PSICOLOGIA NA PRÁTICA DO ESPORTE – III
As práticas contemplativas e suas variadas técnicas estão ajudando atletas de alto rendimento a melhorarem o desempenho esportivo, por intermédio de um trabalho que enfatiza o aspecto mental
A IMPORTÂNCIA DO JOGO MENTAL
No esporte dizem que 90% do desempenho é mental. Quantas vezes, em conversas sobre competições esportivas, já ouvimos a frase “está tudo na cabeça”? Mesmo assim, treinadores e atletas passam a maior do tempo, esforço e dinheiro realizando treinos físicos e técnicos, deixando pouquíssimo espaço para o chamado jogo mental. A importância de uma mente clara e focada é muitas vezes subestimada. E uma mente que não está sob controle está mais propensa a erros que, muitas vezes, podem custar uma partida ou até uma final. Além disso, o estresse, a ansiedade e a pressão sob as quais atletas são submetidos constantemente ocasionam em falta de atenção, concentração, perda das habilidades motoras e falência.
Entretanto, a quantidade correta de estresse e ansiedade controlados pode manter o atleta em um estado mental ideal, chamado de “zona”, que consiste em estar totalmente focado e presente no momento. Psicólogos do esporte afirmam que não estar “presente no momento” é o que provoca confusão mental. Isto é, quando, durante uma competição, o atleta pensa em eventos passados ou nas consequências da derrota, a confusão mental se instala pela falta de foco no momento presente, prejudicando o desempenho. Ao contrário, um atleta focado no momento presente e livre de padrões mentais negativos e medos tem mais chance de vencer.
Como consequência, tem se tornado cada vez mais comum entre atletas a realização de rotinas mentais, como visualizações, ensaios, autoverbalização e relaxamentos para ajudá-los a superar distrações, estados psicológicos desfavoráveis e desenvolver prontidão mental.
Os pesquisadores Michael Greenspan e Deborah Feltz, das Universidades Estaduais do Arizona e de Michigan, respectivamente, concluíram, em uma revisão sobre o tema, que as intervenções baseadas em relaxamento e reestruturação cognitiva são altamente eficazes na melhora de desempenho esportivo. Segundo os autores, essas estratégias de coping permitem que os atletas dirijam o foco para as sensações internas do corpo, como a respiração, resultando em melhores desempenhos competitivos.
Enquanto as rotinas mentais parecem de fato influenciar o desempenho atlético, o mecanismo exato pelos quais elas funcionam ainda não está claro. Em um estudo clássico com medalhistas olímpicos, a equipe do pesquisador Daniel Gould, da Universidade Estadual de Michigan, registrou que os atletas utilizam as rotinas mentais como modo de chegar a um estado mental ideal e que 53% dos atletas entrevistados sobre seus piores desempenhos disseram não ter aderido às rotinas mentais. De acordo com os pesquisadores, a habilidade de regular o estado de excitação, chamado de arousal, parece influenciar diretamente o desempenho atlético. Essa excitação (arousal) refere-se a quão ativado emocionalmente um atleta se torna antes ou durante a competição. As rotinas mentais parecem, desse modo, ajudar na ativação de um estado de excitação mais apropriado à performance, regulando expectativas, confiança, concentração e atenção, e o próprio nível de excitação durante a competição esportiva.
ESPORTE ZEN
As últimas décadas de pesquisas mostram que psicólogos do esporte e preparadores têm utilizado rotinas mentais especiais para melhora do autocontrole e autorregulação emocional. Ao invés de controlar ou rejeitar experiências internas, essas rotinas enfatizam uma consciência atenta e não crítica, aceitação, atenção, concentração, relaxamento e técnicas de respiração, como modo de melhorar o desempenho competitivo. O yoga, que inclui a meditação, é o único método capaz de desenvolver todas essas variáveis ao mesmo tempo.
O yoga é um sistema milenar de práticas mente-corpo que se originou na Índia há mais de 2.000 anos e foi descrito sistematicamente a posteriori (Yoga Sutras de Patanjali, cerca de 900 DC.). Envolve a utilização de técnicas diferentes como posturas (asanas), respiração controlada (pranayamas), relaxamento consciente e profundo (yoganidra) e meditação. De acordo com a dra. Shirley Telles, uma das maiores pesquisadoras do tema e diretora de pesquisa do Patanjali Research Foundation, em Haridwar, na Índia, essas técnicas têm efeito específico no estado psicológico das pessoas. Em uma revisão sobre yoga e saúde mental, ela relatou que os estudos mostram melhoras significativas na autorregulação emocional com consequentes reduções nos níveis de ansiedade e estresse e melhoras na atenção, concentração, humor, qualidade de vida e bem-estar.
