COMO ACEITAR O FIM
O ser humano ainda encontra muitas dificuldades no sentido de saber lidar com alguns desafios afetivos, como, por exemplo, como amar ou ser amado ou como enfrentar questões relacionadas ao amor-próprio

Este é um tema universal! Entra ano e sai ano e apenas muda de tom em suas abordagens e apresenta novas roupagens; seja ele com enfoque presencial ou virtual, entre adolescentes, jovens adultos ou na maturidade. Hetero, homo ou bissexual. É sobre o amor enquanto este existe e sua felicidade. Sobre o amor quando finaliza e suas dores! Das depressões advindas dessas rupturas aos crimes passionais que nos impressionam.
A ideia desse artigo é abordar através da pesquisa de alguns autores, bem como da experiência psicológica clínica, as diferentes formas como as pessoas lidam com o rompimento afetivo nos relacionamentos amorosos, bem como esclarecer essas dinâmicas, a fim de explorar formas mais equilibradas para lidar com esse tipo de situação. Quem dera se pudesse sempre lidar com perdas conforme o poema de Fernando Pessoa.
Dificilmente encontra-se alguém que não tenha tido tal tipo de vivência. Os consultórios psicológicos e psiquiátricos estão cheios de pacientes que os procuram após um rompimento, seja para lidar melhor com o luto, seja para controlar uma crise mais grave que foi disparada.
Bielski e Zordan definem que “o relacionamento amoroso é compreendido como um fenômeno afetivo social que abrange os sentimentos e os processos de comunicação na dinâmica das relações amorosas. Abrange o cotidiano e os hábitos dos relacionamentos, o processo histórico de construção dos papéis na conjugalidade e sua dimensão jurídica, a consciência do valor atribuído aos vínculos nas relações afetivas, como também os sentimentos e os processos de comunicação envolvidos na dinâmica das relações amorosas”.
Ainda segundo os autores: “O desejo pessoal de encontrar o parceiro ideal corresponde à principal característica das relações amorosas. Atualmente, esse desejo convive com a facilidade em desistir da relação frustrada e seguir buscando uma nova relação prazerosa, o que é estimulado por fatores externos, tais como mídia, novas tecnologias e artes em geral, que enfatizam a busca de uma grande paixão. Todos são influenciados desde o nascimento com a informação de que, se não encontramos no outro a felicidade, deixamos de vivenciar o desejado bem-estar subjetivo”.
Assinalam que, de acordo com a literatura, o luto é uma resposta natural ao rompimento de um vínculo significativo para o indivíduo, e quanto mais dependente e intenso for o vínculo, e a dependência, mais difícil poderá ser o processo de luto. Durante e após esse processo a pessoa precisará se reorganizar.
A pesquisa desses autores buscou identificar os sentimentos predominantes em adultos jovens após o término de relacionamentos amorosos. Nesse estudo, constatou-se o seguinte: após o fim do relacionamento amoroso, houve uma predominância de sentimentos positivos tanto para homens como para as mulheres, embora em intensidades diferentes, pois o nível de sentimentos positivos para eles foi superior ao delas. Além disso, as mulheres atingiram níveis mais elevados de sentimentos negativos quando comparadas aos homens, o que indica um maior sofrimento por parte delas. Esses achados podem estar relaciona- dos a aspectos culturais que caracterizam a diferenciação de gênero, pelos quais as mulheres ainda são educadas com uma maior valorização do relacionamento amoroso, estimuladas a encontrarem um parceiro, enquanto os homens são educados com maior ênfase no aspecto predominantemente profissional, preponderando a expectativa de que eles devam exercer maior autocontrole, não se envolvendo tanto nos relacionamentos amorosos e, também, não expressando sofrimento quando dessas rupturas.
Para eles, o fato de prevalecerem os sentimentos positivos e não os negativos, como era esperado em outros tempos, pode estar relacionado aos novos valores que regem a sociedade contemporânea, dentre eles a repulsa ao sofrimento, o consumismo, o hedonismo, a descartabilidade e a efemeridade. Ao mesmo tempo, a sociedade está mais permissiva, aceitando, com maior naturalidade, a troca de parceiros e a vivência de relacionamentos amorosos seriais.
