PEGUE LEVE
Por que a autocompaixão é uma boa ferramenta para avaliar seus sentimentos e ajudar você a tentar novamente depois de falhar
Por muito tempo a sociedade nos convenceu a ser perfeitos. A querer alcançar sempre mais, vencer todos os desafios, trabalhar muito e ser os melhores. Claro que não há nada de errado em ter um objetivo na vida e sonhar grande. No entanto, para alcançar esse ideal – que muitas vezes parece inatingível -, algumas pessoas tendem a se criticar com dureza, se culpar quando algo dá errado ou experimentar sentimentos de vergonha ou medo. Pesquisas psicológicas indicam que esse efeito desmoralizador não é bom, pois, em vezde servir de estímulo, atrapalha os resultados no longo prazo. A ciência sugere que se tratar com mais gentileza e ser autocompassivo é mais efetivo.
Precursora nos estudos sobre autocompaixão, Kristin Neff, que leciona psicologia educacional na Universidade do Texas, afirma que se tratar com delicadeza em um momento difícil é uma questão pragmática. “A vida e suas circunstâncias são muito complicadas para controlarmos todos os fatores externos e, além disso, as nossas reações a esses fatores”, afirma em seu Iivro Autocompaixão – Pare de se torturar e deixe a insegurança para trás.
UMA NOVA POSTURA
O curioso é que costumamos enxergar a compaixão como algo positivo apenas em relação aos outros – ser sensível quando alguém está passando por uma situação difícil é sempre bem-visto. Mas, quando uma pessoa tem essa atitude consigo própria, o olhar muda. Parece que temos de ser nosso juiz mais cruel. Podemos exemplificar isso com uma cena cotidiana no mundo do trabalho.
É fim de uma reunião mensal de novos projetos de sua empresa, e um colega teve sua proposta rejeitada depois de trabalhar nela por meses. Você percebe sua tristeza e vai até lá falar com ele. Na situação hipotética, você diz que ele é um desastre e que mereceu isso por não se dedicar o suficiente? Ou o abraça e o consola com palavras de encorajamento e conforto? Se a segunda atitude é a mais provável, por que quando você vai mal na reunião sua postura consigo próprio é a primeira? “Existe um consenso social em tratar o outro bem, o que torna a compaixão uma habilidade comum ao convívio humano. Mas, quando envolve a nós mesmos, não é natural, não é algo ensinado em nossa cultura”, explica Karen Vogel, psicóloga e professora na instituição The School of Life.
O problema pode estar no excesso de autocrítica. A característica, por si só, é positiva, já que a usamos para corrigir falhas. Mas ela se torna urna questão quando os pensamentos depreciativos entram em espiral e viram uma ruminação constante na mente. “Essa voz crítica em nossa mente não é de todo deletéria. Há momentos em que é importante uma chamada de atenção própria para nos colocar no eixo novamente. Porém, é preciso reconhecer os padrões mentais, analisar quanto tempo perdemos nesses julgamentos e, de maneira afetiva, reinterpretá-los”, diz Marcelo Demarzo, coordenador do curso de mindfulness da Unifesp e fundador do Centro Brasileiro de Mindfulness e Promoção da Saúde.
Segundo Kristin, a maneira mais fácil de praticar a autocompaixão é tratar-se com o mesmo carinho que ofereceria a um amigo próximo.Pode parecer urna abordagem simples, porém é mais revolucionária do que aparenta – a prova está numa pesquisa da Universidade Nacional Australiana. Os estudiosos selecionaram 186 participantes e os dividira m em dois grupos. Eles precisavam escrever sobre uma experiência negativa. A primeira turma foi orientada a fazer a carta adotando uma postura autocompassiva – e isso fez com que as pessoas ficassem com o humor mais leve e conseguissem superar as emoções negativas. A segunda turma podia escrever livremente sobre o assunto – o que levou os participantes a uma piora no humor e a ruminar os pensamentos. Segundo Natasha Odou e Jay Brinker, psicólogos autores do estudo, esses resultados surgiram porque a autocompaixão ajuda na compreensão dos sentimentos, enquanto a autocrítica excessiva se transforma numa espécie de fuga emocional que impede o processamento dos sentimentos. E os pesquisadores ainda descobriram mais uma coisa: com apenas 10 minutos de gentileza, o primeiro grupo já estava menos angustiado.
