SEM NORTE
Como o aquecimento global afeta a migração dos pássaros

O lockdown despertou um interesse renovado pelos pássaros dos nossos jardins, com milhões de pessoas apreciando vê-los pela janela. Mas será que algumas espécies – incluindo o chapim-real- poderão desaparecer dos jardins no fim deste século? Pesquisadores da Universidade de Ciência e Tecnologia da Noruega, em parceria com especialistas da Universidade de Oxford, do Reino Unido, modelaram como essas aves têm reagido à crise climática. Especificamente, elas são capazes de responder ao surgimento precoce das lagartas com as quais alimentam seus filhotes?
Aves como os chapins-reais evoluíram para fazer seu ciclo reprodutivo coincidir com o pico das lagartas de mariposas que se alimentam das folhas de carvalho, o que acontece tradicionalmente no fim de maio e em junho. Mas à medida que as temperaturas aumentam, os carvalhos começam a formar folhas mais cedo e as lagartas também eclodem mais cedo. Isso significa que, quando os filhotes de chapim-real estão prontos para ser alimentados, o pico das lagartas está perto do fim. Como as aves adultas precisam encontrar mil lagartas todos os dias para seus filhotes famintos, qualquer desencontro poderá reduzir drasticamente o sucesso reprodutivo.
Os pesquisadores descobriram que, embora as aves possam reagir às mudanças climáticas, elas não o fazem com a rapidez necessária. A principal autora do estudo, Emily Simmonds, estima que o ponto crítico ocorre quando as folhas de carvalho e as lagartas associadas a elas aparecem 24 dias antes do momento habitual. A descoberta de que os pássaros conseguem responder às mudanças climáticas reproduzindo-se antes do tempo normal foi feita pela primeira vez, na década de 1990, pelo doutor Humphrey Crick, cientista que trabalhava no Fundo Britânico para Ornitologia (BTO, na sigla em inglês). Ele analisava milhares de cartões do Esquema de Registro de Ninhos da instituição, que foram preenchidos por observadores de pássaros amadores no meio século anterior, detalhando as datas em que os ovos são postos e os filhotes eclodem.
Crick percebeu uma tendência surpreendente: para muitas espécies, a data em que colocaram os ovos avançou, em média, nove dias. O notável artigo resultante “Ospássaros do Reino Unido estão botando ovos mais cedo”, publicado na revista Nature em 1997, forneceu algumas das primeiras evidências empíricas de que as criaturas silvestres estão reagindo ao aquecimento do clima.
Uma década depois, em 2006, lembro-me de Bill Oddie apresentando Springwatch com a surpreendente notícia de que cada ninho de chapim-azul que eles monitoravam havia desenvolvido filhotes algumas semanas antes do normal. Como os chapins-azuis têm apenas uma ninhada, eles devem responder muito rapidamente a mudanças como as primaveras precoces. Se não conseguirem fazer isso com rapidez suficiente, seus números despencarão.
No fim de seu artigo de 1997, Humphrey Crick fez este comentário profético: “Para os pássaros, a nidificação precoce pode ser benéfica se a sobrevivência dos jovens for reforçada por um período prolongado antes do inverno. Por outro lado, as aves podem ser afetadas adversamente se não sincronizarem com a fenologia de seu suprimento alimentar”. Menos de um quarto de século depois, ambas as partes dessa previsão parecem se concretizar. A curto prazo, uma estação reprodutiva mais longa traz benefícios, especialmente para aves como o tordo-americano (da família do sabiá), o melro e o tordo-comum, que produzem duas ou mais crias. Começar a nidificar no início do ano (inverno no Hemisfério Norte) pode permitir que produzam ninhadas extras, e assim mais descendentes no total.
O professor James Pearce-Higgins, diretor de ciência do BTO, aponta que os menores pássaros, como os cristas douradas, as carriças e os chapins-de-cauda-longa, estão se beneficiando de outro aspecto da mudança climática: os invernos muito mais amenos dos últimos anos.
Ele também aponta o impacto positivo do nosso hábito de alimentar pássaros de jardim, o que ajuda espécies como o chapim-azul, o chapim-real e o pintassilgo. No momento, ele sugere que a vantagem das taxas de sobrevivência mais altas no inverno supera a falha em sincronizar como suprimento de alimentos na primavera, embora nem sempre seja assim.
Outro sucesso impulsionado pelo clima, a maneira como muitas espécies estão agora se expandindo para o norte. O último Atlas Europeu de Reprodução de Aves revela que, em média, as áreas de distribuição das aves em reprodução na Europa mudaram 28 quilômetros para o norte, desde que a pesquisa original foi feita, no fim dos anos 1980, quase 1 quilômetro por ano.
Pode não parecer muito, mas com o tempo permitirá que espécies antes confinadas à Europa continental cruzem o Canal da Mancha e colonizem o Reino Unido. Na verdade, como algumas espécies respondem muito mais rápido que outras, várias (incluindo as garças-reais e as garças-brancas) já o fizeram. Mas à medida que o nosso clima se torna menos previsível, com eventos climáticos mais extremos, como tempestades, secas e inundações, o que os cientistas chamam de “período de lua de mel” chegará a um fim abrupto.
Como observa o professor Pearce-Higgins, os pássaros que se alimentam no solo talvez não sejam capazes de lidar com as secas prolongadas de verão, o que dificulta para eles encontrar comida: “Uma potencial exceção a essa imagem positiva de temperaturas mais altas são os tordas e os melros, que dependem de invertebrados do solo. Sabemos, a partir de um estudo que realizamos recentemente pedindo aos alunos que contassem minhocas nos campos de esporte da escola, que a disponibilidade de minhocas – uma importante fonte de alimento para muitas espécies – diminui significativamente no verão, especialmente quando está seco”.
Portanto, enquanto estamos à beira do precipício de um mundo em aquecimento descontrolado, o futuro de muitos de nossos pássaros mais conhecidos e amados permanece equilibrado.

***STEPHEN MOSS – Naturalista, mestre em literatura sobre natureza e viagens e autor de The Swaloww: a Biography.
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