EU ACHO …

DUAS PESTES

O ano de 1348 marca a eclosão da peste na ”mui excelsa cidade de Florença, cuja beleza”, nas palavras de seu devotado filho Giovanni Boccaccio, “supera a de qualquer outra cidade da Itália”. Ao contrário do que ocorrera no Oriente, onde se iniciara a doença cujo primeiro sinal era o sangue a escorrer do nariz, em Florença no começo apareciam algumas inchações nas virilhas ou nas axilas. “Algumas dessas cresciam como maçãs; outras, como ovo; cresciam umas mais, outras menos; chamava-as o populacho de bubões.” Das virilhas e axilas os inchaços se espalhavam por toda parte. “Em seguida o aspecto da doença começou a alterar-se; começou a colocar manchas de cor negra ou lívida nos enfermos.” O que não se alterava é que, num caso como noutro, era anúncio de morte certa.

As descrições de Boccaccio (1313-1375), “primeiro grande realista da literatura universal”, segundo Otto Maria Carpeaut, estão um Decamerão, sua obra-prima. Os 672 anos que nos separam da chegada da peste negra a Florença não passaram em vão. Mas em alguns aspectos a pandemia de então e a pandemia de hoje se aproximam, a começar na variedade dos sintomas iniciais – no caso da Covid-19, febre ou dificuldade de respirar, perda do olfato ou tosse seca. Se os médicos foram na atual peste apanhados no contrapé, perdidos no esforço de decifrá-la, com mais razão o foram na Idade Média. “Nem conselho de médico, nem virtude de mezinha alguma, parecia trazer cura ou proveito para o tratamento de tal doença”, escreve Boccaccio. “Tornara-se enorme a quantidade de curandeiros, assim como de cientistas. Contavam-se entre eles homens e mulheres que nunca haviam recebido uma lição de medicina” (tradução de Torrieri Guimarães).

No curandeiro sem noção de medicina o autor italiano parece pressagiar o comportamento no ano 2020, do presidente de um país ainda a mais de um século e meio de ser descoberto pelos europeus. A peste em Florença avançava entre as vítimas “como o fogo passa às coisas secas ou untada” Na peste de hoje alerta-se também contra as coisas, com destaque para crianças mortas e barras de apoio nos ônibus e trens. Em Florença, ‘mexer nas roupas, ou em qualquer coisa que tivesse sido tocada ou utilizada pelos enfermos”, podia ser fatal. ‘E tudo era dirigido para um fim bastante cruel: o de se ficar enojado dos enfermos, e de se fugir das suas coisas e deles.” Como hoje, os parentes não se visitavam. E “eram incontáveis os que partiam desta vida sem nenhuma testemunha”.

Temos hoje ciência muito mais avançada, antibióticos, anestesia, televisão e internet, mas também coincidências com o século XIV que provam, para nosso grande espanto, a persistente fragilidade da espécie. Na Guayaquil da Covid-19 corpos eram arrastados para as ruas. Na Florença da peste negra vizinhos “retiravam das residências os cadáveres”, e os deitavam à porta, “onde, sobretudo na parte da manhã, eram vistos em quantidade inumerável pelos que perambulavam pela cidade e que, observando-os, adotavam medidas para o preparo e o envio dos caixões”.

Na Manaus de hoje caixões são enfileirados em covas coletivas e cobertos de terra lançada por tratores. Na Florença de Boccaccio os corpos “eram empilhados como as mercadorias nos navios; cada caixão era coberto, no fundo da sepultura, com pouca terra; sobre ele, outro era posto, o qual, por sua vez, era recoberto, até que se chegasse à boca da cova, ao rés do chão”.

