Ele é machista e racista – para convertê-lo, só com afeto e diálogo
Meu tio esquisito é aquele cara que todo mundo tem na família, e seu espírito se materializa de diversas formas. Ele é o melhor amigo do “Eremildo, o idiota”, personagem criado pelo jornalista Elias Gaspari. Sempre faz uns comentários esquisitos na noite de Natal. Ninguém tem paciência para ouvi-lo na festa de família por mais de cinco minutos. Seus palpites são toscos. Constantemente vem com um comentário machista: “Se eu pegasse aquela lá, dava uma canseira”. É invariavelmente homofóbico: “Aquele boiola”.
Racista? “Eu, racista? Amo o Pelé. Sua vida sexual era uma incógnita ou inexistente, um mistério. Para a turma da classe, na escola, ele era invisível. Quando ganhou uma rede social, sua vida fez sentido. Ele ficou importante. Para avaliar se uma notícia era verdadeira ou não, bastava o cheiro. Votou no Bolsonaro, e seu espírito se materializou pelo Brasil inteiro, nas diversas classes sociais, nas praias, nos estádios lotados, até entre a turma dos topetes blindados pela Avenida Europa, endereço chique de São Paulo.
A verdade é que esse tio esquisito sempre foi negligenciado pela arrogância dos tais “bem pensantes”. E faço aqui um mea-culpa. Integro esse clube de arrogantes. Por ter tido acesso à cultura, afeto e boas referências, nunca fui paciente com pessoas com conversa rasa. O fato é que tais pessoas se vingaram nas urnas pelo mundo inteiro. Os tios esquisitos se uniram. Os esquemas de fake news foram seu ópio, e nossos esforços para esclarecê-los não só foram inúteis como também uma deliciosa revanche dos negligenciados diante de nossa suposta superioridade intelectual. Todas as tentativas de combater uma mentira com lógica, ou um pensamento tosco com história ou ciência, só tiveram o efeito contrário. O tio esquisito ficou com raiva de nossa chatice, animou se com sua inesperada importância. “Então você sempre me ignorou no Natal e agora quer me convencer a mudar meu voto? Tarde demais, agora quem manda sou eu.”
Um livro? Não, obrigado, vou ali no canal de astrologia. Não passarão? Passaram. Ele não? Foi ele. E daí? As palavras de ordem de desespero, os apelos foram uma série de gol contra. Talvez o tio esquisito seja machista, até porque nunca teve outra referência. Talvez ninguém tenha explicado a ele a relevância do feminismo, sem ser de forma combativa. Talvez seja homofóbico porque não soube lidar com os próprios desejos (para Freud, somos todos bissexuais). Talvez enxergue o mundo como casa-grande e senzala porque nasceu numa sociedade com esse desenho e nunca conseguiu ter a eureca da empatia nem se perceber um racista perverso.
O presidente Jair Bolsonaro está produzindo possivelmente uma das maiores tragédias fitossanitárias da história brasileira, um desastre anunciado para o ambiente, a caminho do holocausto indígena. Precisamos defender a luz e a sensatez. É hora de guerra. Precisamos pegar em armas. Calma. Nossa melhor arma, contudo, e o que nos distingue, são o afeto e o diálogo – a tolerância com o tio esquisito e a paciência para convencê-lo de que ideias razoáveis são sempre melhores.
Em todo o mundo, eles lutam para salvar vidas – luta que, muitas vezes, os entristece porque se faz vã. Eles dão tudo de si para nos manter vivos. Eles estão cansados. O vírus e a morte não desistem! Eles, aqui retratados, também não!
