EU ACHO …

UMA NARRATIVA ASSUSTADORAMENTE REAL – E IRRESISTÍVEL

Daniel Defoe (Um diário do ano da peste), Albert Camus (A peste) e Philip Roth (Nêmesis) são exceções no panteão das letras. Além dos três, pouquíssimos escritores se aventuraram a transformar epidemias em literatura. Basta lembrar que a maior pandemia da história, a Gripe Espanhola de 1918, exerceu um efeito amortecedor na criatividade da geração que passou por ela. Com raras exceções – como a novela Pale horse, pale rider, de Katherine Anne Porter, ou as memórias de Pedro Nava -, quase ninguém se inspirou no morticínio para produzir obras literárias.

Via best-sellers como Zona quente, de Richard Preston, ou filmes como Epidemia e Contágio. Histórias nanadas em ritmo veloz, cujos heróis são cientistas combatendo uma nova ameaça letal à humanidade. Ainda que não venha a engrandecer a literatura, o novo coronavírus já traz um novo ímpeto a esse gênero literário-cinematográfico. O primeiro a se aproveitar da onda é o americano Lawrence Wright, no recém-lançado The end of october (O final de outubro).

Literariamente, não dá para comparar Wright a Defoe, Camus, Roth, Porter ou Nava. Mas ele tem algo que o distingue dos demais: faro jornalístico e senso de oportunidade. Seu livro ficou pronto no final do ano passado, quando ninguém imaginava que uma pandemia devastaria o planeta. Ninguém? Não. Só aqueles que, ao contrário dele, não estivessem mergulhados no assunto. Qualquer um que leia seu livro ficará surpreso com a semelhança entre a ficção e os fatos dos últimos meses. Wright soube usar informações públicas para transformar a angústia que antes afetava poucos numa narrativa que se tornou assustadoramente real – e num thriller irresistível.

A história começa (onde mais?) na Organização Mundial da Saúde em Genebra. O virologista americano Henry Parsons sai correndo de uma reunião para inspecionar o campo de Kongoli, abrigo de homossexuais muçulmanos na Indonésia, atingido por um vírus que provoca uma febre hemorrágica. Chegando lá, a devastação é absoluta. Até os médicos que cuidavam do surto estão mortos. Parsons comete o erro de deixar entrar o taxista no campo contaminado. Faz uma autópsia que o obrigará a perder o aniversário do filho. Absorto na investigação, nem pensa em isolamento. Quando se dá conta, o vírus já está em peregrinação a Meca no corpo do taxista. É a senha para a misteriosa doença, que mata 70% dos infectados, se espalhar de Kongoli pelo planeta. Parsons parte à caça do vírus na Arábia Saudita. A tentativa frustrada de isolar Meca resultará na pandemia. Parsons foge num submarino, onde improvisa um soro imunizador em pássaros. O Oriente Médio entra em guerra. Os Estados Unidos, devastados por saques e protestos, enfrentam a Rússia, misteriosamente poupada pelo vírus.

O livro segue em velocidade cinematográfica (a ideia nasceu como roteiro de filme, por sugestão do cineasta Ridley Scott). Programas secretos de armas biológicas na Amazônia. Ecoterrorismo. Um vilão de cabelo platinado com pinta de nazista vaticina: “Na guerra do homem contra a natureza, não estou do nosso lado”. Pesquisas genéticas com vírus de mamutes. Um culto diabólico que mata fiéis. Uma tentativa de estupro contra uma menina de 12 anos. Crianças que enterram os pais. Gangues de órfãos. Um menino da etnia cinta-larga, com presença de espírito incrível para empunhar uma arma. Parsons resume assim sua filosofia: “Ficamos arrogantes depois de todas as vitórias sobre infecções no século XX. Mas a natureza não é uma força estável. Evolui, muda, nunca se torna complacente. Não temos tempo ou recursos agora para fazer outra coisa além de lutar contra essa doença. Cada nação na face da Terra precisa estar envolvida, quer você pense nela como amiga ou inimiga. Se vamos salvar a civilização, devemos lutar juntos, não uns contra os outros”. Quem quer saber de alta literatura numa hora dessas?

