DESVENDANDO A PSICOPATIA – V
O COLEGA AO LADO
Depois da cadeia, o ambiente corporativo é o lugar que mais concentra psicopatas
Ele não mede esforços para ser reconhecido, procura estabelecer os contatos certos e não pensa duas vezes quando precisa agir com frieza. Conhece algum colega de trabalho com estas características? Cuidado, ele pode ser um psicopata.
NINHO DE COBRAS
Conviver com pessoas com transtorno de personalidade antissocial no local de trabalho é muito mais comum do que se imagina. Chamados de psicopatas corporativos, o ambiente competitivo das empresas é perfeito para eles, já que enfatiza suas características. A crescente procura por parte das organizações por profissionais agressivos, frios, calculistas e competitivos é um prato cheio para quem sofre do transtorno. “São características que a pessoa já tem, e o próprio ambiente no qual ela irá trabalhar faz esses traços de personalidade serem ainda mais evidenciados”, afirma o especialista em ética e comportamento no trabalho José Roberto Heloani.
A frieza moral faz do psicopata o profissional ideal para liderar aquela reestruturação que implicará na demissão de dezenas de funcionários, por exemplo. “São pessoas que possuem baixo sentimento de culpa, que têm uma tendência ao egocentrismo, portanto, agem de acordo com seus interesses”, explica Heloani. Além disso, a habilidade de atuar faz com que ele consiga viver socialmente, porém, tudo não passa de teatro para alcançar seus objetivos. “São capazes de serem gentis, mostrarem que se sacrificam pela empresa, mas possuem alto grau de dissimulação. Se contrariados, literalmente, passam por cima”, complementa o especialista.
MANIPULAÇÃO SEM LIMITES
Outra característica marcante que ganha terreno ao bater o ponto é a de manipular outros indivíduos, fazendo-os agir conforme os seus próprios interesses. Um estudo realizado por Paul Babiak, Craig Neumann e Robert Hare, especialistas na área, apontou que os níveis de psicopatia no meio corporativo estavam correlacionados às habilidades verbais. “Se alguém demonstra notórias habilidades sociais que permitem manipular de forma eficaz outros indivíduos, então, no mundo corporativo, esse alguém irá levar vantagem e pode ainda usar essa capacidade para interesses egoístas e, em muitos casos, escusos”, explica Sílvio José Lemos Vasconcellos, professor de psicologia. “Psicopatas veem os outros como instrumentos da sua vontade, instrumentos que se usa e depois se descarta. É muito comum a pessoa estar em determinado grupo e de uma forma repentina, simplesmente muda de lado. Esquece os laços, esquece os compromissos e vai para o grupo que detém mais poder”, destaca Heloani.
Você pode estar pensando que, em um ambiente profissional, faz parte lutar pelo seu próprio sucesso, tendo que concorrer com os colegas. No entanto, psicopatas não são apenas profissionais ambiciosos. Para eles, as relações de trabalho vão além de vivência profissional; é uma questão de prazer e conquista pessoal. Esse sentimento faz com que ele se torne um verdadeiro mau-caráter, chegando a cometer até crimes contra os colegas de trabalho e à própria empresa, como fraudes na contabilidade.
COMPETITIVIDADE A TODO VAPOR
Chegar ao topo da hierarquia de uma organização pode ser o sonho de muitos profissionais. Para o psicopata, o caminho costuma ser mais curto, já que ele convive facilmente com a competição. “Essa pessoa, entrando em um ambiente que já tem uma cultura altamente hostil, de uma competição interna brutal, não encara o outro como colega, mas como inimigo. Isso faz com que desenvolva, ainda mais, esse perfil hostil, agressivo”, afirma Heloani.
Como não se importam com os colegas de profissão e não sentem remorso, acabam ganhando vantagem em um ambiente de competição. “Uma das características mais frequente do psicopata é a frieza, ausência de culpa aliado busca de vantagens para benefício próprio, pois são pessoas muito egoístas. Em um ambiente competitivo pessoas com essa característica conseguem se destacar e crescer na organização de forma desleal, pois são capazes de mentir, enganar manipular informações e, até mesmo fraudar a empresa para conseguir o que querem, salienta a psicóloga Milene Rosenthal.