Os profissionais retratados nesse ensaio trazem à flor da pele a antiflor do medo da morte. Da morte deles? Não muito, caso contrário não estariam na linha de frente de combate ao coronavírus. Eles trazem, isso sim, o medo da nossa morte. Primeiro, porque a razão de suas existências é nos manter com vida; segundo, porque, na maioria das vezes, são os seus rostos que os graves pacientes da Covid-19 veem pela primeira vez e, ao mesmo tempo, veem pela derradeira vez – desconhecidos rostos que se tornam brevemente conhecidos antes da indução ao coma, antes da intubação, antes da eventual viagem definitiva. Eles são médicos e médicas, enfermeiros e enfermeiras, auxiliares de enfermagem e demais profissionais. Na hora da partida daqueles que o invisível inimigo carregou, eles se tornaram, tudo misturado no mesmo instante, familiares, amigos, amigas, lembranças, desespero, resiliência, revolta, aceitação – se tornam fisionomias que vão se desfocando conforme a medicação avança no corpo para o ingresso no coma, conforme o coma avança no corpo para a necessária e antiestética intubação. Esse momento exaure o mais experiente dos profissionais. Eles dão tudo de si! Eles estão cansados! Respeitem esses profissionais! Pelos hospitais em todo o mundo, o que se vê é um extenuante drama, a planetária antessala da antiflor citada acima – e, ressalte-se, muitos desses profissonais sequer contam com os aparatos de proteção. No Brasil, por exemplo, segundo o Ministério da Saúde, 199.768 profissionais estavam sob suspeição de contaminação até 13 de maio. Confirmados na infecção somavam 31.790 casos. Mortos já encostavam na casa dos 60. E o coronavírus matou mais enfermeiros aqui que nos EUA, país no qual ele se fez uma metralhadora giratória. Motivo: médicos anjos da guarda e anjos da guarda da enfermagem ganham muito pouco no País, e por isso se expõem trabalhando em mais de um lugar.
Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós (Romanos 8.18).
A caminhada para a glória passa pela cruz. O céu é o nosso destino, mas o caminho é estreito e a porta é apertada. Em seu famoso livro O peregrino, John Bunyan descreve a caminhada do cristão rumo ao paraíso. Nessa jornada há despenhadeiros escorregadios, rios caudalosos, pântanos lodacentos e pinguelas estreitas. A estrada é crivada de espinhos e cercada de inimigos perigosos. É impossível fazer essa jornada sem enfrentar o sofrimento. Vivemos num mundo hostil. Aqui sofremos, choramos e sangramos. Aqui passamos por aflições. Importa que entremos no reino enfrentando muitas tribulações. Não estamos em casa neste mundo. Aqui não é nossa pátria. Somos peregrinos e estrangeiros. O mundo nos odeia. O diabo nos persegue. Nossa natureza caída ainda nos humilha. Deus, então, nos ensina pelo sofrimento. O sofrimento não vem para nos destruir, mas para nos santificar e nos fortalecer. O deserto não é um acidente de percurso, mas um apontamento
de Deus. O deserto é a escola superior do Espírito Santo, onde Deus nos treina. No deserto, Deus nos humilha e nos prova; mas, do deserto, saímos fortalecidos e vitoriosos. O sofrimento é o prelúdio da glória. Aqui há lágrimas e dor, mas, quando cruzarmos os umbrais da eternidade, Deus enxugará dos nossos olhos toda a lágrima e a dor não mais existirá. Quando olhamos para o presente à luz do futuro, nossa leve momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória.