Pergunta-se hoje como será o mundo pós-Covid-19. O Decamerão, livro do imediato pós-peste negra, oferece pistas. A descrição da peste em Florença ocupa apenas alguns de seus parágrafos iniciais. O assunto muda em seguida para um grupo de sete mulheres e três homens que, num refúgio campestre nos arredores da cidade, pratica o que 672 anos depois seria chamado de “isolamento social”, e, à falta de uma Netflix para ver séries, decide passar o tempo a contar histórias uns aos outros. O Decamerão é o volumoso repositório das 100 histórias resultantes, à razão de dez por pessoa durante dez dias – histórias muitas delas cômicas, de espertos a passar a perna nos tolos, e de multo sexo, com maridos enganados, mulheres ardentes, padres e freiras devassos. Mostra um mundo tão terreno quanto era celeste o padrão medieval precedente a começar por Dante Alighieri, que viveu no mesmo século, mas morreu antes da pandemia. Nesse ponto o livro aponta para a mudança. Já a quem, hoje em dia, espera um mundo pós-Covid-19 mais solidário e generoso, o recado do Decamerão é desanimador. Boccaccio pinta um quadro de injúrias, traições e trapaças sem fim.

**ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

OUTROS OLHARES

AGORA BEM-VINDOS

Vítimas de intolerância e preconceito nos países onde buscaram asilo, os imigrantes ilegais na Europa são incentivados a ficar e preencher vagas na saúde e na lavoura

As cenas ficaram marcadas na memória: filas de refugiados caminhando por terra, fugindo das batalhas na Síria e no Iraque, e homens, mulheres e crianças espremidos em barcos precários, querendo escapar da pobreza, da falta de horizonte e, sim, de mais batalhas no Norte da África. Destino de todos: a Europa. Entre 2010 e 2013, mais de 3 milhões de pessoas buscaram abrigo no continente, o que desencadeou uma crise que ergueu barreiras físicas nas fronteiras e municiou o discurso ultranacionalista que fez a extrema direita avançar em vários países. A pandemia mudou esse estado de coisas.

Sistemas de saúde premidos por falta de pessoal, serviços de delivery necessitados de entregadores e empresas de limpeza carentes de gente disposta a fazer o serviço sujo viram nos imigrantes ilegais uma mão de obra barata e disponível, que ganhou utilidade renovada quando, no campo, os cultivos amadureceram e a colheita ficou premente. Resultado: diversos governos estão estendendo vistos de residência e trabalho aos ilegais – um efeito colateral positivo da propagação mundial do novo coronavírus. AItália, porta de entrada para desesperados que cruzavam o Mediterrâneo e eram recebidos – quando eram – com o nariz torcido, aprovou em maio um projeto de lei que regulariza a situação de 400.000 estrangeiros para trabalhar em serviços domésticos e na agricultura. A autorização vale por seis meses, mas pode ser prorrogada se a pessoa tiver um emprego garantido.

A colheita de morango, pêssego, alface, feijão e outros produtos tornou-se emergência em plena pandemia, sobretudo no Sul europeu, por falta de pessoal. Tradicionalmente, ela é feita pelos primos pobres do Leste Europeu, que aproveitam a Livre circulação pela União Europeia para fazer um pé­ de- meia. Com as fronteiras fechadas, cerca de 150.000 colhedores da Romênia, Polônia e outras nações estão presos em seus territórios, o que põe em perigo até um quarto da safra. “Foi a primeira vez que os empregadores pediram a regularização da situação dos imigrantes ilegais, mesmo que isso aumentasse seus custos”, diz Maurizio Ambrosini, professor de sociologia da migração da Universidade de Milão. O governo da Espanha aprovou em maio um decreto que concede permissão de trabalho por dois anos a estrangeiros entre 18 e 21 anos que estejam dispostos a aceitar um emprego na lavoura e prorroga os contratos de quem já desempenha essa função, marroquinos em grande parte, beneficiando 600 refugiados até o fim de maio. AAlemanha também estuda conceder visto aos 60.000 estrangeiros que têm pedido de asilo pendente para trabalharem na agricultura.

