TÉCNICAS PARA DEPENDÊNCIAS TECNOLÓGICAS
O uso abusivo da tecnologia tem sido pauta constante no setting terapêutico e exige que os profissionais se atualizem sobre as estratégias que podem ser usadas em consultório para o tratamento
Nesta edição serão reveladas, de forma diretiva, estratégias cognitivo-comportamentais para as dependências tecnológicas. Em diversos momentos, nesta coluna, foram discutidas psicopatologias referentes ao campo tecnológico. Sugere-se, então, que o leitor possa ler inicialmente essas temáticas, já publicadas, e materiais básicos de psicoterapia cognitivo-comportamental para melhor compreensão do texto a seguir. As estratégias fazem parte de um material desenvolvido para uso em consultório, intitulado baralho das dependências tecnológicas. Estas são apenas algumas das possibilidades de intervenção com este tipo de demanda (Lemos, 2016).
A primeira estratégia que deve ser utilizada em consultório é a psicoeducação (sendo a prevenção de recaídas e manutenção dos ganhos a última). Nesse momento, o profissional educa o paciente sobre o que é caracterizado como dependência tecnológica, quais são as possíveis causas (fatores etiológicos), as comorbidades (psicopatologias que ocorrem de maneira concomitante), os sintomas, os prejuízos decorrentes desse adoecimento e como a psicoterapia cognitivo-comportamental poderá auxiliar o paciente nessa evolução. Nesse momento o psicoterapeuta torna o paciente ativo no processo de melhora (embasado no empirismo colaborativo). É essencial que o profissional que lida com essa demanda tenha um conhecimento básico sobre tecnologia: os jogos mais utilizados, os aplicativos de celular mais debatidos no cotidiano etc. É visto que compreender o campo tecnológico aumenta a adesão terapêutica e torna o profissional mais seguro no momento das intervenções e debates com o paciente.
Uma segunda importante estratégia é auxiliar o paciente a abster-se de um aplicativo ou jogo específico (temporariamente). Comumente algum recurso tecnológico, para um paciente dependente, é considerado como “predileto”, sendo nele que o indivíduo despende a maior parte do tempo. Nos jogos eletrônicos, os títulos mais mencionados no consultório são: League of Legends, DOTA 2 e Minecraft; nas redes sociais, Facebook, Instagram e Whatsapp. Dessa forma, sugere-se que, para o paciente diminuir seu nível de dependência, o elemento de maior risco na manutenção do transtorno deve ser reestruturado em relação ao tempo e frequência de uso. Ex.: *João (nome fictício) menciona que utiliza excessivamente o jogo League of Legends, porém outros títulos são pouco jogados. Para que o paciente não tenha uma redução completa do seu uso de tecnologia (ressalto: o objetivo é sempre o uso moderado), é solicitado que ele interrompa, por ao menos uma semana, esse recurso tecnológico, mas não os outros. Após essa intervenção é possível organizar seu cotidiano e observar quais são os pensamentos disfuncionais, as emoções em desequilíbrio e os comportamentos inadequados relacionados a essa “abstinência”.
Outra intervenção possível é solicitar ao paciente que ele registre o tempo de uso de tecnologia no dia. Se for possível, sugere-se a criação de uma tabela, onde nela será registrado o tempo aproximado de uso de jogo eletrônico em cada turno do dia. Sabe-se que devido ao uso intermitente, não é possível obter um resultado preciso, mas quase, desse usufruto.
A quarta estratégia é limitar o tempo de uso de tecnologia. Apesar de cada paciente registrar um tempo distinto de uso, recomenda-se uma redução para até duas horas diárias (para fins de entretenimento) e sem prejuízos no trabalho, vida acadêmica ou relacionamentos (para adolescentes esse tempo pode ser ainda menor nos dias úteis). Essa meta não é fácil de ser cumprida, por isso, é importante que se for possível um monitoramento do paciente por um parente, ou outra pessoa, esse auxílio é interessante. Além disso, apesar dessa recomendação de limitar o tempo, cada família apresenta um funcionamento distinto, então é necessário adaptar essa estratégia a cada modelo familiar.
Outra intervenção amplamente utilizada na psicoterapia cognitivo-comportamental é a elaboração de uma lista de vantagens e desvantagens do uso de tecnologia. Essa atividade auxiliará o paciente a refletir sobre ambos os aspectos e verificar quais comportamentos podem ser inseridos no seu repertório de estratégias para combater as dependências tecnológicas. Caso ele tenha dificuldades em acessar essas informações, sugira que permita deixar a sua mente fluir para que o máximo de dados possa ser coletado. Em vários momentos o paciente desiste no começo da técnica, por isso é importante que generosamente você insista.
Há também o convite de terceiros para atividades de lazer sem o uso de tecnologia. Essa atividade tem como objetivo auxiliar o paciente a sentir prazer e se envolver em atividades de lazer que não tenham ligação com o objeto de dependência do paciente. Por fim, sugere-se que o paciente possa criar um cronograma de estudo/trabalho. O terapeuta poderá auxiliá-lo nessa construção preenchendo as atividades cotidianas de forma organizada junto ao uso de tecnologia. Essa tarefa não só ajudará o paciente a controlar seu uso, mas também potencializará o cumprimento das obrigações acadêmicas e/ou de trabalho.
Existem diversas outras estratégias que podem e devem ser utilizadas em consultório, para isso é importante que o leitor mantenha suas pesquisas e estudos atualizados (aqui temos um recorte de técnicas). A demanda de pacientes com dependências tecnológicas é grande, porém, infelizmente, ainda há uma substancial lacuna de profissionais preparados para intervir de forma adequada com essa parcela de usuários que estão adoecidos.
IGOR LINS LEMOS – é doutor em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental Avançada pela Universidade de Pernambuco (UPE). É psicoterapeuta cognitivo-comportamental, palestrante e pesquisador das dependências tecnológicas. E-mail: igorlemos87@hotmail.com
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