QUALIFICADOS

CAPÍTULO SEIS – É AO VIVO OU É MEMOREX?
“Para mim não foi a verdade que você ensinou, para você tão clara e para mim tão obscura. Mas, quando você veio para mim, você trouxe uma percepção Dele.” — Beatrice Clelland, “Retrato de um Cristão”
Pensamento-chave: Nós somos chamados para refletir o caráter de Cristo, mas jamais deveríamos evitar as nossas responsabilidades por esperar que Deus faça todas as coisas que Ele nos disse para fazer.
Lembro-me de um comercial de televisão da Memorex, uma companhia que criou as fitas cassetes de áudio. Um copo de vidro era mostrado sobre uma mesa, enquanto se ouvia a voz de Ella Fitzgerald cantando. Quando certa nota era atingida, o copo se estilhaçava e o telespectador era indagado: “É ao vivo ou é Memorex?” O ponto principal da questão é que a qualidade dos seus produtos era tão elevada que as gravações nas fitas eram essencialmente indistinguíveis da voz ao vivo.
Isso me fez considerar qual a “qualidade de reprodução” que está havendo em nossas vidas. É possível, para nós, estarmos tão cheios e transformados pelo Espírito de Deus que o que sai de nós, extraordinariamente reflita a própria natureza de Deus?
Se você parar e pensar a respeito disso, nossa vida deveria ser uma duplicação do Senhor Jesus Cristo.
- Lucas 6:40 diz: “O discípulo não está acima do seu mestre; todo aquele, porém, que for bem instruído será como o seu mestre”.
- Efésios 5:1, na versão AMP, diz: “Portanto, sejam imitadores de Deus [copiem Ele e sigam o Seu exemplo] como filhos amados [imitadores do seu pai]”.
- “Aquele que diz que permanece Nele, esse deve também andar assim como Ele andou” (1 João 2:6).
Quando Jesus convocou os Seus discípulos, a Sua prioridade inicial não foi para que eles saíssem e pregassem, mas para que eles estivessem com Ele (ver Marcos 3:13-15). Jesus sabia que a transformação pessoal que eles receberiam, através da comunhão e relacionamento com Ele, seria fundamental para a sua obra futura no ministério. Em outras palavras, Jesus colocou a ênfase primária em quem eles se tornariam, e não simplesmente no que eles finalmente fariam.
Foi por meio do tempo deles com Jesus que os discípulos aprenderam as Suas atitudes, valores e prioridades. Aqui estão apenas alguns dos valores que eles receberam a partir da sua associação com Jesus:
- Eles aprenderam que não deveriam competir e lutar uns com os outros (Mateus 20:20-26).
- Eles aprenderam que não deveriam ter atitudes que fossem territoriais e exclusivas com respeito ao ministério (Marcos 9:38-39).
- Eles aprenderam que Jesus não vê filhos como um incômodo a ser evitado, mas como membros honrosos da família de Deus (Marcos 10:13-16).
- Eles aprenderam que vingança não era uma resposta apropriada àquele que não recebeu o ministério de Jesus (Lucas 9:51-55).
- Eles aprenderam que era correto cumprir com as suas obrigações civis (Mateus 17:24-26; 22:17-22).
O Espírito de Deus trabalhou tão profundamente e tão intimamente na vida do apóstolo Paulo que, às vezes, ele parecia lutar contra a seguinte questão: “Sou eu, ou é Deus em mim?”
Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim… — Gálatas 2:20
…trabalhei muito mais do que todos eles; todavia, não eu, mas a graça de Deus comigo. — 1 Coríntios 15:10
Que dilema agradável! A obra interior do Espírito de Deus dentro do espírito humano de Paulo foi tamanha que ele disse: “Eu vivo” ou “Eu trabalhei”, mas aí ele tinha que esclarecer e dizer: “… mas realmente não era eu… pelo menos, certamente não era apenas eu; era Cristo vivendo e operando através de mim”.
Paulo não acreditava que Cristo habitando dentro dele significasse que ele tinha sido colocado em um estado de passividade, inatividade ou de irresponsabilidade. Certamente, ele descansava na obra acabada de Cristo, reconhecendo que Deus era a fonte de toda a vida e do poder dentro dele, mas ele também reconhecia que era um participante ativo com Deus. Ele admitia a sua completa dependência de Deus, mas reconhecia que Deus desejava a sua cooperação e envolvimento ativos no servir, obedecer e cumprir os planos Celestiais para a sua vida.