**HELIO GUROVITZ

OUTROS OLHARES

A REDENÇÃO DO PLÁSTICO

Após anos de campanhas para reduzir o uso do material descartável, o produto voltou com tudo como forma de proteção contra o coronavírus

Desde agosto de 2015, quando viralizou um vídeo de pesquisadores removendo um canudo da narina de uma tartaruga, não houve material que sofreu maior escárnio público do que o plástico. Em meia década, as campanhas de conscientização sobre os efeitos perversos da poluição – extremamente necessárias em um cenário de sujeira descontrolada – surtiram efeito. Diversas cidades, em diferentes lugares do mundo, incluindo as capitais de São Paulo e Rio de Janeiro, aprovaram legislações específicas para banir o plástico de uso único, a exemplo de canudos e talheres descartáveis. Mas o cenário mudou. Com o avanço da pandemia da Covid-19, o material ressurgiu em variados formatos, mas agora como estratégia de proteção. Barreiras físicas em supermercados, protetores faciais, coberturas em máquinas de pagamentos e vedação em pratos de comida, entre muitos outros usos, tornaram o plástico onipresente na crise do coronavírus. Em questão de meses, a população preparada para eliminar um dos vilões dos oceanos se viu, quase literalmente, embrulhada pelo material.

Todos os anos, 8 milhões de toneladas de plástico chegam aos oceanos. Cerca de 700 espécies que vivem no mar já foram contaminadas pela poluição e quase todas as aves marinhas ingeriram algum material plástico. Os microplásticos, pedaços que se quebram até ficarem com menos de 5milímetros, foram encontrados na água potável, no ar e nos alimentos, e estão presentes em todos os continentes, até na Antártica. Não à toa, o material foi tratado como praga que deve ser combatida com tenacidade. A pandemia, porém, deu uma trégua à busca obsessiva por eliminá-lo. Estima-se que, apenas nos Estados Unidos, a produção de uso único aumente entre 250% e 300% em 2020, de acordo com a Associação Internacional de Resíduos Sólidos. O avanço será puxado por produtos de proteção individual, como máscaras, viseiras e luvas. Os plásticos são essenciais para algumas atividades e precisam ser pensados para ter vida útil longa – ou seja, na contramão dos descartáveis. “O material não pode ser tratado como vilão”, diz o urbanista especializado em gestão ambiental Carlos Henrique Andrade de Oliveira. “Ao mesmo tempo, as empresas devem oferecer opções mais sustentáveis e os consumidores precisam ter hábitos críticos.”

No surto, quando o que está em jogo é a vida humana, a avaliação pode ser mais difícil. Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), em maio houve um aumento de 28% na coleta de resíduos recicláveis, como plástico e papelão, no lixo doméstico. Mas não significa que a reciclagem aconteça – no Brasil, menos de 2% do plástico produzido é recuperado. Para o biólogo e gerente nacional da The Nature Conservancy (TNC) Brasil, Samuel Barreto, é essencial que haja investimento em políticas públicas. “Não adianta exagerar em camadas de embalagens se quem as manuseia pode estar contaminado”, diz. “O vírus está em todos os lugares e sobrevive nas superfícies.”

