A TRANSIÇÃO EMOCIONAL
Uma das fases mais decisivas e conturbadas na vida do ser humano, a adolescência provoca grandes transformações, que envolvem mudanças biológicas, cognitivas e socioemocionais

“Primeiro aspecto a se abordar é o que vem a ser a adolescência? Etimologicamente, adolescência é um termo de origem latina, do verbo adolescere, que significa desenvolver-se, crescer; é próximo, no entanto, do termo addolescere, que significa adoecer. A proximidade entre os dois sentidos é sugestiva e anuncia a dimensão de crise a que ficou associado este termo desde a modernidade.
Essa etapa pode ser definida como o período desenvolvimentista de transição entre a infância e a vida adulta, que envolve mudanças biológicas, cognitivas e socioemocionais. O processo biológico envolve mudanças físicas no corpo do indivíduo; o processo cognitivo envolve mudanças no pensamento e na inteligência; e, por último, o socioemocional, que traz alterações no relacionamento com as pessoas, na emoção, na personalidade e nos contextos sociais.
Uma segunda indagação também se faz necessária: onde começa e onde termina o processo adolescente? Bem, esses limites são variáveis de acordo com a cultura, à época, a sociedade, as condições econômicas, a geografia etc. De qualquer modo, é possível falarmos de forma mais elástica em adolescência considerando-a entre as idades de 10/ 11 a 22/24 anos. Na clínica, no entanto, parece que podemos encontrar adolescentes de todas as idades, afinal temos que reconhecer que há uma criança e um jovem dentro de cada um de nós.
Diz-se que a infância é o tempo de ensaiar, já a adolescência é o tempo de estrear. ”A puberdade é a hora dos primeiros: primeiro sutiã, primeira maquiagem, primeiro cigarro, primeiro beijo etc.” As mudanças biológicas que ocorrem nessa fase são visíveis e de todos sabidas, as transformações no corpo, com o aparecimento de pelos pubianos e nas axilas, o crescimento dos órgãos genitais masculino e feminino, o crescimento desordenado do corpo (orelhas, nariz e membros crescem primeiro que o dorso), de modo que a cada dia que o jovem se olha no espelho vê alguém diferente e não se reconhece.
Há o desenvolvimento hormonal e a variação de humor, com uma avalanche de emoções e sensações. Neurologicamente, estudos revelam que o cérebro do adolescente é uma obra em andamento, daí a pertinência da discussão que se dá sobre a responsabilização, especialmente criminal, dos jovens que ainda não completaram 18 anos. Assim, podemos pensar que a questão deixa de ser meramente jurídica ou política e passa à esfera da garantia dos direitos humanos.
E psiquicamente, o que ocorre com os jovens?
É possível entender que com a adolescência há a fragmentação do sujeito, de seu corpo, de seu psiquismo e de suas referências, é um “maravilhoso renascer”, é um “segundo nascimento”. É um processo complexo diante do qual se faz necessária a compreensão da identificação, do luto, da idealização/ desidealização e da individuação.
A identificação é um fenômeno que ocorre já com o bebê e nos persegue a vida toda. A primeira identificação se dá com os genitores ou com aqueles que devem cuidar do bebê.
Na adolescência, a identificação também pode se manifestar de forma muito intensa. A Psicanálise conhece a identificação como “a mais antiga manifestação de uma ligação afetiva a uma outra pessoa”. Esta, todavia, é ambígua, vale dizer, tanto pode expressar afeto como desejo de eliminar o outro (Freud, in Psicologia das Massas e Análise do Eu.
Esse processo pode explicar no jovem não só a identificação com grupos, com gangues, como com ídolos, personagens (cosplayer, por exemplo) etc. Também a idealização precisa ser compreendida. Podemos dizer que ela consiste em todas as “fantasias” que criamos em relação aos nossos pais e em relação aos outros no decorrer da vida.
Todavia, isso vai se desconfigurando com o progressivo desenvolvimento intelectual. Assim, enquanto na infância há a idealização dos pais, na adolescência eles são desidealizados e passam de rainha/rei para pessoas que não sabem de nada, não entendem nada, são desconstruídos; os jovens precisam “matar” os pais para poderem viver.
DESPRENDIMENTO
A importância desse processo é revelada por Freud ao afirmar que a adolescência é uma fase dolo rosa que implica no desprendimento da autoridade dos pais, o que é absolutamente necessário que se faça, posto que “o progresso da sociedade se funda na oposição entre as duas gerações”. Assim, o adolescente terá que fabricar para si um novo referencial.
Isso pode ajudar a compreender os muitos conflitos que afloram entre pais e filhos nessa fase. Some-se a isso o narcisismo dos próprios pais e a “guerra” está declarada.