Na visão de Marcondes, Trierweiler e Cruz, a ruptura é a quebra de vínculos, de laços emotivos, sexuais e afetivos, criados tanto pelo amor como pelo ódio, pelas brigas e pelas reconciliações. Embora seja uma vivência dolorosa para ambos, geralmente sofre mais aquele que se percebe como preterido. Essa dor é, com frequência, sentida fisicamente. São comuns dores no peito, sensação de sufocamento, falta de ar, disfunção sexual, incapacidade de trabalhar efetivamente, alterações no peso, insônia e outros transtornos do sono.
Esses autores investigaram os sentimentos que predominam após o rompimento de relacionamentos amorosos e as diferenças de intensidade quanto ao gênero, iniciativa de término e duração do relacionamento em pessoas entre 17 e 44 anos, ampliando a amostra do estudo citado anteriormente. De um modo geral, a separação provoca abalo emotivo tanto em homens como em mulheres, nas diferentes situações.

CONCLUSÕES
Dessa forma, segundo os resultados obtidos com a pesquisa, o sofrimento causado pelo término de um relacionamento amoroso independe do tempo de duração deste. Além disso, há uma predominância de atitudes negativas tanto para homens como para mulheres, embora em intensidades diferentes. Nesse ponto, as mulheres atingiram níveis maiores quando comparadas aos homens, mas, quando analisadas as atitudes positivas nas mesmas situações, os níveis foram semelhantes para ambos. Com relação à diferença na intensidade de sofrimento entre homens e mulheres, é interessante considerar o contexto sociocultural em que essas pessoas estão inseridas, já que este pode estar interferindo nas respostas dos sujeitos.
Levy e Gomes, no artigo “Relações amorosas: rupturas e elaborações”, fazem uma reflexão sobre os sentimentos que eclodem quando do rompimento de uma relação amorosa.
Abordam principalmente os efeitos da perda do amor para a mulher no lugar que ocupa como mãe e nas exigências feitas ao parceiro nessa reflexão. Enfocam que muitas vezes, nesses casos, a paixão se torna perversão do amor e a perda do objeto amado assemelha-se à perda de partes de si, impedindo a superação da dor. Se a mulher precisa ser amada para “ser”, a falta de amor do parceiro e o rompimento da relação provocam reações de intensa carga destrutiva. A personificação de Medeia em crimes passionais e em processos tramitando em Varas de Família ilustra seu “enlouquecimento” diante da perda do amor.
Em seguida, as autoras abordam algumas contribuições teóricas que nos ajudam a compreender o caminho para a superação das dores de amor e de uma separação conjugal e aspectos que a inviabilizam. Freud, em Luto e Melancolia ([1917] 1969), indica a necessidade de um tempo determinado para o trabalho de luto ser concluído e o ego se ver novamente livre e desinibido para novas investidas libidinais. O desinvestimento amoroso sobre o ex-parceiro se faz concomitantemente com a recuperação das partes de si que foram projetadas no outro; e isso só pode vir acompanhado por uma possibilidade de integração egoica de cada um dos envolvidos, o que significa quebrar com a idealização do modelo fusional de relacionamento (sem diferenciação e limites entre os parceiros). Com isso, a energia poderá ser canalizada para outras áreas ou relacionamentos.
A capacidade de reorganização interna está intimamente ligada com a forma como foi estruturada a personalidade das pessoas envolvidas em um relacionamento e sobre a percepção de si mesmo: dependente/independente, capaz/incapaz, ser uma pessoa capaz de ser amada ou não. Enfim, como foi estruturada a autoestima.

NEUROCIÊNCIA AFETIVA
Maria Tereza Maldonado, na apresentação do livro Labirinto de Espelhos, aponta que os conhecimentos recentes da Neurociência afetiva e as pesquisas sobre as origens da construção do vínculo entre mãe e filho desde a gravidez mostram a possibilidade de desenvolver, desde os primeiros anos de vida, as sementes do amor, da empatia e da capacidade de cuidar. Criando, assim, condições para que desenvolvam habilidades e competências a partir da construção de uma base sólida de boa autoestima. Essa base sólida permite percorrer, de modo mais seguro, os labirintos da vida, com suas dificuldades e possibilidades, surge como alicerce de força de vida. Acreditar em si mesmo, em sua força, em suas possibilidades de ser bem-sucedido é ingrediente básico da autoestima, que influencia o grau de autodeterminação. A formação da boa autoestima depende profundamente do olhar amoroso de apreciação, do ser visto como pessoa de valor, com competência, no mínimo por uma pessoa significativa nos círculos de convivência. Quando esse olhar estruturante falha, a pessoa tenta alicerçar-se externamente no parceiro, procurando nele a segurança (e a autoestima) que lhe falta. Quando, então, o rompimento se dá a insegurança e as instabilidades internas surgem à tona, além do luto esperado para a finalização de um relacionamento. Estas estavam apenas tamponadas pelo relacionamento. Dependendo do tamanho da insegurança e da instabilidade, além da estrutura de personalidade de cada um, a reação será mais ou menos agressiva, mais ou menos depressiva, e a dificuldade em responsabilizar-se pelo término, culpabilizando o outro, se impõe. Muitas vezes o ódio se manifesta pela ferida aberta e o estrago é feito na vida de quem está em volta. Do ex-parceiro (a), dos filhos, enfim chegando a tragédias como vemos estampadas em jornais do nosso país e do mundo.
