Os proprietários dos apartamentos se reúnem para eleger o síndico. Ganha o mais votado. Democrático e simples. Os professores votam para escolher o reitor. Pode-se dizer o mesmo? Enfaticamente, não. Vejamos o assunto de duas perspectivas. A primeira é como se passa nos países democráticos e bem sucedidos. A segunda analisa a legitimidade e os resultados de tal eleição.
Nas sociedades mais avançadas, nada de eleição. Os reitores são escolhidos pelos seus governantes ou por conselhos compostos de figuras respeitadas na sociedade. Quem sabe o mundo todo está errado e apenas o Brasil acertou·? Na segunda perspectiva, consideremos que nas democracias os governantes são escolhidos pelo voto popular. Mas há um probleminha: quem escolhe os demais membros da equipe de governo? Outras eleições? Quantas? Vai daí a adoção da democracia representativa. Nela, o eleitor não apenas escolhe quem manda, mas delega a ele a tarefa de apontar seus auxiliares. É o sistema vigente. Precisa ser trocado?
Na universidade federal, se os professores fossem escolhidos pelo voto popular, teriam legitimidade para escolher o reitor (o mesmo com alunos e funcionários). Mas, não sendo assim, não representam o povo. Ademais, seus interesses podem discrepar do que é melhor para a sociedade. Ou seja, isso contraria a ideia magna do governo pelo povo. Os donos elegem o síndico. O povo é dono da universidade. Não são os professores, que, ademais, têm agenda própria.
É bem verdade, os professores apenas elegem uma lista tríplice. Cabe ao governante eleito a escolha final. Porém, se nenhum dos três satisfaz, o incumbente está de mãos atadas. E, por uma infeliz tradição, se não escolher o primeiro da lista, cria-se um conflito barulhento, gerando greves e manifestações. Nada mais antidemocrático.
No seu funcionamento, a eleição intramuros mostra seus vícios. Há um conflito quando a coisa pública é governada por quem pode ter benefício direto em decisões que não correspondem ao interesse social. Fechar cursos? Despedir gente? Ajustar pagamentos? Nada de contrariar os “professores-eleitores” ou pisar nos calos daqueles que não se alinham com o que seria melhor para a sociedade. Escolher gente de fora? Jamais!
Por outro lado, compromissos de campanha (“se eu for eleito…”) reduzem a autonomia do reitor. Isso para não falar da politização do processo. A lealdade a partidos toma o lugar da avaliação desapaixonada das ideias e pessoas. Sendo assim, a governança da universidade converte-se em uma extensão da vida partidária da nação e reforça a tendência de perpetuação das dinastias de reitores.
Não estamos julgando quem está hoje no poder. Discutimos princípios. Se reitores são escolhidos por governantes fracos, o sistema é forte na teoria democrática e frágil na prática, pois erra-se mais nos nomes. Em contraste, o sistema presente, além de equivocado na teoria, peca também na prática. Um caminho promissor seria a criação de conselhos compostos de pessoas independentes e qualificadas para a tarefa. Seriam assistidos por “comitês de busca” que selecionariam os candidatos. Ao governo caberia referendar a escolha.
Desafiando as regras acerca de aglomerações, jovens do mundo todo participam de festas organizadas em segredo, sem máscara nem medidas de distanciamento
Há cerca de um mês, o celular de A.V., 19 anos, morador de Porto Alegre, vibrou com uma notificação do WhatsApp. Eram 20 horas de sábado, e a mensagem continha a revelação de um segredo muito aguardado: o endereço de uma chácara nos arredores da capital gaúcha. Poucas horas depois, o jovem chacoalhava o corpo, embalado por música eletrônica, em uma pista de dança improvisada no jardim da casa alugada para a festa com 300 pessoas. Em plena pandemia, raves clandestinas, que reúnem muito mais gente do que o permitido no relaxamento da quarentena – entre vinte e cinquenta pessoas na maioria dos países – , sem máscara nem distanciamento, vêm sendo realizadas mundo afora por festeiros exaustos do confinamento, em um comportamento de risco que pode levar ao contágio pelo novo coronavírus. “Fui a três festas na quarentena. Sei que é errado, mas faz muita gente feliz”, relata A:v., que prefere não divulgar o nome completo.