O novo desafio é redescobrir em quais situações o material é bem-vindo e as ocasiões em que será, mais uma vez, empregado em demasia. Para a cientista marinha da ONG Oceana, Lara Iwanicki, a pandemia trará a discussão sobre separar a importância para fins sanitários e de saúde daquilo que é evitável. “O material vai fazer parte da vida pós-pandemia e o momento reforça a necessidade de redução de produção”, diz a especialista. “Coma paralisação dos trabalhadores de reciclagem, por exemplo, o sistema entra em colapso.” No momento em que cidades planejam a reabertura e permitem a reaproximação, o plástico tem sido um aliado. Um exemplo é o caso de idosos que puderam sentir o conforto de um abraço após o distanciamento social graças à proteção que o material é capaz de proporcionar. O plástico pode ser nocivo para o planeta, mas agora descobre-se também que ele ajuda a proteger a vida.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE CONSOLO PARA A ALMA

DIA 18 DE JULHO

COMUNICAÇÃO: VIDA OU MORTE NO RELACIONAMENTO

A morte e a vida estão no poder da língua; o que bem a utiliza come do seu fruto (Provérbios 18.21).

A comunicação produz a vida ou a morte nos relacionamentos. A Bíblia diz que a morte e a vida estão no poder da língua; quem bem a utiliza comerá dos seus frutos. Podemos avivar ou matar os relacionamentos, dependendo de como nos comunicamos. Nossa língua deve ser medicina que cura, não veneno que mata. Deve ser bálsamo que restaura, não fogo que destrói. A Bíblia diz que as nossas palavras precisam ter temperadas com sal. Devemos falar a verdade em amor. Da nossa boca não devem sair palavras torpes, mas unicamente as que forem boas para a edificação, conforme a necessidade, transmitindo graça aos que ouvem. Devemos ser pródigos nos elogios e cautelosos nas críticas. Devemos estar prontos para ouvir e ser tardios para falar. Quem muito fala, muito erra. Quem fala sem refletir acaba sendo açoitado pelo próprio azorrague da língua. A comunicação é vital para construirmos relacionamentos saudáveis no casamento e na família. Vivemos no século da comunicação virtual, mas assistimos à decadência da comunicação real. Somos a geração que entabula animadas conversas pelas mídias sociais, mas não consegue assentar-se em torno de uma mesa para uma refeição familiar. Precisamos investir na comunicação em nossa família.

GESTÃO E CARREIRA

CRISE SÓ DA PORTA PARA FORA

Com 1.500 funcionários e crescimento acelerado, a Locaweb segue expandindo, mesmo com a pandemia de coronavírus

Em 1998, a Locaweb se tornou a primeira empresa brasileira de hospedagem de sites. Hoje, é líder do segmento no país, com mais de 350.000 clientes, 1.500 funcionários e um portfólio que inclui seis companhias: Cluster2Go (de data center), Ali iNMarketing Cloud (de marketing digital de relacionamento com o cliente), Tray (de criação de lojas digitais), Yapay (de pagamento para e-commerce), Delivery Direto (de desenvolvimento de aplicativos para restaurantes) e KingHost (de hospedagem de sites por computação na nuvem). “A diversidade dos serviços que oferecemos permite a perpetuidade dos negócios sem grandes perdas nesta crise”, diz Simony Morais, diretora de gente e gestão. No primeiro trimestre de 2020, o crescimento foi de 23,6%, com receita líquida de 104,5 milhões de reais. Recém-chegada à Bolsa de Valores, num IPO que levantou 1 bilhão de reais, a Locaweb seguirá expandindo seus negócios. Segundo a executiva, o plano da empresa é comprar mais duas startups até o final deste ano.

1 – NOVO HOME OFFICE

Antes da quarentena, o trabalho remoto era liberado só para alguns cargos de tecnologia. hoje, 97% da empresa se encontra nesse regime. E o sucesso na adaptação já faz a diretoria rever sua política e avaliar a flexibilização. O plano é ter um programa estruturado de um ou dois dias por semana de home office no retorno ao escritório.

2 – SEM PRESSÃO

Os horários para início e finalização da jornada são flexíveis. “Desde que se respeite a carga total e as entregas, os funcionários podem entrar a qualquer hora do dia. Não temos restrições nesse sentido”, diz Simony.

