OS LIMITES DA SIMULTANEIDADE
Ler e-mails, analisar dados e falar ao telefone simultaneamente – parece que não dá mais para trabalhar sem fazer mil coisas ao mesmo tempo. Mas esse “processo paralelo” nos poupa realmente tempo? Depende, dizem os pesquisadores.

Você se reconhece nessa situação? Chega ao trabalho de manhã, dá uma rápida olhada em sua lista de 20 coisas a fazer e sente um apeno no estômago. Para economizar tempo, “ataca” todas ao mesmo tempo: foz ligações e olha os e-mails, enquanto ouve seu colega contar como foram as férias dele e seleciona a correspondência. Dedica a tarde a um relatório interminável – atendendo telefonemas e olhando para o computador cada vez que aparece o ícone de nova mensagem. Nem bem começou a preparar sua apresentação de amanhã e seu chefe pede uma atualização do balanço de vendas. Então um de seus clientes mais importante liga. Você continua totalizando as vendas – segurando o fone no ombro – até que, 15 minutos depois, finalmente consegue se livrar dele educadamente. Sente-se um polvo, fazendo as coisas com oito braços, tentando desesperadamente evitar que eles terminem num grande nó.
Mas não adianta reclamar. Quem quiser progredir na carreira hoje precisa dominar a arte de fazer tudo ao mesmo tempo. Pelo menos é nisso que muitos acreditam, tanto chefes como funcionários. De acordo com uma pesquisa feita pela Intel, 60% dos entrevistados acreditam poder obter vantagem competitiva nos negócios se conseguirem fazer mais de uma coisa simultaneamente. A maioria acha que consegue se dedicar a várias coisas ao mesmo tempo.
Mas esse parece ser um grande engano. Um número cada vez maior de estudos mostra que tentar fazer malabarismo com as tarefas em vez de completá-las em sequência pode levar mais tempo e deixar o trabalhador malabarista com habilidade reduzida para desempenhar cada uma dessas tarefas. Isso porque o cérebro é apenas muito de longe comparável a um computador em seu modo de operar.
O computador é o rei das multitarefas. Enquanto registra as palavras digitadas num processador de textos, está baixando um clipe da internet – e também verificando se há vírus nos e-mails que chegam. Tente você somar 14 e 3 e ao mesmo tempo multiplicar os dois números. Seu PC faria isso facilmente. E você? Não se preocupe, ninguém consegue! Mas, diferentemente dos computadores, muita gente é capaz de participar de uma animada discussão sobre reforma tributária enquanto tricota, corre ou dirige. Ainda é especulação, pelo menos por enquanto, imaginar se nos daríamos melhor com um disco rígido maior ou um processador a mais na cabeça para executar multitarefas.
Na busca pelo segredo do trabalho simultâneo, psicólogos descobriram três coisas nas últimas décadas. A primeira é óbvia: tarefas simples quase não causam esforço ao cérebro. Atividades uniformes e banais podem ser combinadas com outras mais difíceis. Comer (fácil) e falar ao telefone (difícil) ao mesmo tempo ou distrair-se – (difícil) enquanto lava a louça são dois exemplos da execução de multitarefas.
A “dificuldade das tarefas” é crucial. Mas também é possível combinar duas tarefas relativamente difíceis – desde que não sejam muito parecidas: pianistas, por exemplo, conseguem tocar uma nova peça, lendo a partitura, enquanto repetem um texto lido em voz alta para eles a uma velocidade de 150 palavras por minuto. Os pianistas recebem a informação por canais diferences (olhos e ouvidos), usam as regiões do cérebro que processam música e discurso, respectivamente, e no fim realizam essas “tarefas” com instrumentos diferentes: falando e utilizando os músculos da mão e do braço.
A regra geral para a similaridade de tarefas diz: quanto mais diferentes duas tarefas forem, mais provável será que usem partes do cérebro distintas, o que reduz o perigo de darem trombada em nosso processador.
A sabedoria popular que diz que “estrelas se fazem, não nascem prontas” aplica-se à arte da multitarefa. Até certo ponto, ela parece ser treinável. A experiência mais conhecida foi realizada nos Estados Unidos por três psicólogos, Elisabeth Spelke, William Hirst e Ulrich Neisser, de Harvard, da Universidade de Nova York e de Cornell, respectivamente. Eles deram a voluntários textos para ler e ao mesmo tempo pediram que escrevessem as palavras que iam sendo ditadas em voz alta.
No começo os voluntários acharam extremamente difícil fazer as duas coisas e tiveram de ler muito mais devagar. Mas depois de seis semanas de treino, conseguiam ler na velocidade normal. Os pesquisadores se surpreenderam ao notar que os participantes não tinham mais consciência do que estavam escrevendo. Eles automatizaram a escrita – e a transformaram numa tarefa simples.

