MENSAGENS PARA O INCONSCIENTE
Os sentidos captam informações que escapam à consciência, mas há dúvidas de que esses dados possam manipular nossa vontade. Pesquisas mostram, porém, que esses estímulos provocam reações cerebrais mensuráveis.
Quando falamos em estímulos subliminares, em geral pensamos em imagens que aparecem de forma tão fugaz a ponto de não serem percebidas pela consciência, mas que mesmo assim são capazes de influenciar as nossas decisões. Alguns acreditam que esse recurso permite criar determinados estados de ânimo e até obter ganhos, influenciando as pessoas a fazer certas escolhas. Usada de forma indiscriminada, essa técnica poderia ser um risco nas mãos de publicitários e políticos. Os cientistas demonstraram, porém, que o efeito da percepção subliminar não é tão espetacular como durante muito tempo se acreditou.
Essas técnicas vieram à tona em 1957, com uma experiência desenvolvida pelo publicitário americano James Vicary (1915 – 1977), especialista em pesquisa de mercado. Durante uma projeção em um drive-in, ele exibiu – em velocidade muito alta, sem que o público notasse – uma mensagem na tela: “Coma pipoca e beba Coca-Cola”. Na ocasião, Vicary anunciou que o sistema aumentou em 20% o consumo do refrigerante e em 60% o de pipoca. No entanto, cinco anos mais tarde o próprio Vicary admitiu que nunca levara a cabo uma experiência nesses moldes, e que queria apenas incrementar o faturamento de sua agência publicitária. Mas o mito da manipulação inconsciente já tinha nascido. Posteriormente, ele de fato fez uma experiência em um cinema na presença de um grupo de jornalistas, mas os dados haviam sido falsificados: o famigerado tactoscópio, aparelho que envia as breves mensagens, teria tido seus dados fraudados.
Para o cinquentenário de “Coma pipoca e tome Coca-Cola”, em 2007, o psicoterapeuta Jim Brackin, especialista em publicidade e hipnose, realizou uma experiência similar em um congresso de marketing em Istambul. Usando imagens subliminares, divulgou o produto inexistente, Delta. Após a projeção, os 400 congressistas tinham de escolher entre o Delta e outro produto, Theta. Resultado: 81% escolheu a primeira opção. Mas nunca se procedeu a uma comprovação – normalmente usada nos estudos científicos – para estabelecer se a mesma experiência sem as mensagens subliminares poderia trazer um resultado diferente.
CRUCIFIXO MISTERIOSO
No final de 2007, suspeitou-se que o candidato republicano à presidência dos Estados Unidos Mike Huckabee tivesse procurado manipular os eleitores durante a propaganda eleitoral. No centro das suspeitas havia uma estante de livros branca, visível na propaganda atrás de Huckabee. Com a ajuda do enquadramento e de um pouco de boa vontade, os eixos horizontais e verticais da estante formavam uma cruz. A acusação feita ao ex-pregador batista era de que ele pretendia associar, na mente do público, a própria imagem a um símbolo cristão. Aqui, porém, o termo “subliminar” é insuficiente. Em latim sub limen significa “sob o limite” e se refere a estímulos tão fracos a ponto de não serem percebidos conscientemente; mas a estante “em cruz” era bem reconhecível pelos espectadores.
Os cientistas desenvolveram um critério mais rigoroso que o limite de tempo, no qual um símbolo pode ser considerado “subliminar”. Se, por exemplo, o “4” aparece por um segundo na tela, é percebido conscientemente. Mas se o tempo de exibição for reduzido, chega-se a um patamar limite e quem observa garante que não enxerga nenhum número. Ainda assim, caso se deva adivinhar se o número mostrado é inferior ou superior a “5”, a resposta é descoberta com frequência superior à média: evidentemente, quem olha enxerga alguma coisa sem se dar conta.
Portanto, uma percepção é considerada subliminar mesmo se, como no caso descrito, os participantes adivinham só por acaso. O número não deve aparecer na tela por mais de 30 milissegundos. Além disso, deve ser logo “disfarçado” por uma faixa com uma série de letras colocadas por acaso. É assim que os pesquisadores definem esse artifício – caso contrário a imagem que fica na retina poderia ter uma impressão fixa. Assim sendo, a estante de Huckabee estava muito acima desse limite da percepção.
