QUANDO SURGE O PÂNICO
O cenário atual de uma vida com grande exposição ao estresse impede que as pessoas consigam relaxar adequadamente da tensão cotidiana, o que aumenta o número de pacientes com problemas de ansiedade

Atualmente, existe uma exposição enorme dos indivíduos ao estresse, havendo raras oportunidades de relaxar toda a tensão e desgastes do dia a dia. Nesse panorama, também se dá um aumento no número de pessoas com queixas de ansiedade, a qual pode ser passageira ou pode significar que existe uma doença que precisa de um tratamento específico, sem o qual será mais difícil que seja obtida uma melhora.
Os transtornos de ansiedade abarcam várias síndromes caracterizadas pela presença de sintomas ansiosos, entre as quais: transtorno do pânico, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de ansiedade social, transtorno do estresse pós-traumático, fobias específicas e, apesar de mudanças na classificação do DSM-5 (American Psychiatric Association – APA, 2014), o transtorno obsessivo-compulsivo (Organização Mundial da Saúde – OMS, 1993).
O número total estimado de pessoas vivendo com transtornos de ansiedade no mundo é de 264 milhões, sendo 21 % delas provenientes dos países das Américas. Esse total teve um aumento entre 2005 e 2015 de 14,9% como resultado do crescimento e envelhecimento populacional (OPAS, 2018).
O transtorno do pânico é uma doença que faz parte dos transtornos de ansiedade e que está sendo, nos últimos tempos, cada vez mais divulgada nos meios de comunicação e que se caracteriza por crises inesperadas de medo e desespero. O indivíduo pensa que vai morrer de um ataque cardíaco, porque o coração dispara, ele sente falta de ar, sudorese etc. Devido a isso, fica em estado de alerta e com medo de ter novas crises, comprometendo a sua qualidade de vida.
A prevalência do transtorno do pânico é de 1,5% a 3% da população geral e, embora possa ocorrer em qualquer faixa etária, é mais frequente entre adultos jovens. As mulheres, é preciso salientar, têm de duas a três vezes mais propensão a ter este transtorno se comparadas aos homens.
Pânico vem do grego panikós, cujo significado é susto ou pavor, aludindo ao deus Pã, metade humano, metade carneiro, com chifres e patas que, com sua aparição, provocava medo intenso nos pastores e camponeses.
Muitos têm conhecidos que ouviram falar de alguém que, sem motivo aparente, ficou extrema mente ansioso, seu coração disparou, começou a suar, ter tremores, sentir como se não reconhecesse a si próprio ou a realidade vivida naquele momento e, o mais marcante, acreditou que o que sentia era um ataque cardíaco que o levaria à morte. Essa pessoa talvez tenha ido a diversos médicos e feito inúmeros exames que não detectaram absolutamente nada. Pois é, esse sujeito provavelmente teve o que denominamos ataque de pânico. Em outras palavras, podemos entender que esse ataque é a manifestação mais intensa da ansiedade. Porém, ter um único ataque de pânico não significa que o sujeito venha a ter um transtorno do pânico, pois em função do primeiro ataque ocorre uma preocupação em ter novos episódios semelhantes, ocasionando uma possível evitação das situações supostamente perigosas, levando a um prejuízo em sua qualidade de vida. Como as crises podem ocorrer em qualquer lugar (por exemplo, em casa ou dormindo), essa evitação é muito mais difícil de ser realizada.
SINTOMAS
Segundo os critérios diagnósticos para ataque de pânico para a Associação Psiquiátrica Americana, na quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-5), um ataque de pânico é um surto de medo intenso ou desconforto intenso que alcança um pico em minutos e durante o qual ocorrem quatro (ou mais) dos seguintes sintomas:
(1) palpitações, coração acelerado, taquicardia;
(2) sudorese;
(3) tremores ou abalos;
(4) sensações de falta de ar ou sufocamento;
(5) sensações de asfixia;
(6) dor ou desconforto torácico;
(7) náusea ou desconforto abdominal;
(8) sensação de tontura, instabilidade, vertigem ou desmaio;
(9) calafrios ou ondas de calor;
(10) parestesias (anestesia ou sensações de formigamento);
(11) desrealização (sensações de irrealidade) ou despersonalização (estar distanciado de si mesmo);
(12) medo de perder o controle ou enlouquecer;
(13) medo de morrer.