Antes disso, os serviços de imigração europeus correram para contratar a toque de caixa médicos e enfermeiros que aguardavam permissão de trabalho no limbo da imigração. Em março, o governo espanhol autorizou a contratação de mais de 2.000 médicos venezuelanos que esperavam a homologação de seus diplomas. A França também permitiu o trabalho de médicos, dentistas e farmacêuticos sem certificado reconhecido, sob supervisão de profissionais locais. No ápice do surto, até a província alemã da Saxônia lançou uma campanha de recrutamento de refugiados com experiência médica – sendo a região o berço do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD). Em rara atitude de caráter mais humanitário do que oportunista, Portugal determinou no fim de março a legalização de todos os imigrantes com pedido de visto de residência pendente, a fim de que tivessem acesso aos benefícios sociais dos demais cidadãos. A medida atingiu 130.000 estrangeiros, entre eles muitos brasileiros. Para a catarinense Ana Tonial, 30, auxiliar de cozinha em Aveiro, a medida chegou bem a tempo de aproveitar a ajuda na compra de leite e fraldas para o filho de 2 meses. “Ainda tenho de dar continuidade ao processo, mas a ida ao escritório está até agendada”, diz ela, que emigrou com o marido e um filho de 2 anos. Ninguém sabe se a boa vontade dos europeus para com os imigrantes vai continuar depois da pandemia. Por outro lado, alerta Marta Foresti, da London School of Economics, “a crise econômica que se instalou no continente deve deixar de atrair tantos imigrantes”. É difícil saber quem vai precisar de quem no futuro.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE CONSOLO PARA A ALMA

DIA 09 DE JULHO

VOLTE PARA OS BRAÇOS DO PAI

Levantar-me-ei, e irei ter com o meu pai, e lhe direi: Pai, pequei contra o céu e diante de ti (Lucas 15.18).

Há muitos filhos pródigos que abandonaram a casa do pai e partiram para curtir as aventuras da vida. Mesmo tendo amor, provisão e segurança na casa paterna, começaram a sentir um profundo vazio e uma imensa insatisfação na alma, pensando que a felicidade estava do lado de fora dos portões. Muitos pródigos partiram levando sua herança antecipada, com a ilusão de que encontrariam no país distante experiências arrebatadoras. Mas as iguarias do mundo, embora apetitosas, não satisfazem a alma nem preenchem o vazio do coração. As amizades das boates se evaporam como nuvem passageira. O filho pródigo gastou tudo o que tinha em uma vida dissoluta e, ao fim, ficou só e faminto. Quando começou a passar necessidade, lembrou-se da casa paterna e tomou a decisão de voltar. Para sua surpresa, antes de ver o pai, o pai o viu. Antes de correr para o pai, o pai correu ao seu encontro. Antes de completar seu pedido de perdão, o pai lhe anunciou a graça da restauração, beijando-o, abraçando-o e restaurando-o à dignidade de filho. Talvez você esteja longe de Deus, da igreja e da família. Talvez seus amigos o tenham abandonado, e você se encontre só. Volte, filho, volte. O Pai celeste o espera de braços abertos!

GESTÃO E CARREIRA

DIVERSIDADE QUE VENDE

Brinquedos como a boneca Barbie levam às prateleiras o respeito às diversas identidades e levantam o debate sobre o consumo consciente

Não é novidade que a publicidade infantil instigue o desejo consumista das crianças. Ela anuncia o que os pequenos precisam e eles desejam o objeto idealizado. Mas também é antiga a discussão sobre os limites das ações publicitárias dirigidas aos mais jovens: são legais ou ilegais? Atualmente, esse debate tem ganhado novos contornos. Há mudanças importantes acontecendo para valorizar o respeito às diferenças e à inclusão. Um exemplo é a gigante dos brinquedos Mattel: a companhia acaba de lançar uma nova linha de Barbie em que as bonecas representam a diversidade cultural, étnica e trazem doenças de pele e deficiências físicas. São 176 novos modelos da linha chamada Barbie Fashionista, que tem nove tipos de corpos, 35 tons de pele e 94 diferentes cabelos. A Hasbro, fabricante da boneca Baby Alive, também criou bebês com a pele negra. Na linha LoL Suprise, da MGA Entertainment, há opções que fogem do padrão “branco e loiro”.

COM A CARA DA AVÓ

“O brinquedo passou a ser um negócio. Não podemos ter o olhar ingênuo de achar que a indústria faz isso apenas para acolher e reconhecer”, explica Raquel Franzim, coordenadora de educação do Instituto Alana. O cenário no qual a criança se desenvolve é mais importante do que o objeto com o qual ela brinca. A Barbie representa apenas uma parcela da identificação.