Hoje, práticas contemplativas como yoga e meditação mindfulness vêm sendo cada vez mais utilizadas no esporte como parte do treinamento mental de atletas. Tais práticas têm sido úteis na aceitação de sentimentos negativos e pessimistas e no desenvolvimento de habilidades emocionais específicas necessárias durante uma competição esportiva.
Aceitar e lidar apropriadamente com pensamentos e sentimentos negativos, assim como experimentar um estado mental correto durante as competições, é a diferença entre ganhar e perder. Os pesquisadores Amy Gooding e Frank Gardner, do Departamento de Psicologia da Universidade Kean, nos Estados Unidos, descobriram que, na verdade, atletas medianos e de elite experimentam níveis similares de ansiedade, mas a diferença está na maneira pela qual os atletas de elite interpretam a ansiedade pré-competitiva como facilitadora. Sendo uma forma específica de excitação (arousal), a relação entre ansiedade e desempenho competitivo tem sido bastante estudada ultimamente. Os autores afirmam que uma experiência emocional requer uma interpretação cognitiva do nível de excitação. Outra possibilidade é que o desempenho dependa de estratégias de coping, como a confiança do atleta em lidar com a ansiedade e a percepção das demandas específicas do esporte. Com o tempo, através de experiências negativas e positivas, o atleta pode treinar o reconhecimento do nível de excitação apropriado (e, consequente- mente, ansiedade) e ajustá-lo às necessidades competitivas.
Da perspectiva das práticas contemplativas, é possível que atletas de elite lidem melhor com pensamentos e sentimentos negativos por estarem mais presentes no momento. Prestando plena atenção (mindfulness) e se tornando mais conscientes durante o desempenho, esses atletas exercem menos esforço na tentativa de controlar e reduzir cognições e emoções. Na verdade, é exatamente o contrário, são capazes de desempenhar suas tarefas competitivas com quaisquer cognições e emoções que estejam experimentando.
CONTRIBUIÇÃO
Apesar da sugestiva relação entre práticas de mente-corpo e treinamento mental de atletas, poucos estudos observaram o impacto dessas rotinas no estado psicológico dos atletas e no desempenho esportivo. Além disso, a maioria dos estudos utiliza exclusivamente técnicas de mindfulness ou estratégias baseadas em mindfulness para esse propósito.
Mindfulness é um tipo de atenção focada, uma “percepção ou conscientização não crítica do momento presente”, que pode ser desenvolvida através de técnicas contemplativas e até artes marciais. A Psicologia do Esporte tem utilizado intervenções baseadas em mindfulness como rotina mental para melhorar o desempenho e o humor geral dos atletas. A técnica de concentração na respiração, por exemplo, uma das práticas de mindfulness, ajuda a reduzir a ruminação mental. Uma mente ruminante é uma mente fora de controle. E quando se tem 30 segundos para decidir uma partida, a última coisa que um atleta quer é uma mente confusa.
De modo específico, técnicas de meditação mindfulness, um componente de práticas contemplativas como o yoga, que foca na percepção e na atenção plena para o desenvolvimento de uma observação desapegada dos conteúdos da consciência, podem representar uma poderosa estratégia comportamental de coping para se lidar com o estresse, a ansiedade e pensamentos negativos no esporte. No entanto, poucas pesquisas investigaram o efeito dessas práticas no estado mental de atletas. Alguns estudos observaram níveis reduzidos de ansiedade e estresse e melhores desempenhos em arqueiros, jogadores de basquete e de futebol após a utilização de intervenções baseadas em mindfulness.
Pesquisadores afirmam que as técnicas contemplativas ajudam a treinar o córtex pré-frontal, a parte do cérebro responsável por criar o estado mental de calma e alerta, mantendo os atletas focados, sem distrações e com o melhor desempenho possível. De acordo com a dra. Kristen Race, fundadora do blog Mindful Life e autora do Mindful Parenting, nos Estados Unidos, a capacidade de observar os pensamentos e emoções desapegadamente reduz significativamente os níveis de cortisol sanguíneo, o chamado “hormônio do estresse”. Além disso, a capacidade de direcionar a atenção para dentro ativa uma área do cérebro chamada de ínsula, resultando em maior sensação de consciência do próprio corpo e melhorando a comunicação entre mente e corpo. O resultado disso é que os atletas percebem melhor as mudanças fisiológicas, como uma respiração muito superficial ou um músculo tensionado, e podem rapidamente fazer os ajustes apropriados, mesmo antes de saber conscientemente o que está acontecendo e de esses fatores impactarem no desempenho.
