Sempre escolhi acreditar que a preferência pela ignorância fosse um traço de baixa expressividade, ainda que de penetração elevada. Explico: a expressividade é a capacidade de expressão de um fenótipo associado a determinado genótipo, enquanto a penetração é a fração da população com determinado genótipo que exibe o fenótipo a ele associado. Fosse a preferência pela ignorância um traço de baixa expressividade, ainda que de penetração elevada, teríamos uma grande variabilidade da preferência pela ignorância na população. Nessas circunstâncias, teríamos de conviver com alguma preferência pela ignorância, mas ao menos teríamos o alento de que, enquanto alguns com o genótipo associado expressariam o fenótipo em sua plenitude, outros o fariam de forma quase imperceptível. Em outras palavras, seriam, mas pouco pareceriam.
Não sei bem por que escolhi acreditar nessa tese. Talvez porque o Brasil de outros tempos me parecesse mais pensante; quiçá porque algumas das pessoas mais interessantes com as quais convivi não me permitissem enxergá-lo de outro modo. Uma delas, a mais importante, foi-se há quase exatos 30 anos.
O que terá sido? Um erro de reparo no DNA? Uma deleção do gene que regulava a expressividade do fenótipo? Um rearranjo que removeu determinada sequência genética e a reacoplou de modo invertido? Difícil saber. Afinal, as aberrações genéticas não são tão facilmente mapeáveis apesar dos avanços da medicina diagnóstica.
O fato é que a vemos todos os dias. Desde comentários nas redes sociais de que a língua portuguesa é binária – só há, então, a forma certa e a errada, para o desespero de Guimarães Rosa – até a negação da gravidade da crise de saúde pública e da crise econômica. A preferência pela ignorância está nas receitas médicas para hidroxicloroquina e prednisona nos pacientes assintomáticos ou com apresentação leve de Covid-19. Está nos textos anônimos e infundados, sem referência a qualquer literatura científica, que circulam no WhatsApp e são lidos como inquestionáveis qualquer que seja o assunto. Está todos os dias na boca do presidente da República. Aparece ao menos uma vez por semana nas declarações do ministro da Economia. Está no hábito mental de repetir clichês sem parar para refletir sobre o que significam. Cito alguns deles: “a Constituição não cabe no Orçamento”, “é preciso retomar a agenda de reformas para a volta da confiança”, “a renda básica é impagável” e, “se mexermos no teto de gastos a inflação volta”.
Houve tempo em que clichês eram menos recorrentes na economia. Falo sério, e sei que é difícil acreditar. Houve tempo em que economistas questionavam. “Tem sentido?” “Por que é assim?” “Será que dá para pensar melhor nessa tese se a olharmos de outro modo?” Falo porque tive o privilégio de conviver com dois grandes economistas que não aceitavam nada acriticamente, tampouco se contentavam em sacar um volume da prateleira em que se escorar, ainda que ambos houvessem lido muito mais do que oito livros. Com um deles aprendi a ser “do contra” para além das relações pessoais. Pensar, afinal, passa pela elaboração de contrapontos. “É assim mesmo? Então vou testar se realmente é.” Com o outro aprendi a sempre confiar em outras abordagens. “E se tentasse entender esse problema a partir das ciências naturais?” Essas posturas são complementares, e, não à toa, as pessoas sobre as quais escrevo eram grandes amigos. Como já disse, um deles se foi há 30 anos. O outro se foi há 10. Um sucumbiu a uma doença no dia 5 de julho de 1990. O outro foi operado da mesma doença 20 anos mais tarde, no dia 5 de julho de 2010, falecendo pouco depois.
Se estivessem aqui, hoje, estariam assustados com o estado de aberração permanente que se tornou o Brasil. Mas também desconfiariam que clichês escondem a falta de pensamento e saberiam se divertir com a elevadíssima expressividade da preferência pela ignorância. O humor e a ironia são não apenas formas saudáveis de extravasar frustrações. São, sobretudo, um modo de resgatar formas de genes perdidos que modulam aberrações.