Para completar o cenário, cargos de liderança valorizam traços do transtorno, como agressividade, autoconfiança e frieza, Não à toa, quanto mais alto o cargo, maiores as chances de serem ocupados por psicopatas, É o que revelou um estudo na Universidade British Columbia, no Canadá. Se, entre a população em geral, até 4% são considerados psicopatas, de acordo com os pesquisadores, entre os CEOs, diretores executivos das empresas, o índice chega a 16%, “Não podemos esquecer que esse transtorno apresenta uma baixa prevalência na população em geral se comparado a outros quadros. Isso significa que há bem mais probabilidade de encontrarmos um psicopata atuando como executivo de uma grande empresa do que ocupando cargos que não envolvam liderança em outras esferas sociais”, destaca Vasconcellos.
Outras pesquisas com o mesmo viés também apontam essa concentração nos pontos mais altos das instituições, “As posições executivas e de grande responsabilidade são muito atrativas para o psicopata, pois favorecem que eles tenham um maior poder sobre as outras pessoas e, dessa forma, conseguem atingir seus objetivos”, completa Rosenthal. Mas é claro que, por mais alarmante que sejam esses índices, não significa que todo chefe seja psicopata.
ESPALHANDO O VENENO
Aquela imagem de psicopatas sanguinários não é aplicável na maioria dos casos, inclusive no trabalho. Para alcançar uma promoção, ele não vai sair cortando cabeças, pois nem sempre age por meio de comportamentos criminosos. Porém, é especialista em prejudicar o próximo que cruza seu caminho. “Se, por exemplo, dentro de uma empresa, na tentativa de galgar postos mais altos, alguém espalha boatos o tempo todo, mente sobre promoções que não irão ocorrer e deprecia seus colegas diante dos superiores, esse alguém está se comportando de forma antissocial, mas não necessariamente criminosa”, explica o professor de psicologia. Além disso, é importante destacar que nem todo funcionário que adora uma fofoca no cafezinho é um psicopata, certo?
COMO IDENTIFICAR
Você já sabe que o psicopata é manipulador, mentiroso, frio, dissimulado e muitas outras coisas ruins. Porém, fique atento para identificar essas características no dia a dia do trabalho. Pode ser que seu colega não seja um psicopata, mas, se ele age conforme alguns dos tópicos a seguir, é sinal que tem algum problema de caráter.
CHARMOSO: seduz sobretudo os chefes, já que estes podem oferecer vantagens. Porém, até o office boy pode ser sua vítima, para entregar as correspondências primeiro para ele.
COMPORTAMENTO PARASITA: repassa trabalho e não se pode contar com ele, pois não assume responsabilidades e, ainda por cima, procura tomar o crédito do trabalho dos outros. Podemos chamar de folgado também, não é?
INTOLERANTE: não consegue respeitar as diferenças, além de praticar bullying, fazer fofoca e criar conflitos com qualquer pessoa que estrague seus planos.
NÃO SENTE REMORSO: para o psicopata, demitir alguém é algo natural, por exemplo.
EGOCÊNTRICO E NARCISISTA: ele, ele e ele, sempre em primeiro lugar. Pensa nos outros somente quando precisa de ajuda para conseguir o que quer.
MENTIROSO PATOLÓGICO: “A pessoa é capaz de afirmar uma série de coisas que sabe que é mentira, e tem consciência que você sabe que ela está mentindo. E faz sem nenhum pudor”, explica Heloani.
INTERESSADO DEMAIS: Não há nada de preocupante em querer saber mais sobre seus colegas de trabalho, inclusive informações pessoais. Contudo, quando o interesse é excessivo e inoportuno, fique atento. “Pode ser uma estratégia para descobrir os pontos fracos e vulneráveis de um colega, como forma de facilitar a manipulação no ambiente de trabalho. Nesse sentido, uma pergunta que surge é: somente psicopatas fazem isso? Certamente que não, mas o fato é que psicopatas fazem isso com muita eficiência e de uma forma que as vítimas raramente percebem”, destaca Vasconcellos.
A psicóloga Milene Rosenthal resume bem o psicopata corporativo: “geralmente é aquela pessoa que sempre está envolvida em intrigas e conflitos, não assume responsabilidades, assedia moralmente uma pessoa em público, não segue as regras da organização, invade a privacidade dos colegas de trabalho e principalmente, trata as pessoas de forma desigual, prejudicando subordinados e bajulando chefes e superiores. São pessoas que, dentro da organização, sempre valorizam o poder e sentem prazer em colocar medo nas pessoas”. É importante destacar que somente um profissional capacitado, como psiquiatras e psicólogos, são capazes de fazer um diagnóstico, porém, não custa nada ficar longe de gente mau-caráter!