Raquel questiona: “É o brinquedo que faz a criança brincar ou precisamos cuidar do próprio ato de brincar das crianças?”
Indiferentes às considerações éticas e ideológicas, as crianças aproveitam. A pequena Theodora, quatro anos, sorri com o seu presente de natal: uma Barbie negra, com os cabelos raspados e descoloridos. Quando ela abriu o embrulho, automaticamente associou o objeto à avó, que possui as mesmas características físicas da boneca. A hoteleira Dilane Lopes Moreira, mãe de Theodora, conta que sempre valorizou a convivência da filha com produtos com os quais ela pudesse se identificar. “Todos são bonitos do jeito que são”, é o mantra da casa. Para ela, a Barbie nova está sendo apenas um complemento para a construção da identidade da filha.

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

ESGOTAMENTO TOTAL

Uma pesquisa inédita indica que um em cada cinco trabalhadores brasileiros já sofre de Burnout, a síndrome causada pelo estresse permanente do trabalho

Chega uma hora em que o estresse crônico com o trabalho não passa. A sensação de falta de energia ou de exaustão é constante. Todos os pensamentos sobre a vida profissional são negativos, cínicos, distantes. Um sentimento de impotência toma conta, e a produtividade vai lá para baixo. Não se trata de “mimimi” de jovens despreparados para os rigores da vida adulta, tampouco de um esgotamento que só atinge altos executivos de agendas extenuantes. A descrição acima é a do “burnout” (“queima total”, numa tradução livre), um mal de nossos tempos que, neste ano, passou a ser classificado como síndrome pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e já atinge quase 20 milhões de brasileiros, como indica uma pesquisa inédita da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), obtida com exclusividade.

“Muita gente diz que burnout é depressão, estresse ou ansiedade. No burnout, podemos ter tudo isso”, explicou a psiquiatra Carmita Abdo, professora de medicina e coordenadora do estudo da USP, que ouviu 6.070 pessoas com idades entre 21 e 65 anos, de diferentes cidades e classes sociais. “As áreas cerebrais afetadas são as mesmas. Mas a peculiaridade do burnout é que ele se desenvolve especificamente devido ao trabalho”, completou Abdo. A pesquisa constatou que um em cada cinco trabalhadores brasileiros sofre de burnout. Quando se levam em consideração também os que tiveram ao menos algum dos sinais, mas não “queima total”, fica-se diante de um quadro que atinge metade da força de trabalho do país.

Como trabalho sempre foi sinônimo de algum grau de estresse, uma das interrogações lançadas pela investigação da USP é justamente o que estaria causando esses índices.

Nas últimas cinco semanas, ouvimos médicos, psicólogos, psicanalistas, especialistas em mercado de trabalho e vítimas do esgotamento para entender o motivo dessa síndrome de alcance mundial. A conclusão é que a rotina profissional piorou de tal maneira nos últimos anos – impulsionada por avanços da tecnologia, mudanças na sociedade e no mercado de trabalho e novas dinâmicas empresariais -, que acabou por abalar a saúde mental das pessoas.

Para Rosylane Rocha, presidente da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), não há dúvida de que a pressão aumentou. “Hoje é tudo ‘urgente”‘, disse ela. A carga horária do trabalhador brasileiro se manteve estável em 40 horas semanais, segundo os dados do IBGE, mas a verdade é que esse número não capta as muitas mensagens de WhatsApp e e-mails de chefes e colegas que começaram a chegar fora do horário de expediente. ”Todos estão dependentes e escravizados por aplicativos”, disse Rocha. Além disso, sistemas de metas para vários níveis de funcionários, raros há algumas décadas, hoje são mais comuns. Para adicionar um ingrediente brasileiro a um problema que é global, o momento do mercado de trabalho por aqui também não tem ajudado. Há três anos, as taxas de desemprego estão em dois dígitos, o que aumenta a tensão nas empresas.