Interessante pensar a partir dos resultados das pesquisas apresentadas anteriormente: em adultos jovens há a predominância de sentimentos positivos tanto para homens como para as mulheres, embora em intensidades diferentes, pois o nível de sentimentos positivos para eles foi superior ao delas. Além disso, as mulheres atingiram níveis mais elevados de sentimentos negativos quando comparadas aos homens, o que indica um maior sofrimento por parte delas.
Constata-se que as mulheres ainda possuem a maior dificuldade em fazer o luto, bem como lidar com a separação, principalmente quando do lugar de mãe e as exigências feitas ao ex- parceiro. Como já relatei neste arquivo sobre a imagem das Medeias, Levy e Gomes levantam a questão das que “matam” seus filhos nas Varas de Família após separações. Embora não seja este o objetivo do artigo, é importante vincular aqui a questão da alienação parental, ensejando a morte psicológica dos filhos envolvidos nesses litígios. A necessidade, porém, de uma análise histórico-cultural se faz imprescindível para que se entenda que essa não é uma questão de gênero, mas da contextualização da mulher no mundo e nas relações e seus vínculos com o poder.
O quanto a questão das relações vinculares significativas e seu olhar de valorização e respeito sobre a crian- ça são fundamentais na estruturação da autoestima e da personalidade. O quanto a desvalorização da mulher por séculos ainda pesa na estruturação de sua autoestima. Quanto mais bem estruturadas encontram-se a autoestima e a personalidade, maior a flexibilidade e melhor a forma como cada um vai lidar com os rompimentos de relacionamentos amorosos.

MUDANÇAS
Percebem-se mudanças contemporâneas quando se analisa o resultado da pesquisa com adultos jovens que demonstram reações positivas às separações, diferentemente do que era esperado anteriormente. Segundo os autores, podendo estar relacionado aos novos valores que regem a sociedade contemporânea, dentre eles a repulsa ao sofrimento, o consumismo, o hedonismo, a descartabilidade e a efemeridade. À dificuldade em fazer contato e vivenciar emoções mais negativas, bem como lidar com as frustrações e a realidade do cotidiano de um relacionamento mais duradouro. Ao mesmo tempo, a sociedade está mais permissiva, aceitando, com maior naturalidade, a troca de parceiros com maior frequência.
Sobre formas melhores de lidar com rompimentos não foram encontrados textos de cunho acadêmico que falem sobre o assunto diretamente, como diversos sites o fazem. Tais dicas vão desde “deixar fluir” as emoções e fazer o luto até encontrar hobbies, estar com familiares e amigos. A internet e as redes sociais devem ser evitadas bem como ambientes que fazem lembrar-se do ex- parceiro. Apesar dessas dicas (que por vezes soam como parte de livros de autoajuda) que são importantes, necessário se faz um mergulho interno de cada um em busca do resgate de partes de si que se perderam no relacionamento e projetadas no ex- parceiro, das necessidades que foram procuradas externamente ao invés de serem desenvolvidas internamente. Da busca de autonomia interrompida, que deverá ser resgatada, que ajudará cada um a não se sentir tão frágil e vulnerável frente a uma separação. A autonomia e autoconfiança que impedirão que medos infantis, senti- mentos de rejeição e abandono surjam em uma regressão devastadora. Que dos rompimentos venham a tristeza, o luto e a saudade. A experiência agregada que fará buscar novas experiências evitando repetições prejudiciais ao crescimento individual. E também à monotonia de um casamento falido, bem como aprendendo a lidar com as frustrações normais a um relacionamento. Enfim, quem se encontra não se perderá frente a um rompimento.
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