O HOMO DEMENS NA REDE
Usando a inteligência artificial (IA) para colocar o rosto de uma pessoa no corpo de outra, os vídeos deepfake já são uma ameaça a demandar intervenções governamentais

Os vídeos são absolutamente convincentes, num amplo espectro. Estrelas de cinema já tiveram seus rostos adicionados a outros corpos em filmes pornô, políticos foram e ainda são utilizados em filmagens e discursos falsos.
A realidade aumentada, por sua vez, é uma tecnologia que cria um ambiente de imersão, mesclando elementos computacionais e a realidade, onde se realizam atividades. Não é o mesmo que realidade virtual. O jogo Pókemon Go é um exemplo. Após o lançamento, o jogo alcançou rapidamente mais de 100 milhões de downloads!
“O homem é um animal racional”, aprendemos cedo na escola. É o único dotado de logos, segundo Aristóteles. A mítica da nossa racionalidade já foi duramente atingida pelo pensamento freudiano e sua postulação da sexualidade e das determinações inconscientes, e a era da computação lança mais luz sobre a força de captura do desejo que tem a virtualidade em suas muitas formas. Pois o que importa aqui não é o valor da tecnologia, mas seu poder. O de ser usada para afetar e manipular sentimentos e comportamentos.
Analistas têm destacado como a mídia digital vem matando a democracia com seus bots, animadores digitais etc. O debate entre o valor da de1nocracia direta (via mobilização das redes sociais pelos populistas) e democracia representativa seria exaustivo. O que cabe aqui examinar mais uma vez é como o Homo sapiens é igualmente o Homo demens.
Imagens, notícias, afirmações jogadas na rede tornam-se rapidamente “verdades”, independentemente de sua veracidade, por razões de aceitação sem senso crítico por parte do “consumidor usuário” das mesmas. É como um efeito manada. Assim é porque o usuário é capturado a funcionar como consumidor, a partir do seu desejo.
O místico e filósofo Gurdjief apontava que estaríamos todos numa espécie de estado de “adormecimento ” parcial, do qual seria necessário acordar. Nos anos 60 e 70, a psicologia da Gestalt sublinhava o trabalho na condição de Awereness, um aqui e agora pleno. W. Reich examinou a relação entre a neurose e a capacidade de contato. Ou seja, a nossa relação com a realidade e como esta é afetada pelas circunstâncias históricas – a nossa, pessoal, e as da sociedade – são antigas questões. Se o que vem acontecendo na política e na vida pessoal é parâmetro para se avaliar o nosso futuro, então o que temos pela frente é sombrio. A alienação, no sentido mais amplo, é o principal obstáculo à nossa sobrevivência. Sobrevivência como indivíduos.
NICOLAU JOSÉ MALUF JR. – é psicólogo, analista reichiano, doutor em História das Ciências, Técnicas e Epistemologia (HCTE/ UFRJ). Contato: nicolaumalufjr@gmail.com
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