Existe um desajuste maior entre o tempo que as pessoas dedicam ao trabalho e o que dedicam a si mesmas e às famílias. É um sinal de nossos tempos”, disse a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente no Brasil da International Stress Management Association (Isma), associação sem fins lucrativos criada em 1973 nos Estados Unidos para pesquisa, prevenção e tratamento de estresse e hoje presente em 12 países. Para Rossi, há um círculo vicioso. “Quanto mais se dá atenção ao trabalho, menos tempo se tem para outras atividades que ajudariam a diminuir a pressão”, disse. A pesquisa da USP sobre burnout, realizada com o apoio do laboratório Cristália, também ajuda a colocar luz sobre como os jovens estão sendo afetados. A síndrome atinge em especial os profissionais com menos de 30 anos. “As gerações mais novas têm menos recursos protetivos. Ações como dizer ‘não’ e reconhecer que não vão fazer algo exigem certa maturidade. Ou, no mínimo, uma posição melhor dentro da empresa”, afirmou o psicanalista Christian Dunker. “As quinas da vida, que sempre estiveram aí no mundo profissional, agora estão ainda mais agudas, machucam mais essa geração. Isso favorece o burnout, inclusive porque os dispositivos de tratamento natural para isso, como deixar de lado os smartphones e recorrer aos amigos, são menos difundidos entre os mais jovens. As gerações mais novas são mais solitárias”, disse Dunker, com base em décadas de experiência clínica.

Além dos jovens, as mulheres também sofrem mais que os homens – elas são 60% dos casos de maior intensidade da síndrome, segundo a pesquisa da USP. Chegar do trabalho e ainda ter de dar conta das atividades domésticas é um dos fatores que pesam. Autocobrança também é frequente entre mulheres. Conta contra até o fato de elas ocuparem menos cargos de poder em um mercado normalmente liderado por homens, o que as leva a uma sobrecarga por frustração. Foi isso que indicou um estudo da Universidade de Montreal, no Canadá, divulgado no ano passado e que ajuda a entender o que se passa também no Brasil.

Mulher e jovem, Tayná da Silva Rios descreveu em detalhes o processo que a levou à queima total. Professora e historiadora, aos 26 anos acumulava dois empregos, um dando aula e outro como técnica de museologia, e ainda entrou num mestrado. “Comecei a ter dificuldade de concentração. Coisas que eu fazia com muita facilidade, como preparar aulas, textos e relatórios, já não funcionavam assim. Eu não tinha vontade de me levantar para trabalhar. Não entendia por quê. Eu me cobrava, porque sempre fiz mil coisas ao mesmo tempo”, lembrou Rios. Ela buscou o apoio de psicoterapia e, por um tempo, o diagnóstico foi de transtorno de ansiedade. Assim, manteve a rotina de trabalho. Mas aí veio uma crise de pânico, com episódios de falta de ar e crises de choro. Foi encaminhada a um psiquiatra que, há três anos, diagnosticou burnout. “Fiquei longe do trabalho uns 50 dias, entre afastamento e férias. Não que­ ria. Mas meu médico disse que eu não tinha escolha”, contou. “Precisei de ajuda para dar atenção a meu corpo e entender que, por mais que pareça clichê, a vida não é só trabalho”, afirmou Rios, hoje com 31 anos.

A primeira descrição de burnout aconteceu em 1974, pelo psicanalista alemão Herbert J. Freudenberg. Ele próprio desconfiava padecer da síndrome. Na década seguinte, a psicóloga americana Christina Maslach, da Universidade da Califórnia em Berkeley, desenvolveu um questionário para identificar o burnout, o mesmo usado pelos pesquisadores da USP. O foco de Maslach eram profissionais da área de saúde. Depois da primeira pesquisa, várias outras se seguiram. Um estudo de 2019 da Academia Nacional de Medicina dos Estados Unidos identificou burnout em 54% dos enfermeiros e médicos americanos e em 60% dos estudantes de medicina e residentes.