3 – AJUDA NA CRISE

A empresa não oferece vale-refeição nem alimentação, mas conta com restaurante em sua sede. Neste momento, cestas básicas estão sendo enviadas às residências. E uma ajuda de custo foi acrescida aos salários para pagamento de energia e internet.

4 – ATENÇÃO ÀS MAMÃES

Além da licença-maternidade de quatro meses, as mulheres que voltam ao trabalho recebem uma placa de amamentação que lhes permite usar qualquer sala para retirar leite. Elas também possuem geladeira para conservação do alimento e isenção na coparticipação do convênio por doze meses a partir da licença.

5 – SEM ESTRESSE

Em seu ambiente de descompressão, a Locaweb oferece sinuca, tênis de mesa, pebolim, videogame, quick massage e manicure – as duas últimas gratuitamente e com agendamento prévio. Outros benefícios são gym­pass e ginástica laboral

6 – DE OLHO NAS MINORIAS

Seis frentes: Mulheres, Negros, Cultura, PCDs, LGBT e Gerações. Cada grupo tem um líder e um vice-líder, que participam mensalmente das reuniões de diretoria para levar pautas e sugestões de projetos.

7 – SEM PAUSA NO DESENVOLVIMENTO

Todos os treinamentos que a empresa oferece, como os de liderança, os de trainees e os de atualização de desenvolvedores foram transferidos para o ambiente on-line. “A participação está maior. Como não temos a barreira de estados, o resultado é mais integração”, diz Simony.

8 – DESIGUALDADES

Apenas 20% da liderança é feminina. O número baixo preocupa o RH, que começou a tomar providências por meio do comitê de diversidade. Entre as ações estão o treinamento de vieses inconscientes para toda a companhia e a parceria com instituições especializadas em recrutar desenvolvedoras.

9 – MIGRANDO DE ÁREA

A Universidade Corporativa oferece uma trilha chamada academia de sistemas, voltada para os funcionários do atendimento que tenham interesse em crescer na carreira e migrar para a área de TI: 72 pessoas já fizeram a movimentação interna.

10 – CAFÉ COM CEO

A cada dois meses, funcionários são convidados para participar de um café da manhã com o CEO – que se tornou virtual enquanto dura a pandemia.

COMPETÊNCIAS

A companhia busca pessoas que pensem em novas formas de gerar valor para os clientes, com criatividade, trabalho em equipe e foco nos resultados.

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

MASCULINO E FEMININO NA PERVERSÃO

O perverso reconhece as normas sociais e a lei, mas, as burla: origens das estruturas de personalidade estão na infância

Pensar sobre possíveis diferenças entre o homem e a mulher, para além dos estereótipos ou das generalidades difundidas pelo senso comum é um exercício arriscado. Especialmente porque é bastante comum considerarmos a questão de maneira antagônica ou de maneira hierarquizada, estabelecendo gradação de valores que vai do ruim ao bom, do negativo ao positivo, do pior ao melhor – ou, ainda, do perigoso ao inofensivo.

Condicionados a essas percepções e contaminados por esse imaginário que parece esgotar o assunto, seria razoável deduzir que necessitamos alterar significativamente essa lógica, evitando reproduzir hipóteses, suposições e opiniões que conduzem a um olhar questionável sobre alteridade e sobre distinções e possam ser aprendidas quando falamos de homens e mulheres.

Contribuindo para esse esforço de resignificação, a psicanálise aponta a existência de sutilezas e nuances que dizem muito do que seja um homem e uma mulher, para além da anatomia, do corpo definido pela biologia. É nesse terreno movediço que adentramos, partindo da obra de Sigmund Freud e chegando a um de seus mais interessantes representantes, o psicanalista francês Jacques Lacan, responsável pelo avanço dessa teoria de maneira bastante original.

