PRESO NUMA VIDA PRETÉRITA
A dor pela ruptura de uma relação gera dificuldade em superar os obstáculos e seguir em frente, fazendo com que a pessoa se torne refém de si própria

Nota-se que muitas pessoas quando se separam têm grande dificuldade em superar os obstáculos e seguir em frente com suas vidas. Ficam amarguradas e em busca de algo que justifique a dissolução da união, tornando-se reféns de si próprias e/ou importunando a vida do(a) outro(a), principalmente através dos filhos. Presos numa vida pretérita, com dificuldades no presente e sem expectativa de esperança no futuro. É natural que no início se tenha muita dor pela ruptura, até mesmo quando a separação já era apontada como a melhor alternativa para o casal. Separar, de fato, não é simples.
Nesse sentido, digo da dor e da necessidade de elaboração, o divórcio pode ser considerado uma grande crise da vida adulta porque desorganiza tudo, deixando a pessoa com velhos e novos problemas, o que requer um imenso trabalho interno. Esse trabalho pode começar pela quebra da idealização da família perfeita, já que família perfeita está longe de existir. Além disso, vem a angústia por se sentir fracassado na construção de uma casa representada por esse ideal de relação e de família.
Tudo isso não será resolvido com uma sentença judicial, apenas uma parte disso. É bem verdade que em não havendo melhor alternativa, recorre-se ao Judiciário. Todavia, no tribunal serão avaliadas as situações objetivas. O que quer dizer que, apesar da necessidade do processo judicial, o tribunal não será o melhor local para cuidar dos conflitos emocionais.
O processo judicial é muitas vezes utilizado inconscientemente com esse fim, e, nesse sentido, se observa que há brigas infinitas em que se espera uma restituição de todo investimento emocional depositado naquela relação; uma solução para a qual ninguém, tampouco o Judiciário, tem competência. Nesse caso, trata-se de atravessar o luto (a dor) e de ressignificar a própria história, e isso poderá ser feito pela própria pessoa com acompanhamento psicológico. Falar sobre as dores em local apropriado pode ajudar a desbloquear a vida emocional e fazer nascer a esperança de uma realidade diferente.
Algumas pessoas saem tão machucadas da relação que acreditam que não irão mais se relacionar amorosamente e se fecham na crença de que toda sua disposição emocional deverá ser depositada na criação dos filhos. Entretanto, não percebem, ou não acreditam, que os filhos também necessitam, para o seu desenvolvimento e amadurecimento emocional, que seus pais, adultos, sigam em frente com sua vida pessoal equilibrada, além dos cuidados com a prole. Muitas vezes, na impossibilidade de lidar com o vazio interno, por exemplo, permitem que o filho(a) concretamente ocupe o espaço livre em sua própria cama, muitas vezes justificando a dor emocional do filho, mas não observando a própria. Desse modo, oferecem à criança um lugar que não pertence a ela, criando, assim, um novo problema.
Faz bem para os filhos terem o próprio espaço em sua casa, e saberem que cada um tem o seu lugar; além disso, ébastante positivo que observem que seus pais não estão paralisados apenas nos cuidados com eles, que, sim, cuidam deles e os preservam, mas que também têm outras necessidades, como: o trabalho, os amigos e um novo relacionamento. Tudo isso em equilíbrio significa que a vida está seguindo e isso é muito positivo.
Quando os pais sofrem demasiado com sentimentos de dor, culpa ou traição, torna-se quase impossível acreditar que possa existir alguma via de esperança em um novo cenário. Aí está o engano, passada a maior turbulência, se está diante de uma redefinição da vida familiar que sugere aprender a conhecer e delimitar seu próprio território, estabelecer seus padrões, buscar acordos, tentar cultivar a comunicação a respeito dos filhos e evitar importunarem-se mu tua1nente sem necessidade. Aos poucos, começarão a adquirir capacidades que lhes per1nitirão dizer um adeus lento, mas definitivo à sua antiga relação conjugal, e desse modo deixar livre o espaço para estabelecer outra.
Com muita frequência, se nota, em perícia psicológica, que as dificuldades mais comuns estão relacionadas à falta de compreensão e elaboração da própria dor; e à falta de percepção de que é preciso modificar a forma como se lida e/ou fala com aquela pessoa que um dia fez parte de sua intimidade, isso serve tanto para as brigas quanto para a forma amorosa que pode ter existido. As duas formas são nocivas: buscar brigar todo o tempo, insultar, humilhar ou agredir verbalmente pode significar ressentimento, entre outras coisas. A forma amorosa com intimidade confunde e aprisiona emocionalmente o(a) ex-cônjuge. Ambas demonstram que ainda não se está confortável ou não entendeu que houve ruptura da relação, isto é, ainda não se separou emocionalmente. É preciso respeito pela história pretérita para se criar um novo modo de se relacionar.
Quando bem elaborada a separação, seu reflexo será visto externamente em sua própria vida, em suas relações, na forma como lida com os filhos e com o(a) ex-cônjuge.
RENATA BENTO – é psicóloga, especialista em criança, adulto, adolescente e família. Psicanalista, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro. Perita em Vara de Família e assistente técnica em processos judiciais. Filiada à IPA – lnternational Psychoanalytical Association, à Fepal – Federación Psicoanalítica de América Latina e à Febrapsi – Federação Brasileira de Psicanálise. renatabentopsi@gmail.com
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