Por exemplo, Paulo disse em Colossenses 1:29: “Para isso é que eu também me afadigo, esforçando-me o mais possível, segundo a sua eficácia que opera eficientemente em mim”. Portanto, voltemos a uma questão anterior — era Paulo, ou era Deus? Eu não acho que podemos responder a essa questão com um “também/ou”, eu acho que é claramente um “ambos/e”. Era Deus trabalhando em/e através de Paulo, e era Paulo se rendendo e cooperando com Deus.
NÃO ESPERE QUE DEUS FAÇA O QUE ELE DISSE PARA VOCÊ FAZER
Precisamos discernir, cuidadosamente, qual é o papel de Deus em nossa vida e qual é o nosso; quais são as Suas responsabilidades e quais são as nossas. Se as pessoas simplesmente acharem que Deus irá fazer tudo, elas podem cair em um sentimento de irresponsabilidade e passividade. No entanto, se as pessoas acharem que irão fazer tudo (sem o poder e a capacitação de Deus) elas irão acabar esgotadas, frustradas e exaustas.
Paulo não disse: “Eu não vivo, afinal; é tudo Cristo”. Nem tampouco disse: “Eu não realizei obra alguma de qualquer natureza, era apenas a graça de Deus fazendo tudo”. Paulo disse: “Não obstante, eu vivo” e “Eu trabalhei mais do que todos eles”. Todavia, ele qualificou o seu papel por reconhecer que Deus era a fonte de toda a sua vida e de todo o seu trabalho.
Um cidadão leu Romanos 8:26 (“… o próprio Espírito intercede por nós…”) e disse que tinha desistido de orar e estava simplesmente deixando o Espírito Santo realizar esse trabalho por ele. Não, não podemos esperar que Deus faça o que Ele claramente nos disse para fazer, mas podemos confiar que Ele irá nos ajudar e fortalecer à medida que Lhe obedecemos.
E QUANTO ÀS OBRAS?
Efésios 2:9 e Tito 3:5 declaram enfaticamente que a nossa salvação NÃO é fundamentada em nossas obras! O dom da salvação é um presente de Deus; é a parte Dele. Ele nos oferece isso gratuitamente, com base na obra acabada de Cristo, e nós recebemos o Seu dom maravilhoso pela fé. Entretanto, se você ler um pouco mais adiante, Efésios 2:10 e Tito 3:8 dizem que somos salvos para as boas obras e também que devemos manter essas boas obras. Essa é a nossa parte!
Juntos, salvação pela graça por meio da fé, e boas obras que resultam de seguir essa salvação, nos conduzem à vontade completa de Deus. Isso não apresenta contradição; ao contrário, uma progressão. Salvação, é claro, começa com Deus nos salvando quando éramos completamente incapazes de salvar a nós mesmos. Entretanto, uma vez que Ele nos salvou e nos fez Seus filhos, por intermédio da fé, Ele opera em nós a fim de aquilo que observamos em Filipenses 2:13 tornar-se uma realidade em nossas vidas: “Não na sua própria força, pois é Deus quem está em todo o tempo operando eficazmente em vocês [energizando e criando em vocês o poder e o desejo], ambos, o querer e o efetuar o Seu bom prazer, satisfação e deleite” (AMP).
É você, ou é Deus? Não é nem você nem Deus, exclusivamente. É Deus “operando” em você e você se “rendendo” em submissão e obediência a Deus. O versículo que precede essa declaração fala aos crentes para “desenvolverem a sua salvação com temor e tremor” (Filipenses 2:12). Perceba que Paulo não disse para trabalhar para a sua salvação, mas ao contrário, para desenvolvê-la. A versão diz do versículo 12: “… opere (cultive, execute para o propósito e complete totalmente) a sua própria salvação com reverência e temor e tremor”.
Estamos sentados com Cristo nos lugares celestiais (Efésios 2:6), mas também temos que andar neste mundo (Efésios 4:1) e resistir contra as forças espirituais do mal (Efésios 6:10). Estar “sentado” significa que devemos descansar na obra acabada de Cristo. “Andar” e “resistir” significa que devemos agir de acordo com a obra acabada de Cristo.
E QUANTO À PURIFICAÇÃO?
