PARASSONIAS E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Inúmeros distúrbios do sono afetam diretamente a saúde, a trajetória e a evolução da criança, trazendo imensos prejuízos nos aspectos emocionais, psicológicos e cognitivos desse público
A infância é um período de grande desenvolvimento, e o sono, nessa fase, é essencial para que esse processo ocorra de forma saudável e adequada. Padrões alterados de sono, tanto em frequência como em qualidade, podem afetar diretamente o desenvolvimento, trazendo grandes prejuízos para as áreas emocionais, psicológicas e cognitivas da criança.
O sono é um comportamento que permite, durante o tempo de repouso, o descanso do cérebro, para que ele se recupere, assim servindo para suprir próximas necessidades biológicas e psicológicas. O ciclo do sono geralmente dura, em média, oito horas, dividindo-se em dois estágios: o sono REM (rapideyemoviments – movimento rápido dos olhos) e o NREM (não REM). O estágio REM promove desenvolvimento cerebral e aprendizagem.
Durante o sono há um período de reorganização de funções cognitivas muito importantes, como, por exemplo, a memória. O sono opera também em outras funções cognitivas, como concentração, raciocínio e atenção. É nessa hora que a aprendizagem se consolida na memória. Dessa forma, ele é essencial para todas as pessoas de qualquer idade.
Para as crianças, é ainda mais importante, pois os hormônios do crescimento são produzidos nesse período. Uma alteração no ciclo do sono pode causar problemas metabólicos nessa área. A atuação desse rico período de descanso não para por aí: ele age no sistema imunológico, no controle da fome, na circulação sanguínea e, como citado, nas áreas cognitivas.
APRENDIZAGEM
Crianças que apresentam alterações no período de sono, ou distúrbios nessa área, sobretudo o que os estudiosos chamam de parassonias, podem desenvolver transtornos importantes, como perda de memória recente, lentidão no raciocínio, desatenção, dificuldade de concentração, irritabilidade, dificuldades de aprendizagem, entre outros.
Ao longo do tempo, a privação, ou má qualidade do sono, pode ainda provocar grandes danos à saúde, como diabetes, obesidade e doenças cardiovasculares. Ele também interfere diretamente no humor, e sua ausência ou má qualidade podem provocar irritabilidade e outras alterações.
Percebe-se, dessa forma, que a aprendizagem está intimamente ligada a uma boa qualidade de sono. Lentidão para resolver atividades, sonolência, alterações de memória podem ser alguns dos sintomas de que a criança não está tendo um bom padrão de sono, ou pode apresentar distúrbios nessa área. Muitas vezes, crianças com esses sintomas podem ser diagnosticadas erroneamente como portadoras de transtornos de aprendizagem, mas, na verdade, elas são portadoras de distúrbios do sono.
Durante o sono, a memória não para. Pelo contrário, nesse período ela seleciona, de certa forma, o que irá reter e o que irá descartar, deletando todo conteúdo que considera “menos significativo”. Portanto, é nessa hora que as informações adquiridas durante o dia se consolidam, serão organizadas, selecionadas e armazenadas, processo este que ocorre durante o sono REM, quando há também os sonhos.
Se nesse período a criança apresentar dificuldades para manter um bom padrão, ou se dormir pouco, o trabalho da memória será afetado e a criança poderá deixar de transformar em conhecimento ou aprendizagem o que foi recebido durante o dia.
SERÁ TDAH?
Crianças agitadas, desatentas, com mau desempenho escolar e limiar muito baixo de concentração geralmente recebem laudo de TDAH, o transtorno do déficit de atenção com hiperatividade. Mas, antes disso, é preciso verificar se o problema realmente é esse, ou se essa criança está tendo um padrão de sono comprometido, escasso, alterado, ou ainda se existe alguma parassonia, que costuma causar os sintomas que podem ser confundidos com os de TDAH (falta de concentração, hiperatividade, entre outros) e ainda mau desempenho acadêmico. Nesse sentido, crianças que apresentam parassonias ou outros problemas ligados ao seu ciclo de sono precisam ser observadas minuciosamente, evitando-se, dessa forma, um diagnóstico errôneo. Somente um bom exame clínico, médico, uma anamnese e exames específicos poderão ajudar no diagnóstico.