No texto Algumas consequências psíquicas da distinção anatômica entre sexos, de 1925, Freud envereda por caminhos que se iniciam, fundamentalmente, por um conceito muito específico da psicanálise: o complexo de Édipo. É nesse momento mítico que o bebê (e não importa se tenha nascido com pênis ou vagina) fará uma “escolha” – visceral, poderíamos dizer – acerca de um dos genitores, que será alvo de toda sua afeição e investimento de energia, ou da libido, para sermos mais rigorosos. Freud levanta a hipótese de que o menino, ao ser cuidado pela mãe, amamentado e tornado como algo muito especial, invariavelmente a elege como seu objeto do desejo. Assim, rivaliza com o pai, considerando-o como um adversário que atrapalha seus planos de conjunção definitiva, sua fantasia de habitar um paraíso no qual viveriam somente ele e sua mãe e nada faltaria, pois um completaria o outro, sem grandes tensões.

OUTRA MULHER

Esse drama mobiliza o menino de forma muito intensa, tornando-se para ele praticamente uma razão de viver e estabelecendo condições para a irrupção de uma outra questão, radicalmente importante: a castração, que impulsiona o sujeito a se posicionar subjetivamente. Há três possibilidades de estruturação psíquica: pela neurose, pela psicose e pela perversão.

Na neurose, o menino é confrontado com a autoridade do pai (que, na visão da criança, toma para si o lugar da lei, impedindo o filho de manter com a mãe uma ligação simbiótica, uma célula narcísica). O garoto sente-se, assim, impedido de desfrutar do corpo materno e é “incentivado” a escolher outra mulher, que não sua mãe.

Outra possibilidade é a psicose, na qual a ligação entre mãe e filho é extremamente intensa na fantasia inconsciente da criança e não na interdição paterna. Nessa estruturação distinta da neurose, o menino permanece para sempre preso na relação com a mãe, afastando-se  das outras pessoas, desenvolvendo laços sociais com alguma dificuldade e, sobretudo, de formas muito particulares – especialmente se levarmos em consideração que vivemos num mundo que favorece certos tipos de vínculo mais característicos da neurose, aproximando-se de um modelo de pretensa “normalidade”.

Na terceira possibilidade temos a perversão, uma estrutura na qual se destaca, essencialmente, a relação do menino com a lei simbólica imposta pelo pai, que aponta para qualquer outra mulher. Grosso modo, poderíamos dizer que o perverso se interessa por burlar a lei, ou ainda, em termos mais contundentes, é como se a lei o atraísse mais que a mulher, de fato.

E no caso das meninas? Os fenômenos se processam exatamente da mesma forma no psiquismo feminino? Naquele mesmo texto, Freud dizia que não. Segundo ele, o menino demonstra, especialmente nos casos de neurose, uma maneira específica de lidar com a castração, apaixonando-se pela mãe e nutrindo o secreto desejo de gerar um filho nela, submete-se à lei do pai e, de acordo com suas possibilidades subjetivas, desloca esse interesse para outra mulher, amando-a e procriando, alcançando a paternidade.

CASTRAÇÃO

Já a questão feminina é mais complexa, embora esse processo ocorra de forma parecida. Inicialmente, a menina privilegia a mãe e considera o pai como rival. Num segundo momento, altera essa posição e elege o pai como alvo de seu interesse, passando a competir com a mãe pelo amor e pela atenção dele.

Um leitor desavisado se surpreenderia ao perceber que nesse processo surgem as condições para o estabelecimento de sentimentos afetuosos muito intensos, tanto de amor quanto de ódio. Na estruturação da personalidade há influências das relações estabelecidas (ou fantasiadas) entre o bebê e sua mãe, dos impedimentos da lei paterna (um operador simbólico que Lacan chama de Nome-do-Pai) e das formas como a criança responde à castração. Esses elementos estão presentes no cenário que serve de pano de fundo para o complexo de Édipo.