Nas entrevistas, as pessoas têm de responder a perguntas como “Você sente que está na empresa ou profissão errada?” e “Você sente que não há nada para conversar?”, com notas em uma escala que varia de “nunca” (o) a “todos os dias” (6). Os especialistas identificam a síndrome quando há resultados significativos em áreas como exaustão associados a baixos resultados de eficiência profissional. O quadro reúne sinais físicos como fadiga, distúrbios do sono e dores no corpo; psíquicos, como desânimo, sentimento de desesperança, baixa autoestima e comprometimento da memória; comportamentais, como isolamento, agressividade, pessimismo e até uso de drogas e abuso de álcool; e profissionais, como queda de desempenho, baixa concentração e comunicação precária.

A síndrome raramente se instala de uma vez, e os sinais vêm aos poucos, como conta o engenheiro de telecomunicações B.L.F., de 38 anos. Ele começou a sentir os efeitos físicos do excesso de trabalho, como cansaço e taquicardia, há uns dois anos, mas ignorou. “A empresa passou por uma reestruturação pesada, e a jornada de trabalho aumentou muito. Pensei que mais trabalho não seria problema. Fui absorvendo aquilo, só que o que era para durar alguns meses virou rotina. Estendeu-se para o final de semana e atrapalhou a relação com a família”, contou ele, que pediu para que seu nome não fosse revelado. Não demorou para que os sintomas voltassem mais fortes. Taquicardia passou a ser rotina, além de sensação de angústia e incapacidade. Foi quando resolveu procurar ajuda psicológica e, mesmo resistente no início, concordou em rever prioridades. Tirou férias. Na véspera de voltar para o Rio de Janeiro, onde mora, teve uma crise no avião. “Já em casa, no segundo dia, acordei e não conseguia sair para trabalhar. Passei a noite em claro. Fiquei travado, chorei muito. Aí caiu a ficha de que eu não podia mais”, lembrou.

Pesquisas feitas em outros países com a metodologia e o alcance da adotada pela USP são raras. Mas há levantamentos que confirmam a preocupação crescente com o burnout. De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), estudos realizados nos últimos dez anos indicam que 26,7% dos profissionais argentinos relatam estresse mental relacionado ao excesso de trabalho e 27,9% dos trabalhadores chilenos afirmam haver casos de estresse e depressão em suas empresas. “De maneira geral, mudou muito a noção que temos de tempo. Tudo tem de ser mais imediato, para daqui a pouco, e não é só no Brasil”, disse Bernard Miodownik, coordenador de Psiquiatria do Hospital São Vicente de Paulo, no Rio de Janeiro. Em outubro, no México, entrou em vigor uma lei criada para defender funcionários e dividir com os empregadores a responsabilidade de cuidar de sua saúde mental. A chamada Norma Oficial Mexicana obriga todas as empresas a atender “qualquer situação negativa relacionada aos empregados”, de desordens de sono a ansiedade ou alto estresse, para reduzir seu impacto e, na medida do possível, “erradicá­la ou evitá-la”. Na França, uma lei em vigor desde 2017 estabeleceu o “direito de se desconectar” e proíbe as empresas de mandar e­ mails ou mensagens de celular para funcionários fora do horário de trabalho.

Autor de Dying for a paycheck (Morrendo por um salário), o pesquisador americano Jeffrey Pfeffer, professor na Universidade Stanford, na Califórnia, é direto ao sugerir o que fazer quando o trabalho se torna prejudicial à saúde. “Em locais de trabalho tóxico, as pessoas devem fazer o mesmo que fariam se estivessem em um lugar cheio de fumaça ou pegando fogo: sair. Não há outra alternativa razoável, pois as consequências para a saúde são mortais”, afirmou. Há, claro, o pequeno detalhe das contas a pagar, que não param de chegar, independentemente das agruras da vida profissional. Mas Pfeffer alerta que, se no passado as condições de alto estresse no trabalho levavam ao abuso das bebidas e das drogas, isso só piorou. Hoje, não raro esses hábitos deletérios são acompanhados de pensamentos suicidas. A pessoa pensa em se matar, mas não em sair do trabalho. Pensa em deixar a vida, mas não em deixar o chefe. Uma hora, a conta chega.

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