MANTENDO DISTÂNCIA
Enquanto ainda não há cura para o transtorno, o melhor é o velho remédio: prevenção. Se for possível, evite se envolver com essa pessoa ao máximo. Mas, se for o colega da mesa ao lado ou uma situação em que vocês precisam trabalhar em conjunto, limite-se a diálogos profissionais. Evite dar informações que podem ser usadas contra você, já que a matéria-prima do psicopata são as informações que você passa a ele. Por exemplo, confidenciar que você já contou uma mentira no trabalho pode tornar-se em uma fofoca enorme sobre como você altera relatórios. “As pessoas precisam parar de ser ingênuas e achar que o ambiente corporativo é uma família. Você pode vir a construir amizades sólidas, mas, primeiro é necessário conhecer bem as pessoas”, destaca José Roberro Heloani, especialista em ética e comportamento no trabalho.
Porém, dar lições de moral ou parar de falar de repente com essa pessoa não é o melhor caminho. “É comum indivíduos com esse transtorno apresentarem descontroles comportamentais quando percebem que a pessoa que estão tentando manipular não está correspondendo”, destaca Vasconcellos. Também não é nem um pouco indicado sair espalhando aos outros colegas que há um psicopata entre eles. Nesse caso, você é que estará se passando de descontrolado. A melhor forma de agir quando se percebe que alguém está tentando manipular os outros ao redor é continuar agindo normalmente, porém, com a atenção redobrada para não se tornar mais uma vítima.
COMO AGIR SE …
…FOR SEU CHEFE
Lidar com chefias já não é algo naturalmente fácil, por tratar-se de um relacionamento envolvendo poderes. Quando há a desconfiança de sua liderança ser um psicopata, o ideal é ter ainda mais cautela. Em primeiro lugar, não o ameace ou bata de frente, mas pelo contrário. Seja político e procure seguir suas ordens, sem dar motivos para reclamações por parte dele. Em segundo lugar, procure registrar por escrito todas as tarefas que ele solicitar; assim, se houver algum problema, ele não terá como pôr a culpa em você. Porém, se ele ultrapassar o limite da ética ou estiver o prejudicando, talvez seja a hora de procurar os superiores do seu chefe. No entanto, somente faça isso se tiver provas concretas de que ele está agindo de má-fé; caso contrário, você é quem pode se queimar. Pedir transferência para outro setor também é uma opção. Se nada der certo, nunca é tarde para procurar um novo trabalho em busca de satisfação profissional
…FOR SEU COLEGA
Psicopatas tendem a querer se dar bem sempre e, por isso, muitas vezes, acabam repassando seu trabalho para os mais próximos: se der certo, ele fica com os créditos, se não, coloca a culpa em você, claro. Por isso, a regra número um é manter a distância do colega que você acredita haver algo fora do normal. Isso engloba tirar o seu da reta quando ele vier pedir algum favor ou repassar trabalho na cara dura. Siga suas tarefas e, caso o trabalho de vocês seja em conjunto, arquive e-mails, atas, telefonemas e o que mais conseguir para deixar bem claro o que cada um deve fazer. Em hipótese alguma tente testá-lo ou desafiá-lo: psicopatas são espertos e podem virar o jogo contra você. Alertar outros colegas ou até mesmo a chefia só funciona quando há provas concretas e, mesmo assim, pense bem se vale a pena. Você pode acabar se passando por “coitado” com mania de perseguição ou o vilão que quer manchar a reputação do colega. Se a situação estiver insuportável, peça para mudar de cargo ou cogite mudar de empresa.
…FOR SEU FUNCIONÁRIO
Estar do lado “mais forte” também não é tarefa fácil. Nenhum superior pode sair despedindo subordinados sem motivo justo, já que provar que alguém é mau-caráter não é algo muito fácil. Aqui vale a mesma dica que nos outros casos: registre tudo. Além disso, se for possível troque-o de cargo para prejudicar o menor número possível de pessoas. Porém, tudo com muita cautela, já que você pode se passar pelo chefe malvado. ”Ao identificar um funcionário com traços de psicopatia, o mais indicado é o desligamento desta pessoa para evitar que ocorram problemas mais sérios; entretanto, cada empresa deverá agir de acordo com suas “normas internas”, indica Milene.