#TAMO JUNTO?
A sociedade no mundo do franchising pode ser – como diz o ditado – uma faca de dois gumes. Por isso, é importante conhecer bem com quem você vai dividir os seus sonhos empresariais. Executivos de redes brasileiras com partilham experiências que podem servir de exemplo para quem pensa em ter um sócio para chamar de seu.
Pode ser uma parceria de sucesso ou um encontro entre empreendedores que mais se parece um pesadelo. A tão temida – ou amada – sociedade no mundo dos negócios está presente em grande parte das empresas. Por um lado, pessoas podem somar vivências, conhecimentos e capital, mas, por outro, podem juntar visões opostas e níveis de comprometimento diferentes.
É importante pontuar os dois lados, pois nada é mais cercado de singularidades do que uma sociedade empresarial. Por isso, antes de qualquer coisa, é importante pesquisar a fundo o histórico de um potencial sócio para seus negócios. ”Além de conhecer o perfil, nos aspectos pessoais mesmo, é importante fazer o levantamento sobre a idoneidade dessa pessoa, se tem dívidas contra ela e como ela está nesse ponto de vista”, comenta o advogado especialista em franchising e sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen e Longo Advogados Associados, Daniel Cerveira.
Quando o assunto entra no mundo do franchising, os cuidados precisam ser ainda maiores. É muito comum os contratos de franquia terem restrições relacionadas à mudança da composição societária. “Há contratos que estabelecem um sócio como sócio operador, aquele que vai precisar estar diretamente ligado ao negócio, no dia a dia da sua condução”’, destaca Cerveira.
Então é importante, antes de assinar qualquer documento com a franqueadora, analisar e solicitar ajustes para que você não cometa nenhuma infração contratual com a entrada e saída de sócios.
TUDO EM CASA
Na rede de franquias Tio Coxinha, a formação societária já surge na própria franqueadora que é formada por dois casais de tios e sobrinhos. É algo familiar e que surgiu pela conjuntura e não foi pensada para ser assim. “A necessidade financeira e a vontade de montar o próprio negócio impulsionou a mim e a meu esposo a procurar os sócios. Fizemos a proposta a eles e hoje, além do financeiro, dividimos também as responsabilidades, preocupações e resultados”, revela a sócia-fundadora da marca, Elizabete Monteiro.
Para a receita dar certo, Elizabete e o marido, Jeferson, apostaram na jovialidade e no interesse em aprender que o sobrinho Tiago e sua esposa, Nayara, têm. A diferença de idades entre os casais é de mais de uma década. “Em uma sociedade, todos têm que estar de acordo para que as novas ideias aconteçam. São quatro cabeças diferentes pensando e com visões distintas, então esse processo de convencimento, não só meu, mas deles também, é o mais desafiador no dia a dia”, revela Elizabete.
MUDANÇAS
Mas o sucesso que Elizabete teve na sociedade logo de cara não foi o mesmo para o empresário da rede de franquias de segurança eletrônica Castseg, Márcio Castilho.
O empresário já teve alguns sócios na rede. “Comecei com o meu pai e depois tive outros que deram muito certo e outros que não deram tão certo. Estava decidido a não querer mais trabalhar em sociedade”, lembra o executivo.
Ele estava em busca de uma empresa de consultoria financeira. Ao conversar com um consultor de empresas focado em franquias, Castilho recebeu a indicação de Leandro Moura, que estava disposto a entrar em sociedade e dedicar o tempo para trabalhar. “Eu confesso que relutei, mas encontrei nele o sócio e a ajuda nas finanças que precisava, e está dando muito certo”, afirma Castilho.
A união tem dado certo, tanto que a rede está com mais de 200 lojas em 22 estados brasileiros e planeja crescer 25% em número de unidades até o fim de 2020.