Como deve ser o estímulo para que passe despercebido? Pode ser de vários tipos, como demonstraram experiências desenvolvidas por psicólogos e neurocientistas. Sem que saibamos, o cérebro entende palavras, interpreta a mímica dos rostos, decifra símbolos e capta sons. Numerosas experiências de priming (facilitação) desvendam a influência dos símbolos que escapam à consciência: um impulso desencadeado abaixo do patamar limite, o prime, influencia a reação a um estímulo percebido conscientemente, o target (alvo). Os exemplos clássicos dessas experiências têm base nos números: os participantes veem na tela um número entre 1 e 9 e devem classificá-lo, apertando a tecla esquerda se inferior a 5 e a direita, se superior. É uma tarefa tão simples que, em geral, ninguém costuma errar.
A ação dos estímulos subliminares se manifesta principalmente no tempo da reação: os indivíduos reagem mais rápido se, antes do estímulo-target percebido conscientemente, aparecer ligeiramente um estímulo-prime subliminar, que requer apertar a mesma tecla. Se, por exemplo, um 7 for rapidamente iluminado antes de um 8 percebido conscientemente, os participantes decidem com mais rapidez apertar a tecla correta. Ao contrário, um 4 subliminar os faria hesitar por mais tempo. A experiência também funciona se o número estiver escrito por extenso, como no caso de “sete”. As palavras com significado emotivo, como “medo”, também influenciam a escolha, e a mímica dos rostos, mais ainda.
A elaboração subliminar da expressão facial foi acompanhada em 2007 pelos psicólogos Monika Kiss e Martin Eimer, pesquisadores da Universidade de Londres, por meio do registro de medidas com o eletroencefalograma (EEG). Durante a experiência, 14 participantes eram orientados a diferenciar as fotos de pessoas com expressão assustada ou neutra. Os voluntários conseguiam realizar a tarefa com desenvoltura se o rosto fosse exibido por 200 milissegundos. Quando o tempo era reduzido para 8 milissegundos, as respostas eram eventuais. Neste caso, o estímulo podia ser definido como subliminar. Mesmo assim o eletroencefalograma mostrava as mesmas variações que têm origem também com a percepção consciente.
FORTES EMOÇÕES
O “mito da ação subliminar” tem, portanto, uma base empírica: estímulos não captados conscientemente provocam reação que pode ser medida no cérebro. Não é aceitável, porém, falar de 1 manipulação profunda dos nossos julgamentos e decisões.
Em 2000 surgiu o temor de possíveis influências políticas ocultas quando, para combater o adversário político Al Gore, um assessor da equipe de George W. Bush sugeriu iluminar muitas vezes em uma propaganda eleitoral a palavra bureaucrats (burocratas) e, por três centésimos de segundo apenas, as quatro últimas letras: rats, ou seja, ratos. Mas o uso da palavra “negativa” realmente influenciava os eleitores? O grupo de pesquisa coordenado pelo neurocientista cognitivo Stanislas Dehaene, pesquisador do Collège de France, em Paris, estudou de que maneira os estímulos subliminares podem ser captados. O pesquisador Lionel Naccache, membro da equipe, forneceu a primeira demonstração direta da influência das palavras com conteúdo emotivo. Ao acompanhar três pacientes epiléticos que tinham em seu cérebro eletrodos para o trata- mento da patologia, chamou sua atenção que palavras subliminares com forte dose emotiva exercem influência sobre a amígdala, uma região cerebral determinante no processamento de emoções. “Tais vocábulos modificavam a atividade da amígdala, justamente como acontece com a elaboração consciente”, afirmou Naccache.
O cientista Raphael Gaillard, outro pesquisador da equipe de Paris, demonstrou que palavras fugazes com conteúdo emotivo entram na consciência antes daquelas com sentido neutro. Durante sua experiência, mudou o tempo em que um vocábulo apresentado de forma subliminar é disfarçado, aleatoriamente, pela exibição de vá- rias de letras na mesma cena. No caso daquelas neutras, de cada dois pacientes um se lembrava do que estava representado na tela. Quando se tratava de termos com conotação negativa, três em cada duas pessoas se recordavam deles. Gaillard concluiu que o conteúdo emotivo de uma palavra pode reduzir o limiar da percepção consciente. E que as palavras percebidas de que possamos nos dar conta são elaboradas de maneira específica, de acordo com o seu conteúdo semântico. É muito improvável que com esses artifícios seja possível manipular as pessoas, porque, quando o estímulo não atinge a consciência, a influência dura pouco tempo. A experiência de Gaillard demonstra serem determinantes não apenas a duração da percepção, mas também o seu conteúdo. Além disso, os estímulos subliminares são elaborados de acordo com a atividade que a pessoa está desempenhando naquele momento.