Por outro lado, crianças com um grau relevante de TDAH podem, em consequência desse transtorno, desenvolver uma alteração no ritmo do sono. Aliás, esse é um dos sintomas precoces mais observados no processo de avaliação de TDAH. E, no caso, cria-se um círculo vicioso, que interfere diretamente no desenvolvimento comportamental e cognitivo da criança. O déficit pode provocar má qualidade de sono e agitação, que interferem no desenvolvimento cognitivo e na aprendizagem. É preciso procurar um bom profissional, especialista, quando os sintomas envolvem ritmos alterados de sono.
SÃO FENÔMENOS FÍSICOS
Parassonias, de acordo com a Academia Americana de Medicina do Sono, são definidas como experiências ou fenômenos físicos indesejáveis durante a transição sono-vigília, o sono ou o despertar parcial (que são fases do período de sono-vigília). Entre as principais parassonias estão o terror noturno, o sonambulismo, o bruxismo, o sonilóquio, a narcolepsia, distúrbios de movimentação rítmica e pesadelos.
Além das parassonias, problemas como a síndrome da apneia do sono, a respiração bucal e a epilepsia são ocorrências que afetam diretamente o padrão e a qualidade do sono. As parassonias são bem comuns na primeira infância e em grande parte dos casos tendem a desaparecer. Porém, em alguns casos, podem permanecer até a adolescência ou vida adulta e causar grandes transtornos ao desenvolvimento infantil.
Os terrores noturnos e os distúrbios de movimentação rítmica geralmente desaparecem até os 4 anos de idade. Já o bruxismo e o sonambulismo podem aumentar até com a idade. Sabe-se que algumas parassonias têm origens genéticas e uma pessoa pode apresentar mais do que uma parassonia, mas muitas delas podem ser reforçadas por fatores ambientais.
Para cada parassonia há intervenções diferenciadas. Algumas delas quando permanecem e podem também estar associadas a problemas de ansiedade e emocionais ou serem reforçadas por eles. Há muitas intervenções terapêuticas para o tratamento desses distúrbios, e são específicas para cada caso. Por exemplo, quando a criança apresenta terror noturno, os episódios geralmente ocorrem no mesmo horário, então pode-se adotar uma medida de prevenção, despertando a criança antecipadamente ao momento em que o episódio acontece. Com o tempo, eles vão desaparecendo.
O importante é que aos primeiros sintomas observados, de que a criança possa estar apresentando alguma parassonia, o médico seja avisado para que os exames específicos sejam realizados e, após diagnóstico, as terapias sejam iniciadas a fim de que ela não venha a desenvolver problemas cognitivos e escolares associados a esses transtornos.
MOVIMENTOS RÍTMICOS
Algumas crianças têm o sono agitado e chegam a acordar do outro lado da cama. É necessário observar que tipos de movimentos a criança está fazendo enquanto dorme e, dependendo do caso, o sono pode ser monitorado por uma polissonografia com filmagem, para que se possa observar todo o ciclo de sono da criança.
A “síndrome das pernas inquietas” é um distúrbio sensório motor com aspectos neurológicos e pode tornar-se progressivo. Há crianças e jovens que sofrem com esse mal, com dificuldades para dormir, para descansar o corpo, que, ao contrário, agita-se durante o período de repouso, principalmente à noite. Nesses casos, o portador acorda várias vezes, pode ter dificuldades para dormir novamente e acorda cansado.
O principal sintoma é o movimento das pernas, sacudindo-as, alongando-as, cruzando-as e até com chutes. O portador ainda pode sentir fisgadas, formigamentos, dores, provocando uma noite mal dormida e cansaço no dia seguinte. Existem fatores de risco para o desenvolvimento desse problema, como neuropatias e diabetes, e há necessidade de exames específicos para o diagnóstico.
BRUXISMO: o bruxismo, por sua vez, ocorre quando, durante o sono, a criança range os dentes, fecha-os com força ou faz outros movimentos bruscos com a boca. Pode ocasionar dor facial, dores de cabeça, inchaço, ferimentos nas gengivas e até mesmo problemas odontológicos.