CAMINHOS DIFERENTES
No entanto, nem sempre uma sociedade termina por motivos negativos, às vezes pode ser apenas uma mudança de rota. Foi o que aconteceu com o Grupo Haguanaboka, formado pelas marcas Torteria Haguanaboka e La Torta By Haguanaboka.
Valéria Verdi chegou a ter um sócio que estava no seu ciclo social. As famílias deles são amigas. Em um dos papos, decidiram que a expansão da marca poderia ser o momento certo para assinarem a sociedade. Ele tinha acabado de deixar uma multinacional. Ela queria deixar o legado do que criou. “Deu tudo muito certo por quase três anos, porém em 2018 decidimos romper a sociedade por motivos pessoais da parte dele, que foi apresentado a novos desafios profissionais, em outra cidade, mas em sua área de formação”, conta Valéria.
Foi um rompimento tranquilo, afinal, tudo entre eles era muito bem acertado: cada um tinha o seu espaço. Valéria cuidava do operacional das marcas e o ex-sócio era quem cuidava da burocracia. “Eu tinha 52% e ele 48%, então, eu tinha uma maior autonomia em decisões finais. Ele era mais tranquilo, e eu sempre mais agitada, com muitas ideias. Acredito que um completava o outro”, diz.
QUESTÃO DE DIVISÃO
Enquanto a sociedade de Valéria durou, as obrigações estavam bem distribuídas. Essa, inclusive, é uma das dicas mais importantes, segundo a consultora de franquias e coordenadora do Curso de Gestão Estratégica de Franquias, do IAG – Escola de Negócios da PUC Rio, Leila Toledo Martinho.
Leila reforça que existe m dois papéis distintos: o papel do investidor e o papel do operador. Ambos os sócios podem desempenhar os dois papéis, mas devem estar claras quais são as atribuições de cada um não apenas na sociedade, mas também na gestão do negócio. “Um pode ficar responsável pelas compras e pelo financeiro, coordenando a administração, e o outro pela gestão de pessoas e pelo comercial, lidando com a equipe e com os clientes”, exemplifica a especialista que conhece o mundo do franchising, afinal, foi executiva do Grupo Boticário e também sócia-franqueada de uma rede com 12 unidades O Boticário no Rio de Janeiro.
IDEIAS QUE NÃO BATEM
É recomendado que a empresa tenha processos e se estabeleçam pontos de controle para que ambos saibam o que vem sendo feito e possam tomar as decisões de forma conjunta. Reuniões de acompanhamento entre os sócios devem ser frequentes.
Entretanto, pode haver decisões divergentes, especialmente porque estamos falando de pessoas, e pessoas pensam e agem de forma diferente, aí, talvez, seja preciso discutir a relação. “Um sinal claro é quando os sócios evitam encontros, não conversam mais entre si, as reuniões vão ficando escassas. Outro sinal é o desinteresse. Um dos sócios passa a estar menos presente, não ter mais disponibilidade para o negócio, enfraquecendo a relação”, diz Leila.
Outro momento que justifica uma DR (discutir a relação) é quando se instala uma crise. A recomendação aqui é se concentrar no entendimento da situação e na busca de alternativas para sair da crise.
QUESTÃO DE EMPATIA
Na rede de alimentação Boali, não só o cardápio é saudável, a relação entre os sócios também. As DRs quase não existem, afinal, Rodrigo Barros, Victor Giansante e Fernando Bueno se dão bem enquanto sócios por uma questão de empatia. Eles têm o hábito de se colocar no lugar do outro. “A transparência e o respeito na relação é a força potencializadora da nossa sociedade”, comenta o CEO da Boali, Rodrigo Barros.
Nas raras vezes que entram em um embate percebem que o desacordo sempre traz aprendizado. Outro ponto determinante para os sócios da rede que oferece cinco modelos de negócios é a estrutura interna bem definida: é importante deixar claro quem está no comando e eles sabem bem disso. “O perfil dos sócios é do tipo complementar, sendo o Victor um apaixonado por gastronomia, o Fernando é mais analítico e cuida de toda a parte financeira, já eu sou mais de execução e comunicação”, descreve Barros.
