TUDO A SEU TEMPO
Pesquisas indicam que para manter a saúde em dia não bastam apenas boas escolhas à mesa – é preciso comer nos horários determinados por nosso relógio biológico. Saiba como ajustar a dieta ao ritmo de seu corpo

“Tome café da manhã como um rei, almoce como um príncipe e jante como um miserável.” Esse velho ditado continua fazendo sentido – e não estamos falando apenas da quantidade de comida no prato. De acordo com estudos recentes, tão importante quanto a escolha dos alimentos é o horário em que eles são consumidos. Alinhar as refeições ao nosso relógio biológico (ciclo de 24 horas que avisa o corpo qual é o momento adequado para acordar, comer e dormir) garante a boa forma e a saúde em alta por mais tempo.
Essa é uma das ideias centrais do recém-lançado The Circadian Code (“O código circadiano”, numa tradução livre), escrito por Satchin Panda, professor do Salk Institute for Biological Studies e fundador do Centro de Biologia Circadiana da Universidade da Califórnia, ambos nos Estados Unidos. Na obra, o especialista diz que, para que o metabolismo funcione a pleno vapor, o ideal é criar uma “janela de alimentação”, ou seja, fazer todas as refeições do dia em um período de 8 a 12 horas – independentemente da sua rotina. De acordo com ele, esse hábito, além de reduzir a pressão arterial, favorece o controle e a perda de peso, seja qual for a dieta que a pessoa adote. “O timming da janela é flexível. Se você trabalhar de madrugada, seu período de alimentação deve ser da meia-noite às 10 horas ou das 3 às 13 horas, por exemplo. O horário em si não é tão importante quanto o intervalo de 8 a 12 horas para se alimentar”, diz Satchin.
A teoria passou a ser investigada após um estudo que o professor concluiu em 2012 com ratos geneticamente idênticos. Os animais foram divididos em dois grupos: o primeiro teve acesso a alimentos ricos em gordura e açúcar durante todo o dia; o segundo ingeriu a mesma comida, só que em um período de apenas 8 horas. Apesar de os dois times consumirem um número igual de calorias, os ratos do primeiro engordaram e ficaram doentes, enquanto os do segundo se mantiveram magros e saudáveis. Atualmente, Satchin Panda e sua equipe estão dando continuidade aos estudos sobre o papel do relógio biológico na saúde humana por meio do aplicativo My Circadian Clock (mycircadianclock.org), disponível gratuitamente para iOS e Android. A versão em português que é orientada por Fabiano Serfaty, endocrinologista do Rio de Janeiro que trabalha em parceria com o time do pesquisador indiano, deve ser lançada no fim do ano. “Ao inserir seus dados no programa, você contribui para a pesquisa e entende melhor como seu corpo funciona”, diz Fabiano.
RITMO PERFEITO
A ciência sabe, e não é de hoje, que nosso organismo trabalha sob a orientação de um “relógio” localizado no cérebro, mais precisamente no hipotálamo, que determina o período diário de sono e de vigília. No entanto, além de ser influenciado pela alternância entre luz e escuridão, o chamado ciclo circadiano (do latim circadiem, ou “cerca de um dia”) também varia conforme outros fatores ambientais. Se você já sentiu na pele os efeitos de um jet lag, por exemplo, sabe bem do que estamos falando: ao ser submetido a um fuso horário diferente, nosso relógio biológico fica bagunçado e demora um tempo para se reorganizar. Como se não bastasse a complexidade desse sistema, pesquisadores descobriram, décadas atrás, que cada órgão do corpo humano tem uma programação própria, capaz de regular o ciclo de atividades diárias dele. ·”É como se fossem vários departamentos que precisam atuar em sintonia para que a empresa, cujo comando está no cérebro, conquiste bons resultados”, explica Roberto Debski, clínico-geral, acupunturista e psicólogo.
No que diz respeito ao aparelho digestivo, uma coisa é certa: os órgãos que o compõem foram projetados para trabalhar de forma mais eficiente de manhã e à tarde do que à noite. Em outras palavras, digerimos melhor os alimentos – e queimamos mais calorias – nesses períodos. “O primeiro órgão a despertar, graças à presença da luminosidade, é o fígado”, diz Natália Marques, nutricionista especializada em fitoterapia e nutrição esportiva funcional. “Uma de suas principais funções é organizar, logo cedo, a distribuição do estoque de nutrientes disponíveis no organismo”. Já o pâncreas fabrica uma quantidade maior do hormônio insulina, que gerencia os níveis de açúcar no sangue durante o dia – à noite o controle se torna menos eficaz. O intestino, além de iniciar o processo digestivo, coordena a absorção dos nutrientes e a eliminação das fezes, ou seja, do material que não tem utilidade para o corpo. Diante desse cenário, é possível concluir que, em cada órgão, existem milhares de genes que ligam e desligam mais ou menos no mesmo período, todos os dias. Essa informação já vem armazenada no DNA das células.
A IMPORTÂNCIA DA ROTINA
O problema é que, por causa da vida social e profissional intensa, sobretudo nas grandes cidades, a maioria das pessoas não se alimenta nos horários favoráveis ao ciclo circadiano. Há quem “esqueça” o café da manhã para sair de casa cedo ou jante pouco antes de ir para a cama. “Quando comemos tarde da noite, por exemplo, obrigamos os órgãos a trabalhar no momento em que eles já estão começando a descansar, o que provoca um conflito no sistema”, afirma Roberto. Se esse comportamento alimentar vira um hábito, ou seja, se contrariamos nosso ritmo biológico de maneira constante, o perigo está instalado. De acordo com um dos estudos de Satchin Panda, muita gente chega a comer em um intervalo de 15 horas ou mais, o que colabora para o desenvolvimento da obesidade e de outras doenças metabólicas, como diabete tipo 2, câncer e problemas cardiovasculares. “Isso prova que nosso organismo precisa descansar mais do que trabalhar”, afirma Fabiano. Pessoas que atuam no turno da noite, cm um horário que vai totalmente de encontro ao nosso relógio biológico, também correm mais risco de ter os males já citados.