É fundamental descobrirmos qual o tipo dos ataques de pânico de uma pessoa para avaliar o que ela tem. Quem só tem ataques de pânico quando vê uma cobra tem provavelmente uma fobia específica de cobra; quem apresenta o ataque apenas em situações sociais deve ter o diagnóstico de fobia social; aqueles que têm ataque de pânico quando são confrontados com lembranças de uma situação traumática que tenham sofrido podem ter transtorno de estresse pós-traumático; e quem tem as crises após ter ficado muito preocupado com alguma situação (financeira, saúde, segurança etc.) deve ter um transtorno de ansiedade generalizada. Por outro lado, para apresentar o transtorno do pânico, os ataques devem ser abruptos, inesperados e o indivíduo deve ter medo de ter novos ataques.
O transtorno do pânico pode vir acompanhado de um outro transtorno denominado agorafobia, termo que foi elaborado em função de um templo, construído em Atenas, na Grécia Antiga, o qual era dedicado ao deus Pã. Esse templo estava localizado ao lado de Ágora, que era a praça onde se reunia a assembleia popular, de onde surgiu o nome “agorafobia”. Em Psiquiatria, o termo pode ser mais bem definido como “medo de locais amplos”.
COMORBIDADES
Comorbidade é quando duas ou mais patologias estão presentes em uma mesma pessoa, o que é muito comum em indivíduos com transtorno do pânico. No que diz respeito à comorbidade com depressão, ela ocorre em 10% – 65% e, no caso do uso de álcool e/ou outras drogas, em uma taxa entre 20% e 40 %. Um subgrupo desses últimos sujeitos pode ter desenvolvido problemas com o uso dessas substâncias como consequência da “automedicação” que faziam para a ansiedade, mas outros podem ter desencadeado um primeiro ataque de pânico durante um quadro de intoxicação, pois algumas drogas (como a maconha e a cocaína) favorecem o aparecimento de sintomas de ansiedade.
Todos sentimos ansiedade em determinadas situações, como ter de enfrentar um desafio, fazer uma prova, realizar uma entrevista de emprego. Nesses momentos, nosso coração acelera e percebemos que devemos nos esforçar ao máximo para que tenhamos sucesso. Assim, podemos entender que a ansiedade é o combustível que faz com que nos movamos. Nesses exemplos, na maioria das vezes, a ansiedade não é tão intensa, porém, mesmo quando ela é muito forte e parece vir somente para atrapalhar, seu objetivo é ajudar o indivíduo a lidar melhor com aquela situação potencialmente “perigosa” na qual ele está envolvido.
Imagine que você está andando em uma rua escura, vazia e perigosa e vem, em sua direção, um rapaz com as mãos nos bolsos e um capuz. Imediatamente, você se sente ansioso(a), seu coração dispara, você respira de forma ofegante, ou seja, sente algo um pouco mais intenso. O objetivo do seu organismo, ao se comportar assim, é prepará-lo para lutar, fugir ou congelar, assim aumentando sua chance de sobrevivência. Os termos luta, fuga e congelamento são as traduções dos termos em inglês fight, fly e freeze.
Para sobrevivermos ao perigo não precisamos usar recursos mentais superiores, tais como o raciocínio lógico ou uma memória elaborada. O que precisamos é de uma reação primitiva e instintiva: atacar a fonte de ameaça (luta),”dar no pé” (fuga) ou ficar parado “como uma pedra” para não ser notado (congelamento).
O perigo é percebido e o cérebro manda uma mensagem ao nosso sistema nervoso autônomo, o qual é dividido em duas subseções: sistema nervoso simpático (parte que prepara o corpo para ação, o que inclui lutar, fugir ou congelar) e sistema nervoso parassimpático (parte que restaura o corpo ao seu estado normal). Em outras palavras, o sistema nervoso autônomo tem duas partes: uma que liga os sintomas de ansiedade (sistema nervoso simpático) e outra que desliga a ansiedade (sistema nervoso parassimpático). Vamos entender agora esses dois processos de “ligar” e “desligar” a ansiedade (e o pânico).
1) LIGAR: Na situação de perigo é ativado o sistema nervoso simpático, que vai liberar duas substâncias químicas no organismo, a adrenalina e a noradrenalina, as quais são produzidas pelas glândulas suprarrenais.
Imagine que essas duas substâncias são como dois comandantes que dão ordens ao corpo para que este fique ativo e que, ao começarem a agir, frequentemente continuam “dando ordens” e agindo por um certo tempo. É preciso explicar ainda que o sistema nervoso simpático é um sistema “exagerado”, que funciona na base do tudo ou nada, ou todas as partes do corpo reagem, ou nenhuma, e em função disso os sintomas da ansiedade vêm em bloco, sendo muito difícil alguém ter apenas um dos sintomas (como, por exemplo, o disparo do coração).