NO BRASIL
No Brasil, um estudo da autora com lutadores profissionais de jiu-jítsu observou redução nos níveis de ansiedade, fadiga, tensão e raiva após utilização de uma intervenção baseada em técnicas de yoga (YBIS). Pesquisas que envolvem práticas de yoga, e não somente mindfulness, ainda são minoria, mas também possuem potencial positivo de resultados. Enquanto posturas (asana), relaxamento profundo (yoganidra – conhecido em mindfulness como body scan) e meditação são parte de quase todas as intervenções de mindfulness, o yoga compreende outras técnicas, como as respiratórias (pranayama), que não estão incluídas em mindfulness, mas que parecem desempenhar papel importante na regulação do humor. Por exemplo, uma equipe de pesquisadores italianos, comandada pela dra. Daniele Martarelli, da Universidade de Camerino, na Itália, observou que os níveis de cortisol, aumentados após o exercício em atletas, estão relacionados ao estresse oxidativo (aumento de radicais livres) e podem ser revertidos após respiração diafragmática (pranayama). Essa estratégia ajuda a regular os níveis de cortisol, sugerindo efeitos no estresse e na ansiedade. Além disso, a respiração profunda envia sinais ao sistema nervoso simpático que, por sua vez, reduz os batimentos cardíacos. Não é à toa que jogadores de basquete costumam respirar profundamente antes de lançar a bola. Eles o fazem intuitivamente, na tentativa de reduzir os batimentos cardíacos e consequentemente a ansiedade, que poderia custar os pontos de uma cesta.
A pesquisa sobre a relação entre técnicas contemplativas e treinamento mental na preparação de atletas é um campo emergente, e pouco ainda se sabe sobre como o cérebro funciona nesse sentido. No entanto, as pesquisas de fato observam melhoras no estado mental e no desempenho esportivo dessa população. Tais práticas comprovadamente reduzem o estresse e a ansiedade, conectando o indivíduo ao momento presente e criando uma mente mais resiliente. E estas, definitivamente, são as características mentais dos verdadeiros campeões.
O psicólogo do esporte e professor de meditação George Mumford trabalhou nas equipes de basquete norte-americanas do Chicago Bulls, durante os anos de Michael Jordan, e no Los Angeles Lakers. Atualmente é consultor de diversos atletas e times de esportes diversos. Nas palavras de Mumford: “Você precisa focar em si mesmo. É muito mais difícil conquistar a si mesmo que aos outros. Isso é o mais difícil que temos que fazer, mas também o mais benéfico. Tudo acontece no momento presente. Esse momento é tudo o que temos. É somente no momento presente que podemos mudar as coisas. E você não está somente mudando para si, você está fazendo isso por todos. Todos se beneficiam. Na vida ou no esporte, esse é o maior ato de altruísmo”.
EXIGÊNCIAS EXTERNAS E INTERNAS
A tradução literal do verbo to cope, do inglês, pode ser descrita como lutar, competir com sucesso ou em igualdade de condições. Seu significado pode ser, ainda, a ação de lidar de maneira adequada com uma situação, superando as adversidades ou os limites que essa situação apresenta. Em Psicologia, mais especificamente na Psiconeuroimunologia, área científica interdisciplinar que desenvolve uma abordagem tratando o ser humano como unidade indissolúvel de corpo e mente, o coping é estudado, principalmente, na relação com o estresse, sendo definido como tentativa ou empenho para lidar com exigências externas (do ambiente) ou internas (do próprio sujeito) observadas como sobrecarregando ou excedendo os limites e recursos da pessoa. Fatos estressantes ocorrem o tempo todo na vida das pessoas, que podem ser definidos como pequenas contrariedades do cotidiano, como a fila longa no banco, engarrafamentos no trânsito, a nota baixa do filho na escola e acontecimentos desse tipo, aparentemente sem grandes consequências, mas que trazem aborrecimentos. Curiosamente, fatos positivos também são considerados estressantes, como o encontro com um parceiro amoroso, a notícia da aprovação do filho no vestibular ou um elogio inesperado no trabalho, por exemplo: Não existe uma forma padrão e coletiva de cope. Pesquisas apontam duas categorias de estratégias básicas de coping: direcionadas para a resolução do problema e as orientadas para a regulação da emoção.
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