FERRAMENTAS DA EDUCAÇÃO
Pesquisas reconhecidas mostram que a construção da inteligência é influenciada por aspectos genéticos e ambientais em meio a um complexo de trocas de experiências de várias ordens
A inteligência é construída pela riqueza de estímulos que a criança recebe no dia a dia, pela afetividade, atenção, interação e envolvimento de seus pais, assim como pelo seu tempo organizado com atividades adequadas, qualitativa e quantitativamente à idade, por normas de comportamento claramente estabelecidas, por rotinas e limites que desenvolvem as noções de hierarquia e lhe dão segurança e autoestima.
O cérebro humano tem inegável superioridade no quesito de conceber e utilizar ferramentas. Como inicialmente não éramos providos de grande velocidade para a caça, depois das ferramentas, que nos permitiram extrair vegetais, construímos os primeiros instrumentos para suprir essa dificuldade e podermos obter carne através da caça. Passamos para uma alimentação rica em proteínas, especialmente a cozida, que promoveu um extraordinário desenvolvimento de nosso cérebro, e o homem criou então a sua ferramenta mais espetacular: a linguagem falada, que impulsionou a transmissão dos conhecimentos, inclusive mais tarde, na forma escrita.
Ferramentas nos fazem progredir também em educação. Mas é preciso ponderações. É comum vermos nas revistas, na internet, na TV muitos artigos e programas com aconselhamentos sobre educação infantil, quase todos interessantes a um tipo de público em particular: os pais. É grande o mérito desse trabalho, que ajuda muitas famílias, alertando-as e orientando-as quanto à forma como conduzem a criação de seus filhos, subsidiando nesse assunto tão importante quanto delicado.
Quando escritos por profissionais sérios, experientes, com anos de estudo e prática na área, constituem material de inegável utilidade e valor. São verdadeiras ferramentas, pois, em linguagem acessível, traduzem e levam para a experiência do dia a dia intrincadas teorias e resultados de pesquisas científicas nas áreas da educação, da Psicologia, entre outras. Por isso, podem e devem ser ouvidas, lidas e aproveitadas. Mas essas orientações feitas de modo genérico jamais eliminam a necessidade de uma reflexão e adequação à realidade de cada família e cada criança. E nem da busca de um profissional, quando as dúvidas dos familiares impõem situações cada vez mais conflituosas.
A máxima “cada caso é um caso” se aplica perfeitamente bem à educação, dada a singularidade do ser humano, desde o momento de seu nascimento – senão antes – e durante os primeiros anos. É no início da vida que todo aparato genético e neurológico, em contato com as experiências vivenciadas no meio ambiente, desenvolve cada criança cognitiva, social, biológica e emocionalmente, construindo uma configuração comportamental que dificilmente poderá ser modificada mais tarde.
Como cada cultura e cada família têm uma forma diferente de vivenciar essas questões e um tipo distinto de ambição educacional, o leque da diversidade, já imenso frente às questões biológicas e emocionais, se multiplica. Por essa razão, os mais importantes aconselhamentos profissionais, regras e normas, que em tese foram pensados para favorecer a educação das crianças, não devem ser tomados como uma bula de remédio que cura qualquer doença, porque isso não funciona dessa forma.
As peculiaridades do ser humano passam pela genética, pelos aspectos culturais trazidos pela origem da família, pelo momento afetivo, social, financeiro, cultural, por condições de saúde física e mental, que delimitam características e determinam necessidades diferenciadas de compreensão e de ações educativas, principalmente nos primeiros cinco anos de vida. Se assim não fosse, gêmeos seriam exatamente iguais, e todos sabemos que não é assim: o contato e a troca com o meio e a maneira como cada qual recebe essa influência vivenciada nas experiências de vida, sejam sensoriais, motoras, psíquicas, cognitivas, vão moldar pessoas diferentes, que precisam de um olhar personalizado, de observação e educação pensadas especialmente para elas.
Em educação, há ferramentas importantíssimas, que são os valores socialmente aceitos pela cultura onde a criança crescerá e que fazem parte dos padrões éticos e morais de comportamento dos cidadãos, das famílias. Até aí, todo aconselhamento de bom senso é bem-vindo, assim como os de hábitos gerais de saúde e higiene, de conservação de alimentos, datas de vacinação etc., feitos estes últimos pelos profissionais da saúde.
Mas – e essa é a diferença – há conhecimentos específicos, ferramentas individualizadas, cujo domínio se circunscreve a especialistas da educação e da Psicopedagogia e que, para serem bem aplicados, não dispensam o contato profissional direto com cada família e sua criança, sua história, objetivando resolver as questões e desenvolver toda potencialidade infantil.
Adquirir destreza nessas ferramentas especializadas, de forma aprofundada, exige longos estudos e anos de prática: como motivar, modelar, reforçar comportamentos positivos, desenvolver mudanças no campo da aprendizagem e do comportamento, de forma séria, diretiva e eficaz. É um trabalho profissional, singular, que não pode ser substituído por aconselhamentos genéricos.
Então, qual a importância deste e tantos outros artigos escritos por profissionais de diferentes áreas, para orientar as famílias? Respondo aqui: são, antes de tudo, reflexões ou alertas, que buscam sinalizar, de forma generalizada, a ajuda mais indicada aos pais quando a dúvida é a respeito da educação dos filhos.
MARIA IRENE MALUF – é especialista em Psicopedagogia, Educação Especial e Neuroaprendizagem. Foi presidente nacional da Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp (gestão 2005/07). É autora de artigos em publicações nacionais e internacionais. Coordena curso de especialização em Neuroaprendizagem. irenemaluf@uol.com.br
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