As baladas para pequenas multidões, organizadas por produtores profissionais, foram suspensas junto com toda e qualquer forma de entretenimento em grupo por causa da pandemia. Mas não desapareceram, longe disso – simplesmente caíram na clandestinidade das redes sociais. “Nesse tipo de ambiente, é impossível manter o distanciamento social, a melhor forma de proteção contra o vírus”, diz Maria Paula Zanatto, médica infectologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. A mobilização e o planejamento transcorrem sigilosamente, em grupos de WhatsApp e nos perfis no Instagram, conduzidos por pessoas de quem poucos sabem o nome. Para não correr o risco de ter a festa interrompida pela polícia, elas só divulgam o local em cima da hora, da mesma forma que a senha para entrar. No Brasil, o ingresso oscila entre 10 e 15 reais, já que o objetivo não é ganhar dinheiro e sim fritar (no jargão da noite) durante horas ao som de tecno, trance e outros ritmos alucinantes. Em algumas festas, a bebida está incluída no preço. Em outras, cada um leva o que vai consumir. A duração varia, mas pode se estender pelo fim de semana. Alguns promotores oferecem máscaras e álcool em gel, mas seu uso vai minguando à medida que o consumo de bebida e outras substâncias aumenta. “A paquera rola solta e pouca gente pensa em contaminação”, diz A.V.
Mesmo clandestinas, há baladas que acabam saindo do anonimato. Uma mansão luxuosa às margens da Represa de Guarapiranga, na Zona Sul de São Paulo, foi alvo de denúncias por vizinhos devido às farras frequentes, no início de julho. Em outra ocasião, a polícia impediu que o sertanejo Bruno, da dupla com Marrone, se apresentasse em uma festinha vip em Caldas Novas, Goiás. Na madrugada de sábado 18, a Polícia Militar interrompeu uma festa com mais de 150 pessoas em Jaguaruna, no sul de Santa Catarina. Irresponsabilidade pura, mas que não surpreende ao fim de um período de privação. “A transgressão e o perigo são excitantes. A negação da morte traz prazer tanto pela adrenalina quanto pela sensação de estar acima de tudo o que está acontecendo”, explica a psicanalista Luciana Saddi.
Também na Europa e nos Estados Unidos os planos de abertura controlada vêm sendo atropelados pelos convescotes proibidos. Portugal, um dos países que tiveram sucesso no controle da pandemia, precisou intensificar a fiscalização e até fechar áreas no litoral de Lisboa por causa da multiplicação das festas. “Vamos nos reunir para compartilhar amor, vibes e música”, dizia um convite em terras lusitanas, sem mencionar o compartilhamento do vírus.
No Reino Unido, são tantas as denúncias de free parties que se fala em um novo “verão do amor”, alusão aos encontros movidos a sexo, drogas e rock’n’roll notabilizados pelo movimento hippie nos anos 1960. “Cumpri treze semanas de autoisolamento e estava ficando louco”, disse Robert Milner, DJ britânico que aplacou a ansiedade e a depressão organizando uma festa clandestina em Leeds, no norte da Inglaterra. Por meio do aplicativo Snapchat, ele e amigos reuniram cerca de 3.000 pessoas de baixo de uma ponte, no meio de uma floresta. Milner planeja uma segunda rave, ainda maior. “No começo, tinha medo de pegar o vírus, mas vi que as pessoas se aglomeravam em praias e protestos de rua sem haver pico de casos e passei a duvidar do potencial de infecção”, justifica, sem amparo na ciência. O ceticismo em torno da gravidade da pandemia elevou a imprudência a um novo patamar, com a divulgação das corona parties, feitas exatamente para os participantes se contaminarem. O primeiro a testar positivo ganha um prêmio – e, supostamente, imunidade. Pelo menos uma pessoa morreu no Hospital Metodista de San Antônio, no Texas, depois de se infectar em uma roleta-russa dessas. “Festas de grande porte só serão seguras depois que uma vacina contra a Covid-19 for desenvolvida e amplamente aplicada”, decreta Eliseu Waldman, professor de epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Antes disso, dançar na pista apinhada como se não houvesse amanhã pode resultar exatamente nisso: o amanhã não chegar.
Qual, dentre vós, é o homem que, possuindo cem ovelhas e perdendo uma delas… (Lucas 15.4a).