A pandemia de covid-19 abriu a cabeça de estudantes para as aulas à distância, mas piorou a crise das faculdades, que buscam alternativas para sobreviver
Até o fim de 2020, o Brasil poderá jogar mais 8 milhões de trabalhadores no desemprego, elevando o contingente para 20 milhões, devido à crise causada pela pandemia do novo coronavírus. O tombo afeta todos os setores da economia, mas pode ser mais grave para quem já vivia sua crise particular. É o caso da educação superior. Em momentos de incerteza e perda de renda, muitos estudantes adiam o início de um curso, paralisam a faculdade para economizar na mensalidade ou simplesmente deixam de pagar. Dados da consultoria Atmã Educar indicam queda de 17% no total de novos alunos previstos para o ano – de 2,5 milhões para 2,06 milhões. O número de matrículas de meio de ano deverá cair 70%. De 625.000 novos alunos previstos, apenas 180.000 devem de fato efetivar a matrícula. O momento eleva a outro patamar os dilemas que já rondavam as empresas do setor. Nos últimos anos elas precisaram lidar com a desidratação do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Também viram a concorrência aumentar e protagonizaram uma guerra de preços no ensino à distância (EAD). Agora o cenário é mais crítico. ”Existe um medo no mercado de que a depreciação das condições macroeconômicas faça a pergunta na cabeça do potencial aluno dessas instituições mudar. Antes ele se perguntava se estudaria de forma online ou presencial. O medo é que ele passe a questionar se vai estudar ou não”, afirma Ilan Arbetman, analista da corretora de valores Ativa Investimentos.
Se a economia vai levar um tempo para se recuperar, as instituições de ensino superior devem amargar um período mais longo de vacas magras, em especial nos cursos presenciais, mais caros. Em relatório recente, o banco de investimento suíço UBS disse esperar alguma recuperação de consumo nesse segmento apenas para o segundo semestre de 2021. Um estudo da consultoria Educa Insights mostrou que, entre o público interessado em iniciar um curso superior presencial, só 7% pretendiam começar ainda neste ano. Entre os que já estudam, 47% dos alunos presenciais disseram que correm o risco de desistir do curso devido à pandemia, ante 36% dos alunos de cursos à distância. A pesquisa apontou ainda que 29% dos entrevistados tiveram sua renda altamente afetada pela pandemia e 14% dos entrevistados não tinham pagado a mensalidade do mês de maio nem sabiam quando pagariam.
No mês anterior, os inadimplentes eram 8%. ”Fizemos pesquisas nos três últimos meses e agora é possível ver que a realidade chegou. Nesse cenário, quem reagiu rápido se saiu melhor”, afirma Daniel Infante, diretor da Educa Insights.
Entre as adaptações necessárias às faculdades está o investimento em tecnologia para oferecer os cursos de forma remota, uma vez que as aulas presenciais foram todas suspensas. Quem conseguiu se adaptar vai abraçar a mudança mesmo quando o isolamento social terminar. Até mesmo instituições tradicionais, mais avessas às novidades tecnológicas, estudam aumentar as aulas pela internet. ”Nossa tarefa é entrar no século 21 e ampliar nossas bases tecnológicas. Mas não temos intenção de oferecer cursos massificados totalmente à distância. A vida universitária é muito mais do que o conteúdo das aulas, e isso o EAD não faz”, afirma Maria Amália Andery, reitora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Antes da pandemia, a instituição oferecia apenas duas disciplinas à distância. Na Fundação Getúlio Vargas, aulas à distância antes eram praticamente restritas à pós-graduação. Agora o modelo deve ser revisto. ”Teremos mais aulas mediadas por tecnologia, o que nos abre muitas possibilidades”, afirma Antônio Freitas, pró-reitor da FGV.
Com alunos, professores e instituições mais abertos às aulas à distância, a tendência é que os cursos híbridos, com parte das aulas presenciais e parte online, se fortaleçam ainda mais. No ano passado, o Ministério da Educação passou a permitir que os cursos presenciais tenham até 40% das aulas online, abrindo mais espaço para o modelo. Essa é uma boa notícia para as grandes empresas do setor, que saíram na frente nos investimentos em tecnologia nos últimos anos. ”A expectativa que tínhamos de que o EAD fosse 50% do ensino pode ser antecipada”, afirma Jânyo Diniz, presidente da Ser Educacional. ”Os alunos que tradicionalmente seriam do presencial vão aceitar o ensino à distância, seja porque percebem que a qualidade é tão boa quanto, seja porque não têm condições de pagar o presencial”, afirma Roberto Valério, diretor-presidente da Kroton, divisão de educação superior da Cogna. No entanto, o estudante também deve passar a exigir mais das aulas à distância. ”Com a pandemia, o estudante ficou mais exigente em relação ao digital. Apostamos em cursos com um EAD mais humanizado, que garanta um vínculo entre as pessoas. Os cursos muito focados em volume terão de se reinventar”, afirma Denise Campos, vice-presidente acadêmica da Ânima Educação.
