FUI DEMITIDO, E AGORA?
Perder o emprego em meio à pandemia é assustador. Conheça estratégias que ajudam a encontrar um novo caminho
Depois de quatro meses trabalhando na área de facilities de uma fintech, a publicitária Manoela Reis, de 36 anos, recebeu uma ótima notícia: havia sido promovida com um aumento salarial de 25%. Além de confiante com seu futuro na empresa, a profissional também estava feliz por atuar pela primeira vez na área de recursos humanos, algo que sempre desejou. No entanto, menos de dois meses após a promoção, a pandemia do novo coronavírus atrapalhou os planos da paulistana. Em abril, a empresa colocou todo o time em home office, menos Manoela. Ela e outros 18 funcionários foram demitidos. “Eu era responsável pelas instalações físicas e pelos recursos de apoio para os empregados, então grande parte do meu escopo de trabalho deixou de existir”, diz.
Lidar com a demissão logo após feedbacks excelentes e perspectivas de crescimento na companhia deixaram Manoela sem reação. “Fiquei anestesiada, passei dois dias inteiros só assistindo televisão”, diz. Mas logo a profissional percebeu que precisava tomar uma atitude. Decidida a continuar no RH, passou a buscar cursos em temas como employer branding e experiência dos funcionários. Também recorreu a atividades físicas, por meio de aulas online, e a um curso de inteligência emocional. “Minha meta é manter a cabeça boa, o corpo saudável e acumular conhecimento para me reinserir no mercado”, afirma.
HORA DE DESACELERAR
Enquanto a contaminação pelo novo coronavírus avança no país, histórias como a de Manoela começam a se multiplicar Brasil afora. E, se perder o emprego já era difícil antes da pandemia, ser demitido em meio ao surto de covid-19 pode ser pior ainda.
Isso porque a crise do coronavírus tem particularidades: as mudanças de rotina e a convivência forçada com familiares por si só geram sentimentos como ansiedade, estresse, solidão e preocupação. Para quem perdeu sua principal fonte de renda, algumas dessas sensações, como a incerteza sobre o que acontecerá nos próximos meses, podem ser agravadas. “A pandemia fez as pessoas serem relembradas de que o futuro é incerto, mas as que foram demitidas tiveram um lembrete ainda maior”, diz Márcia Miyamoto, coach e professora na The School of Life.
Apesar de as dificuldades serem grandes, é possível dar a volta por cima e tirar boas lições desse momento. O primeiro passo para atravessar esse período é um dos mais difíceis: reduzir o ritmo. Mesmo que a vontade de atualizar o LinkedIn e começar a procurar emprego venha logo em seguida à demissão, especialistas recomendam desacelerar a rotina por alguns dias para deixar os sentimentos virem à tona. Raiva, tristeza e negação são alguns que podem aparecer. E, apesar de serem desagradáveis, são uma etapa importante para superar o luto do antigo emprego. “Nesses dias você pode lançar mão de recursos como meditar, ler ou escrever”, orienta a psicóloga Maria Elisa Moreira, professora de educação executiva no Insper.
Para não cair na depressão, urna ferramenta útil é praticar a gratidão, reconhecendo os aprendizados vividos na antiga empresa. “Lembre-se de que, diferentemente de outras esferas da vida, sempre há uma solução para o campo profissional, e que você não se resume apenas ao trabalho”, diz Márcia, da The School of Life.
CABEÇA EM ORDEM
Não se esqueça de envolver a família em seu processo de recuperação após a demissão. Tenha urna conversa franca, expresse seus sentimentos e deixe que os outros membros também exponham seus medos e angústias sobre a situação. A transparência ajuda a tranquilizar seus entes queridos e deixa o clima mais agradável dentro de casa, o que é importantíssimo em tempos de isolamento social.
Além das aflições, a conversa deve incluir um planejamento financeiro para atravessar a crise. Afinal, a renda de todos será impactada pela demissão. Para colocar as contas em ordem, é importante que todos participem e passem a anotar seus gastos. Quem conta com uma reserva financeira vai colher os frutos agora. Quem não a fez, deve começar a organizar as finanças o mais rápido possível.
Outra recomendação nos primeiros dias é ser discreto e evitar mandar enxurradas de mensagens para colegas e recrutadores que estão no mercado. Longos e-mails de despedida e desabafos nas redes sociais também devem ser evitados. Isso porque o risco de dizer coisas das quais irá se arrepender é maior nesse período de emoções à flor da pele. “O ideal é o profissional apenas comunicar que deixou o emprego e dizer que avisará quando tiver novidades”, diz José Augusto Figueiredo, presidente no Brasil da consultoria Lee Hecht Harrison (LHH).