Jesus, o bom pastor, contou uma parábola imortal sobre o pastor que foi buscar a centésima ovelha e, depois de achá-la, festejou o resgate e alegrou-se com seus amigos. A ovelha perdeu-se porque se afastou do rebanho. A ovelha é um animal míope, inseguro, indefeso e também rebelde. Não consegue proteger-se dos predadores. Não tem um bom senso de direção. Sua segurança está em ficar perto do pastor e junto do rebanho. Sempre que se desgarra e se afasta da companhia das outras ovelhas, está sujeita a cair e ferir-se. A figura da ovelha é sugestiva. Não por acaso Jesus viu os homens aflitos como ovelhas sem pastor. O homem não consegue proteger a si mesmo. A inclinação do seu coração o leva a afastar-se de Deus, em vez de buscar abrigo nos braços onipotentes do Pai. Nenhuma religião é capaz de nos proteger. Nenhum recurso humano pode dar- nos segurança. Somos vulneráveis como ovelhas. Não podemos caminhar seguros confiando em nossa própria força. Dependemos de Deus e uns dos outros. Não podemos afastar-nos da congregação. Não é seguro vivermos isolados do rebanho. Precisamos da proteção do Pastor e da companhia uns dos outros. À nossa volta há muitos perigos. Há terrenos escorregadios. Há despenhadeiros e declives cheios de ameaças. Águas tormentosas podem levar-nos ao naufrágio. Lobos vorazes nos espreitam. Precisamos acautelar-nos. Precisamos buscar o abrigo do aprisco e os braços do Pastor.
Empresas iniciantes da área da saúde ganham impulso inédito com a pandemia, atraem investimentos e lançam novos serviços e produtos
A imposição da quarentena em decorrência da pandemia de coronavírus foi dura para a gastroenterologista Sílvia Calichman. As restrições estabelecidas pela prefeitura de São Paulo e o medo de contaminação fizeram os pacientes desaparecer de seu consultório. A solução veio da tecnologia, com a ajuda de plataformas de teleatendimento lançadas recentemente e que permitiram a ela e a seus pacientes continuarem tratamentos na segurança de suas casas. Esse é um dos exemplos de ferramentas e serviços para o setor médico-hospitalar que surgiram nos últimos meses, um movimento já grande o suficiente para ser chamado de uma onda de health techs, startups voltadas para o segmento da saúde. Esse movimento pode ser traduzido em números. Pelas contas da consultoria Distrito, as health techs brasileiras receberam até junho deste ano o equivalente a USS 66,5 milhões em 25 aportes. O valor representa cerca de dois terços de tudo que foi registrado ao longo de todo o ano passado – US$ 94,5 milhões, em 45 contratos. ”Está acontecendo um ‘boom’. Muitas dessas startups tiveram suas soluções requisitadas e serviços relacionados com diagnóstico, logística e telemedicina foram catapultados pela crise”, avaliou Amure Pinho, presidente da Associação Brasileira de Startups.
Como costuma acontecer, os investidores foram rápidos. Em fevereiro, os aportes somaram US$ 5,2 milhões. Em março, mês que marcou o início das medidas de isolamento no país, esse valor saltou para USS 15,5 milhões e se manteve em um patamar alto de lá para cá. “A pandemia certamente acelerou o processo de desenvolvimento e exploração de soluções para a área da saúde, algo que já vinha ocorrendo”, afirmou Gustavo Gierun, cofundador da Distrito. “O mercado de saúde no Brasil é enorme. Acreditamos que este é apenas o começo do movimento”, completou.
Renato Valente, sócio da gestora de fundos Iporanga Ventures, ainda não investiu no setor, mas avalia oportunidades. Em sua opinião, a pandemia forçou órgãos regula dores a abrir as portas para a inovação e, por isso, o número de startups de saúde deverá se multiplicar daqui para a frente. “A indústria de saúde é muito conservadora, tanto do lado dos médicos, dos hospitais e até dos pacientes. Quando se abre uma brecha, como o que aconteceu agora, tem muita gente capacitada pronta para inovar.”
A expansão da telemedicina já era uma demanda antiga dos planos de saúde, especialmente para os casos de menor complexidade. O tema estava em debate no país desde 2002, quando o Conselho Federal de Medicina editou resolução abrindo espaço para o uso de tecnologias para o atendimento médico remoto, mas limitado a orientações e à chamada “teleinterconsulta”, para troca de opiniões entre médicos. Em meados de março, o Ministério da Saúde, na gestão de Luiz Henrique Mandetta, liberou o uso da telemedicina no país, inclusive para consultas, diagnóstico e prescrição de medicamentos “em caráter de excepcionalidade e enquanto durar a batalha de combate ao contágio da Covid-19”. Em seguida, o Congresso aprovou uma nova lei.
A Conexa Saúde, startup que explora o ramo da telemedicina, foi uma das que atraíram a atenção de investidores. No mês passado, ela recebeu aporte de RS 40 milhões em uma segunda rodada de investimentos, que poderá aumentar para R$ 140 milhões nos próximos três anos. Fundada em 2017, a empresa já oferecia a telemedicina, nos moldes que eram permitidos, a clientes corporativos. Com a nova resolução, acelerou o desenvolvimento de uma plataforma aberta para médicos lidarem diretamente com os pacientes. “Somando os clientes corporativos e o atendimento direto aos pacientes, fizemos mais de meio milhão de consultas em dois meses”, contou Guilherme Weigert, presidente da startup. “Hoje, a gente faz em média 15 mil consultas por dia. Antes da pandemia eram 2 mil”.