Há também o luto vivido pelos jovens. Os adolescentes vivem o luto pela perda do corpo infantil, da infância, da bissexualidade e dos pais idealizados. Não é pouca coisa.
Um outro processo também corre em paralelo: é a individuação que se verifica durante toda a vida, que vai assumindo diferentes contornos em cada fase e que encontra seu ápice na adolescência.
Poderíamos dizer que a individuação é uma luta do adolescente por autonomia e diferenciação, ou identidade pessoal. Não é de se estranhar, assim, que muitos jovens façam tatuagens, coloquem piercings, pintem os cabelos de laranja, cor-de-rosa ou azul, usem roupas exóticas na busca de uma marca de singularidade, da sua identidade.
O processo de individuação ou o processo de desenvolvimento da personalidade da pessoa encontra seu ápice nessa fase, quando os pais, a sociedade, os amigos lhe cobram decisões, definições. Isto, aliado a toda alteração hormonal, biológica, psíquica e emocional, representa uma sobrecarga da qual o adolescente pode não dar conta. Por isso é importante a participação dos pais nessa empreitada.
Uma questão recorrente trazida pelos pais diz respeito ao afastamento ou isolamento dos adolescentes. Eles se distanciam da família e se aproximam dos amigos e de conteúdos que reafirmem quem querem ser. Esse comportamento, embora angustiante para os pais, pode ser saudável, uma vez que estão vivenciando mudanças físicas, biológicas e, também, psíquicas, como vimos. O “retiro” dos jovens é consequência do processo de individuação ao qual nos referimos linhas acima.
Na realidade, ocorre que eles sentem a verdadeira tensão entre a dependência dos pais e a necessidade de se libertarem. Já os pais querem que os filhos sejam independentes, contudo, acham difícil “deixá-los partir”. Devemos nos lembrar, no entanto, que essa despedida é imprescindível a cada ser humano, faz parte do seu desenvolvimento.
O certo é que existe uma linha tênue entre dar suficiente independência aos adolescentes e protegê-los de falhas de julgamentos naturais da imaturidade. As tensões podem levar a conflitos familiares, certamente, e os estilos de parentalidade dos genitores podem influenciar sua forma e desfecho. De outro lado, o monitoramento eficaz depende do quanto eles deixam seus familiares saberem sobre sua vida e essas revelações podem depender da atmosfera que os pais estabeleceram.
ESPAÇO
Como lidar com isso? Nesse momento, é preciso abrir espaço para o filho e ter consciência de que eles se afastaram pela necessidade de elaboração das inúmeras mudanças pelas quais estão passando, porque faz parte do seu desenvolvimento e crescimento e de que sobre isso não há controle.
Não podemos parar o tempo. É preciso que os pais deem orientação, acolhimento, mas é imprescindível que acreditem na semeadura que fizeram até então, e deixem os filhos “partirem”.
É importante respeitar o espaço do adolescente, o isolamento, seu silêncio. Contudo, também é importante que os pais saibam que é possível estabelecer uma relação de parceria – o que não é o mesmo que ser amigo -, com diálogo e muita negociação. Na verdade, pode ser uma fase de grande aprendizado para toda a família.
Enfim, vê-se que os adolescentes têm que elaborar as perdas da infância e dar conta da carga de responsabilidades que começa a aparecer. Eles buscam respostas, eles sentem angústia. Precisam ganhar independência e autonomia.
A passagem pela adolescência, poderíamos dizer, é um “tornar-se sujeito de modo inteiro”.

ISOLAMENTO DO ADOLESCENTE NÃO É SAUDAVEL
É bastante comum o isolamento ou afastamento do adolescente. No entanto, quando ele pode ser considerado preocupante? Quando o “quero ficar sozinho” não é saudável? Se o isolamento se tornar profundo, com falta de interação com familiares e amigos de sua idade, deixando-o demasiadamente solitário, e por um período substancial de tempo; o isolamento pode ser um problema quando atrasa o desenvolvimento do jovem e, com isso, o impede de adquirir uma série de competências afetivas, sociais e instrumentais, a exemplo do adolescente que se isola de tal maneira que acaba por não aprender sobre questões afetivas. sociáveis, não vivencia a amizade, a paixão adolescente, a descoberta da sexualidade etc.; o isolamento pode ser preocupante, ainda, quando perturba o curso habitual do desenvolvimento e causa um sofrimento evidente para ele e para a família; é a situação do adolescente que se afasta, se isola e se sente infeliz. É preciso reconhecer que muitas vezes é difícil distinguir o saudável do doente, mas é por isso que se faz necessário compreender e estar atento ao comportamento do jovem e às suas demandas.
Você precisa fazer login para comentar.