MONICA DE BOLLE – é pesquisadora Sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins
Não há aventura mais extraordinária, hoje, do que a corrida pela descoberta de uma vacina contra o novo coronavírus. É possível que até o fim do ano desponte algum imunizante eficaz – e o Brasil, com milhares de voluntários nos estudos, está na ponta de lança desse movimento
Um tema, não o único, mas primordial, tem ocupado o tempo de uma série de encontros remotos, por meio de videoconferência entre campeões da filantropia e do capitalismo mundial: a busca de uma vacina contra o novo coronavírus. Há cerca de dois meses, o fundador da Microsoft, Bill Gates, o megainvestidor Warren Buffett e o empresário brasileiro Jorge Paulo Lemann trocavam impressões sobre a pandemia e, num momento em que o mundo estava extremamente abalado pelo surto, demonstravam algum otimismo. Lemann estava particularmente animado porque havia sido procurado pelos diretores da Universidade de Oxford, na Inglaterra, para ajudar na busca por um imunizante. Um pedaço relevante da pesquisa, realizada em parceria com a farmacêutica britânica AstraZeneca, poderia ser feito no Brasil. Disse sim no mesmíssimo dia, e se comprometeu a bancar os custos de aplicação da substância experimental em 2.000 voluntários paulistas – 1.000 deles de modo direto e a outra metade com a assistência de um par de apoiadores, a Fundação Brava e a Fundação Telles. Nascia ali uma das maiores apostas da humanidade na luta contra o novo coronavírus. “Estamos esperançosos, animados, e tentando ajudar os profissionais que mais entendem do assunto no mundo”, disse Lemann. Por força de atávica discrição, ele não confirma, mas sabe-se que, ao anúncio de uma vacina, estaria disposto a desembolsar algo em torno de 30 milhões de reais para apoiar algum fabricante de modo a incentivar rápida produção por aqui.
Nunca antes, como agora, gastou se tanto (estima-se que o valor global chegue a mais de 20 bilhões de dólares) com a procura de uma vacina que proteja o mundo doSars-CoV-2, o vetor da Covid-19. Afinal, até a quinta feira 9, o vírus já atingiu em números oficiais mais de 12 milhões de pessoas, com cerca de 550.000 mortes – quase 70.000 no Brasil. Na corrida para interromper uma tragédia ainda maior, existem hoje em todo o planeta em torno de 160 projetos de imunizantes. Destes, 21 já estão em fase de testes clínicos em humanos – e dois chegaram à derradeira etapa exigida pelas agências regulatórias para aprovação. Ambos estão no Brasil: o de Oxford e o da chinesa Sinovac Biotech, que também desembarcou para testagem, por meio do Instituto Butantan, de São Paulo, ancorado pelo governo do estado. Especialistas ouvidos acreditam que, com a aceleração de etapas, uma vacina possa ser posta em circulação ainda entre novembro e dezembro deste ano. A gigante Pfizer, por exemplo, já começou a fabricá-la, mesmo sem certezas, em procedimento raro, mas justificável, de modo a ganhar tempo. Evidentemente, só a distribuirá depois de confirmações absolutas, com total segurança. Trata-se de uma corrida em que o vencedor (tomara que assim seja) ganhará em tempo recorde. No caso do sarampo, por exemplo, passaram-se quatro anos entre a eclosão da doença e a proteção química.
A participação brasileira nesta busca pelo santo graal é mundialmente relevante, e precisa ser celebrada. O país foi procurado em virtude da explosão de casos, e não há como negar essa constatação (testam-se vacinas onde elas são necessárias), mas também como resultado de um histórico de reputação internacional na área. O programa de vacinação brasileiro, apesar de recentes recuos durante a Presidência de Jair Bolsonaro, é invejável. Diz a pesquisadora brasileira Sue Ann Costa Clemens, diretora do Instituto de Saúde Global da Universidade de Siena, a interlocutora inaugural entre Oxford e Lemann: “No início de maio, muitos outros países tinham curva ascendente como ado Brasil. O país foi escolhido pela excelente estrutura dos centros de pesquisa, capacidade dos pesquisadores e por ter conseguido, em pouquíssimo tempo, grande quantidade de voluntários. “Foram dois dias para encontrar instituições aptas, uma semana para a confirmação de patrocinadores e apenas 44 dias entre o primeiro contato e o início dos trabalhos. “Estou no comitê científico de outras duas vacinas e não vi essa agilidade em lugar algum”, diz Sue, coordenadora do estudo no Brasil.