ALOCAÇÃO DE RECURSOS
Os processos automáticos não se caracterizam apenas pelo fato de serem realizados com rapidez, inconscientemente e quase sem exigir do cérebro. Em casos extremos – por exemplo na leitura – quase nunca conseguimos eliminá-los quando queremos. Isso pode ser um problema. Só de olhar para uma palavra a deciframos automaticamente. Sem termos consciência, determinamos seu significado. Se isso contradisser outras informações fornecidas ao mesmo tempo, o resultado é uma “interferência”, que pode causar atrasos consideráveis no processamento (quadro acima).
Os três fatores da realização de multitarefas – dificuldade, semelhança e prática – dependem de um dos mais importantes recursos do cérebro, a consciência. O Prêmio Nobel em Economia Daniel Kahneman explica em seu “modelo de alocação e de recursos” que nossa consciência é limitada pela extensão de nossa atenção, mas é flexível o suficiente para se concentrar em uma tarefa ou para se dividir em várias. Tarefas difíceis exigem mais recursos; as mecânicas ou mais fáceis, menos.
Qualquer pessoa que dirige com frequência consegue, por exemplo, conversar sem fazer esforço, na maior parte do tempo. Se chega a um cruzamento perigoso, no entanto, pára automaticamente de falar – até que volte a haver atenção suficiente. Podemos imaginar um cano que contenha um ou mais fluxos de informação. Uma unidade especial de processamento (a “CPU”) divide o recurso da atenção e fornece frações dela aos vários fluxos de informação.
Se uma das tarefas for mais ou menos automática – talvez porque já a tenhamos treinado – poderemos concentrar parte de nossa atenção nela e ao mesmo tempo usar o restante dela para controlar outras ações.

JANELAS DE TRÊS SEGUNDOS
Além das teorias que consideram a alocação flexível de recursos, existem outros modelos explicativos. Um é o da “atenção modular”, e outro é o da “teoria do canal único”. De acordo com este último, pedaços individuais de informação precisam se alinhar numa fila, conforme são processados pelo cérebro, para passar por um funil antes de sofrer novos processamentos.
O psicólogo e pesquisador Ernst Põppel, do Instituto para Psicologia Médica da Universidade Ludvig Maximilian, em Munique, Alemanha, também acredita ser impossível, estritamente falando, realizar duas ou três tarefas simultaneamente com o mesmo grau de concentração. Segundo sua hipótese, a consciência simultânea e o processamento de informação acontecem em “janelas de três segundos”.
De acordo com Põppel, o cérebro capta em bloco todos os dados provenientes do ambiente durante três segundos, fatos subsequentes são processados na janela seguinte. Seria então simplesmente impossível realizar várias coisas ao mesmo tempo, processando assuntos diferentes simultaneamente, mas de forma independente.
Para suprir demandas como essa, apesar das limitações, nosso cérebro seria capaz, acredita Põppel, de saltar muito rápido de um contexto para outro – concentrar-se numa conversa por três segundos, depois três segundos para o bebê que chora e três para o computador -, como alguém que muda de canal com o controle remoto. Apenas um fica no primeiro plano de nossa consciência – os outros ficam no fundo até que ganhem acesso ao processador central. Por esse esquema, a arte de realizar tudo ao mesmo tempo não está na capacidade de fazer duas coisas de uma vez, mas em alternar rapidamente e sem percalços entre várias tarefas.
Em outras palavras, precisamos treinar nossa massa cinzenta a pular, e pular rápido. Mas, na verdade, Ernst Põppel não tem muita fé nessa “alteração de canais” mental. Durante esse “pensamento esquizóide”, conexões são perdidas e, em consequência, não se cria uma representação neuronal duradoura da informação processada desse modo.
Essa preocupação parece ser confirmada pelos resultados obtidos pelas equipes de pesquisa no Centro para Imagens do Cérebro Cognitivo da Universidade de Carnegie Mellon, em Pittsburgh. Pesquisadores mensuraram a atividade cerebral em voluntários submetidos a duas tarefas: avaliar um trecho lido em voz alta e depois que girar duas figuras tridimensionais. As imagens de tomografia revelaram uma “semelhança de tarefas” mínima. As regiões do cérebro ativadas quase não se sobrepunham; portanto deveria ser fácil combinar as duas tarefas. Quanto tiveram de lazer as duas coisas ao mesmo tempo, os voluntários conseguiram, mas não com a mesma rapidez nem tão bem.
O mais surpreendente foi a atividade do cérebro, bem limitada, enquanto tentavam realizar as duas tarefas juntas. Em comparação com as tarefas isoladas, o cérebro reduziu sua atividade em vários locais: a atividade combinada representava menos de dois terços da soma das duas tarefas individuais. “O cérebro humano não consegue simplesmente dobrar seu esforço quando há dois problemas para resolver ao mesmo tempo”, concluiu Marcel Just, que comandou o estudo.
Nosso cérebro aparentemente fica sobrecarregado com a obrigação de realizar tarefas simultâneas, mesmo quando parece dar conta delas. Muitos pesquisadores acreditam que esse fenômeno, comum em muitas profissões, leve ao stress e a problemas de concentração. Os psicólogos Edward Hallowell e John Ratey, de Harvard, veem a tendência crescente às multitarefas como causa de um “pseudo -TDA”, diferente do TDA (transtorno de déficit de atenção). Os afetados estão permanentemente em busca de novas informações e não conseguem se concentrar em seu conteúdo.
O fato de o hábito de executar várias tarefas simultâneas ser tão disseminado, apesar de suas desvantagens, mostra que “economizar tempo” se tornou um elemento central da vida de muita gente. Para medir a quantidade de tempo economizada com tarefas paralelas, o psicólogo David E. Meyer, da Universidade de Michigan, pediu a voluntários que escrevessem um relatório e verificassem seus e-mails ao mesmo tempo. O resultado, aqueles que alternaram as duas coisas constantemente levaram cerca de 50% mais tempo para terminar, se comparados aos que primeiro fizeram uma coisa e depois a outra.

