de identidades e verdades absolutas: “não é uma questão de tornar daltônico ou fazer de conta que essas categorias não existem, mas presumir saber algo a respeito de uma pessoa com base em sua identidade”.
Treinamentos antirracismo, tais como o workshop Desfazendo o Racismo, diferem significativamente de seminários de preconceito implícito por serem mais intensos tanto no nível intelectual como no emocional. Uma vez. que não são feitos no ambiente corporativo, as discussões tendem a ser mais francas. No treinamento do PISAB de que participei, fizemos uma avaliação dura e enérgica da supremacia branca e do nosso papel em sustenta-la. Depois de revisarem a história do racismo nos EUA, os professores discutiram atitudes segregacionistas individuais e institucionais, opressão e privilégio, e como as instituições perpetuam o racismo implícita ou explicitamente. Fomos empoderados para sermos “guardiões” – líderes que são capazes de afetar mudanças em nossos locais de trabalho e comunidades.
A metodologia do PISAB está enraizada em princípios organizacionais comunitários que os fundadores do grupo aprimoraram por décadas. Sua abordagem se baseia na pedagogia do filósofo Paulo Freire, que se concentra em associar conhecimento e ação, para que as pessoas possam fazer mudanças reais em suas comunidades. Outros treinamentos antirracistas, tais como o promovido pela organização Crossroads Antiracism Organizing & Training, oferecem uma abordagem similar. Em contrapartida, Robin DiAngelo, autora de White Fragility: Way lts So Hard for White People to Talk about Racism, faz palestras que destacam uma ideia central, e exploram alguns pontos mais focados em preconceito individual e privilégio branco.
Embora tais treinamentos possam ser impactantes de muitas maneiras, não está claro até que ponto têm eficácia – e, se tiverem, como e por que funcionam. Um estudo de 2015, publicado em Race and Social Problems, visou mensurar o impacto do treinamento do PISAB e descobriu que aproximadamente 60% dos participantes se envolveram em trabalhos de equidade racial depois de concluírem o workshop Desfazendo o Racismo. “Esses treinamentos são bem intencionados, mas não sabemos se eles funcionam, porque não existem experimentos randomizados controlados para provar que sim”, diz Patrícia Devine, professora de psicologia que estuda preconceito na Universidade de Wisconsin-Madison.
Seminários de preconceito implícito, diversidade e antirracismo podem ter eficácia limitada em parte porque em geral são eventos breves e pontuais. Uma pesquisa de Devine, em 2013, mostrou que preconceitos e vieses podem ser desaprendidos com mais sucesso através de intervenções mais longas. Seu estudo de 12 semanas baseou-se na premissa de que o viés implícito é como um hábito que pode ser rompido por meio dos seguintes passos: conscientizar-se do preconceito inconsciente, desenvolver preocupação com os efeitos desse viés e usar estratégias para reduzir preconceitos. Especificamente, os que substituem reações tendenciosas por respostas que refletem metas do indivíduo de superar preconceitos.
Os pesquisadores argumentam que a motivação para “romper o hábito preconceituoso” vem de duas fontes: Primeiro, é preciso estar ciente de seus vieses. Segundo, é preciso estar preocupado com as consequências desses vieses, a fim de encontrar a motivação para fazer o esforço necessário para eliminá-los. Pesquisas recentes mostraram que interagir com uma ampla variedade de grupos raciais pode ajudar as pessoas a se importar em mais com a justiça racial. Uma revisão crítica de 2018, por exemplo, sugeriu que um maior contato entre grupos raciais aprofunda o investimento psicológico em igualdade ao tornar as pessoas mais empáticas.
Para Fleming, que instruiu milhares de estudantes universitários, ensinar preconceito implícito dentro do contexto de um curso de três meses “é muito mais eficaz do que ser arrastado para um treinamento de diversidade por uma tarde, diz ela. “As pessoas têm de se sentir inspiradas. Elas têm de sentir desejo de refletir criticamente não só sobre seus vieses, mas também sobre sua socialização e condicionamento, e sobre fazer parte de uma transformação social positiva. Não se pode impor isso a ninguém.”
SENTINDO OS DANOS DO RACISMO
A inspiração à qual Fleming se refere é o que me motiva a desaprender o racismo e a abrir meus olhos para a branquitude e a supremacia branca. Mas o processo de desaprender só é o primeiro passo, e ele precisa se traduzir em um compromisso com práticas, tais corno romper o silêncio dos brancos e trazer urna lente antirracista para o meu trabalho. Isso só é possível, e sustentável, ao se desenvolver e fortalecer a empatia e sentir as formas pelas quais o racismo não é apenas prejudicial para pessoas de cor – ele fere pessoas brancas, também.