Louve-se, em particular, a estrutura da Fiocruz, no Rio de Janeiro, que anualmente tira da linha de montagem 120 milhões de doses de imunobiológicos contra febre amarela, pólio, sarampo, caxumba e rubéola, entre outros. A Fiocruz está se preparando para, dado o sinal verde tão esperado, produzir mensalmente até 40 milhões de doses contra a Covid-19. Isso significa que em pouquíssimo tempo, pouco mais de cinco meses após a comprovação da eficácia da vacina, toda a população brasileira estará imunizada. Para isso, a instituição receberá investimento do Ministério da Saúde, comprará biorreatores de última geração e aperfeiçoará sistemas de purificação e filtragem, além de ter direito a ampla transferência de tecnologia importada do Reino Unido. “Ainda que a vacina não demonstre ser 100% efetiva, o que é uma possibilidade, teremos extraordinários ganhos de conhecimento que nos permitirá fortalecer nossa capacidade de produzir outras substâncias”, diz a pesquisadora Nísia Trindade, presidente da Fiocruz.
Tudo somado, com os dois procedimentos mais relevantes do planeta, haverá cerca de 14.000 voluntários brasileiros entre 18 e 55 anos nos testes da vacina – 1.000 deles financiados pelo Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, no Rio de Janeiro. Em todo o mundo, apenas no pacote de Oxford, serão 50.000 doses distribuídas entre Brasil, Estados Unidos e África do Sul, além do Reino Unido. As inscrições são abertas apenas a pessoas altamente expostas ao vírus, em especial profissionais da área de saúde e afins, como motoristas de ambulância e agentes de limpeza em hospitais que ainda não foram infectados. O estudo é do tipo “simples-cego randomizado”. Ou seja, as pessoas são sorteadas aleatoriamente e podem cair em dois grupos distintos: o da vacina propriamente dita (ChAdOxlnCoV-19, a sigla que pode fazer história) e o de “controle”, no caso um imunizante para meningite (MenACWY), sem que saibam em qual estão.
Há, nessa turma de heróis, embora eles rejeitem a alcunha, um misto de coragem e altruísmo – com controle, evidentemente, daí a seleção de pessoas com boa saúde e fora das faixas etárias que representem risco. Mais de 1.100 homens e mulheres já passaram por triagens no Brasil, e 667 receberam a agulhada. No termo de consentimento entregue aos profissionais de Oxford e da AstraZeneca, o cidadão lê alguns alertas que só não soam assustadores por ser capítulos protocolares e impositivos. Num dos trechos está escrito: “há o risco de eventos adversos graves, como reações alérgicas, reações no sistema nervoso e possibilidade de um efeito inesperado”. Para participar dos estudos clínicos, o candidato não pode ter nenhuma comorbidade, como hipertensão, doença gastrointestinal, renal ou respiratória, e, no caso de mulheres, dispostas a manter o uso de contraceptivos durante pelo menos um ano. Depois da entrevista de triagem, feita diante de uma bancada de médicos, o voluntário é encaminhado para a realização de um teste sorológico e um de PCR – o primeiro verifica se há anticorpos no organismo para o vírus, indicando contaminação anterior, e o segundo atesta infecção naquele momento, o que inviabilizaria a participação. Com resultados negativos, dá-se a convocação em três ou quatro dias para a aplicação da vacina no músculo deltoide do braço. Feita a picada, são entregues um termômetro e uma pequena régua.
Nos 28 dias subsequentes, será preciso medir a temperatura e eventuais reações cutâneas (daí a régua). Os sintomas esperados são semelhantes aos da gripe, com dores musculares, incômodo nas articulações, febre e náusea. No período de um ano, haverá outras três visitas aos coordenadores do estudo.
Até que se chegue a algum veredicto confiável, é natural que paire no ar, de modo quase palpável, uma nuvem de ansiedade traduzida em uma questão central: com tantas candidatas em desenvolvimento, como saberemos quando uma vacina é boa e firme o suficiente para ser aprovada e utilizada na população em geral? O ideal seria alcançar a eficácia contra a febre amarela (de 99%) ou contra o sarampo (96%). Entretanto, uma vacina com índice de sucesso mais baixo não é necessariamente ruim, principalmente diante de uma pandemia. Segundo a OMS, uma vacina que consiga proteger pelo menos 70% da população, incluindo idosos, já seria um grande sucesso. Segundo especialistas, no pior dos cenários, um imunizante que não previna a infecção, mas evite casos graves, como é o caso da vacina contra a tuberculose, já representaria um grande avanço no combate à Covid-19 e um passo em direção à volta à normalidade. Diz o embaixador britânico no Brasil, Vijay Rangarajan, de mãos dadas com a Oxford e o braço tropical: “A única maneira de ajudar nossos povos a sair dessa crise o mais rápido possível é desenvolver, testar, financiar, produzir e distribuir uma vacina, tudo ao mesmo tempo. Isso não é normal e tem um risco enorme, mas é preciso arriscar”.
