GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA
Campanha propõe aguardar a idade adulta para iniciar a vida sexual

De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 930 meninas com menos de 20 anos dão à luz todos os dias, totalizando mais de 434,5 mil mães adolescentes por ano. O Brasil registra a maior taxa entre os países da América Latina e Caribe, chegando a 68,4 nascidos vivos para cada mil adolescentes e jovens.
Em fevereiro deste ano o governo federal lançou a campanha “Tudo tem seu tempo: Adolescência primeiro, gravidez depois”. A estratégia propõe que os adolescentes considerem a possibilidade de adiar o início da vida sexual como uma ferramenta para evitar a gravidez precoce.
Instituída por meio da lei nº 13.798, a campanha é voltada para adolescentes, jovens, pais ou responsáveis, com o objetivo de disseminar informações sobre medidas preventivas e educativas que contribuam para a redução da incidência da gravidez na adolescência.
Mas a campanha, que está sendo chamada de projeto da “abstinência sexual”, vem sendo alvo de críticas de entidades como a Sociedade Brasileira de Pediatria e a Defensoria Pública da União. Entre os argumentos está o de que a estratégia não funciona, fere a liberdade do jovem sobre seu corpo e confunde.
Dados apresentados no lançamento da campanha apontam um crescimento das DST (doenças sexualmente transmissíveis) no Brasil nos últimos anos, especialmente entre os jovens. Os novos casos do Aids aumentaram 21% entre 2010 e 2018 no país, enquanto diminuíram no mundo, segundo a ONU.
Para a ginecologista e obstetra, Kadja Froés, a real medida para redução dos índices de DST e da gravidez na adolescência deve ser a educação sexual.
“Eu acho válido que seja incentivada uma redução da sexualização infantil. É necessário o conhecimento das doenças, do corpo da mulher e do homem e da importância do uso dos métodos de prevenção. Nessa fase os hormônios sexuais estão em níveis altos, levando a um desejo sexual maior, além da descoberta do prazer. Tornar esse prazer proibido é mais um incentivo para o adolescente querer tê-lo. Na minha opinião, a única maneira de conseguirmos reduzir os números de adolescentes grávidas é um programa bem feito de educação sexual, que pode ser nas escolas ou veiculado na mídia”, comenta.
A médica alerta sobre os riscos de uma gravidez precoce tanto para a saúde da mulher quanto do bebê.
“Se formos considerar o ponto de vista anatômico e fisiológico, a idade inicial para engravidar seria a partir dos 20 anos, quando o aparelho reprodutor está totalmente formado. Claro que pode variar para cada mulher, algumas se desenvolvem antes, mas pensando em uma média seria essa idade. A pré-eclampsia, que é a elevação da pressão arterial na gestação, é mais comum nos extremos etários, ou seja, adolescência e após 40 anos. É uma doença grave que pode levar ao óbito materno e fetal, se a gestante não for bem assistida no pré-natal. A gestação na adolescência também apresenta maior risco de parto prematuro e baixo peso do bebê ao nascer devido retardo de crescimento intra-uterino, com maiores índices de morbimortalidade fetal e neonatal”, explica.
Para a psicóloga e diretora administrativa da Uniser do Vale, Nilcéia Costa, uma campanha de incentivo ao início da vida sexual somente na idade adulta não têm o poder de mudar a vida das adolescentes.
“Só haverá mudanças saudáveis se houver medidas educativas sobre a vida sexual. A falta de orientação sexual, tanto na escola como na família, leva à gravidez precoce e às doenças sexualmente transmissíveis. Essa campanha não vai levar a nada se não houver efetivamente um trabalho feito desde a pré-adolescência falando sobre a vida sexual, sobre os seus valores e consequências, pois todo ato tem sua consequência e acho que o adolescente está precisando ouvir isso, tanto da família como na escola”, comenta.
A especialista esclarece sobre os efeitos psicológicos de uma gravidez na adolescência. “Se os pais não tiverem maturidade para a maternidade e a paternidade, isso pode acarretar efeitos psicológicos negativos, como a insegurança, frustrações diante de outros sonhos que não são realizados, como liberdade para sair com amigos, viajar, estudar. Muitas vezes, o filho ocupa grande parte do tempo e a mãe deixa de fazer as coisas que deseja e isso pode acarretar efeitos negativos como a depressão. É muito comum a depressão pós-parto diante dessas frustrações. Alguns abandonam a escola e têm dificuldade para conseguir emprego. Muitas vezes a maternidade ou paternidade é vista como gravidez não planejada, não desejada. Eles ficam rotulados e isso é uma privação para os adolescentes”, explica.
A psicóloga destaca a importância do apoio familiar nesses casos. “O apoio da família é fundamental em toda gestação. Mas na gestação precoce, muito mais. O apoio dos familiares é muito importante para a adolescente conseguir continuar seus estudos, ter contato com amigos e conseguir dividir o seu tempo, não só com o filho. Ela será mais feliz e, consequentemente, será uma boa mãe. É um momento da vida de amadurecimento e o apoio da família, como suporte emocional, pode fazer toda a diferença para o desenvolvimento da criança e da mãe. Só é preciso ter cuidados para que os avós não assumam a criança. Em muitos casos os avós assumem para suprir as necessidades, principalmente quando se trata da filha. Por acreditar que a filha não é capaz, muitas vezes erram por excesso de cuidados. A mãe adolescente deve assumir o papel de mãe com o apoio dos avós, mas a avó não deve assumir esse papel. O pai adolescente, muitas vezes, se ausenta por medo, pressão e mesmo até por exclusão. A família da adolescente assume toda a responsabilidade e exclui o pai. Segundo pesquisas e estudos, o papel do pai favorece o aumento do bem-estar da mãe e revela que a participação do pai levaria ao melhor desenvolvimento social da criança”, esclarece.
A auxiliar administrativa, de 25 anos, Janaína Kelly Dias Fernandes, conta que engravidou de sua filha Sophia quando tinha apenas 17 anos.
“Não foi uma gravidez programada. Me senti assustada, não acreditava que era verdade que eu estava grávida. Foi um susto enorme para a minha família, eles sabiam que eu já tinha uma vida sexual ativa, mas não imaginavam que eu fosse engravidar tão nova. Engordei bastante na gestação, foram 16 quilos no total. Meu parto foi normal, mas bem difícil e eu sofri muito. Tive que abrir mão dos estudos, depois eu precisei fazer um supletivo para terminar o colegial e deixei de fazer muitas coisas, viagens, faculdade. Acho correto o incentivo para que as pessoas esperem a vida adulta para iniciar a vida sexual, afinal de contas nem sempre é bem-vinda uma criança sem planejar antes”, comenta.
Janaína destaca a importância do apoio familiar e do pai da criança. “Tive que amadurecer mais rápido devido a chegada da minha filha. Hoje vejo que minha vida poderia ter tomado outro rumo, e devido ao comportamento que eu tinha na época, poderia não ser nada bom. Fui mãe muito nova e acho que não estava preparada psicologicamente para ser mãe, mas no meu caso, deu tudo certo. O apoio que recebi da minha família e do pai da minha filha, que hoje é meu marido, fizeram toda a diferença”, conclui.
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