A má notícia é que somente a expansão das aulas à distância poderá não resolver os problemas dessas instituições, que tiveram um fundamental impulso para crescer quando o Fies foi reformulado – a partir de 2010, pelo então ministro da Educação, Fernando Haddad – e acompanharam o declínio do programa nos anos seguintes. Enquanto o número de financiamentos caiu quase 90% de 2014 a 2019, para 85.000, o montante repassado pelo governo recuou de 13,6 bilhões de reais para 8 bilhões de reais. Para mitigar as perdas, algumas instituições lançaram o financiamento próprio, o que amplia seus riscos financeiros. ”Há casos em que a inadimplência chega a 40%. No Fies, esse risco ficava com o governo”, afirma Romário Davel, sócio da Atmã Educar. Outra opção é terceirizar o serviço. A empresa Pravaler começou a oferecer crédito estudantil em 2006, e atualmente opera 80% dos financiamentos desse tipo no país. Para reduzir a inadimplência, desenvolveu um sistema complexo de análise de crédito. ”Nosso modelo tenta prever a chance de o estudante concluir o curso naquela faculdade”, afirma o presidente da Pravaler, Carlos Furlan.
Os estudantes que conseguiram o financiamento do governo no auge do programa já estão se formando, deixando órfãs algumas instituições. A Cogna é um exemplo emblemático. Em 2014, então chamada Kroton, chegou a ter 259.000 estudantes financiados pelo Fies, o que representava 28% de sua base de alunos. Nos cursos presenciais, essa fatia subia para 61%. No ano passado, seus alunos do Fies somavam 42.000, uma redução de 84°/o. Na Yduqs, a antiga Estácio, os estudantes financiados pelo governo eram 123.000 em 2014, 28% do total de alunos e 42% dos presenciais. Em 2019, o número diminuiu para 41.000, uma redução de 67%. Quando a torneira secou, as empresas sentiram o baque. A margem de lucro da Cogna, de 35% em 2016, caiu para 3% em 2019. Na Ser Educacional, 42,7% dos alunos eram financiados pelo Fies em 2014, ano em que a companhia teve 30% de margem de lucro. No ano passado, a proporção de alunos do Fies caiu para 19%, e a margem foi de 11%. A companhia que se recuperou mais rapidamente da redução do Fies foi a Yduqs, cuja margem de lucro em 2018 e 2019 foi de 18%, a mesma registrada em 2014. ”Hoje, a principal fonte de financiamento para o aluno é ele próprio ou a família. Com a redução do Fies, muito menos gente teve acesso à educação e nós perdemos mais de 1 bilhão de reais em receita, o que foi compensado com outras frentes”, diz Eduardo Parente, presidente da Yduqs.