As ponderações feitas por pessoas próximas aos projetos não devem ser desprezadas. Existe, sim uma possibilidade de que nenhum imunizante seja eficiente contra o novo coronavírus em pouco tempo – nem os que estão sendo estudados por aqui nem os de fora. É provável, aliás, que a maior parte deles não dê certo. “Imagino que meia dúzia das vacinas trabalhadas possa dar certo, embora não possamos descartar o fracasso”, alerta a microbiologista Nathalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência. E então será preciso um pouco mais de tempo e paciência para vencermos esse desafio. “Em um primeiro momento, é possível que tenhamos apenas um paliativo”, diz Carlos Murillo, CEO da Pfizer no Brasil. Mas qualquer avanço que se faça pode significar mais vidas poupadas, o que já valeria toda a energia e investimentos nessa busca. E, insista-se, essas são de fato boas apostas, com excepcionais chances de sucesso.
Eis aí a beleza da ciência, em movimentos de sístoles e diástoles, sem a qual a civilização não existiria. E as vacinas, na construção da inteligência humana, no embate contra as doenças, são personagem indissociável do progresso, apesar da insistente pressão de grupos avessos à sensatez. No início do século XIX, quando a pioneira vacina contra a varíola criada por Edward Jenner (1749- 1823) começou a ser aplicada em grande número, houve imensa grita. A ideia de injetar uma preparação biológica em humanos para criar imunidade “artificial” despertou objeções sanitárias, políticas e até religiosas. Cem anos depois, em 1904, o Brasil se viu em meio ao movimento conhecido como a Revolta da Vacina, em que a população foi às ruas na então capital, o Rio de Janeiro, protestar contra a obrigatoriedade da vacinação que visava a erradicar, entre outros males, a febre amarela. Hoje, há a tolice do movimento antivacina, ancorado em argumentos religiosos e em um suposto direito individual que se sobreporia ao coletivo – e males como o sarampo, que pareciam vencidos, cresceram 300% no mundo só nos primeiros meses de 2019. A ignorância, assim como o Sars-CoV-2, é de complicada erradicação. Mas nenhum desafio é intransponível para a poderosa combinação de ciência, trabalho sério e inteligência.
ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO DAS VACINAS
Não há ainda uma data exata, mas prevê-se que alguma das 158 vacinas em estudo possam ser oferecidas até o fim de 2020
O qual passando pelo vale árido, faz dele um manancial… (Salmos 84.6a).
O Salmo 84 foi escrito pelos filhos de Coré. Retrata o anseio da alma por Deus e a saudade do templo. Aqueles que habitam na casa de Deus são muito felizes porque podem ter um louvor perene nos lábios. Aqueles que encontram abrigo nos átrios da casa de Deus recebem força do Altíssimo. Três experiências são vivenciadas por aqueles que habitam a casa de Deus. Em primeiro lugar, uma postura de confiança em Deus mesmo na adversidade. O v. 5 diz que os pés estão no vale, mas no coração os caminhos são aplanados. As circunstâncias são medonhas, mas a serenidade do coração é inabalável. Em segundo lugar, uma experiência da libertação divina em meio à adversidade. O v. 6 diz que Deus nem sempre nos livra do vale árido e o transforma num manancial. Não somos poupados dos problemas, mas poupados apesar deles e no meio deles. Deus nem sempre nos livra da fornalha, mas na fornalha. A vida cristã não é uma estufa espiritual ou uma redoma de vidro, mas um campo de batalha. No mundo teremos aflições, pois nos importa entrar no reino de Deus por meio de muitas aflições. Em último lugar, uma certeza de que nunca faltarão recursos de Deus para prosseguirmos vitoriosamente até o dia final. O v. 7 diz que vamos indo de força em força até o destino final. A força para essa caminhada vitoriosa não vem de dentro, mas do alto; não do homem, mas de Deus; não da terra, mas do céu!
