VAMOS FALAR SOBRE O AUTISMO? XIV
CONVÍVIO NECESSÁRIO
Viver em sociedade é importante para o bom desenvolvimento dos autistas
A vida em sociedade é o grande desafio para os seres humanos. No caso dos autistas, é uma tarefa ainda mais árdua. Acostumados com ambientes e rotinas específicas, conviver com pessoas e situações desconhecidas é um grande dilema. No entanto, a inclusão social é fundamental para a maior qualidade de vida dos indivíduos com TEA, incluindo seus cuidadores. Confira, a seguir, como a vida em grupo é possível.
COMO FAZER PARA QUE A INCLUSÃO ESCOLAR SEJA TRANQUILA?
Antes mesmo de ocorrer a inclusão em si, como a ida a um lugar novo, é preciso que haja um preparo. Autistas costumam não lidar bem com mudanças de rotina e ambiente, por isso, é importante explicar aos poucos o que irá acontecer. “Em relação à criança, deve-se prepará-la para a escola, conhecendo o ambiente antecipadamente e organizando a rotina para que saiba onde irá e o que vai acontecer”, afirma a psicóloga Maria Helena Jansen de Mello Keinert.
A especialista sugere que uma boa forma de familiarizar o autista com o novo ambiente é tirar fotos do local (sala de aula, banheiro, pátio, etc.) e apresentá-las à criança antes de iniciar as aulas. Outra possibilidade é a criação de uma história sobre o tema, contando como a mudança é benéfica e detalhes da nova rotina.
No entanto, a preparação não deve surgir somente por parte dos pais e cuidadores: a instituição igualmente deve se atentar a isso. “A escola também deve se preparar para receber a criança, conhecendo tudo a seu respeito, organizando o ambiente de acordo com suas necessidades e, se possível, preparando a rotina de forma a ser compreendida visualmente pela criança”, salienta a psicóloga.
QUAL A IMPORTÂNCIA DA INCLUSÃO SOCIAL PARA A QUALIDADE DE VIDA DOS AUTISTAS?
As dificuldades de comunicação que os indivíduos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) apresentam no contexto social, como interesses restritos e comportamentos repetitivos, são obstáculos para a boa convivência com outras pessoas. No entanto, como destaca a psicóloga e psicopedagoga Helen Cazarú, na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Bauru (SP), “pessoas com ou sem deficiência necessitam do convívio social. É no meio social que adquirimos conhecimento e desenvolvemos plenamente as funções intelectuais que nos diferem dos animais, como a linguagem e o raciocínio abstrato. Se pensarmos a partir desse ponto de vista, no autismo, o convívio social é de extrema importância, pois será nesse meio que os portadores do transtorno irão desenvolver e/ ou aprimorar habilidades de comunicação social e habilidades cognitivas necessárias para o seu desenvolvimento como um todo”. Assim, para a maior qualidade de vida e bem-estar, é fundamental que a inclusão seja incentivada.
HÁ ALGUMA LEI QUE GARANTE A FREQUÊNCIA DE AUTISTAS NAS ESCOLAS?
Toda criança tem o direito à educação, que é dever do Estado, como consta no artigo 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). No caso de portadores de TEA, o Estado deve garantir atendimento especializado.
Já a Lei 12.764, de 2012, instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. No artigo 3º desta lei, entre outras definições, consta: “São direitos da pessoa com Transtorno do Espectro Autista o acesso à educação e ao ensino profissionalizante”.
E NO CASO DE A ESCOLA SE RECUSAR?
Qualquer instituição que recuse cumprir as exigências das leis está cometendo um crime. Os responsáveis da criança devem tentar entrar em acordo com a escola, deixando claro que conhecem os direitos dela à educação. Caso mesmo assim não consiga, é possível apelar à Defensoria Pública, ao Conselho Tutelar e à Promotoria Pública. Há ainda a Lei nº 8.069, que garante a igualdade de condições de acesso à escola e ao atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência.
