CAPITALISMO EM CRISE
Como os investimentos sustentáveis mudam os negócios

Os tempos definitivamente mudaram. No capitalismo do século 21, o lucro financeiro não é a única métrica a ser atingida. Ganhar dinheiro é importante, claro. Mas preservar o planeta é imprescindível para os negócios. Um estudo do Fórum Econômico Mundial em parceria com a consultoria PwC mostra o porquê. Metade do PIB global, o equivalente a US$ 44 trilhões, depende, em maior ou menor grau, da natureza. Como bem definiu Marc Benioff, fundador e CEO da Salesforce, a Terra é hoje nosso maior stakeholder. E ela carece de investimentos. Os chamados ativos sustentáveis são a classe que mais cresce hoje, segundo a Aliança Global de Investimento Sustentável (GSIA, na sigla em inglês). Entre 2016 e 2018, registrou-se um aumento de 34% nesses aportes, totalizando US$ 30,7 trilhões. Muito desse crescimento está associado aos fundos de pensão e outros investidores que aderiram ao PRI, sigla em inglês para Princípios para o Investimento Responsável. Criado pela ONU em 2003, esse programa representa o compromisso dos grandes investidores institucionais do mundo de investir em negócios sustentáveis.
Um dos marcos mais emblemáticos da nova era foi a carta de Larry Fink ao mercado. Em 14 de janeiro último, o CEO e presidente do conselho da BlackRock, a maior gestora de recursos do mundo, com quase US$7 trilhões de ativos sob sua administração, anunciou: a sustentabilidade está agora no centro das decisões de investimento da empresa. “Nossa convicção de investimento é que os portfólios integrados com a sustentabilidade e o clima podem proporcionar melhores retornos ajustados ao risco para os investidores. E, dado o crescente impacto da sustentabilidade no retorno dos investimentos, acreditamos que a base mais forte para os portfólios dos nossos clientes no futuro é o investimento sustentável”, lê-se no documento.
Entre as medidas anunciadas pela BlackRock, está a de desinvestir daqueles com alto risco de sustentabilidade, como os produtores de carvão para termoelétricas, e lançar novos produtos de investimento, que filtrem os combustíveis fósseis. Obviamente o mercado não espera que isso aconteça de uma hora para a outra. Larry comentou já ter passado por uma série de crises e desafios ao longo de seus 40 anos de carreira, mas nada que se compare à crise do clima. “Os picos da inflação dos anos 70 e 80; a crise da moeda asiática, em 1997; a bolha dot.com; e a crise financeira global. Ainda que tenham durado anos, foram, no amplo contexto das coisas, de curto prazo”, disse o executivo. A mudança climática impõe mudanças drásticas. Empresas, investidores e governos devem se preparar para uma realocação significativa de capital, adverte o executivo. No mundo das finanças, o futuro é de transformações. Nas próximas duas décadas, acontecerá a maior transferência de riqueza da história da humanidade. Cerca de US$ 30 trilhões passarão dos baby boomers para os millennials. E os herdeiros do futuro estão muito mais afinados com as causas socioambientais. Foi por iniciativa de uma autêntica millennial o evento Capital Converge Conference. Aos 31 anos, Marina Cançado, uma das herdeiras do grupo de farmácias Drogai, no interior paulista, recentemente reuniu investidores, gestores de fundos e executivos de bancos no Rio de Janeiro para debater como transformar o setor em uma alavanca para o desenvolvimento sustentável.
Para Marina, coordenadora da Agenda Brasil do Futuro, uma plataforma de coinvestimentos de jovens que querem contribuir para o futuro do país, não existe sustentabilidade no longo prazo sem o envolvimento do mercado financeiro. “A maneira como você investe seus recursos determina a realidade que você constrói”, explica. “Temos de acabar com o mito de que não é possível investir sem causar impacto social ou ambiental. É possível ganhar dinheiro e serresponsável.” E há grande número de oportunidades de investi mento com esse perfil no mercado global. Os Fundos Patrimoniais Filantrópicos, por exemplo, já movimentam US$ 1,5 trilhão no mercado internacional. No Brasil, grandes fundos de pensão, como a Previ, fundo de previdência dos funcionários do Banco do Brasil, já incorporam critérios sociais, ambientais e de governança a suas decisões de investimento.
No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer para que a cultura da sustentabilidade se generalize no mercado financeiro nacional. Um dos desafios é a pouca variedade de oferta de ações, com uma bolsa de valores amplamente dominada por empresas dos setores de commodities e bancos. “Há pouca informação disponível por parte das empresas e, também, pouca liquidez”, diz Roberta Goulart, sócia da Turim, um dos maiores multi-family offices independentes do Brasil. As limitações, no entanto, começam a ser vencidas.
Marcelo de Andrade é sócio da Earth Capital, fundo global de private equity focado em investimentos sustentáveis relacionados à energia, alimentos e água. De origem inglesa, a Earth Capital deve lançar seu primeiro fundo no Brasil ainda este ano. “Temos de entender a sustentabilidade como um diferencial de risco”, explica Marcelo. “Na prática, com bons indicadores de ASG [ambientais, sociais e de governança], você melhora a relação de risco e o retorno dos investimentos.”
Cada fundo de investimento tem uma estratégia diferente de abordagem em relação à sustentabilidade e aos investimentos com impacto social relevante. Focada no middle market, a gaúcha EB Capital busca oportunidades em nichos de mercado que atendam a carências importantes da sociedade brasileira. Como a conexão de alta velocidade, por exemplo.
“O Brasil tem mais de um celular por pessoa, mas apenas 40% da população tem acesso à banda larga. E esses acessos estão concentrados nas grandes áreas urbanas. Além disso, 16% ainda usa internet discada”, explica Luciana Ribeiro, sócia da EBCapital. Segundo ela, essa demanda no interior é atendida por cerca de 7 mil provedores de acesso independentes, que levam o serviço até áreas que não são servidas pelas grandes operadoras de telefonia.
Essas empresas sofrem com falta de acesso a capital, por isso têm dificuldade de crescer. Ao mesmo tempo, a falta de conectividade reduz a produtividade no interior do país, e dificulta o acesso da população a serviços e informações online. “Por isso, investimos mais de R$ 200 milhões para assumir o controle da Sumicity, um provedor de fibra óptica no interior do Rio de Janeiro”, explica Luciana.
Outro segmento de interesse da EBCapital é o setor de treinamento e capacitação profissional. “Temos um desemprego de dois dígitos, e os Feirões de Emprego não preenchem todas as vagas por falta de capacitação dos candidatos”, diz Luciana. “Portanto, esse é outro setor com grande impacto social, tanto na redução da pobreza quanto na produtividade das empresas.” Hoje, a EBCapital possui um fundo de multiativos de US$150 milhões e um braço de private equity.
Mesmo com todos esses exemplos, fica a pergunta: como vencer a tentação dos ganhos de curto prazo, para investir de forma responsável em projetos sustentáveis, com perspectiva de retorno em horizontes mais longos? Marina Cançado responde e resume o que alguns grandes investidores já começaram a perceber. “Os investidores institucionais e de longo prazo já enxergaram que se eles não considerarem a sustentabilidade e o futuro, não haverá longo prazo”, diz. “E se não considerarem as responsabilidades sociais, ambientais e de governança, ainda colocarão em risco seus ganhos no curto prazo, porque vão precificar de forma inadequada os seus riscos”, conclui.
OS APORTES AUMENTAM
A evolução dos investimentos sustentáveis (em trilhões de US$)

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