O RACISMO E AS MULHERES NEGRAS

Num contexto em que as reações antirracistas sacodem a boa consciência da comunidade planetária, deslocando episódios brutais do lugar monótono da trivialidade cotidiana para o campo do intolerável, pesquisa recente da consultoria IDados, divulgada nas últimas semanas, reafirma que o fosso social no Brasil tem um fundamento de exclusão invariável: o racismo.
Mas, note-se: mesmo com os dados desfilando persistente e constrangedoramente à nossa frente, relutamos em juntar os pontos, procuramos atalhos para justificar a magnitude da desigualdade como forma de evitar o confronto com o racismo tal como ele é: profundo, estrutural, que perdura no tempo, se efetua a revelia das boas intenções, sobrevive com obstinação, o que demonstra como as camadas espessas da colonização e da escravidão até hoje cobrem o nosso tecido social, sobrevivendo com tenaz resistência aos humores dos tempos. Certamente, a pesquisa da IDados não traz nada de novo, mas serve de alerta, em contexto tão adverso para a população negra no Brasil e no mundo, para a necessidade do combate da discriminação latente que atua contra pretos e pardos em ambientes incontornáveis ao desenvolvimento individual e coletivo: escola, mercado de trabalho e política institucionalizada.
Atuando de forma orquestrada, esses três ambientes tornam-se um obstáculo quase intransponível para a construção de trajetórias de vida de negros de forma equânime. Pobreza, rebaixamento cultural, invisibilização nos processos decisórios da vida política relegam mulheres e homens negros a posições subalternizadas e naturalizam o racismo em suas diversas modalidades (do racismo policial a tantos outros tipos de violência).
O combate das desigualdades, a eliminação da pobreza, a promoção da cidadania requerem, portanto, uma reordenação das nossas pautas em torno de outro projeto de país de tal sorte que a questão racial seja adota como prioridade número 1. Sem essa reordenação, estamos condenados a produzir soluções artificiais que, ao modo de uma assíntota, nunca tocam na nervura do real. As mulheres negras vêm apresentando propostas exequíveis que incidem no combate das desigualdades, uma vez que desenvolveram a capacidade de antever as catástrofes que começam arruinando as beiradas.
A propósito, 25 de julho foi Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Afrocaribenha e Dia Nacional de Tereza de Benguela, o que põe em cena o protagonismo dessas mulheres no projeto de transformação do país, já que em todos os períodos da nossa história elas vêm denunciando o déficit democrático, a ausência de espírito republicano e a rasura do projeto de civilização, responsáveis por vitimar mais da metade da população brasileira. Saudemos, portanto, a força dessas mulheres e escutemos suas vozes insubmissas!

*** ROSANE BORGES é jornalista, doutora em Ciências da Comunicação, professora colaboradora do Colabor (ECA-USP), pesquisadora na área de comunicação, imaginários, política contemporânea, relações raciais e de gênero, conselheira de honra do Coletivo Reinventando a Educação, integrante do grupo Estética e vanguarda do CTR (ECA-USP), articulista da revista Carta Capital, do blog da Editora Boitempo. Autora de diversos livros, entre eles: Espelho infiel: o negro no jornalismo brasileiro (2004), Mídia e racismo (2012), Esboços de um tempo presente (2016).
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