Também é importante fazer uma autoavaliação sobre sua atuação no último trabalho, pois, embora a pandemia e a recessão iminente sejam as justificativas para a demissão, a empresa utilizou critérios para escolher quais profissionais seriam desligados – e você foi um deles. “Seja honesto consigo mesmo e analise sua capacidade de relacionamento e aprendizado, além de sua habilidade para lidar com mudanças”, recomenda Maria Elisa, do Insper.
Vale, por exemplo, resgatar avaliações antigas de feedbacks e esmiuçar o que foi dito. Essa atitude pode fazer toda a diferença na hora de um novo processo seletivo. “Os recrutadores vão questionar os motivos de sua demissão e será preciso responder com tranquilidade. Isso só será possível se as razões estiverem claras na sua cabeça”, afirma José Augusto, da LHH. Uma possibilidade é questionar diretamente os antigos chefes, por meio de e-mails ou mensagens de celular. Na hora de fazer essa abordagem, o profissional deve dizer quais motivos atribui ao seu desligamento e perguntar se o ex-gestor pensa da mesma forma.
TENHA FOCO
Quando você tiver digerido a demissão, será hora de entrar em contato com sua rede. Nesse momento, você pode fazer uma publicação no LinkedIn sobre suas ideias, seus projetos e as habilidades que possui. “Dessa forma você dá uma notícia positiva sobre o caminho que está almejando. O tom menos pessimista faz com que as pessoas fiquem mais confortáveis para conversar com o profissional demitido, o que, portanto, aumenta as chances de indicação”, afirma José Augusto.
Porém, para que isso seja eficiente, é preciso definir exatamente qual será seu próximo objetivo profissional. “Reflita qual é sua contribuição para a sociedade e o que o move”, explica Maria Elisa, do Insper. Com essa clareza, é possível entender se sua busca irá se concentrar em arranjar um novo emprego, tornar-se prestador de serviços ou empreendedor. De acordo com Márcia, da The School of Life, analisar o propósito e os sonhos profissionais também será útil para que as próximas ações façam sentido. “A pessoa não deve gastar tempo fazendo qualquer curso se não sabe corno vai usá-lo”, afirma.
Utilizar o momento difícil para refletir sobre os próprios desejos – e traçar urna meta para alcançá-los – foi exatamente o que fez Alison Morais de Souza, de 30 anos, que em meados de abril perdeu o emprego como gerente de uma loja de acessórios e manutenção de smartphones em Rolândia, no Paraná. “Quando a crise do coronavírus começou a se agravar, as vendas caíram muito e imaginei que o proprietário do local não conseguiria bancar o meu salário”, afirma Alison.
Com a mudança, ele passou a se sustentar com a ajuda da esposa, que continua trabalhando como gerente em uma loja de doces. Embora tenha sentido a perda do emprego nos primeiros dias, ele conta que está conseguindo se manter otimista porque tem planos para o futuro: quando passar o período de isolamento social, Alison pretende realizar um curso de manutenção de smartphones e abrir uma loja igual àquela em que trabalhava.
Para concluir o projeto, entretanto, terá de repensar os hábitos de consumo e economizar um pouco. Por isso, Alison e a esposa já cortaram algumas despesas e negociaram uma extensão de prazo para pagar o financiamento da casa onde moram. “Eu já tinha o sonho de empreender, então, quando veio a demissão, sabia que era a hora de começar a planejar”, explica Alison. Nesses momentos de crise, é preciso fazer como o paranaense: tentar encontrar sua essência e descobrir quais são seus estímulos pessoais para seguir em frente.
PARTINDO PARA OUTRA
Quatro dicas para superar a demissão
#1 BUSQUE CAPACITAÇÃO
Após ter clareza do que deseja profissionalmente, é preciso estudar e pesquisar – seja para continuar competitivo no mercado, seja para mudar de área. Há diversos cursos online gratuitos, mas avalie investir parte da rescisão em alternativas pagas também. Conteúdos como lives, artigos de especialistas e reportagens podem ser boas opções complementares.
#2 ANALISE O MERCADO
Aproveite o tempo livre para entender quais setores estão aquecidos e quais serão mais afetados pela crise. Com isso, direcione seus esforços para as empresas que devem crescer. Não adianta, por exemplo, mandar currículo para quem também acabou de ser demitido.
#3 DEFINA SUAS COMPETÊNCIAS
Pense sobre todo o conhecimento adquirido ao longo de sua carreira e reflita de que forma essas habilidades poderão ajudar nos próximos desafios. Para fazer isso, uma sugestão é colocar no papel suas principais realizações e conquistas profissionais.
#4 BEM NA FITA
Além de atualizar o currículo e o perfil no LinkedIn, é preciso se preparar para as entrevistas de emprego. E tente se acostumar com as dinâmicas em vídeo – o novo normal durante a quarentena. Dá para treinar gravando vídeos de si mesmo, que devem ser assistidos com o objetivo de melhorar a performance.
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