O transtorno geralmente é associado ao estresse, ansiedade ou raiva, mas também pode ser um sintoma de problema no sistema nervoso. O paciente pode ser tratado por dentista e utilizar uma placa que impede o movimento brusco dos dentes e também por um psicólogo, a fim de passar por terapias de relaxamento.
TERROR NOTURNO: o chamado terror noturno é uma parassonia que afeta muitas crianças, principalmente na fase de 2 a 5 anos, podendo atingir bebês mais novos também. Segundo alguns dados estatísticos, nessa faixa etária o problema pode chegar a atingir metade da população infantil.
As crianças menores manifestam as crises com choros durante o sono. Os mais velhos podem dar gritos, emitir outros sons e ainda sentar na cama. Para os pais é angustiante, porque, na maioria das vezes, a criança parece ainda estar dormindo e não os reconhece, podendo chorar compulsivamente durante 15 a 20 minutos.
Diferentemente dos pesadelos que ocorrem no fim da madrugada, o terror noturno acontece bem no meio da noite, antes do sono REM, ainda podendo a criança, em alguns casos, ter pesadelos mais tarde. No dia seguinte, não se lembram das crises.
Crianças que passam por crises frequentes e mesmo mais de uma por noite podem ter o padrão de sono bem alterado e sofrer as consequências desse distúrbio como sonolência e irritabilidade. Existe uma tendência genética no perfil dessas crianças, que podem ter pais que sofreram outras parassonias, como o sonambulismo, por exemplo. Em outros casos, há possibilidades de o problema estar associado a uma imaturidade no sistema nervoso central, na área responsável pelo padrão sono-vigília. Passeios e programas noturnos muito agitados, para quem já é portador do transtorno, podem aumentar as crises.
SONILÓQUIO: é uma parassonia que se manifesta quando o portador fala durante a noite. Geralmente, as crianças são mais afetadas. As falas podem ser monólogos ou conversas desconexas, com frases e palavras que, muitas vezes, parecem incompreensíveis, descontextualizadas. Não é uma parassonia grave, porém pode ser indício da presença de outras, como por exemplo o sonambulismo.
NARCOLEPSIA: é um distúrbio que causa muita sonolência durante o dia, devido a um padrão de sono alterado durante a noite, no ciclo REM e NREM. O portador não dorme bem, não descansa, pois tem o sono REM muito cedo, acordando várias vezes no período, e no dia seguinte passa pratica- mente o dia todo com sono, o que pode ser confundido com preguiça.
Na escola, a criança apresenta-se desatenta durante as atividades e muitas vezes é incompreendida pelo professor, caso este não saiba sobre o seu problema. Na adolescência, geralmente a narcolepsia se agrava. A causa está relacionada a problemas em um neurotransmissor no hipotálamo. É preciso tratamento e medicamentos específicos para reverter o quadro.
PESADELOS: são sonhos ruins que ocorrem durante o estágio REM. Como essa fase se alterna com a fase NREM durante a noite, podemos ter até seis pesadelos por noite. Os pesadelos iniciam por volta de 4 anos de idade e podem permanecer até a vida adulta. Na infância, porém, parecem ser mais intensos.
As causas estão ligadas a estresse, angústia, medo, traumas, ansiedade e dificuldades de lidar com situações novas. Geralmente, os pesadelos são acompanhados por um despertar súbito, angustiante, às vezes com sensação de pânico.
A criança que sofre com pesadelos poderá ter um ciclo de sono muito alterado e uma péssima qualidade no repouso. No dia seguinte, certamente estará sonolenta, cansada, irritada e desatenta. Quando os pesadelos são contínuos deve-se procurar um psicólogo e uma terapia relaxante.
SONAMBULISMO: é uma parassonia que ocorre durante o sono NREM e que se manifesta por atividades motoras enquanto a pessoa está dormindo, ou seja, ela está em trânsito entre o sono e a vigília. Durante a manifestação da crise, a pessoa senta na cama, fala descontextualizadamente, anda pela casa, vai ao banheiro, cozinha. Quando despertada, parece confusa.
Geralmente, as crises desaparecem espontaneamente após a infância, porém muitos portadores ainda continuam sonâmbulos na fase adulta. Alguns fatores são consideração como predisposição para o transtorno, como os ligados à genética e hereditariedade, estresse, apneia do sono, ansiedade.