O comportamento dos brasileiros com a crise do coronavírus mudou radicalmente, mostra pesquisa exclusiva da consultoria McKinsey
Consciência na hora de comprar, fortalecimento de uma cultura de ”faça você mesmo” e uma vida mais dentro de casa. Esses são alguns comportamentos que cresceram no dia a dia dos brasileiros durante a pandemia do coronavírus. E eles devem durar. De olho nessas mudanças, a consultoria McKinsey aposta que os novos hábitos causados pelo isolamento social mostram uma mudança de mindset e de valores, que têm a ver com mais planejamento, consumo consciente e valorização do bem-estar. Na hora de comprar, alguns hábitos se destacam. As pessoas estão valorizando mais a segurança e a limpeza das lojas, e têm experimentado novas marcas. Além disso, consomem com foco no propósito.
Tudo isso também deve levar a menos consumismo. De acordo com a pesquisa, 75% das pessoas estão repensando seus hábitos de compra e sua necessidade de novas compras. ”Ao fazer compras, o consumidor está e continuará mais preocupado com a ética e a responsabilidade”, diz Fernanda Hoefel, sócia e autora do estudo. ”Algumas mudanças vieram para ficar. A desurbanização também é uma delas, e já vem acontecendo nos Estados Unidos há dez anos”, diz Tracy Francis, sócia sênior da McKinsey.
Pesquisas indicam que para manter a saúde em dia não bastam apenas boas escolhas à mesa – é preciso comer nos horários determinados por nosso relógio biológico. Saiba como ajustar a dieta ao ritmo de seu corpo
“Tome café da manhã como um rei, almoce como um príncipe e jante como um miserável.” Esse velho ditado continua fazendo sentido – e não estamos falando apenas da quantidade de comida no prato. De acordo com estudos recentes, tão importante quanto a escolha dos alimentos é o horário em que eles são consumidos. Alinhar as refeições ao nosso relógio biológico (ciclo de 24 horas que avisa o corpo qual é o momento adequado para acordar, comer e dormir) garante a boa forma e a saúde em alta por mais tempo.
Essa é uma das ideias centrais do recém-lançado The Circadian Code (“O código circadiano”, numa tradução livre), escrito por Satchin Panda, professor do Salk Institute for Biological Studies e fundador do Centro de Biologia Circadiana da Universidade da Califórnia, ambos nos Estados Unidos. Na obra, o especialista diz que, para que o metabolismo funcione a pleno vapor, o ideal é criar uma “janela de alimentação”, ou seja, fazer todas as refeições do dia em um período de 8 a 12 horas – independentemente da sua rotina. De acordo com ele, esse hábito, além de reduzir a pressão arterial, favorece o controle e a perda de peso, seja qual for a dieta que a pessoa adote. “O timming da janela é flexível. Se você trabalhar de madrugada, seu período de alimentação deve ser da meia-noite às 10 horas ou das 3 às 13 horas, por exemplo. O horário em si não é tão importante quanto o intervalo de 8 a 12 horas para se alimentar”, diz Satchin.
A teoria passou a ser investigada após um estudo que o professor concluiu em 2012 com ratos geneticamente idênticos. Os animais foram divididos em dois grupos: o primeiro teve acesso a alimentos ricos em gordura e açúcar durante todo o dia; o segundo ingeriu a mesma comida, só que em um período de apenas 8 horas. Apesar de os dois times consumirem um número igual de calorias, os ratos do primeiro engordaram e ficaram doentes, enquanto os do segundo se mantiveram magros e saudáveis. Atualmente, Satchin Panda e sua equipe estão dando continuidade aos estudos sobre o papel do relógio biológico na saúde humana por meio do aplicativo My Circadian Clock (mycircadianclock.org), disponível gratuitamente para iOS e Android. A versão em português que é orientada por Fabiano Serfaty, endocrinologista do Rio de Janeiro que trabalha em parceria com o time do pesquisador indiano, deve ser lançada no fim do ano. “Ao inserir seus dados no programa, você contribui para a pesquisa e entende melhor como seu corpo funciona”, diz Fabiano.