AMIGOS NOS NEGÓCIOS
A empatia entre os sócios da rede Boali é semelhante à dos sócios da rede de prestação de serviços de limpeza Maria Brasileira. Felipe Buranello e Eduardo Pirré se conheceram em uma franqueadora no ramo de construção civil. De colegas de trabalho viraram bons amigos e, mais tarde, sócios na rede que é uma das maiores da América Latina no âmbito residencial.
Pirré fica muito à frente do mindset digital, como a implantação do e-commerce. Ele comanda a Maria Brasileira digital porque gosta de tecnologia, é muito focado nisso. Já Felipe é mais tradicional, cuida da parte institucional, contato com franqueados, consultoria, operacional, coordena a parte financeira e o jurídico, ou seja, a parte burocrática. Ele é daqueles que anda com uma agenda debaixo do braço.
Para os dois empresários, a sociedade é praticamente um casamento. “Tem que ter uma visão igualitária em um ponto específico: colocar sempre o bem-estar da empresa em primeiro lugar”, opinam os sócios que tem um trato: não trabalham com parentes, afinal, defendem que nunca se deve contratar quem não se possa demitir.
Eles são famosos entre os franqueados da Maria Brasileira por terem uma relação próxima até mesmo no escritório. Não existem salas separadas, sentam-se juntos no mesmo espaço.
QUESTÃO DE FAMA
Já na rede Saladenha, a fama dos sócios se dá por outro motivo. Os empresários Renato Flora e Pedro Almeida contam com um novo e ilustre sócio: o chef de cozinha, empresário e apresentador de TV Edu Guedes. ”Um sócio ‘famoso’ abre muitas portas, tem uma rede de relacionamento fora da curva, e isso faz com que aceleremos os processos, diminuindo a curva de aprendizado”, pontua o sócio-diretor da marca, Pedro Almeida. Atualmente, com nove unidades espalhadas entre a capital e o interior paulista, além dos estados do Rio de Janeiro e Santa Catarina, a chegada de Guedes ao comando da Saladenha intensifica os trabalhos de expansão da marca pelo País projetados para os próximos dois anos, com previsão de abertura de 60 novas unidades até 2021.
NOS TRILHOS?
Independentemente se você é franqueador ou franqueado, o especialista em franquias do IAG da Puc Rio, Marcos Caiado, diz que a melhor forma de se evitar conflitos é trabalhar antes, ou seja, na prevenção. “Quando os sócios sentem que suas expectativas não estão sendo alcançadas, é preciso entender o porquê. O diagnóstico é fundamental”, complementa Caiado.
Se os sócios não conseguirem equacionar o problema, o ideal seria compartilhar esta informação com quem tem mais experiência
Nesse caso, se falarmos de sócios franqueados, a dica é ir atrás de ajuda do franqueador. “Este poderá oferecer algumas propostas de solução. Uma delas é auxiliar os sócios na reorganização das ações de cada um no negócio. Outra hipótese seria um dos sócios comprar a parte do outro ou ainda passar o negócio para um outro franqueado”, elenca o especialista.
Ao chegar a esse ponto, o melhor a se fazer é procurar um advogado. O sócio do Urbano Vitalino Advogados, especialista em Direito Contratual e Administrativo, Hermes de Assis, lembra que contratos de franquia são instrumentos usualmente pesados e que merecem atenção, ainda que muitas vezes não haja grande espaço para negociações. “A alteração costuma precisar da concordância de todos. Este é o primeiro ponto. No caso das franquias, acrescenta-se a necessidade de anuência do franqueador. Supridos esses dois requisitos, a mudança dos sócios se dará mediante a alteração do contrato social da empresa, com o respectivo registro na junta comercial competente”, finaliza Assis.
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