Esse tema foi estudado pelo neurologista Kimihiro Nakamura, da Universidade de Kyoto. Fazendo uso da estimulação magnética transcraniana (EMT), ele desativou algumas áreas do cérebro em um grupo de pessoas que enxergavam imagens subliminares nas palavras. Com essa técnica, ele podia interromper dois efeitos priming. No primeiro caso, em um teste de reconhecimento verbal, os voluntários deveriam apertar uma tecla para comunicar se a faixa de letras rapidamente sobrepostas formava ou não uma palavra. Se o mesmo vocábulo era proposto de forma subliminar, os voluntários reagiam com mais velocidade, desde que o estímulo magnético não impedisse essa ação.
No segundo caso, os participantes do teste tinham de pronunciar em voz alta uma palavra inscrita. Desta vez a resposta era mais rápida quando era projetada de forma subliminar. E, também neste caso, a EMT podia anular o efeito priming.
Com base nessa tarefa, era preciso desativar várias áreas do cérebro: se os indivíduos mantinham separadas entre si as palavras e as faixas com as letras colocadas ao acaso, havia uma desativação da parte superior do lobo temporal. Ao contrário, na tarefa de leitura a área magnética precisava estar na parte inferior do lobo temporal. Isso significa que a área em que o estímulo subliminar deixa rastros no cérebro é determinada pela tarefa na qual os candidatos são submetidos à percepção subliminar.
Segundo Stanislas Dehaene, pode ser que elaboremos o estímulo subliminar em nível semântico. Seria um resultado fascinante: o estímulo óptico é reconhecido como palavra, a faixa de letras é decifrada e a representação da palavra é lembrada pelo cérebro. Tudo isso acontece sem nos darmos conta.
De acordo com Nakamura, o efeito priming subliminar passa de uma modalidade sensorial a outra. Mesmo se a palavra fosse inserida sob a forma escrita por 3 centésimos de segundo e a tarefa sucessiva de reconhecimento verbal consistisse na sua pronúncia, a faixa de letras inserida de forma subliminar diminuía o tempo de reação das pessoas. Dehaene deduz que percebemos os estímulos de maneira consciente quando produzem uma “reverberação” distribuída e duradoura no cérebro. Portanto, não apenas o tempo do estímulo é determinante, mas também os processos cognitivos superiores: por exemplo, a tarefa em que a pessoa está envolvida naquele momento ou na qual deve se concentrar.
Mas a questão científica ainda está aberta. Os céticos refutam a ideia de que possamos ler palavras em um nível inferior ao patamar da consciência. É provável que as faixas com poucas letras tenham sido “arquivadas” no cérebro como figura completa e criado efeitos priming.
Em 2000, o psicólogo Richard Abrams, da Universidade de Washington, encontrou alguns indícios disso. Inicialmente, permitiu que os indivíduos determinassem o conteúdo emotivo dos termos: a palavra smile (sorriso), por exemplo, tinha efeito positivo, enquanto smut (sujeira) assumia conotação negativa. Após a experiência de priming, Abrams confirmou que uma palavra subliminar de cunho negativo provocava reações mais rápidas nos indivíduos quando se davam conta conscientemente de uma palavra que tinha o mesmo significado.
Mas também os acrônimos sem sentido como anrm suscitavam o efeito de uma palavra prime de caráter positivo se antes os indivíduos tivessem lido várias vezes palavras de conotação positiva, como angel (anjo) e warm (calor). Abrams conseguiu até transformar smile em uma palavra subliminar emotiva- mente negativa: deixou que os indivíduos lessem várias vezes smut (sujo) e bile (bílis). O psicólogo deduz que, em nível subliminar, reconhecemos apenas fragmentos das palavras na memória.
Em 2007, a empresa coreana Xtive lançou um programa de computador que sussurrava em frequências não audíveis frases bem-humoradas como “desligue este treco” às pessoas dependentes do computador. Os produtores argumentam que a mensagem subliminar pode curar a dependência. Existe até “CDs subliminares” à venda: em geral, são inofensivas gravações de textos extraídos do seu contexto, acrescidos à música relaxante, que ajudam as pessoas a pegar no sono (pelo menos tem esse efeito para boa parte delas). No entanto, não existe uma indicação com relação ao efeito exato desse material. E há poucas pesquisas em curso: do ponto de vista científico, esses produtos são pouco discutidos. Por definição, quem os compra não sabe que alcance têm as mensagens “disfarçadas” – se é que realmente têm algum efeito.
Essas propostas estão quase totalmente em desacordo com a definição científica do estímulo subliminar. Se, por um lado, pesquisadores como Stanislas Dehaene usam esses recursos para medir o limite da consciência, por outro alguns supostos especialistas se apropriam do assunto e propõem uma “programação da mente”, apostando que um estímulo imperceptível do inconsciente pode fazer a fantasia humana alçar voo. Porém, se excluímos o que foi demonstrado pela ciência, o efeito que se pode obter com essas técnicas é pura questão de fé.
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