Outras empresas seguiram pelo mesmo caminho. O BoaConsulta, que oferecia uma plataforma para agendamento e gestão, viu as marcações de consultas despencarem 70 % em abril. Numa espécie de contra-ataque, um projeto de uma plataforma de telemedicina foi acelerado e lançado em seguida. O mesmo movimento aconteceu na Dandelin, que com um modelo de economia compartilhada oferece teleconsultas por mensalidade fixa de RS 100. “O segmento de health techs foi pego de surpresa, por um problema urgente, e teve de acelerar. Algo que aconteceria em cinco, dez anos aconteceu em meses. No ecossistema de startups, vimos ondas de fintechs, de mobilidade urbana, mas nunca as health techs tiveram tanto apelo quanto agora”, disse Adriano Fontana, fundador e presidente do BoaConsulta. “Por conservadorismo, também pela exigência de segurança por tratar da vida de pessoas, essa indústria se move de forma mais lenta. A pandemia veio para quebrar certos paradigmas.”
A telemedicina é o serviço mais visível das health techs, mas não o único. Empresas que atuam diretamente no combate à Covid-19 também ganharam destaque. A Varstation, por exemplo, gestada dentro do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, desenvolveu o primeiro teste genético para detecção do coronavírus em larga escala, com custo menor e precisão equivalente à do método RT-PCR, o padrão ouro no diagnóstico. A Radsquare e a Hoobox, ambas incubadas no Einstein, criaram uma ferramenta que detecta pessoas com febre em imagens de câmeras de vídeo. O sistema foi instalado em todas as entradas do hospital. Já a Portal Telemedicina desenvolveu um sistema de inteligência artificial, em parceria com o Google, capaz de diagnosticar a doença analisando imagens de raios X ou tomografias do tórax.
Para Marcone Siqueira, cofundador da filial brasileira da empresa de inovação britânica The Bakery, as health techs “são a bola da vez”, e quando ele diz isso não está pensando apenas em startups voltadas especificamente ao tema do coronavírus. Siqueira acredita que a pandemia mudou o comportamento das pessoas em relação à saúde, que agora estaria mais focado na prevenção. “Isso abre espaço para startups que lidem com saúde mental, bem-estar do corpo e até da qualidade do sono”, disse.
O direcionamento imposto pela Covid-19 no ambiente de startups deu origem a vencedores, mas também deixou uma sombra sobre vários segmentos. “Nem todas as empresas de saúde se beneficiaram com a pandemia”, ponderou Cláudio Terra, diretor de Inovação e Transformação Digital da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, que trabalha com mais de 60 startups na área. Empresas de serviços para hospitais não relacionados com a Covid-19 e várias dedicadas à biotecnologia perderam um pouco do brilho – pelo menos, momentaneamente.
Com diferentes ênfases, o movimento de fortalecimento de parte das startups da área da saúde aconteceu em outras grandes economias. No ano passado, o governo britânico lançou, com pompa, um órgão para acelerar a digitalização do Serviço Nacional de Saúde, conhecido pela sigla em inglês NHS. O objetivo era unificar iniciativas que aconteciam de forma independente em várias esferas do sistema. Nos primeiros meses, o NHSX, sigla com a qual foi batizada a nova iniciativa, teve um desempenho considerado lento. Com o estouro da pandemia neste ano, o NHSX engatou uma nova marcha, e os projetos ganharam em velocidade. Em março, o governo lançou um fundo de 500 mil libras para financiar soluções para a crise sanitária, o que também ajudou.
Como aconteceu no Brasil, algumas empresas britânicas adaptaram serviços e produtos já existentes. Esse foi o caso da GoodSAM, uma plataforma que atrai voluntários para a área da saúde. Antes da pandemia, o foco eram doenças cardiovasculares. Agora a GoodSAM é uma das mais ativas na mobilização contra a Covid-19. Outras empresas viram um aumento de interesse repentino por seus produtos. O Hospify, uma plataforma de comunicação criada com o objetivo de substituir o WhatsApp no meio médico, tem atraído milhares de novos usuários a cada semana.