Essa compreensão não me veio até que participei do workshop do PISAB pela segunda vez, em 2019. Eu tinha me inscrito devido ao insistente estímulo de Stoop Nilsson, instrutor de reeducação racial que mostra a pessoas brancas como se tornarem líderes antirracistas em suas comunidades. Durante o workshop, Barndt, um dos professores, destacou como pode ser fácil para brancos pensarem que o racimo não os prejudica. Mas “a verdade é que, com o racismo, nós perdemos, também disse ele. “Toda a humanidade perde. Com o fim do racismo, nós reconquistamos nossas vidas.
H. Shella e Verscy, professor a de psicologia na Universidade Fordham, estuda como a cultura da supremacia branca impacta a saúde mental tanto de populações brancas como de não brancas. Em um artigo de 2019, ela e seus coautores explicam como pessoas brancas são prejudicadas pelo mito da meritocracia – a ideia de que trabalhar duro e avançar na carreira por esforço próprio, sem ajuda externa, leva ao sucesso. Quando isso não acontece (por exemplo, se você não obtém uma promoção pela qual trabalhou arduamente), sua visão de mundo é ameaçada, o que gera um grande estresse, mostram as pesquisas.
Versey observa que muitos brancos se opõem a programas de saúde sociais que na verdade os beneficiariam, tais como o Obamacare, em parte por acreditarem que esses programas são desenvolvidos para beneficiar pessoas de cor. Em seu livro Dying of Whiteness, o médico Jonathan Metzl descreve como alguns brancos apoiam políticos que promovem políticas que aumentam seus riscos de doença e morte. Outra maneira pela qual todos somos prejudicados cotidianamente é através da cultura da supremacia branca. Como Kenneth Jones e Tema Okun escreveram no livro Dismantling Racism: A Workbook for Social Change Groups, as características dessa cultura supremacista incluem perfeccionismo, senso de urgência, atitude defensiva, quantidade acima de qualidade, paternalismo, um raciocínio do tipo “isso ou aquilo”; acúmulo de poder, individualismo e mais.
Entender e sentir como o racismo me fere ou prejudica – mesmo que seja apenas com uma mera fração da dor que as pessoas de cor experienciam – faz parte do que me ajuda a internalizar a motivação de que preciso para trabalhar para desmontá-lo. Me pergunto se a cultura supremacista branca contribui para meus elevados níveis de ansiedade. Estou associando a cultura supremacista branca mais claramente ao negacionismo das mudanças climáticas, assim como ao paternalismo e ao pensamento excessivamente rígido que vivi em vários empregos.
Trabalhar com Nilsson está me ajudando a criar uma identidade racial positiva só minha, tanto como pessoa branca corno judia russa. Nosso país se orgulha de ser um grande caldeirão multicultural e multirracial, mas muito se perde na assimilação à branquitude e à supremacia branca. Marcadores de identidade étnica, tais como idioma, culinária, cultura e música, são desencorajados; pessoas descendentes de uma herança não europeia ocidental são muitas vezes vilipendiadas. Na minha família, meus pais eram tão determinados a aprender inglês que quase nunca falavam russo em casa. Eu nunca aprendi o idioma. Me entristece o fato de não poder falar com meus próprios pais na língua nativa deles e saber tão pouco sobre a nossa herança cultural.
A combinação da Covid-19 com uma temporada eleitoral complicada e com movimentos de protestos raciais que iluminam questões que afetam a todos nós está fazendo muitos americanos reavaliarem o que é importante. Pessoas brancas podem estar despertando para domínios de suas vidas que antes lhes eram inacessíveis e para histórias, literatura e legados que por muito tempo foram excluídos dos currículos escolares. Esse despertar pode levar as pessoas a trabalharem na criação de uma identidade racial positiva, longe do supremacismo branco, baseada no reconhecimento do poder da branquitude em nossa sociedade e no emprego desse conhecimento para buscar igualdade e justiça para todos. Pular essa etapa corre o risco de levar a uma desistência ou causar ainda mais danos; os sentimentos de vergonha e autodesprezo não são motivadores eficazes e podem inibir a força e energia necessárias para pressionar por uma mudança sistêmica.
Vivendo esse processo há vários anos, só estou certa de uma coisa: o antirracismo é uma prática para toda a vida Em seu livro Why Are All the Black Kids Sitting Together in the Cafeteria?, a psicóloga Beverly Daniel Tatum compara o racismo a um nevoeiro de fumaça, pois é algo que todos inspiramos e a que ninguém está imune. Desaprender o racismo é conscientizar-se de cada inalação, e individualmente fazer o possível para expirá-lo em menor quantidade.
*** ABIGAIL LIBERS – é jornalista freelancer e editora baseada em Nova York.
Você precisa fazer login para comentar.