RITMO PERFEITO
A ciência sabe, e não é de hoje, que nosso organismo trabalha sob a orientação de um “relógio” localizado no cérebro, mais precisamente no hipotálamo, que determina o período diário de sono e de vigília. No entanto, além de ser influenciado pela alternância entre luz e escuridão, o chamado ciclo circadiano (do latim circadiem, ou “cerca de um dia”) também varia conforme outros fatores ambientais. Se você já sentiu na pele os efeitos de um jet lag, por exemplo, sabe bem do que estamos falando: ao ser submetido a um fuso horário diferente, nosso relógio biológico fica bagunçado e demora um tempo para se reorganizar. Como se não bastasse a complexidade desse sistema, pesquisadores descobriram, décadas atrás, que cada órgão do corpo humano tem uma programação própria, capaz de regular o ciclo de atividades diárias dele. ·”É como se fossem vários departamentos que precisam atuar em sintonia para que a empresa, cujo comando está no cérebro, conquiste bons resultados”, explica Roberto Debski, clínico-geral, acupunturista e psicólogo.
No que diz respeito ao aparelho digestivo, uma coisa é certa: os órgãos que o compõem foram projetados para trabalhar de forma mais eficiente de manhã e à tarde do que à noite. Em outras palavras, digerimos melhor os alimentos – e queimamos mais calorias – nesses períodos. “O primeiro órgão a despertar, graças à presença da luminosidade, é o fígado”, diz Natália Marques, nutricionista especializada em fitoterapia e nutrição esportiva funcional. “Uma de suas principais funções é organizar, logo cedo, a distribuição do estoque de nutrientes disponíveis no organismo”. Já o pâncreas fabrica uma quantidade maior do hormônio insulina, que gerencia os níveis de açúcar no sangue durante o dia – à noite o controle se torna menos eficaz. O intestino, além de iniciar o processo digestivo, coordena a absorção dos nutrientes e a eliminação das fezes, ou seja, do material que não tem utilidade para o corpo. Diante desse cenário, é possível concluir que, em cada órgão, existem milhares de genes que ligam e desligam mais ou menos no mesmo período, todos os dias. Essa informação já vem armazenada no DNA das células.
A IMPORTÂNCIA DA ROTINA
O problema é que, por causa da vida social e profissional intensa, sobretudo nas grandes cidades, a maioria das pessoas não se alimenta nos horários favoráveis ao ciclo circadiano. Há quem “esqueça” o café da manhã para sair de casa cedo ou jante pouco antes de ir para a cama. “Quando comemos tarde da noite, por exemplo, obrigamos os órgãos a trabalhar no momento em que eles já estão começando a descansar, o que provoca um conflito no sistema”, afirma Roberto. Se esse comportamento alimentar vira um hábito, ou seja, se contrariamos nosso ritmo biológico de maneira constante, o perigo está instalado. De acordo com um dos estudos de Satchin Panda, muita gente chega a comer em um intervalo de 15 horas ou mais, o que colabora para o desenvolvimento da obesidade e de outras doenças metabólicas, como diabete tipo 2, câncer e problemas cardiovasculares. “Isso prova que nosso organismo precisa descansar mais do que trabalhar”, afirma Fabiano. Pessoas que atuam no turno da noite, cm um horário que vai totalmente de encontro ao nosso relógio biológico, também correm mais risco de ter os males já citados.
Quando a saúde está em jogo, o ideal é adotar novos hábitos o mais rápido possível. Foi o que fez João Pedro Muniz de Aguiar, de 25 anos, analista de comunicação na Youse, plataforma de venda de seguros. O profissional integrava a turma dos que vivem dispensando o café da manhã e exageram no tamanho das refeições seguintes. Em setembro do ano passado, quando a balança marcou 141 quilos, procurou ajuda médica. À beira de diabetes e hipertensão, resolveu que era hora de virar a mesa. Incentivado por um programa de qualidade de vida implantado pela empresa, ele se matriculou em uma academia, começou uma dieta de emagrecimento e estabeleceu horários fixos para comer. Tanto esforço deu resultado: atualmente, João Pedro pesa 94 quilos e diz que se transformou em outra pessoa. “Antes eu dormia mal e já acordava cansado, com dor nas costas. Subia alguns degraus e ficava ofegante. Hoje sou muito mais disposto, produtivo e focado. Até recebi um feedback positivo do meu chefe nesse sentido.”
