O TOM DAS RELAÇÕES
A tolerância construtiva encontra algumas barreiras quando esbarramos em divergências de valores morais, em especial aqueles que afetam a ética da convivência

A tolerância construtiva é um movimento positivo em direção ao outro, apesar de pensamentos, opiniões e convicções diferentes das nossas. Essa habilidade parece ser urgente em tempos em que as divergências odiosas parecem estabelecer o tom das relações.
Talvez seja importante relembrar que valores morais são os conceitos, juízos e pensamentos que são considerados “certos” ou “errados” por determinada pessoa ou sociedade. Esses valores sofrem influência de diversos fatores, como cultura, tradição, cotidiano, religião e educação de determinada sociedade. Prezar os valores morais de um povo é uma das formas de garantir a convivência pacífica entre as pessoas, pois tais valores determinam como devem ser os comportamentos, funcionando como uma espécie de orientação sobre a forma de agir. Enfim, a existência de valores morais é importante para garantir a existência da ordem social.
Existe, em cada um de nós, uma escala de valores que nos coloca diante de uma gradação de atitudes perante a vida e perante os outros. Essa escala de atitudes nos põe diariamente frente a um conjunto de escolhas conscientes ou morais e nos conduz a uma escolha que é muito pessoal e precisa se tornar consciente a cada momento. Num nível básico dessa escala de valores, escolho se e como vou conviver com pessoas por exemplo, de times de futebol ou gostos culturais diferentes do meu. É um nível de divergência relativamente fácil de ser administrado no dia a dia das relações.
Num nível intermediário, escolho se vou e como vou conviver com pessoas que, por exemplo, professam outras religiões ou possuem diferentes convicções políticas. É um nível de divergência que exige de nós maior habilidade de tolerância construtiva. Nesse nível, precisamos tomar cuidado com a manutenção do diálogo produtivo, que facilmente descamba para a guerra de imposição de opiniões.
O nível maia alto e mais difícil envolve os valores morais que movem uma pessoa. Nesse nível, precisamos fazer mois uma distinção: o outro que discorda de mim apresenta apenas valores divergentes ou representa uma agressão à ética da convivência? Ética é um conjunto de valores morais e princípios que norteiam o comportamento das pessoas na sociedade. A ética visa o equilíbrio e o bom funcionamento social, possibilitando que ninguém seja prejudicado. Machismo, homofobia e racismo, por exemplo, são valores que ferem a ética das relações e, dessa forma, precisamos nos tornar defensores do convívio saudável e respeitoso. Nesse caso, não se trata de simples aceitação e respeito às diferenças, mas da manutenção da ética da convivência.
Essa manutenção exige de nós clareza e assertividade no que chamamos de nível de comunicação de discordância. Em se tratando de uma discordância em nível básico, a comunicação clara e respeitosa costuma ser suficiente para comunicar ao outro sua discordância. “Eu torço por tal time” ou “Não gosto de carnaval”, são comunicações
que ensejam o respeito às diferenças de opinião. Num contexto intermediário de divergência, a afirmação categórica da opinião e a ênfase usada cumprem esse papel e comunicam o quanto se está aberto ou não ao diálogo. “Sou umbandista”, ou “Minha ideologia é de esquerda” carregam em si partes importantes do outro que precisam de permissão para serem questionadas. Nesses casos, a simples afirmação das diferenças e o respeito a elas são enunciadores do quanto estamos dispostos a ser tolerantes.
A grande questão encontra-se nos níveis mais altos de divergência que ameaçam a ética da convivência. ”Não acho que negros devem ser líderes!” ou “As mulheres devem ser submissas aos seus maridos!”, são posicionamentos que carregam em si preconceito e desrespeito que ferem frontalmente a ética social e, como defensores desse status, precisamos comunicar nossa divergência de forma que fique claro o quanto tal postura nos atinge. Nesse momento, o nível de intimidade e importância que o outro tem em nossa vida estabelecerá o quanto estamos dispostos a tolerar tal divergência. Essa ênfase costuma ser proporcional ao nível de intimidade e importância do outro para nós, assim como a decisão de manter ou não a relação. Tendemos a ser mais breves e categóricos e menos empenhados em manter a relação com pessoas mais distantes e mais argumentativos e empenhados na manutenção da relação com pessoas mais importantes em nossa vida.
Nesse ponto, estabeleçamos alguns questionamentos que podem nortear nossas relações: Como conviver intimamente com alguém que fere minha ética de convivência? A continuidade da relação depende da mudança de opinião do outro/ Até que ponto é suficiente convencer o outro a pelo menos respeitar a ética da convivência (mesmo que não mude sua opinião)/ Enfim, o quanto balizo minhas relação pela identificação de valores e o quanto consigo conviver com as divergências de valores, uma vez respeitada a ética da convivência?
JÚLIO FURTADO – é professor palestrante e coach. É graduado em Psicopedagogia, especialista em Gestalt-terapia e dinâmica de grupo. É mestre e doutor em Educação. É facilitador de grupos de desenvolvimento humano e autor de diversos livros. www.juliofurtado.com.br
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