SURFE MENTAL, PERDA DE TEMPO
Outro teste envolveu voluntários que tinham de alternar entre solucionar problemas matemáticos e classificar figuras geométricas, quanto mais difíceis os problemas e mais complexas as instruções de classificação, mais tempo perderam na alternância. Cada troca de foco exigia novos pensamentos, portanto envolvia mais recursos neuronais. “Fazer várias coisas ao mesmo tempo só é mais rápido quando se trata de tarefas rotineiras e relaxadas”, acredita Meyer.
Portanto quem quiser adotar o tudo – ao – mesmo – tempo – agora deve se perguntar se isso vai realmente ajudá-la a atingir suas metas mais rápido. É claro que não podemos deixar vários projetos abandonados o dia inteiro em cima da mesa até que o primeiro que começamos esteja concluído. Mesmo assim, deve-se evitar uma alternância rápida entre tarefas diferentes.
É comum termos a sensação de que estamos sendo criativos e produtivos por fazer várias coisas de uma vez – mas não concluímos nenhuma delas. Além de tudo, acabamos nos privando de um sentimento importante de satisfação que surge quando conseguimos mergulhar de cabeça num trabalho e fazê-lo bem feito.
MODELOS DE MULTITAREFA
A psicologia cognitiva desenvolveu, com várias experiências, três explicações para as capacidades humanas limitadas de executar multitarefas.
TEORIAS DO CANAL ÚNICO OU DO FUNIL
Haveria apenas um canal de processamento de dados; processar simultaneamente várias tarefas é basicamente impossível. Os partidários dessas teorias se baseiam num modelo de processamento “em série”: é claro que muitos sistemas sensoriais trabalham em paralelo, mas em determinado ponto os dados chegam a um funil em que as unidades de informação têm de passar uma de cada vez. As teorias diferem no quão cedo esse afunilamento ocorre. Associar tarefas só é possível se pularmos rapidamente de uma para outra. A execução aparente de várias coisas ao mesmo tempo é explicada pela “redundância”. Não precisamos, por exemplo, processar cada palavra para ler e compreender um texto. O cérebro pode então utilizar esses momentos para dedicar sua atenção a outra tarefa.
TEORIAS DE CAPACIDADE CENTRAL
Baseiam-se na limitação dos recursos de atenção. Esses recursos podem ser realocados entre tarefas diferentes com flexibilidade. Quando duas tarefas são realizadas, o desempenho depende de quantos recursos cognitivos requerem. Se a soma exceder os recursos de atenção disponíveis, o desempenho cai. O fator essencial para a execução de multitarefas é, de acordo com essa teoria, sua dificuldade – quanto mais complicada, mais atenção exige.
TEORIAS MODULARES
Fundamentam-se na ideia de que o cérebro trabalha como um computador – um PC com processamento paralelo maciço, um sistema de redes criado a partir de subsistemas especializados. O fator decisivo para a realização de multitarefas nesse modelo é sua semelhança entre si. Quando o desempenho cai, pode-se concluir que as duas tarefas estão usando os mesmos recursos ou subsistemas. Os neuropsicólogos cognitivos, mais que todos, são favoráveis a essas teorias.

CAMPEÃS NAS ATIVIDADES SIMULTÂNEAS
As mulheres são melhores que os homens na arte de fazer várias coisas ao mesmo tempo? Se depender do resultado do teste da escovação de dentes, a resposta é sim. Enquanto eles normalmente ficam parados diante da pia fazendo sua higiene bucal, elas usam o tempo para outras tarefas – limpar prateleiras, verificar se o xampu está acabando, talvez folhear uma revista. De acordo com um estudo com mil mulheres e homens alemães, dois terços dos homens preferiam fazer uma coisa só, enquanto cerca de metade das mulheres achava melhor fazer várias coisas de uma vez. Ainda são necessárias mais pesquisas para determinar se o cérebro feminino realmente lida de modo diferente com as multitarefas.