A saída desse complexo – se é que, algum dia, efetivamente se sai dele – foi imaginada por Freud como única para o homem: apaixonar-se pela mãe na infância e, na idade adulta, buscar outra mulher que restitua a ele as mesmas sensações prazerosas que obtinha com a figura materna. Já no caso da mulher há três possibilidades, encontrar um homem que substitua seu pai, dando a ela um filho; permanecer infantilmente ligada à mãe, fixada num momento anterior ao “giro” que a faria se apaixonar pelo pai e, finalmente, rivalizar com os homens, nutrindo o que Freud chama de “inveja do pênis”, um aspecto regularmente presente na economia psíquica de grande parte das mulheres.

Alguns psicanalistas consideram que a mulher, diferentemente do homem, não poderia estar no campo da perversão, pois se relacionaria de uma forma distinta com a lei simbolicamente imposta pelo pai. Ao falar de estruturas (termo lacaniano), vale ressaltar a ideia de falo como elemento relacionado à questão da castração. Na perversão, ao perceber a ausência do pênis na mãe (e vê-la, portanto, castrada) o menino angustia-se e, para aplacar esse desconforto, “cria” um substituto – um objeto que podemos qualificar como fetiche, como algo que tampona a falta da mãe, amenizando de alguma forma a sensação desconfortável que, em última instância, o remete à sua própria castração. Com isso, inúmeras consequências podem advir, mas fundamentalmente, o perverso extrai prazer das coisas de uma forma muito particular, em geral de maneira distante daquela que se convenciona chamar de “normal”.

No imaginário popular, os perversos gozam batendo, causando dor, mentindo, enganando, confrontando a lei, tomando o outro como objeto (a ser usado), praticando atrocidades, agindo de forma despótica quando está no poder, enfim, cometendo uma série de atos e adotando posturas que nitidamente se opõem ao que costumamos chamar de ” bons costumes” ou “moralmente correto”. As aspas são necessárias, pois para a psicanálise não se trata de abordar o que é supostamente certo ou errado, mas sim da ordem do desejo de um sujeito – seja ele psicótico, neurótico ou perverso – e sua possibilidade de consecução frente à cultura e a si mesmo.

Tomado como indústria cultural e também como um meio poderoso de difusão de imagens, ideias, concepções e ideologias, o cinema nos oferece rico material para abordar a questão da perversão. É o caso de Secretária, de Steve Shainberg, que pode nos ajudar a tentar desvendar as misteriosas particularidades do âmbito da perversão, com ênfase na questão do feminino e do masculino. A obra recebeu, em 2002, o Prêmio Especial de Originalidade do Festival de Sundance. Um dos aspectos que mais chama a atenção no filme é que, num primeiro olhar, o espectador tem a sensação de que nos defrontamos com um caso de perversão feminina, pois o fio condutor do filme está centrado em uma relação entre o advogado Edward e sua funcionária Holloway, com nuances clássicos de sadomasoquismo (bater e apanhar são elementos presentes; a dor tem destaque e há rigidez no modo de amar).

Para Freud, todo modo de obtenção de prazer que se fixa – não permitindo variações e de alguma forma limitando o sujeito – poderia ser compreendido como perversão. É isso justamente que encontramos em Holloway e Edward, um relacionamento sem limites, mas intensamente repetitivo, num circuito em que o novo parece não encontrar espaço.

No início do filme Holloway é apresentada como uma jovem em busca de uma relação afetiva na qual possa sentir algo “mais excitante”, que destoe qualitativamente da relação que mantinha até então com o namorado, Peter, um amigo de infância. Um dia, ao observar uma prosaica placa de “precisa-se de secretária”, acaba por ser admitida pelo escritório de Edward, um advogado “excêntrico”, daquele tipo de chefe que nenhuma secretária suporta, dono de um escritório no qual a rotatividade de funcionárias é recorrente.

