A PALAVRA DITA PELO ADOLESCENTE
Escutar é diferente de ouvir, pressupõe disponibilidade e sensibilidade. Quando se fala em adolescência, a escuta se torna algo peculiar que necessita cuidado.
Observa-se com frequência, em processos judiciais, genitores e até mesmo magistrados “levando ao pé da letra” as palavras do adolescente, sem levar em consideração, através de uma investigação mais profunda, o enredo, os aspectos familiares, a personalidade e a decodificação da mensagem dita.
É comum observar que deixam a cargo de jovens a decisão, por exemplo, de com quem irá residir quando há discussão a respeito da guarda, principalmente se o jovem é articulado e transmite algo que pode ser interpretado como amadurecimento. Como se dissessem: “ele(a) tem maturidade suficiente para escolher com quem irá residir, e como fará a convivência com o outro genitor”. É um erro não verificar o porquê e de onde parte esse desejo, uma vez que se deve observar como funciona emocionalmente esse adolescente, em que situação se encontra seu duplo referencial, pai e mãe e como esses pais lidam com suas funções parentais. Nota-se que esse tipo de demanda direcionada ao jovem ocorre, mais facilmente, quando há decadência das funções parentais ou aliança do adolescente com um dos genitores.
O processo da adolescência pode ser visto como uma travessia de uma ponte com inúmeros obstáculos e desafios. No qual se parte da infância rumo à vida adulta. Durante esse percurso, muitos incidentes podem ocorrer e cabem aos pais ou cuidadores a supervisão e a contenção dos impulsos destrutivos bem como a troca afetiva e a intimidade não confundidas com invasão; isso tem a ver com a aproximação e o cuidado. Sabe-se ainda que o entendimento de tudo isso é bastante complexo a um adulto, quiçá a um adolescente; e quando ocorre a separação dos pais nessa época se torna mais difícil a compreensão. É durante essa travessia que a adolescência (aspectos emocionais), junto com a puberdade (aspectos biológicos), promove uma série de mudanças no jovem.
A adolescência como fase instável necessita que seu ambiente representado pela família seja estável. Essa estabilidade e segurança do ambiente servirão de anteparo para os aspectos mais agressivos e impulsivos.
A aparência potente do adolescente serve para encobrir sua fragilidade, bastante natural, cercada de medos e ansiedades comuns de um processo de identidade em fase de amadurecimento.
Na experiência clínica em consultório e/ou no estudo pericial no judiciário, observa-se que as disputas por guarda neste período tendem a ser muito complicadas.
O adolescente como bom hedonista deseja liberdade, busca fazer suas predileções baseado no imediatismo do aqui e agora. E por isso tenderá a apontar como sua escolha parental aquela que entende que terá maior controle sobre o genitor(a)e benefícios, nem sempre sendo o melhor para eles. Por outro lado, os pais acreditam na força do adolescente, como se adultos fossem. E quando acreditam cegamente, deixam de observar que essa fase de transição é delicada e precisa de muita supervisão. Como se eles, pais, se deslocassem de seu lugar de adultos e colocassem o adolescente diante do lugar que pertence a eles como pais.
É preciso estar atento e ir além do desejo objetivo de um adolescente. Torna-se necessário que se tenha uma escuta diferenciada, que se decodifique a linguagem. E para isso é importante que os pais saibam que um adolescente não tem competência para resolver assuntos que são dele.
Na adolescência existe um psiquismo em turbulência que não pode ser confundido com a complexidade de um processo de divórcio dos adultos. Pode parecer estranho, mas o adolescente não tem maturidade e por isso certas decisões durante essa época devem ser inteiramente de responsabilidade dos adultos.
É possível que, ao liberá-los desse lugar, esses adolescentes se sintam aliviados por terem sido vistos como meninos ou meninas carentes e desamparados, escondidos em sua pseudomaturidade utilizada como defesa, necessitados da orientação e da contenção de seus pais e não o contrário. É preciso ter um olhar bem mais amplo do que somente aquilo que se mostra aos olhos desavisados.
Cabe ao magistrado, quando se depara com essa demanda, encaminhar para estudo psicológico e não deixar a cargo do adolescente uma decisão a qual ele não pode sustentar emocionalmente, fazendo-se valer apenas da vontade consciente; é preciso investigar de onde partiu o real desejo.
Afinal, uma decisão tomada de forma errada num processo tão conturbado como um divórcio pode influenciar toda a dinâmica familiar e a construção do amadurecimento sadio do adolescente.
RENATA BENTO – é psicóloga, especialista em criança, adulto, adolescente e família Psicanalista, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro. Perita em Vara de Família e assistente técnica em processos judiciais. Aliada à IPA – lnternational Psychoanalytical Association, à Fepal – Federación Psicoanalítica de América Latina e à Febrapsi – Federaçao Brasileira de Psicanálise. renatabentopsi@gmail.com
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