O QUE VOCÊ VAI SER QUANDO CRESCER?
Visto por muitos como fonte de sofrimento, o trabalho possui estreita ligação com a felicidade. existiriam, então, profissões mais “felizes”?

Dia desses me dirigiram uma pergunta interessante: Existem profissões mais felizes que outras? Podemos analisar essa pergunta de várias maneiras. Comecemos (é claro) pela mais otimista. Tal questão estabelece o pressuposto de que felicidade e trabalho sejam conciliáveis, o que por si só representa para mim um alívio, acostumada que estou a uma Psicologia anacrônica que insiste em discutir a mais valia. É sempre bom lembrar que, apesar de também poder ser utilizado como forma de exploração, o trabalho é, antes de tudo, uma forma de autorrealização. Além disso, às demandas geradas pelo mundo do trabalho devemos boa parte de nossas conquistas pessoais, tais como a disciplina, a responsabilidade, o convívio com o outro, a tolerância etc.
O trabalho nos desafia e, ao fazê-lo, nos torna seres humanos melhores. Dessa forma, vale dizer que uma outra implicação da pergunta inicial seria a existência de uma conexão entre a felicidade e aquilo que fazemos de nossas vidas, o que faz todo sentido, uma vez que somos o exato produto de nossas escolhas.
O questionamento sobre a existência ou não de profissões mais felizes demonstra também um crescente interesse das pessoas pelo tema da satisfação no trabalho, o que parece corroborar a afirmação de Seligman de que nossa economia estaria mudando rapidamente “de uma economia de dinheiro para uma economia de satisfação”. O problema ocorre quando a opção pela satisfação entra em choque com a concepção vigente acerca do sucesso. Reféns de uma educação voltada para o “ter”, crescemos acreditando no sucesso como prosperidade financeira e, fundamentados por essa crença, muitas vezes nos perdemos na trajetória de nossas carreiras. Nesse sentido, ao discutir o sucesso, o psicólogo Viktor Frankl parece bastante atual. Diz ele: “O sucesso, assim como a felicidade, não pode ser perseguido; ele deve acontecer, e só tem lugar como efeito colateral de uma dedicação pessoal a uma causa maior que a pessoa, ou como subproduto da rendição pessoal a outro ser. A felicidade deve acontecer naturalmente, e o mesmo ocorre com o sucesso; vocês precisam deixá-lo acontecer não se preocupando com ele. Quero que vocês escutem o que a sua consciência diz que devem fazer e coloquem-no em prática da melhor maneira possível. E então vocês verão a longo prazo – estou dizendo: a longo prazo! – o sucesso vai persegui-los, precisamente porque vocês esqueceram de pensar nele”.
É aí então que chegamos ao que chamo de premissa equivocada da pergunta inicial sobre a possibilidade da existência de profissões mais felizes, que é a de que a felicidade estaria em algo externo ao próprio indivíduo, tal como uma profissão que seria mais ou menos feliz per se.
Talvez nesse ponto devamos substituir a clássica pergunta “o que você vai ser quando crescer?” por algo do tipo “como você vai ser quando crescer”? Isso porque, ao questionarmos nossos filhos sobre o que deverão ser, talvez estejamos lhes ensinando, equivocada e subliminarmente, que existem profissões melhores do que outras e nos fechando para o fato de que uma pessoa pode atingir o verdadeiro sucesso (leia-se felicidade) por meio de uma dezena de profissões diferentes, desde que por meio delas encontre meios de expressar o seu melhor, deixando no mundo a sua marca individual como ser humano.
Vale lembrar também que, com o aumento da expectativa de vida, costuma-se falar hoje sobre múltiplas carreiras. Portanto, como você vai ser quando crescer? Quando partir para a segunda, terceira ou mesmo quarta carreira? Lembre-se de que se hoje para nós a medida do sucesso parece vir de uma comparação constante entre o nosso modelo de iphone ou de carro com o do nosso vizinho, acreditar na felicidade no trabalho como resultado da maneira com que nos relacionamos com ele talvez nos faça enxergar que, como dizia Hemingway, “não há nobreza em ser superior ao próximo. Nobreza é ser superior ao que você já foi”.
LILIAN GRAZIANO é psicóloga e doutora em Psicologia pela USP, com curso de extensão em Virtudes e Forças Pessoais pelo VIA Institute on Character, EUA. É professora universitária e diretora do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento, onde oferece atendimento clínico, consultoria empresarial e cursos na área.
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