“As leis existentes referentes à inclusão preveem o acesos para as pessoas com Transtorno do Espectro Autista nas escolas e outros setores da sociedade. Mas, infelizmente ainda não é o suficiente. É necessário que haja uma conscientização do poder público e da sociedade como um todo para que as pessoas possam se capacitar e ambientes físicos possam ser transformados para receber essas pessoas”, salienta Cazani. A especialista cita o exemplo da APAE de Bauru (SP), que tem lutado pela inclusão social por meio de ações para usuários que estão matriculados na escola de educação especial e em outros diversos programas existentes que vão desde o apoio à inclusão escolar no ensino comum até o encaminhamento para o mercado de trabalho.
QUANDO SE DEVE MATRICULAR A CRIANÇA EM UM COLÉGIO?
A criança diagnosticada com TEA deve ir para a escola regular o mais cedo possível, pois é um local privilegiado para desenvolver a interação social. Além disso, muitas vezes, são os profissionais da instituição que alertam os pais sobre a necessidade de se fazer uma avaliação mais apurada sobre o desenvolvimento dos pequenos.
O QUE LEVAR EM CONSIDERAÇÃO AO ESCOLHER A INSTITUIÇÃO DE ENSINO?
Além de aspectos básicos que todos os responsáveis devem se atentar no momento de eleger a escola para seus filhos, como a proximidade de casa e facilidade de acesso, pais de autistas precisam também considerar o preparo dos professores e demais profissionais da instituição, além do próprio espaço físico. Conversar com a equipe gestora é fundamental para sanar todas as dúvidas, como questionar a maneira que os alunos especiais são tratados.
EXISTEM AUTISTAS NO MERCADO DE TRABALHO?
Ainda que em baixo número, há, sim, autistas que trabalham nos mais diversos cargos. Como pessoas especiais costumam encarar muitas dificuldades para a inserção no mercado de trabalho, algumas leis foram criadas para incentivar tal inclusão. Uma delas é a chamada Lei de Cotas (8.213), de 1991. Em 2011, um levantamento mostrou que cerca de 325 mil pessoas com deficiência estavam inseridas no mercado de trabalho no Brasil. No entanto, o autista não encontra respaldo nesta lei, já que o Transtorno do Espectro Autista não é considerado uma deficiência.
HÁ EXEMPLOS BEM SUCEDIDOS DE INCLUSÃO PROFISSIONAL?
Não faltam de empreendimentos que possuem autistas em seu quadro de empregados. É o caso do Puzzle Gourmet Store and Café, nas Filipinas. Ysabella Canoy conviveu toda sua vida ao lado do irmão autista Jose e presenciou as diversas dificuldades que ele enfrentou, principalmente de inclusão. Aos 12 anos, ele teve que parar de frequentar a escola, pois não havia um colégio preparado para lidar com autistas.
O contato próximo levou Ysabella a fazer a faculdade de Educação Especial, uma espécie de pedagogia voltada a alunos com dificuldades de aprendizado e outros tipos de necessidades diferenciadas. Em 2014, sua mãe abriu uma cafeteria com o intuito de ser um lugar para Jose trabalhar. Ysabella acabou se tornando a gerente do estabelecimento e, com isso, criou um espaço para treinar outros autistas e portadores de síndrome de Down para serem inseridos no mercado de trabalho. Desde então, 14 pessoas já fizeram o treinamento. Eles passam duas horas por dia na cafeteria praticando várias funções, como caixa, assistente de cozinha e garçom. Os participantes têm surpreendido os clientes e a própria Ysabella com a vontade de aprender e empenho em fazer as coisas certas. A iniciativa está sendo reconhecida em várias partes do mundo.
Outro exemplo é a Specialisterne, uma iniciativa social que proporciona formação e emprego às pessoas com síndrome de Asperger e autismo de alto funcionamento no setor de TI (tecnologias da informação). O projeto oferece acompanhamento na inserção no trabalho por profissionais com formação específica. O fundador, Thorkil Sonne, iniciou as atividades na Dinamarca há 11 anos. Hoje, está presente em 114 países, trabalhando para grandes empresas como a Microsoft. No Brasil, ainda é novidade, mas já existe nas cidades de São Paulo (SP) e São Leopoldo (RN).