Deus nos purifica ou purificamos a nós mesmos? Cada cristão que conheço se regozijaria de coração no fato de que Deus, através do sangue do Senhor Jesus Cristo, nos purificou de todo pecado! Na verdade, lemos essa verdade grandiosa em Hebreus 9:14: “Muito mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus, purificará a nossa consciência de obras mortas, para servirmos ao Deus vivo!”
Enquanto em Hebreus 9:14 o autor acentua a parte de Deus em nossa purificação, enfatiza a nossa responsabilidade em cooperar com Deus e obedecer a Ele no processo total de viver em santidade aqui na terra, a segunda carta aos Coríntios 7:1, diz: “Tendo, pois, ó amados, tais promessas, purifiquemo-nos de toda impureza, tanto da carne como do espírito, aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus”.
Alguém poderia dizer: “Espere um minuto! Se Deus nos purifica, então como purificamos a nós mesmos? Isso não seria desnecessário?” Essa é uma pergunta muito lógica, mas precisamos entender que esses tipos de versículos não são contraditórios; eles são complementares. Existe o “lado de Deus” da nossa redenção (o que Ele fez por nós) e o “lado do homem” (como nós respondemos e agimos a respeito do que Ele fez).
A carta aos Efésios ilustra isso perfeitamente. Os capítulos 1 a 3 podem ser resumidos em uma única palavra: “Feito”. Aqueles três primeiros capítulos de Efésios enfatizam o que Cristo fez por nós. Nesses capítulos, encontramos que fomos “abençoados com toda sorte de bênçãos espirituais nas regiões celestiais” (1:3), fomos “aceitos no Amado” (1:6) e que estamos assentados com Cristo nos lugares celestiais. Tudo isso fala do que Ele já fez por nós e em nós.
Mas Paulo não para com “Feito”. Em Efésios 4 a 6, ele segue instruindo os crentes acerca de “Fazer”. Ele fala do que nós devemos fazer e como devemos viver à luz do que Cristo fez por nós. A Bíblia não apenas ensina sobre a vida espiritual que recebemos de Cristo, mas também nos ensina a respeito do estilo de vida prático que devemos levar por causa de Cristo. Efésios 4:1 dá o tom para o restante da epístola: “Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados”.
É Deus ou somos nós? A verdade é que somos ambos participantes nos feitos Dele. Deus faz a Sua parte e nós fazemos a nossa. Judas 24 diz que Deus: “… é poderoso para vos guardar de tropeços” e 1 Pedro 1:5 diz que nós somos “guardados pelo poder de Deus”. A parte de Deus é claramente declarada, mas à medida que lemos outras passagens, observamos que também temos uma parte a cumprir. João disse: “Aquele que é nascido de Deus não vive em pecado” (1 João 5:18) e também: “Filhinhos, guardai-vos dos ídolos” (1 João 5:21). Judas também instruiu os crentes: “Guardai-vos no amor de Deus” (Judas 21). Tiago até mesmo disse que um componente da pura religião é “a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo” (Tiago 1:27).
Paulo disse que Cristo entregou a Si mesmo por nós para que Ele pudesse “purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu” (Tito 2:14). Depois disse a Timóteo: “Conserva-te a ti mesmo puro” (1 Timóteo 5:22). O apóstolo João disse: “… a si mesmo se purifica todo o que Nele tem esta esperança, assim como Ele é puro” (1 João 3:3). Portanto, Deus nos purifica, e nos purificamos a nós mesmos? A resposta é um retumbante “sim”! Jamais deveríamos pensar que podemos fazer alguma coisa de significância eterna ou espiritual à parte da Sua capacitação, assistência e qualificação, mas também não deveríamos pensar que o verdadeiro discipulado envolve um estado desengajado, passivo ou inativo da nossa parte. A maravilhosa obra de Cristo não anula a nossa responsabilidade de sermos “praticantes da Palavra” (Tiago 1:22). À medida que confiamos e seguimos o Senhor Jesus Cristo, nós ativamente nos rendemos, obedecemos e cooperamos com o Seu plano e propósito que está sendo executado em nossas vidas.
E QUANTO A SER QUALIFICADO?
Exatamente como a ilustração citada, existe uma “parte de Deus” e uma “parte do homem” no processo da nossa qualificação. Deus providencia toda a matéria-prima: Seu chamado, Seu Espírito, Seus dons e Sua orientação. Recebemos esses dons e permitimos que eles influenciem as nossas vidas. Ele nos qualifica e nós andamos nessa esfera de qualificação. Ele faz isso, mas nós participamos com Ele.
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