FIM DOS MITOS
As pessoas se autoenganam quando acreditam que podem ser compassivas com os outros, mas não consigo mesmas. Essas características costumam ser levadas para todos os campos da vida: se você é muito exigente e autocrítico, inevitavelmente agirá assim com os outros. E isso, é claro, pode ser visto no ambiente de trabalho. “O estilo de comando de uma equipe influencia a todos. Se você tem uma postura autocompassiva, as discussões não se tornam conflitos pessoais e o clima de estresse é mais ameno, porém o contrário também é verdadeiro”, diz Marcelo.
Numa cultura em que se prega a lógica de que, ao ser amável consigo, existe o risco de cair na permissividade, na autocomplacência e, no limite, de tornar-se um fracasso, é compreensível que as pessoas evitem o tema. Mas autocompaixão não tem nada a ver com se permitir ser uma pessoa preguiçosa. ”Ser autocompassivo exige o reconhecimento da presença de um sofrimento, o que nos leva à necessidade de uma ação. Se eu apenas reconheço a angústia, minha ou do outro, e não faço nada a respeito, o nome dessa emoção é dó”, diz Karen.
Um dos maiores obstáculos à autocompaixão é a crença de que uma postura gentil prejudicará a motivação e diminuirá o esforço em fazer o melhor, mas isso, na verdade, é ser sabotador. “É usar uma desculpa, uma saída pela tangente para se enganar”, afirma Karen. A autocompaixão, na realidade, pode aumentar a motivação para dar a volta por cima. “Se você é muito crítico, num momento de falha será duro consigo mesmo, e isso dificultará uma nova tentativa, porque estará ansioso e com medo de falhar novamente”, diz Kristin. Numa postura autocompassiva o pensamento é outro: ”Eu falhei, mas tudo bem. O que posso aprender com isso?”. “E então você estará realmente mais motivado, pois terá aprendido algo com aquilo e poderá tentar novamente quando se sentir preparado”, afirma.
GENTILEZA GERA GENTILEZA
São três os componentes da autocompaixão: a autobondade (substituição da autocrítica por palavras mais gentis); a humanidade comum (reconhecimento de que o sofrimento e o fracasso pessoal são experiências universais); e a atenção plena (estar presente no aqui e agora, observando as emoções negativas sem focá-las nem suprimi-las). “Basicamente, se desenvolvemos um dos componentes, os outros tendem a evoluir sozinhos”, explica Kristin.
A prática de mindfulness ajuda no progresso dos três componentes. Isso porque, nesse tipo de meditação, o foco é o pensamento, que flutua e volta para o presente. “Isso traz uma nova consideração a respeito da autocrítica, sem focar ou rejeitar. Apenas a deixamos ir com um novo pensamento”, diz Karen. Já a indicação de Marcelo é trabalhar a autobondade. “Devemos trocar a voz crítica por uma compassiva. Para isso podemos usar frases como ‘que eu esteja bem’, ‘que eu esteja feliz’, ‘que eu esteja em paz’ em qualquer momento do dia. Elas alteram áreas de nosso cérebro relacionadas ao estresse e as deixam ativadas positivamente, permitindo uma atitude mais bondosa conosco”, diz.
O mais importante é ter em mente que a autocompaixão sempre vai estar relacionada a uma ação de autocuidado. “Pode ser exercícios de mindfulness, ir à academia, passar um tempo de qualidade com a família. Seja o que for, a autocompaixão não pode estar restrita ao nível do conhecimento. É necessário prática.” E se os resultados podem começar a ser alcançados em 10 minutos, como mostraram os pesquisadores australianos, não há motivos para não começar agora. Que tal tentar?
