OS CINCO SEXOS DO CÉREBRO
Um psicólogo inglês propõe a provocativa explicação para as diferenças entre o cérebro do homem e da mulher. O autismo seria um comportamento masculino extremo, e os sexos não seriam dois, mas cinco

É comum considerar que homens e mulheres sejam diferentes. Mas quão diferentes e, principalmente, por que tal distinção? A incompatibilidade entre os dois sexos é algo corriqueiro, mas sua causa sempre foi tema de debate entre filósofos, sociólogos e psicólogos. Os manuais de auto- ajuda chegam a descrever homens e mulheres como habitantes de mundos diversos. A ideia de mundos inconciliáveis hoje faz parte do imaginário coletivo, superando as antigas ironias sobre as limitações do cérebro feminino. Esse pensamento talvez tenha alguma utilidade no convívio diário, mas não serve para compreendermos em que consiste a diferença. Daí a atenção despertada na comunidade científica, e não só nesta, pelos estudos do psicólogo inglês Simon Baron-Cohen, reunidos no livro Diferença essencial.
Professor na Universidade de Cambridge, onde dirige o Centro de Pesquisa do Autismo, Baron-Cohen considera haver contribuído para o esclarecimento do antigo dilema ao estudar a peculiaridade do comportamento autista: “Comecei a me interessar pelas diferenças entre o cérebro masculino e o feminino em 1995, quando me dei conta de que os processos psicológicos que estudava nas crianças autistas eram distribuídos de forma diferente conforme o sexo”. Baron-Cohen interessou-se especialmente pelas formas mais leves de autismo, como a síndrome de Asperger, não associadas a um déficit cognitivo. Os que sofrem desse problema – a maioria, estranhamente, é do sexo masculino – são atentos aos detalhes e em muitos casos têm extraordinária capacidade de abstração e de cálculo, mas sentem dificuldade para interagir com seus semelhantes e para compreender emoções e sentimentos.
Segundo Baron-Cohen, algumas formas de autismo não seriam mais do que um comportamento masculino extremo. Haveria dois modelos “de base” do cérebro. Um deles seria o sistemático, próprio à maioria dos indivíduos do sexo masculino, inclinado a compreender e construir sistemas e a descobrir as regras que desvendam como as coisas “funcionam”. Meninos desse tipo escolhem brinquedos mecânicos ou de armar, interagindo com amigos que são, sobretudo, companheiros de brincadeiras e de aventuras, quando adultos, preferem trabalhos que lhes permitem “construir” alguma coisa e se divertem com atividades manuais ou praticando esportes com os amigos. Mas haverá também entre eles, salienta Baron-Cohen, estupradores e um percentual de assassinos maior do que o encontrado entre as mulheres: estupro e homicídio são dois comportamentos caracterizados por baixo nível de empatia.
O outro modelo seria o do cérebro empático, preferencialmente feminino, inclinado a compreender os sentimentos e as emoções do outro, e atento a como reagir a eles de forma adequada. Meninas assim gostam das complicadas dinâmicas sociais; quando moças, passam o tempo conversando com as amigas, analisando nos mínimos detalhes suas relações, sentimentais ou não, e na idade adulta tendem a se interessar por profissões que permitam contato com o público. O cérebro empático hesita diante de raciocínios matemáticos complexos e tem dificuldade para se orientar com um mapa. Escolhe sinais da paisagem em vez de analisar o espaço como um sistema geométrico.
Mas estes são apenas dados estatísticos. “Há mulheres sistemáticas e homens empáticos” – sustenta Baron-Cohen – “e muitos indivíduos têm um cérebro ‘equilibrado ‘, no qual as duas características estão presentes em grau similar, mas os cérebros empáticos são maioria entre as mulheres e os sistemáticos entre os homens.” O psicólogo inglês sabe que tocou em um tema polêmico. “Passei cinco anos escrevendo este livro, porque se tratava de um argumento demasiado ‘politicamente incorreto’ para ser apresentado nos anos 90”, ele admite. Suas conclusões parecem deliberadamente elaboradas para suscitar consenso entre as leitoras – “já sabíamos” é o comentário feminino mais frequente – e reações indignadas por parte dos leitores. E isto apesar de o psicólogo advertir que seria preciso identificar o análogo feminino do autismo, um comportamento “cego aos sistemas”, mas dotado de alto grau de empatia, que – por motivos ainda a serem esclarecidos – não é catalogado como patológico. Seria simplista reduzir a pesquisa de Baron-Cohen a mais uma versão dos estereótipos de gênero: “Meu trabalho nada tem a ver com manuais como Homens são de Marte, mulheres são de Vênus. Todas as minhas afirmações se baseiam em dados empíricos comprovados”.
Para saber quanto de nosso comportamento é inato e quanto se deve aos modelos transmitidos desde a infância, Baron-Cohen e seus colaboradores realizaram um experimento em que imagens de rostos humanos e bonecos mecânicos foram mostrados a recém-nascidos. Descobriram então que, com apenas um dia de vida, as meninas têm mais interesse nas faces, enquanto os meninos dão mais atenção aos autômatos. Com o passar do tempo, os meninos tendem a ser mais egocêntricos, menos atentos às dinâmicas sociais e mais inclinados à agressão direta, ao passo que as meninas manifestam agressividade relacional, excluindo a pessoa indesejada ou falando mal dela.