2) DESLIGAR: A atividade do sistema nervoso simpático é interrompida de duas formas:
a) a adrenalina e a noradrenalina são destruídas por alguma outra substância do corpo ou
b) o sistema nervoso parassimpático (que tem efeito contrário ao simpático) é ativado e relaxa novamente o organismo. Esse botão de “desliga” do parassimpático é ativado pelo próprio organismo quando este cansar de “lutar ou fugir”.
CUIDADOS
No caso do transtorno do pânico, a situação “perigosa” são as próprias sensações corporais, pois não sendo encontrado nada externo que seja ameaçador, o sujeito pode desconfiar que sua ansiedade significa que há algo de errado consigo mesmo, com sua saúde física e mental, e, frente a isso, seu sistema nervoso simpático vai prepará-lo para lutar, fugir ou congelar. Mas, no caso do pânico, nem sempre é claro o que desencadeou a primeira reação de ansiedade. Assim como ela pode ter ocorrido após usar uma droga, como a maconha, pode não haver um motivo aparente para que o sujeito tivesse medo. Existem várias causas para esse primeiro ataque sem uma causa óbvia, como: estresse, hiperventilação sutil (sem se dar conta, ele respira de uma forma mais rápida, havendo um desequilíbrio entre a entrada de oxigênio e a saída de gás carbônico), e mudanças naturais no corpo, nas quais ele presta atenção, reparando mais em sensações corporais.
O tratamento para o transtorno do pânico consiste em duas abordagens combinadas: uma é a utilização de psicofármacos para diminuir os ataques e a outra é a psicoterapia, sendo a mais indicada a terapia cognitivo-comportamental (TCC).
Apesar de termos explicado neste artigo, simplificadamente, o que é o tratamento para pacientes com transtorno do pânico, o melhor é consultar um terapeuta que possa avaliar cada caso, pois podem existir comorbidades psiquiátricas, ou algum outro problema de ordem física, que podem interferir no diagnóstico e, consequentemente, na prescrição de um plano terapêutico. Não foi o objetivo do artigo, mas existem condições fisiológicas e psiquiátricas que podem ser confundidas com o transtorno do pânico e somente um profissional capacitado terá condições de indicar o melhor tratamento.

FASES DO TRATAMENTO
Em termos farmacológicos, as medicações mais indicadas para o transtorno do pânico são os antidepressivos que atuam no equilíbrio dos neurotransmissores serotonina e noradrenalina, como os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS). os tricíclicos. os inibidores da monoaminoxidase (lmao) e os duais.
PSICOEDUCAÇAO: O terapeuta deve ensinar para o paciente o que é o transtorno do pânico. Indicamos o livro de Araújo (2019) para essa etapa, mas podem ser utilizados outros livros ou sites da internet que ofereçam informações corretas e embasadas cientificamente. Sugere-se um breve vídeo do YouTube. que sintetiza importantes informações psicoeducativas: https://www.youtube.com/watch?v=AaLtT4b7Fbc&t=21s
RESTRUTURAÇAO COGNITIVA: Fase na qual os pensamentos automáticos do paciente são questionados em termos de suas evidências, sendo buscada a mudança na forma como o paciente vê a si (demonstrando que ele não é vulnerável como crê), ao mundo (provando que o mundo não é perigoso como pensa) e ao futuro (ao demonstrar que este não é incerto, como teme). Essas maneiras de ver a si, ao mundo e ao futuro são chamadas, na terapia cognitivo-comportamental, de crenças centrais.
ENSINO DE TÉCNICAS DE RELAXAMENTO E DISTRAÇÃO: O terapeuta ensina a técnica, desenvolvida por Araújo (2019), chama o dr., para controlar os ataques de pânico.
TERAPIA DE EXPOSIÇÃO: Seu objetivo é a dessensibilização, pois o paciente vai ficar “menos sensível” às sensações do pânico, em função da capacidade do ser humano habituar-se ao estresse. Assim, o terapeuta fará exercícios físicos, durante a sessão, como respirar rápido, rodar em uma cadeira giratória, prender a respiração etc. Em um primeiro momento, vai fazer a exposição usando o “chama o dr.” e, quando a ansiedade estiver controlada, após algumas consultas, deve “mandar o dr. Embora” e controlar os sintomas sozinho após cada exercício.
EXPOSIÇÕES PARA A AGORAFOBIA (PARA AQUELES QUE TÊM): É elaborada uma lista dos lugares que o paciente tem medo de ir, avaliando o grau de ansiedade de enfrentá-los. A partir daí, são feitas exposições dos locais que geram menos ansiedade aos que geram mais, até que não haja mais locais temidos e evitações.
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