Sem os recursos do Fies, as instituições do setor partiram com força para o ensino à distância, com cursos mais baratos. A questão é se esse modelo se sustenta em um cenário em que a pandemia vem corroendo a renda das famílias. O plano B nunca foi tão importante para essas instituições. E cada uma delas optou por um caminho. Capitalizadas, essas companhias devem aproveitar o momento de crise para fazer aquisições de instituições menores que estejam em dificuldades, para desse modo reforçar seu plano B. Na Yduqs, a saída foi reforçar a qualidade do EAD, adquirir instituições de renome, com cursos mais caros, e ampliar a oferta de cursos de medicina. A criação da holding Yduqs, em substituição ao nome Estácio, veio para permitir a manutenção de marcas fortes que seriam adquiridas. Em abril, a companhia concluiu a compra da Adtalem, dona do Ibmec, onde um curso de administração custa cerca de 4.600 reais por mês, dez vezes mais caro do que o curso de administração na Estácio. No início de junho, a Yduqs comprou também o Grupo Athenas, com a possibilidade de abrir 300 vagas em cursos de medicina. A Ânima foi por um caminho semelhante, e atualmente se baseia em nomes de peso: é dona da HSM, focada em gestão, opera o Le Cordon Bleu São Paulo, com foco em gastronomia, e também tem investido em cursos de medicina. A aposta no segmento se mostra especialmente oportuna no momento atual. Ainda que a crise causada pelo novo coronavírus tenha abalado praticamente todo o setor, na Afya, que tem foco apenas no segmento médico, a crise ainda não chegou. ”Ouso dizer que a demanda tem aumentado durante a pandemia, não temos problemas de preenchimento de vagas”, afirma Virgílio Gibbon, presidente da Afya. Além da graduação, a companhia oferece cursos de especialização na área médica e uma plataforma online para complementar os estudos.
Em outra frente, a Cogna tem apostado na expansão de suas operações por meio da educação básica. Em 2018, ainda como Kroton, comprou a Somos Educação, num movimento que consolidou sua guinada nessa direção. No ano seguinte, criou a holding Cogna e dividiu os negócios em quatro frentes, duas voltadas para a educação superior e duas voltadas para o ensino básico. A Saber é a divisão de escolas, com 52 unidades e 32.000 alunos. A Vasta é focada em sistemas de ensino e material didático para escolas parceiras. A divisão tem ajudado as escolas a manter as aulas no ambiente virtual durante o isolamento social e se prepara para abrir o capital ainda neste ano, assim que a pandemia permitir. ”O digital traz muitas oportunidades para a educação básica. Estamos em um momento muito rico, nunca estivemos tão próximos das escolas parceiras”, afirma Mario Ghio, presidente da Somos, que se tornou o braço de conteúdo da Vasta. No ano passado, 27% da receita da Cogna veio de sua divisão de educação básica. A Arco Educação também aposta nesse segmento e subiu 87% na bolsa de valores Nasdaq desde o IPO em 2018, ante uma valorização de 19% do índice Nasdaq. No mesmo período, a Cogna caiu 47%.
Na Ser, a alternativa para diversificar passa pelos cursos livres. A companhia lançou em maio sua plataforma de cursos livres, a Gokursos, que estava prevista para o segundo semestre deste ano, mas foi adiantada devido à pandemia. ”A ideia é ser um marketplace de educação continuada com cursos de todas as áreas, de cabeleireiro a cirurgia vascular”, afirma Jânyo Diniz, presidente da Ser. A plataforma disponibilizou de forma gratuita 40.000 vagas em seus cursos, as quais foram preenchidas em apenas dez dias – uma amostra da demanda potencial para o produto. Também conta com cursos modulares, que podem ser usados como crédito em cursos de graduação ou pós. A vertente dialoga com outro produto desenhado pela companhia: os cursos de graduação com duração de um ano e meio. Nessa modalidade, o aluno não tem férias, o que deixa o curso mais barato e rápido. A expectativa é que, com a economia em crise, aumente a demanda dos alunos por formação profissional para mudar de área de atuação. O formato segue uma tendência de revisão do modelo de aulas nos cursos de graduação. ”A sala de aula tradicional é um formato muito antigo. Com a tecnologia, é possível ter aulas mais curtas, num modelo mais parecido com os ted talks, e disponibilizar conteúdos em outros formatos”, afirma Celso Niskier, presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior. As mudanças trazidas pela pandemia para essas empresas vão bem além das aulas pelo computador.
