PREPARO PARA A MORTE
A extrema dificuldade em lidar com a morte por medo do desconhecido varia de acordo com as culturas e o momento histórico

O tema morte suscita, além do medo, um tipo de curiosidade que nunca será satisfeita, pois nos remete a emoções e vivências de estranheza: estamos diante do desconhecido. Segundo a Psicanálise, isso ocorre porque as experiências vivenciadas pelo ser humano, desde a vida intrauterina, deixam traços, marcas profundas que serão reativadas no decorrer do tempo, quando nos depararmos com situações semelhantes àquelas já vividas. Nesses momentos seremos remetidos às mesmas emoções das experiências primordiais, das quais geralmente não conseguimos resgatar lembranças. Para Freud, essa era a razão da vivência de estranheza diante da morte. Uma das maiores dores emocionais do ser humano é a perda de alguém amado, e o processo de metabolização emocional dessa perda é doloroso e longo, durando em torno de dois anos nas estimativas mais otimistas. O pranto pelo ser amado perdido contém inconscientemente as angústias pela perda da própria vida.
A atitude e convivência do ser humano para com a morte varia de acordo com as culturas e o momento histórico. Há cerca de 50 anos, a maioria das pessoas morria em casa, pelos mais variados motivos, como velhice ou doenças. Nesse contexto havia a oportunidade para quem se despedia da vida de poder conviver com seus familiares até os últimos instantes, o que permitia que o afeto pudesse fluir entre todos, as despedidas podiam acontecer, amor e ódio serem elaborados e reparações realizadas. Assim, podíamos dizer que havia um ambiente acolhedor ao processo da morte, às dores das perdas dos que ficavam, mas, principalmente, daquele que vivenciava o processo da despedida. Era uma morte afetiva, acolhida. O morrer era vivenciado por todos como um processo triste, porém natural, como mais um ciclo da vida que se encerrava. Entretanto, esse contexto deixou de existir na atualidade ou pode ser encontrado somente entre algumas civilizações.
Ao traçar uma comparação com a maneira como se lida com a morte no momento atual, observamos que na grande maioria dos casos a morte ocorre em hospitais. Graças ao desenvolvimento cada vez mais acelerado da medicina surgiram condutas muito eficazes para o tratamento de doenças graves, traumas, e muitas situações que eram letais possuem resolução e devolvem o ser humano à vida.
Porém, nosso interesse aqui é refletir sobre o prolongamento da vida, principalmente nas unidades de terapia intensiva, de pessoas muito idosas ou com patologias graves irreversíveis que são mantidas vivas artificialmente, por meio de aparelhos que não deixam que o corpo pare de funcionar, mesmo que a vida esteja suspensa nas demais áreas.
Uma das consequências de a morte ter sido descontextualizada do aconchego do lar e do envolvimento afetivo familiar é ter se tornado “asséptica”. Os familiares são mantidos afastados e privados de terem a oportunidade de realizar uma despedida digna do ser amado que se vai. Afastar quem se vai do aconchego do lar e do contato afetivo com familiares é condenar a pessoa a morrer antes da chegada da morte de fato. Com as práticas recentes para se lidar com a iminência da morte houve praticamente a corroboração dos preconceitos que sempre existiram no imaginário do ser humano a respeito da morte, ao deixar de ser vivenciada como um processo natural, um fato da vida, para se tornar muitas vezes um segredo, ser envolta em desconhecimento, se tornando mais ameaçadora e persecutória. A luta contra a morte traz inserido um preconceito de que a morte é errada, que não deveria acontecer, quando na realidade trata-se de um dos ciclos da vida.
Com muita frequência há adoecimentos súbitos e graves de pessoas ativas, mas que não tiveram oportunidade de conversar com a família sobre atitudes que deveriam ser tomadas, decisões relacionadas a negócios ou mesmo até que ponto gostaria de ser mantido vivo.
No entanto, faz algum tempo começaram a existir intervenções médicas que criam a possibilidade de uma humanização do processo da morte. Por isso é importante compreendermos no que consistem os cuidados paliativos.
DIÁLOGO
Em minha experiência cuidando de pacientes, ajudando-os a tomarem a melhor decisão em cada caso, tenho percebido que, quando inicio o diálogo com o paciente e familiares, eles ficam muito agradecidos pela oportunidade de terem seus questionamentos resolvidos. É gratificante perceber a calma, tranquilidade e harmonia, especialmente nas despedidas, no caso de pacientes que optam por cuidados de conforto e morte natural. Quando a decisão vem do paciente ao invés de um familiar, em realidade ele está ajudando seus sobreviventes a terem um luto saudável. É mais fácil honrar uma decisão do que tomar a decisão por alguém.
Para que decisões sejam tomadas com antecedência, é importante saber mais sobre o assunto e conhecer as opções existentes em termos de cuidados, no final da vida. Há muito que aprender sobre o ciclo da vida. Quanto mais nos interessamos, melhor podemos ajudar nossos semelhantes.