O psicólogo reconhece que “é difícil registrar uma informação neutra quando as crianças, logo que nascem, são vestidas de rosa ou azul. Sabemos que os adultos se comportam de modo diverso conforme o sexo do recém-nascido”. Mas as provas parecem sólidas, e Baron-Cohen não teme as críticas dos que, como o neurobiólogo Steven Rose, acusam no de dar excessiva importância aos aspectos biológicos e ignorar os estudos que contradizem sua teoria, “É Rose quem radicaliza quando sustenta que todas as diferenças nascem das influências do meio. Não nego a importância destas, que são fundamentais, mas elas não bastam para explicar diferenças que se manifestam no momento do nascimento, ou até mesmo antes”.
Sabe-se que crianças do sexo masculino nascidas de mães que durante a gravidez foram tratadas com dietilestilbestrol – hormônio feminino sintético usado antigamente para prevenir abortos espontâneos – tendem a apresentar comportamento empático. Mas a confirmação mais interessante é fornecida por um estudo realizado por Baron-Cohen e colaboradores sobre o líquido amniótico, retirado para diagnosticar eventuais problemas de formação e conservado após o nascimento da criança. Medindo-se, durante o terceiro mês de gravidez, o nível de testosterona no líquido e observando-se o comportamento das crianças entre os 2 e 4 anos de vida, notou-se que tanto os meninos quanto as meninas com nível hormonal mais baixo mostravam melhor capacidade verbal e tendiam a manter contato visual mais prolongado. O pesquisador comenta: “Admito que senti um calafrio ao perceber como uma pequena quantidade de hormônio pode influenciar nosso comportamento. Estamos percebendo o quanto os hormônios influem em nosso modo de ser, e isto vale para os dois sexos. É interessante notar como a testosterona fetal, que pesquisei, exerce efeitos análogos sobre meninos e meninas”.
Suas pesquisas propõem uma divisão em sexos mais articulada do que a tradicional. Ele explica, “Podemos considerar nosso sexo em pelo menos cinco níveis diferentes, cada um dos quais pode ser independente dos outros. Há o sexo genético ou cromossômico – XY corresponde ao sexo masculino, XX ao feminino – e o sexo gonádico, somos do sexo masculino se temos testículos que produzem hormônios masculinos, e do sexo feminino se temos ovários que produzem hormônio feminino. Há o sexo genital, masculino se há um pênis normal e feminino se há uma vagina normal, além da identidade de gênero e de orientação sexual. Não é complicada a vida”.
Ironias à parte, Baron-Cohen não pretende traduzir suas pesquisas em juízos de valor. “Não digo que os homens sejam mais inteligentes do que as mulheres, mas que, na média, têm habilidades diferentes”. Isto pode ser afirmado apesar dos testes de inteligência que, com todas as suas perguntas de matemática, parecem feitos para exaltar as qualidades masculinas. “Na realidade, contesta o psicólogo, os testes contêm diversos tipos de pergunta, as verbais são mais adaptadas a um cérebro empático, as outras ao sistemático. Mas isto não quer dizer que um dos sexos seja melhor. “É curioso, porém, que a empatia seja uma qualidade tão apreciada em uma sociedade historicamente dominada por homens “sistemáticos”. Baron-Cohen explica que “carecer de empatia não significa ser cruel ou insensível, mesmo parecendo que a pessoa ignora os sentimentos alheios. A maioria das pessoas com síndrome de Asperger, que conheci tinha elevado senso moral, mas se baseava mais na racionalidade do que na empatia”.
É possível que a seleção dos cérebros empáticos e sistemáticos tenha sido condicionada pelas tarefas historicamente atribuídas aos dois sexos. “Se pressupusermos que a criação dos pequenos é uma tarefa feminina, é razoável pensar que um comportamento empático, envolvendo a capacidade de entender as exigências da criança tenha melhor adaptação, contribuindo para garantir a sobrevivência da prole. O comportamento sistemático teria sido mais útil para construir instrumentos de caça ou para estudar o território na perseguição à presa”. Se isto for verdade – mas Baron-Cohen adverte que “as teorias evolutivas são de difícil verificação” – homens sistemáticos e mulheres empáticas teriam maiores possibilidades de transmitir seus genes do que indivíduos mais “equilibrados”.
Resta o fato de que, atualmente, não parece mais ser possível sustentar que exista um único modelo de cérebro, de aprendizado e de relação com os outros. Invocando as pesquisas que podem estabelecer as bases de uma nova política de diferenciação, Baron-Cohen lança um apelo em favor do respeito e da aceitação das diferenças: “Hoje temos um modelo educativo único. Mas é cada vez mais evidente que as crianças chegam à escola com estilos de aprendizado muito diferentes. Se tratamos todas do mesmo modo, algumas serão prejudicadas”.
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