EDUCAÇÃO PELO BRASIL
As instituições privadas são a grande maioria no setor de educação superior
A FONTE SECOU
O número de financiamentos estudantis realizados pelo governo via Fies despencou, afetando os resultados de grandes empresas de educação
MEU SONO SUMIU – COMO EVITAR A INSÔNIA NA QUARENTENA
As queixas de problemas na hora de dormir cresceram e com elas a procura por alternativas para uma boa-noite
Quando deito na cama, por mais cansada que eu esteja, o sono vai embora. No meio da madrugada, parece que acabei de tomar um energético”, conta a publicitária Luciana Matos, de 38 anos. Há uma década, ela teve um episódio grave de insônia, na ocasião tratado com medicamentos. Isso era passado até semanas atrás. “Faz dois meses que eu durmo de duas a três horas por noite”, relata. Entre seus pensamentos estão incertezas com a Covid-19 e com o futuro. “Moro perto de dois hospitais, ouço as ambulâncias passando e entro em desespero.” Por enquanto, voltar ao psiquiatra não está nos seus planos. “Optei pelo chá de camomila, não durmo, mas fico calma”, diz. Com a pandemia, o aumento das queixas de insônia era esperado pelos especialistas, já que as noites em claro muitas vezes estão associadas ao stress, à ansiedade e à depressão. “Nosso organismo reage para nos proteger e cria substâncias para ficarmos mais alertas. Aumenta, por exemplo, a produção de adrenalina”, explica o psiquiatra Alfredo Maluf, do Hospital Albert Einstein, ao apontar como o stress pode afetar nosso sistema neurobiológico.
Na plataforma de atendimento psicológico on-line Virtude, por exemplo, a falta de sono ou a dificuldade em mantê-lo têm sido relatadas por sete em cada dez pacientes nos últimos dois meses. Atualmente, o site recebe cerca de 110.000 clientes — um crescimento de 400% em dez semanas. Também on-line, na plataforma Psicologia Viva, que pulou de 5.000 consultas para 18.000 no mês de abril, a busca por profissionais que tratam insônia e transtornos do sono passou de 8% para 17% entre fevereiro e o último mês. A situação se agrava ainda mais com o isolamento, a inatividade e a falta da luz do sol, segundo Dalva Poyares, neurologista do Departamento de Psicobiologia da Unifesp. Mesmo se a insônia estiver relacionada a outras comorbidades, não é recomendado deixá-la de lado. “Pode ser comum como sintoma, mas, se não lhe der a devida atenção, ela se perpetua e se torna um transtorno também e passa a ser tratada como doença crônica”, diz a neurologista Rosa Hasan, coordenadora do Laboratório do Sono do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo.
De acordo com Rosa, normalmente a insônia desperta a atenção quando a frequência das noites mal dormidas aumenta e o indivíduo passa a ter prejuízos no decorrer do dia. A “fritura” na cama deve acontecer mais de três vezes por semana, por três meses, seja com a dificuldade de dormir, despertar durante a noite ou acordar de forma prematura. “E influencia no dia a dia, como aumento da irritabilidade, a falta de concentração, a perda de memória, o cansaço e a expectativa na hora de dormir com o aumento da ansiedade se vai conseguir ou não”, explica. Mas o alerta neste momento de pandemia está vindo antes, já que todos passam por mudanças bruscas da rotina.
