O RACISMO DOS EXAMES MÉDICOS
Muitos diagnósticos são inerentemente tendenciosos contra os não brancos

A Covid-19 causou danos a negros, indígenas e a outras comunidades não brancas, e as instituições médicas nos EUA deveriam fazer todo o possível para eliminar as desigualdades raciais arraigadas. Mas muitos dos sistemas de avaliação por imagens usados no tratamento médico estão exacerbando o racismo na medicina. Eles automaticamente alteram os resultados dos exames de pessoas não brancas, gerando erros e podendo resultar na não prescrição do tratamento necessário. Na medicina moderna, são comuns esses ajustes dos resultados das avaliações com base étnica, sobretudo nos EUA. Para determinar as chances de morte de um paciente com insuficiência cardíaca, por exemplo, um médico que siga diretrizes da Associação de Cardiologia Americana usa fatores como idade, frequência cardíaca e pressão arterial sistólica para calcular uma pontuação de risco, que ajuda a determinar o tratamento. Mas, por razões que a AHA não explica, o algoritmo automaticamente adiciona três pontos na marca de pacientes não negros, fazendo parecer que negros têm menor risco de morrer por problemas cardíacos simplesmente em virtude da raça. Isso não é verdade.
Um recente estudo publicado no New England Journal of Medicine apresentou 13 exemplos de algoritmos que usam a etnia como um fator. Em cada caso, o ajuste resulta em potencial prejuízo para pacientes identificados como não brancos. Negros, latinos, indígenas e asiáticos, todos são afetados, em diversos graus, por cálculos diferentes. Essas “correções” são supostamente baseadas em premissas, há muito desmentidas, de diferenças biológicas inatas entre as etnias. Essa ideia persiste apesar de muitas evidências de que raça, que é uma construção social, não é um substituto confiável para a genética. Cada grupo étnico possui grande diversidade em seus genes. É verdade que algumas populações são geneticamente predispostas a determinadas condições médicas – as mutações BRCA associadas com câncer de mama, por exemplo, ocorrem com mais frequência entre descendentes de judeus asquenazes. Mas esses exemplos são raros e não se aplicam a categorias étnicas como “negros” ou “brancos”. A confluência equivocada entre etnia e genética é em geral composta por ideias ultrapassadas que as autoridades médicas (em sua maioria, brancas) perpetuaram a respeito dos não brancos. Por exemplo: um teste renal inclui um ajuste par a pacientes negros que pode prejudicar um diagnóstico preciso. Ele avalia a taxa de filtração glomerular (TFG), que é calculada medindo-se a creatinina, uma proteína associada com degradação muscular que é depurada nos rins. Os resultados dos pacientes negros são automaticamente ajustados por causa de uma teoria, agora desacreditada, de que uma massa muscular maior “inerente” aos negros produz níveis mais altos da proteína. Isso infla o valor total de TFG e pode potencialmente mascarar problemas renais reais. Os resultados podem impedir que eles recebam tratamentos vitais, inclusive transplantes. Ao citar essas questões no início deste ano, a estudante de medicina Naomi Nkinsi conseguiu fazer a Escola de Medicina da Universidade de Washington abandonar o ajuste no TFG. Mas ele continua sendo amplamente utilizado em outros lugares.
Um novo estudo publicado na Science examinou um algoritmo usado no sistema de saúde dos EUA para prever riscos de saúde em geral. Os pesquisadores estudaram um grande hospital que usava esse algoritmo e descobriram que, com base em registros médicos individuais, os pacientes brancos eram, de fato, mais saudáveis do que os negros com o mesmo nível de risco. Isso porque o algoritmo usava custos de saúde como um substituto para necessidades de saúde, mas a desigualdade racial sistêmica significa que os gastos com tratamentos de saúde são mais altos para os brancos em geral, portanto as necessidades dos negros estavam subestimadas. Em uma análise dessas descobertas, a socióloga Ruha Benjamin, que estuda raça, tecnologia e medicina, observa que “a desigualdade codificada de hoje é perpetuada precisamente porque aqueles que projetam e adotam essas ferramentas não estão pensando cuidadosamente sobre o racismo sistêmico”.
Os algoritmos que estão prejudicando pessoas não brancas poderiam facilmente se tornar mais imparciais, seja corrigindo os pressupostos racialmente preconceituosos que possuem ou removendo a raça como um fator, quando ela não auxilia no diagnóstico ou no tratamento. O mesmo vale para aparelhos como o oxímetro de pulso, que é calibrado para a pele branca – uma situação particularmente perigosa na pandemia de COVID, em que pacientes não brancos correm risco maior de infecções pulmonares perigosas. Os gestores da medicina precisam priorizar essas questões agora, para oferecer recursos justos e que, com frequência, possam salvar as vidas de pessoas que ficam numa situação mais vulnerável por um sistema inerentemente racista.
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