Quem somos, de onde viemos e para onde vamos? Com a pandemia e o distanciamento social, mais do que nunca ganha corpo a busca do ser humano pela reflexão e espiritualidade
O gênio René Descartes cunhou uma frase que entraria para a História: “Penso, logo existo”. Analisada à exaustão, a reflexão é simples: se tudo é incerto, a única verdade inquestionável é a existência humana e a sua capacidade de refletir, debater e escolher o seu próprio destino. Hoje, passados séculos dessas reflexões, e em meio a uma pandemia avassaladora, a espiritualidade volta a ganhar corpo em um País que contabiliza mais de 90 mil mortos.
“A mente humana não está preparada para algo incontrolável como uma pandemia. O sofrimento coletivo faz com que as pessoas se adaptem e busquem soluções convenientes”, afirma o psiquiatra Guilherme Messas, professor da Santa Casa de São Paulo e membro do St Catherine’s College, em Oxford, na Inglaterra. Especialista em comportamento humano, ele afirma que é natural, na situação em que estamos vivendo, que o ser humano realize um mergulho interior. É o que vem acontecendo: desde o início da pandemia, a busca por meditação aumentou 80% no centro budista Mahabodhi, em São Paulo. Com missas e cultos de todas as crenças acontecendo online, as religiões têm visto o crescimento no interesse até de uma audiência que sequer se interessava pelo assunto.
TRANSCENDÊNCIA
A designer catarinense Marina Rocha Damasceno foi a primeira a ler o diagnóstico de câncer da mãe, em dezembro do ano passado. Já em metástase, o médico da família foi categórico: não havia chances de cura. “Eu estava no mercado quando recebi o e-mail. Quando cheguei em casa, nem sabia onde estava a Bíblia”, lembra. A história de Marina com a religião está intimamente ligada à mãe, Rosy Benta da Silva. Quando Marina começou a namorar, aos 14 anos, Dona Rosy aceitou o fato, mas impôs uma condição: que o novo casal frequentasse a igreja. “A gente dizia que ia para o culto, mas acabávamos no cinema ou na lanchonete”. Hoje, com a pandemia, tudo mudou. A mãe morreu em março, e logo em seguida Marina perdeu a avó materna, vítima da Covid-19. O pai também está internado com o coronarívus, em estado grave. A pandemia levou Marina, aos 28 anos, a se inspirar na religiosidade da mãe. “Mesmo que eu perca toda a minha família, jamais abandonarei Deus”.
A baiana Gabriela Pereira cresceu em um ambiente de sincretismo religioso e gosta de afirmar que “é um pouco de tudo”. Sempre foi adepta do uso de ervas, florais e meditação. Quando seu filho de 24 anos cometeu suicídio, em abril, ficou em choque. Depois de um mês isolada, buscou ajuda no Espiritismo e na meditação, e conseguiu voltar a trabalhar. Desde então, a preparadora física incorporou em suas aulas o lado espiritual – e não apenas o físico. “Com a pandemia, a sociedade vive um momento delicado. Há muita ansiedade. Quero ajudar as pessoas a melhorarem, de corpo e alma”.
Armando Remacre tem graduação em Engenharia de Minas pela Universidade Federal de Ouro Preto, em Minas Gerais, e Doutorado na École Nationale Supérieure des Mines de Paris, na França. O ex-professor da Universidade de Campinas (Unicamp) jamais pensou que um dia se tornaria um monge budista. Hoje, com o nome Gen Kelsang Geden, diz que é preciso abandonar a ideia de transcendência como uma coisa antiquada e símbolo de ignorância. “As pessoas não digerem a palavra ‘espiritual’ com facilidade”. O monge explica ainda que a inteligência emocional, tão em voga nos dias de hoje é, na verdade, uma versão atualizada da mesma característica. “A espiritualidade é um conceito que nos ensina a estar preparados para qualquer situação, seja no trabalho, no cuidado com os filhos ou no enfrentamento do lado psicológico de uma pandemia.”
Em seus anos como psiquiatra, Messas vê a prática religiosa como algo positivo, ainda mais no cenário atual – principalmente em questões que envolvem luto e depressão. Ele conta que, após as pandemias do passado, as pessoas, num primeiro momento, adotam duas posturas: a solidariedade e o “salve-se quem puder”. “Depois da Peste Negra, veio o Iluminismo. Após a Gripe Espanhola, surgiram regimes totalitários, mas também importantes movimentos artísticos”. Se a humanidade é imprevisível em suas crenças, que a espiritualidade ajude a confortar quem precisa, independente da religião.
"Tão certo como eu vivo, diz o Senhor Deus, não tenho prazer na morte do ímpio, mas em que o ímpio se converta do seu caminho e viva. Convertam-se! Convertam-se dos seus maus caminhos!" Ezequiel 33:11b
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