PILARES DA AUTOCOMPAIXÃO
Veja alguns comportamentos fundamentais para uma postura autocompassiva, segundo Kristin Neff, professora na Universidade do Texas e precursora nos estudos sobre o tema
AUTOBONDADE X AUTOJULGAMENTO
Autocompaixão envolve sermos gentis com nós mesmos quando algo dá errado ou notamos algo sobre nós de que não gostamos, em vez de sermos frios ou severamente autocríticos.
COMO EXERCITAR: Use frases compassivas, em que trocamos um julgamento por uma gentileza
HUMANIDADE COMUM X ISOLAMENTO
Reconhece que a condição humana é imperfeita e cheia de falhas. Assim, nos sentimos conectados aos outros quando erramos ou sofremos, em vez de nos sentirmos separados ou isolados em defeitos
COMO EXERCITAR: Aplique o “assim como eu”, de Gonzalo Brito, psicólogo e especialista em mindfulness – use frases como “assim como eu, essa pessoa tem dificuldades para se entender com a família”; “assim como eu, ele tem aspirações em seu trabalho”; “assim como eu, sua saúde e a de um ente querido o preocupam”. isso aumenta a noção de solidariedade
ATENÇÃO PLENA X SUPERIDENTIFICAÇÃO
Sugere a aceitação das emoções dolorosas em vez de suprimi-las ou torná-las um drama pessoal exagerado. A situação é vista claramente, dentro da realidade de cada um.
COMO EXERCITAR: não foque os pensamentos críticos. deixe-os ir por meio de práticas de mindfulness ou meditação guiada
VOCÊ É AUTOCOMPASSIVO?
A escala de autocompaixão foi criada pela professora Kristin Neff para aprofundar suas pesquisas. O questionário original é composto de 26 perguntas que avaliam seis aspectos do tema: autobondade, autojulgamento, senso de humanidade, isolamento, atenção plena e superidentificação. Em sua versão resumida, adaptada, a escala tem 13 questões, com foco nos pontos de autojulgamento, isolamento e superidentificação
Responda a cada uma das afirmações abaixo utilizando indicadores de 1 a 5. A escala é a seguinte:
1 – Quase nunca;
2 – Ocasionalmente;
3 – Metade das vezes
4 – Frequentemente;
5 – Quase sempre
Ao fim, some suas respostas e divida por 13 para identificar seu resultado
1. Sou realmente crítico e julgo meus próprios erros e defeitos.
2. Quando estou abatido, fico obsessivo e me fixo em tudo que está errado em minha vida.
3. Quando penso em meus defeitos, me sinto isolado do restante do mundo.
4. Quando falho em algo importante para mim, fico consumido por sentimentos de incompetência.
5. Em momentos difíceis, sou duro comigo mesmo.
6. Sou intolerante e impaciente com os aspectos de que não gosto de minha personalidade.
7. Quando estou desanimado, sinto que a maioria das pessoas é mais feliz do que eu.
8. Quando noto aspectos em mim que não aprecio, tendo a ser duro comigo mesmo.
9. Quando passo por dificuldades emocionais, costumo pensar que as coisas são mais fáceis para as outras pessoas.
10. Quando algo me incomoda, sou tomado por sentimentos negativos.
11. Sou insensível comigo quando estou sofrendo.
12. Quando algo doloroso acontece comigo, costumo reagir de forma exagerada.
13. Quando falho em algo importante para mim, me sinto muito sozinho nessa situação.
RESULTADOS
Entre 1 e 2,5: sua autocompaixão é baixa
Entre 2,5 e 3,5: sua autocompaixão está na média
Entre 3,5 e 5: sua autocompaixão é alta