Os familiares devem tomar certo cuidado para que o sonâmbulo não se machuque. Dependendo do grau e incidência das crises, o portador apresenta cansaço, indisposição, desatenção e, nesse caso, deve-se procurar um médico, que, através da polissonografia, pode diagnosticar o sonambulismo e prescrever medicamentos ou terapias.
Quando não tratadas de forma correta, as parassonias podem tornar-se grandes transtornos e obstáculos ao desenvolvimento infantil, causando, como relatado, déficits não só cognitivos, mas também emocionais e sociais. Dessa forma, ao serem observados padrões alterados de sono, deve-se procurar rapidamente um pediatra, que poderá pedir exames específicos, fazer os devidos encaminhamentos e até propor uma psicoterapia. Dormir bem é um importante sinal de boa saúde!
AS MULTIFUNÇÕES DA MELATONINA E O SONO
A melatonina é um hormônio produzido no cérebro, e essa produção só ocorre na ausência da luz. É ela que “sinaliza” para o cérebro quando é dia e quando é noite, regulando o ritmo biológico das pessoas, para que elas tenham disposição de dia e sono à noite. A melatonina ainda age no sistema imunológico, reduz enxaquecas, auxilia no emagrecimento, sendo um ótimo antioxidante e antienvelhecimento.
Atualmente, esse hormônio vem sendo estudado largamente, inclusive no combate ao câncer. Pesquisas recentes demonstram que pessoas com turnos de trabalhos noturnos, que ficam expostas durante a noite toda em ambientes iluminados, ou até mesmo vendo TV ou jogando, podem apresentar maiores riscos para obesidade, depressão e câncer. Nesse sentido, sugere-se que uma maior presença da melatonina no organismo diminuiria essa incidência ao risco. O Instituto de Ciências Biológicas da USP tem estudado a relação entre melatonina e diabetes, visto que já se comprovou que o hormônio pode potencializar os efeitos da insulina no corpo.
MEMÓRIA
Palavra que tem origem no latim (memoria), a memória apresenta algumas conceituações. Uma delas diz que se trata da faculdade psíquica, por intermédio da qual as pessoas conseguem reter e relembrar o passado. O termo ainda permite se referir à lembrança ou recordação que se tem de algum fato que já tenha ocorrido, e à exposição de fatos, dados, informações ou motivos que dizem respeito a um determinado assunto.
PROBLEMAS RELACIONADOS AO SONO SÃO COMUNS NO AUTISMO
Distúrbios do sono são muito comuns em crianças com autismo, ocorrendo em 40 a 80% dos casos. Esses problemas são decorrentes de uma série de fatores biológicos.
Alguns estudos relacionam esses distúrbios à falta de melatonina. Geralmente, as crianças autistas dormem pouco, pois demoram para dormir, passam períodos da noite acordados e despertam cedo. Há, frequentemente, os casos de nightwalking, ou seja, passeio noturno: a criança fica brincando, falando, andando pela casa, por cerca de duas a três horas noturnas e, às vezes, até mais. O tratamento para esse distúrbio do sono pode ser medicamentoso, inclusive com o uso de melatonina para regular o ciclo biológico, mas sempre prescrito por um médico. Importante, também, a aplicação do que é conhecida como “rotina de sono”, minimizando-se os estímulos auditivos e luminosos na casa durante a noite, juntamente com a retirada de brinquedos ou objetos estimulantes para a criança. Dependendo do caso, somente com o emprego dessa rotina de sono consegue-se reduzir o fenômeno nightwalking. É preciso um trabalho de paciência e bastante persistência.
HORMÔNIO DO CRESCIMENTO
Produzido pela hipófise, pequena glândula que fica localizada na parte inferior do cérebro, o hormônio do crescimento, conforme o nome autodefine, é imprescindível para proporcionar o crescimento físico. Em contrapartida, a deficiência em sua produção no organismo é a grande responsável pelas ocorrências de nanismo, ou seja, pela estatura muito baixa de algumas pessoas. Já se for produzido em excesso, ocasiona acromegalia, o crescimento exagerado de pés, mãos, nariz e orelhas.
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