É o caso da biomédica Ana Lúcia Girello, de 55 anos. Acostumada a viagens de avião constantes por causa do trabalho, desde março ela está em home office e reclama da vida menos agitada. “É mais monótono, o dia parece não passar”, afirma Ana, que nunca foi muito adepta da TV e agora fica acordada nas madrugadas para tentar dormir com a luz do aparelho. Testou meditação e até aromaterapia, mas o resultado não apareceu. “Não me concentro nas técnicas e sinto que é tempo perdido, mas estou querendo mudar a situação.” Os compromissos da dentista Vivian de Moraes, de 41 anos, também mudaram. Com dois consultórios, as filhas pequenas e cronograma intenso de exercícios físicos, ela teve um baque na hora de se isolar. “Minha rotina se transformou: comecei a fazer mais cursos on-line e a estudar e agora fico pensando neles durante a noite”, diz ela, que enfrenta também o retorno do hábito das filhas de dormir em sua cama. Já tem um mês que seu sono é irregular e ela sente o impacto no fim do dia, quando fica mais irritada. “Por volta das 4 da manhã, vou deitar no quarto delas. Fico contando as horas que tenho para dormir, com ansiedade de não conseguir levantar.” Ela já recorreu a aplicativos de meditação e a áudios de sons de chuva, mas não resolveu. “Eu tenho prescrição de tranquilizante, mas não quero abusar”, diz. É o contrário do que tem aparecido no consultório da neurologista Andrea Bacelar, presidente da Associação Brasileira do Sono, que vem se preocupando com a automedicação e o uso excessivo dos remédios.“Muitos são pacientes que já tinham a recomendação e acabam triplicando a dose. Outros já haviam suspendido o medicamento e retornaram com eles, sem a indicação para o fazer.” Tranquilizantes, ansiolíticos para tratamento de ansiedade e indutores do sono são recursos importantes, porém é necessária uma análise específica para cada indivíduo e cuidados para que eles não causem dependência nem o efeito psicológico no paciente de achar que só vai dormir se tomar o remédio. O tratamento começa com doses menores, em horários adequados. “Até mesmo aqueles produtos com melatonina, o hormônio que regula o sono, têm um período específico para ser tomados e fazer efeito”, explica.
Com o eletricista J.K., de 37 anos, que já fazia uso de medicação para o transtorno esquizoafetivo, a insônia passou a assombrar novamente na quarentena, em períodos intermitentes. “Penso na minha família, se alguém vai contrair a Covid-19, se eu vou conseguir comprar álcool em gel. E tem a parte financeira, que pesa bastante”, conta. Sua psiquiatra alterou a dosagem da medicação para tentar ajudá-lo. “Melhorou 40%, mas ainda me atrapalha”, diz. A insônia atinge menos os homens. “Ela é de duas a três vezes mais frequente nas mulheres. Isso se dá pelas comorbidades. Mulheres têm mais transtornos de humor e de ansiedade, além da variação hormonal”, explica Andrea Bacelar.
Claudia Almeida, de 39 anos, não tinha nenhum sintoma antes do início da pandemia e da suspensão de seu trabalho com transporte escolar. Foi receitado a ela um antidepressivo, remédio que ainda tem receio de tomar. “São dois medos: o de entrar em depressão e o de ficar dependente da medicação”, explica Claudia. Ela também foi encaminhada a sessões de terapia com psicólogos para acompanhamento.
Antes da medicação, há outros recursos recomendados pelos médicos que costumam ser eficazes para interromper o ciclo da falta de sono, em especial para aqueles que estão começando a enfrentar o problema. Rever e ajustar os hábitos do dia a dia e ter o auxílio de psicólogos em terapias são alguns deles. “Nos primeiros momentos em que a insônia aparece, as pessoas vão criando mecanismos para driblar a situação, mas sem saber que eles podem ser prejudiciais”, diz a psicóloga Silvia Conway, especialista em distúrbios do sono. “Ficar na cama esperando dormir, ingerir álcool, beber chás, ficar com eletrônicos ligados na cama, que prejudicam a produção de melatonina, tudo isso consolida a insônia”, explica. Segundo ela, as pessoas têm a crença de que uma relação saudável com o sono é deitar na cama e “capotar”. Mas não é bem assim. É normal despertar de maneira leve durante a noite, virar de lado, se mexer. “Uma boa noite é aquela que você dorme quando está com sono e acorda bem e disposto e, durante o dia, não sente cansaço.”