Embora seja difícil para a maioria comer em um período de no máximo 12 horas, a nutricionista Natália Marques garante que criar a própria rotina alimentar, de preferência ingerindo itens que colaborem para a manutenção do ciclo circadiano, só traz benefícios à saúde. “Não existe uma dieta que sirva para todo mundo. Antes de elaborar um cardápio, o nutricionista precisa levar em conta o estilo de vida da pessoa, se ela pratica ou não uma atividade física e o nível de estresse ao qual está submetida”, diz. “Devemos respeitar o ritmo do próprio corpo, afinal, cada ser humano é único e tem necessidades individualizadas”, afirma o endocrinologista Fabiano Serfaty. O importante é que, independentemente da idade, dá para colher bons frutos mudando os hábitos à mesa. Prova disso é André Luís Lisboa da Silva, de 52 anos, administrador de empresas. Antes de consultar um nutricionista, seis anos atrás, ele sofria de refluxo e gastrite e não se sentia muito disposto. Além disso, embora comesse pouco, não emagrecia. Desde então ele pratica exercícios regularmente, consome alimentos mais saudáveis e tem horário certo para as refeições – a última, por exemplo, acontece entre 20h30 e 21 horas. Os benefícios da nova rotina? ”Tenho mais energia no trabalho, me sinto mais atraente e bem humorado e parei de tomar remédios”, conta. E, por falar no jantar, ele é fundamental porque influencia a qualidade do sono. Embora comer mais cedo seja o ideal para nosso metabolismo, todo mundo deve se alimentar de forma leve e moderada à noite. Lembra do ditado?
COMO UM RELOGINHO
Além de estabelecer uma rotina alimentar alinhada às necessidades fisiológicas, é preciso adotar outros cuidados para que os ritmos circadianos do organismo se mantenham sincronizados. O primeiro deles é acordar e dormir todos os dias no mesmo horário – inclusive nos fins de semana – e garantir um sono de boa qualidade. “O ideal é passar a noite completamente no escuro e longe de estímulos eletrônicos, como televisão e celular”, afirma Natália. “A ausência da luz comunica ao corpo que chegou o momento de funcionar em carga mínima, para que os órgãos possam descansar e se recuperar de todo o desgaste sofrido ao longo do dia que passou”, diz Roberto Debski. Outra medida importante é controlar o estresse, atualmente o maior responsável pela dessincronização do ciclo circadiano. Isso porque, quando o corpo fica sob tensão durante muito tempo, o hormônio cortisol, que faz subir a taxa de glicose no sangue, se mantém em alta, dificultando o relaxamento e facilitando o aparecimento de várias doenças, como diabete tipo 2. Para acalmar os nervos, a recomendação é investir na prática regular de exercícios físicos, o que também ajuda a segurar os ponteiros da balança. Meditar diariamente pelo menos 10 minutos e fazer uma atividade prazerosa – aprender a tocar um instrumento, por exemplo – também deixam a rotina mais leve e nosso relógio biológico andando no ritmo certo.
MENU DO DIA
Veja o que comer (e o que evitar) para ficar de bem com o ciclo circadiano, de acordo com a nutrição funcional
CAFÉ DA MANHÃ
Invista em frutas com casca, pães integrais, café (sem açúcar ou adoçante) e vegetais amargos (que ajudam a acordar o fígado e os demais órgãos digestivos). Evite pães e bolachas com farinha branca e alimentos açucarados, inclusive sucos industrializados.
ALMOÇO
Aposte em salada com vegetais e folhas (de preferência, verde-escuras, como acelga, agrião, rúcula e radicchio) e proteína animal (frango, peixe ou carne bovina com pouca gordura. Deixe de lado frituras e doces.
LANCHE
Vá de castanhas (sem sal e sem açúcar) e vegetais como cenoura, pepino e rabanete. Não coma bolo, bolacha e pão de queijo.
JANTAR
Prefira feijões, grãos (como arroz integral), alface e legumes, que favorecem o sono, chás de camomila, erva-doce e melissa são bem-vindos, desde que sejam consumidos sem açúcar ou adoçante. Evite carboidratos, doces, álcool e bebidas estimulantes, como café e chá-preto.
"Tão certo como eu vivo, diz o Senhor Deus, não tenho prazer na morte do ímpio, mas em que o ímpio se converta do seu caminho e viva. Convertam-se! Convertam-se dos seus maus caminhos!" Ezequiel 33:11b
Você precisa fazer login para comentar.