PRAZER E DOR

Holloway, que acabara de sair de uma internação num hospital psiquiátrico, mantém uma caixa com instrumentos cortantes e é adepta do cuting, prática que consiste em infligir-se dor, cortando na própria carne e, com esse ato, supostamente, obtém um tipo de prazer que não é alcançado na vida cotidiana. No caso de Holloway e Edward, a dor parece exercer papéis sutilmente distintos: enquanto para ela a dor, de alguma forma, encerra um circuito, uma equação que se finda na sensação intensa, para ele, infligir a dor e mostrar-se no “comando” da situação o excita. Ao perceber que a moça é adepta do cuting, Edward afirma que não será mais preciso que ela recorra a essa prática e que ele, a partir daquele momento, cuidaria dela.

O que soaria romântico – afinal, cuidar de uma mulher que sofre é um ato altamente sedutor, tanto para ela quanto para o homem – é, na verdade, sinal de que Holloway deveria ocupar, a partir de então, um lugar de humilhação, sendo punida a cada erro que cometia na datilografia, nas redações dos memorandos e em outras tarefas cotidianas. Algo de muito intenso começa a se desenrolar nesse momento do filme, ambos se envolvem em uma relação de completude, de sustentação de um prazer que acaba por fazer o espectador perder o fôlego e possivelmente se perguntar: será isso possível?

Como esse filme nos ajuda a pensar a questão da diferença entre um homem e uma mulher no campo da perversão? Para responder a isso precisamos recorrer novamente a Lacan, que muito nos ajudará com as noções de gozo e objeto necessárias para sofisticarmos um pouco a análise do que ocorre nessa ficção. Contudo, iniciemos com Freud, baseando-nos em um de seus mais comentados textos, Análise terminável e interminável, de 1937. Ele problematiza as dificuldades que se apresentam para o analista no final de um longo processo analítico, que pode levar anos. Ele identificou “posturas subjetivas” como feminina e masculina. Para o criador da psicanálise, a primeira está ligada ao que podemos qualificar como uma posição passiva, enquanto a masculina está vinculada a uma postura ativa.

ESTRATÉGIA DO FALO

Freud percebeu que, na verdade, homens e mulheres, não importando sua anatomia, privilegiam estar sempre na posição masculina (ativa) e que a posição passiva, na verdade, é apenas a expressão de um semblante usado “estrategicamente” pelo sujeito, frente ao que verdadeiramente tenciona, em termos inconscientes. Traçando uma analogia com o filme, poderíamos estabelecer como hipótese que a suposta passividade de Holloway frente ao advogado nada mais era que uma tentativa de seduzi-lo, fazendo-se de objeto que o capturaria – ou, como Lacan provavelmente diria, ter o falo é uma coisa, ser o falo é outra. Acrescentaríamos ainda, fazer-se de falo para o outro, numa posição supostamente passiva, talvez seja a essência da posição feminina e isso ultrapassa a anatomia, pois se observarmos crianças pequenas, veremos que tanto meninos quanto meninas fazem isso com maestria.

Em outras palavras, de maneira até mais simplista, seria curioso nos perguntarmos o que seria do sádico sem um masoquista que o complementasse. Afinal, Holloway tornou-se fundamental para Edward, acabou por ocupar o lugar de instrumento privilegiado de seu gozo, aquilo que lacanianamente convenciona-se chamar de objeto, de causa do desejo. Uma estratégia histérica, portanto, da ordem da neurose.

Aqui residiria uma provável resolução para a hipótese inicial: a mulher pode ser considerada perversa? Em nossa concepção, muito dificilmente, pois as possibilidades de gozo, de causar desejo no outro e, com isso, marcar a castração desse outro, afastando-se assim do confronto com a própria frustração, permite-nos dizer que a perversão, fundamentalmente marcada pela confrontação com a lei simbólica do pai, não alcança nem favorece a estruturação das mulheres da mesma forma que os homens – daí a extrema dificuldade dos  psicanalistas em diagnosticar uma mulher perversa. Novamente a mulher põe a psicanálise em xeque, fazendo-a trabalhar.

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