Para evitar o conflito com o lençol, é indicado sair da cama de vez quando o sono não vem. “Procure por atividades que não demandam estado de atenção e iluminação forte”, diz a neurologista Rosa, da USP. Os exemplos vão desde arrumar gavetas até leituras leves, fora do ambiente do quarto, que deve ser reservado para dormir e para as práticas sexuais. “Se o sono não vier, terá de manter a calma e a rotina normal no dia seguinte, sem estender ou querer compensar com cochilos fora de hora, porque não funciona”, diz. Durante o dia, mesmo dentro de casa, existe a necessidade de manter os exercícios físicos e passar um período da manhã sob a luz do sol. “A meditação mais cedo é uma saída”, explica Elisa Kozasa, pesquisadora em neurociência do Hospital Albert Einstein. Há alimentos que são fontes de melatonina, como o kiwi, a uva, a cereja. “Ainda não há estudos sobre a dosagem e o horário que eles podem ser consumidos, mas sugiro à noite”, diz Maria Fernanda Naufel, doutora em nutrição da Unifesp. A instrutora de pilates Danielle Ribeiro, de 38 anos, já tinha superado sua insônia fazia dez anos, depois de ser diagnosticada com transtorno de ansiedade. Nas últimas semanas, no entanto, percebeu que tem ficado mais acordada. “Tomo muito café e reduzi”, conta. Para se distrair, recorre ao celular. “Sei que não é recomendado, mas me faz ficar um pouco mais sonolenta”, explica. O uso dos aparelhos eletrônicos, inclusive TV, indicam os especialistas, deve ser suspenso até uma hora antes de dormir. O alerta principal é prestar atenção nesses hábitos que prejudicam o sono e alterá-los, e, se já melhorados, procurar auxílio médico. “A maioria das pessoas não cuida bem do sono, e a insônia não deve ser tratada como um sintoma banal”, afirma Rosa.
GUIA DA HIGIENE DO SONO
Como evitar, com medidas simples, que o momento de ir para a cama seja o mais angustiante do dia
ROTINA
Tente fixar um horário certo para dormir e acordar todos os dias. Evite cochiles diurnos.
ATIVIDADE FÍSICA
Faça exercícios de manhã ou à tarde, não à noite. Durante o dia, adote práticas que proporcionem a melhor forma de controlar a respiração, o relaxamento muscular e a concentração. Meditação é um exemplo.
COMIDA LEVE
Procure não consumir bebidas ou comidas estimulantes que contenham cafeína ao menos cinco horas antes de ir para a cama. Bebidas alcoólicas não são recomendadas no mínimo seis horas antes de dormir. Prefira alimentos leves no jantar.
RELAXE
Duas horas ames de deitar, tome um banho quente, ouça uma música, leia um livro. Evite o noticiário, assistir a filmes de terror ou jogos estimulantes.
LUZ ARTIFICIAL
Evite ao máximo aparelhos como computador, celular e televisão antes de dormir. A luz desses equipamentos pode dificultar a conciliação do sono.
RESPIRAÇÃO
Ao deitar, relaxe e concentre-se: respire profunda e tranquilamente. Depois, inicie esta série: inspire (conte até cinco), segure o ar no diafragma (também cinco segundos) e solte-o tranquilamente. Repita ao menos três vezes.
CUIDADO COM OS PENSAMENTOS
Quando os “pensamentos” aparecerem e quiser em se multiplicar, lembre-se: somos nós quem os gerenciamos (e não eles que nos gerenciam). Portanto, foco na respiração e no relaxamento.
NÃO BRIGUE COM A INSÔNIA
Caso não consiga dormir em cerca de vinte minutos, saia da cama e faça algo mais relaxante. Volte quando se sentir novamente sonolento.
SAIBA QUANDO PROCURAR AJUDA
Insônias que persistirem por mais de quinze dias devem ser reportadas a um profissional especializado em medicina do sono. Eles estão habilitados para fazer o diagnóstico e o tratamento a partir das necessidades de cada paciente.
"Tão certo como eu vivo, diz o Senhor Deus, não tenho prazer na morte do ímpio, mas em que o ímpio se converta do seu caminho e viva. Convertam-se! Convertam-se dos seus maus caminhos!" Ezequiel 33:11b
Você precisa fazer login para comentar.