A GLAMOURIZAÇÃO DA CHATICE
Questionador, crítico e com vocabulário elaborado. Um sujeito inteligente? Não. Trata-se apenas de um chato mesmo!
A Psicologia é múltipla por natureza. Engana-se quem atribui tal característica apenas em função de suas centenas de linhas teóricas. Nossa ciência também dispõe de várias teorias sobre motivação, liderança e até mesmo sobre personalidade, o que pode ser difícil de compreender para alguém não acostumado com as características das ciências humanas. Por exemplo, poucos temas foram mais controvertidos na Psicologia do que o da inteligência. Por décadas considerada como o exato sinônimo do raciocínio lógico-matemático (leia-se QI), a inteligência passou a ser explicada, a partir dos anos 80, por meio de capacidades distintas (inteligências múltiplas) que variavam da chamada inteligência linguística à (pasmem!) naturalística, na qual inteligente seria o indivíduo capaz de reconhecer e valorizar a flora e a fauna. Já nos anos 90, com a teoria da inteligência emocional (IE), a conciliação entre razão e emoção passa a ser vista como uma valiosa maneira de tornar o indivíduo um ser competente do ponto de vista social, sendo reconhecida como a “verdadeira e mais importante” das inteligências, uma vez que, de acordo com as pesquisas de Salovey e Mayer, pais do conceito de IE, tal inteligência seria capaz de sobrepujar até mesmo o tradicional QI quando o assunto era a previsão do sucesso profissional das pessoas.
Mas se, como vimos, até mesmo no meio científico a inteligência pode ser vista de maneiras diferentes, pode-se imaginar a confusão que o tema desperta junto ao chamado senso comum. Em outras palavras, a “inteligência” das ruas talvez não seja tão “inteligente” quanto se poderia supor. Talvez seja por isso que proliferam os tipos que costumo chamar de “pseudointeligentes”. A variedade de pseudointeligentes é quase ilimitada. Não há como distingui-los dos verdadeiramente inteligentes por suas cores, formas ou mesmo idades. O habitat do pseudointeligente também é variado. E o que é pior, paradoxalmente, eles abundam até mesmo nos meios acadêmicos (onde estranhamente podem se tornar contagiosos). Não há também determinada época do ano em que os pseudointeligentes proliferam, embora seja comprovado que em tempos de politicamente correto eles se multipliquem com espantosa rapidez.
As características acima mencionadas podem tornar bastante desafiadora a tarefa de identificarmos um pseudointeligente. Porém, há de se considerar que o maior desafio dessa tarefa consiste justamente no fato de haver certas semelhanças entre tal espécime e as pessoas de inteligência genuína.
Além de um discurso elaborado, na medida em que muitas vezes a capacidade de fazer perguntas descreve melhor a inteligência do que a prontidão para respondê-las, é compreensível que algumas características humanas, como a capacidade crítica e o chamado espírito questionador, sejam vistas como sinônimos de inteligência, o que até certo ponto faz todo sentido. Mas apenas até certo ponto. A supervalorização da crítica e do espírito questionador pode levar a nada mais do que a glamourização não da inteligência, mas de algo bem menos sofisticado que isso: a mais prosaica das chatices. Isso, ao lado do que já discuti nesta coluna e a que chamo de glamourização da tristeza (que explico como herança byroniana), estaria por reforçar o comportamento de hordas de sujeitos chatos e depressivos, exatamente aqueles a quem chamo de pseudointeligentes, que continuarão a existir enquanto houver pessoas que acreditam que a felicidade é uma bênção dos mansos, daqueles que pensam menos, que criticam menos e que, portanto, teriam menos a contribuir com a sociedade. Como se o mau humor fosse uma vantagem evolutiva, como se o otimismo não fosse também resultado de uma profunda análise crítica acerca das possibilidades de êxito. Como se o mundo fosse ou branco ou preto, e não uma coleção de possibilidades quase infinitas de cinzas… e de azuis, é claro!
LILIAN GRAZIANO – é psicóloga e doutora em Psicologia pela USP, com curso de extensão em Virtudes e Forças Pessoais pelo VIA Institute on Character, EUA. É professora universitária e diretora do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento, onde oferece atendimento clínico, consultoria empresarial e cursos na área. graziano@psicologiapositiva.com.br
Já passou da hora de avaliarmos a inteligência emocional também daqueles que escolhemos para nos governar… E isto em âmbito mundial…
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