Quando a saúde está em jogo, o ideal é adotar novos hábitos o mais rápido possível. Foi o que fez João Pedro Muniz de Aguiar, de 25 anos, analista de comunicação na Youse, plataforma de venda de seguros. O profissional integrava a turma dos que vivem dispensando o café da manhã e exageram no tamanho das refeições seguintes. Em setembro do ano passado, quando a balança marcou 141 quilos, procurou ajuda médica. À beira de diabetes e hipertensão, resolveu que era hora de virar a mesa. Incentivado por um programa de qualidade de vida implantado pela empresa, ele se matriculou em uma academia, começou uma dieta de emagrecimento e estabeleceu horários fixos para comer. Tanto esforço deu resultado: atualmente, João Pedro pesa 94 quilos e diz que se transformou em outra pessoa. “Antes eu dormia mal e já acordava cansado, com dor nas costas. Subia alguns degraus e ficava ofegante. Hoje sou muito mais disposto, produtivo e focado. Até recebi um feedback positivo do meu chefe nesse sentido.”
Embora seja difícil para a maioria comer em um período de no máximo 12 horas, a nutricionista Natália Marques garante que criar a própria rotina alimentar, de preferência ingerindo itens que colaborem para a manutenção do ciclo circadiano, só traz benefícios à saúde. “Não existe uma dieta que sirva para todo mundo. Antes de elaborar um cardápio, o nutricionista precisa levar em conta o estilo de vida da pessoa, se ela pratica ou não uma atividade física e o nível de estresse ao qual está submetida”, diz. “Devemos respeitar o ritmo do próprio corpo, afinal, cada ser humano é único e tem necessidades individualizadas”, afirma o endocrinologista Fabiano Serfaty. O importante é que, independentemente da idade, dá para colher bons frutos mudando os hábitos à mesa. Prova disso é André Luís Lisboa da Silva, de 52 anos, administrador de empresas. Antes de consultar um nutricionista, seis anos atrás, ele sofria de refluxo e gastrite e não se sentia muito disposto. Além disso, embora comesse pouco, não emagrecia. Desde então ele pratica exercícios regularmente, consome alimentos mais saudáveis e tem horário certo para as refeições – a última, por exemplo, acontece entre 20h30 e 21 horas. Os benefícios da nova rotina? ”Tenho mais energia no trabalho, me sinto mais atraente e bem humorado e parei de tomar remédios”, conta. E, por falar no jantar, ele é fundamental porque influencia a qualidade do sono. Embora comer mais cedo seja o ideal para nosso metabolismo, todo mundo deve se alimentar de forma leve e moderada à noite. Lembra do ditado?
COMO UM RELOGINHO
Além de estabelecer uma rotina alimentar alinhada às necessidades fisiológicas, é preciso adotar outros cuidados para que os ritmos circadianos do organismo se mantenham sincronizados. O primeiro deles é acordar e dormir todos os dias no mesmo horário – inclusive nos fins de semana – e garantir um sono de boa qualidade. “O ideal é passar a noite completamente no escuro e longe de estímulos eletrônicos, como televisão e celular”, afirma Natália. “A ausência da luz comunica ao corpo que chegou o momento de funcionar em carga mínima, para que os órgãos possam descansar e se recuperar de todo o desgaste sofrido ao longo do dia que passou”, diz Roberto Debski. Outra medida importante é controlar o estresse, atualmente o maior responsável pela dessincronização do ciclo circadiano. Isso porque, quando o corpo fica sob tensão durante muito tempo, o hormônio cortisol, que faz subir a taxa de glicose no sangue, se mantém em alta, dificultando o relaxamento e facilitando o aparecimento de várias doenças, como diabete tipo 2. Para acalmar os nervos, a recomendação é investir na prática regular de exercícios físicos, o que também ajuda a segurar os ponteiros da balança. Meditar diariamente pelo menos 10 minutos e fazer uma atividade prazerosa – aprender a tocar um instrumento, por exemplo – também deixam a rotina mais leve e nosso relógio biológico andando no ritmo certo.

MENU DO DIA
Veja o que comer (e o que evitar) para ficar de bem com o ciclo circadiano, de acordo com a nutrição funcional
CAFÉ DA MANHÃ
Invista em frutas com casca, pães integrais, café (sem açúcar ou adoçante) e vegetais amargos (que ajudam a acordar o fígado e os demais órgãos digestivos). Evite pães e bolachas com farinha branca e alimentos açucarados, inclusive sucos industrializados.
ALMOÇO
Aposte em salada com vegetais e folhas (de preferência, verde-escuras, como acelga, agrião, rúcula e radicchio) e proteína animal (frango, peixe ou carne bovina com pouca gordura. Deixe de lado frituras e doces.
LANCHE
Vá de castanhas (sem sal e sem açúcar) e vegetais como cenoura, pepino e rabanete. Não coma bolo, bolacha e pão de queijo.
JANTAR
Prefira feijões, grãos (como arroz integral), alface e legumes, que favorecem o sono, chás de camomila, erva-doce e melissa são bem-vindos, desde que sejam consumidos sem açúcar ou adoçante. Evite carboidratos, doces, álcool e bebidas estimulantes, como café e chá-preto.
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