CONFORTO AOS DOENTES TERMINAIS
Hospice são os cuidados de apoio às pessoas na fase final de uma doença terminal e concentra-se no conforto e qualidade de vida, ao invés de curar. Então, o objetivo principal é controlar a dor para que os pacientes possam viver cada dia da melhor maneira possível. Esse cuidado pode ser oferecido em casa, em clínicas ou até mesmo em hospitais. A filosofia do hospice é oferecer apoio para as necessidades emocionais, sociais e espirituais do paciente, bem como o controle dos sintomas físicos. Tratamos o doente e não a doença. Geralmente, esse tipo de cuidado é oferecido para as pessoas que têm uma expectativa de vida de seis meses ou menos. O hospice geralmente usa uma abordagem de equipe multidisciplinar, incluindo os serviços de um enfermeiro, médico, psicólogo e apoio espiritual prestado de acordo com a preferência de cada um. Esse apoio é extensivo à família.

NECESSIDADE HUMANITÁRIA
Durante minha vida profissional tenho visto muito sofrimento, especialmente em algumas especialidades. Como enfermeira em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) por 25 anos, presenciei mortes horríveis, que poderiam ter sido evitadas. Pacientes recebem tratamentos agressivos quando viver naturalmente já não era mais uma opção. Muitas vezes o próprio paciente já não tinha mais condições de tomar decisão alguma, e essa responsabilidade era delegada aos seus entes queridos. Na grande maioria dos casos eles não estavam preparados para aceitar cuidados paliativos ou cuidados de conforto (hospice). Por quê? Falta de conhecimento. Falta de oportunidade de conversar sobre o assunto.
Os cuidados paliativos são essencialmente um plano de cuidado que visa controlar os sintomas, oferecer apoio físico, psicossocial e espiritual ao paciente, melhorando assim a
qualidade de vida durante o período em que ele se encontra com problemas de saúde e recebe tratamento através da medicina tradicional – a que busca curar a doença.
Os cuidados paliativos podem ser associados a tratamentos curativos. Existem vários equívocos comuns sobre esse cuidado. Muitos confundem “cuidados paliativos” e “cuidados de conforto ou hospice”.
Nos cuidados paliativos, os pacientes simplesmente têm mais controle sobre os tratamentos curativos recebidos. Os pacientes devem ser capazes de escolher a proporção de cuidados curativos e de alívio de sintomas que recebem.
A equipe de cuidados paliativos é multidisciplinar, incluindo os serviços de um enfermeiro, médico, psicólogo e apoio espiritual prestado de acordo com a preferência de cada um.
Como os profissionais de saúde, principalmente enfermeiros e médicos, não receberam educação nessa área enquanto estavam na faculdade, os médicos não se sentem à vontade para recomendar cuidados paliativos para seus pacientes. Da mesma forma, o público em geral precisa ser educado sobre a existência desses cuidados e saber que, dessa forma, terá qualidade de vida e dignidade até o fim. Isso é um direito humano que está em nossa Constituição Federal.
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