ANSIEDADE
A principal característica do transtorno é o pensamento voltado para o futuro: há a sensação permanente de que algo desconfortável ou mesmo catastrófico pode acontecer. Na tentativa de fugir de ameaças imaginárias, muitos deixam, por exemplo, de ir a uma festa para evitar o julgamento alheio ou de sair de casa com receio de sofrer um ataque de pânico. felizmente, há tratamento. O primeiro passo é reconhecer quando a preocupação está passando dos limites e buscar ajuda médica ou psicológica

“Um pedaço de pão comido em paz é melhor que um banquete mastigado com ansiedade.” A citação de Esopo revela um aspecto crucial dessa emoção: o pensamento voltado para o futuro. Com a mente focada no que pode acontecer, vivemos em alerta e não usufruímos o presente. Ela atinge diretamente o bem-estar. “A princípio, não existe ansiedade boa. É essencialmente desagradável, de caráter antecipatório. É uma emoção complexa, que envolve o medo como sintoma”, define o psiquiatra e terapeuta do comportamento Tito Paes de Barros Neto, autor de Sem medo de ter medo (Casa do Psicólogo, 2000). Isso não significa que seja sempre patológica, pelo contrário. A ansiedade é uma reação saudável quando associada a situações que podem causar mudanças em nossa vida ou comprometer nossa integridade física ou a de quem amamos, como uma prova importante, receber os resultados de um exame médico, a demora de um ente querido para chegar em casa. “Imagine atravessar a rua. O medo de ser atropelado nos faz olhar para os dois lados. Tem função protetora. Mas, se deixamos de sair de casa porque existe possibilidade de sofrer um acidente, é patológico”, diz Barros Neto.
Sintomas físicos da ansiedade são muito próximos dos do estresse – coração acelerado, boca seca, mãos frias, respiração ofegante. Surgem quando há estímulo real, sinalizando que o corpo e a mente estão se preparando para enfrentar um desafio. Nesse caso, a ansiedade é adaptativa. “É uma função mental normal e útil. Ela ajuda a nos preocuparmos com o futuro e a tomar medidas antecipadas para evitar problemas. Mas, quando passa dos limites, começa a causar prejuízos. Por exemplo, a pessoa fica tão preocupada com uma prova que nem consegue dormir nem se concentrar para estudar, ou fica tão ansiosa com uma festa que passa mal e não consegue ir”, diz o psiquiatra Antônio Egídio Nardi, coordenador do Laboratório de Pânico e Respiração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Na ansiedade patológica, sintomas físicos, psíquicos e comportamentais podem surgir sem estímulo específico: irritabilidade, insônia, inquietação, dores de cabeça, diarreia, comportamentos de evitação e sensação de estar perdendo o controle. “Muitas das pessoas que buscam ajuda médica chegam com o receio de estarem ficando loucas. Relatam ter medo de se descontrolar, de cometer um desatino”, diz Barros Neto.
A ansiedade patológica compreende vários espectros. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais (DSM) prevê diferentes tipos do transtorno, que diferem nos sintomas e no tratamento indicado. Os transtornos de ansiedade são, juntos, o problema de saúde mental mais comum no mundo – a prevalência na população é de 25%, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Isso sugere que a patologia não é causada apenas por fatores sociais e culturais – uma “doença moderna” -, como o senso comum considera. Não existe nenhum marcador ou exame laboratorial que ajude no diagnóstico de um transtorno de ansiedade, que é clínico, ou seja, baseado nos sintomas. O psiquiatra deve descartar possíveis causas orgânicas subjacentes aos sintomas, como alterações hormonais da menopausa ou disfunções da glândula tireoide.
A hipótese mais aceita é que cada transtorno de ansiedade é o resultado da interação entre genética e estímulos ambientais estressantes. “Sem o fator genético não existe o transtorno, mas a presença dele também não é um destino, é apenas uma possibilidade”, diz Nardi. No pânico, por exemplo, há mais influência dos fatores hereditários. Já os transtornos de ansiedade generalizada (TAG) e fobia social sofrem mais influência ambiental. “Nesse caso, a cultura de meritocracia e a urbanização aumentam, sim, a incidência”, diz o psiquiatra Márcio Bernik, coordenador do Ambulatório de Ansiedade (Amban) do Hospital das Clínicas do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP). O estudo epidemiológico São Paulo Megacity Mental Survey, que avaliou a morbidade psiquiátrica na região metropolitana paulista, levantou uma prevalência de 29% da população. “Grupos de risco incluem imigrantes, pessoas que vivem em regiões com alto índice de violência e mulheres jovens de baixa renda”, diz Bernik.
O tratamento medicamentoso var ia conforme o tipo de transtorno. No pânico, geralmente, é inicialmente feito com a associação de ansiolíticos (benzodiazepínicos) e antidepressivos, especialmente os inibidores seletivos da receptação de serotonina (ISRS). Quando estes últimos começam a fazer efeito, os ansiolíticos são retirados.
Segundo Barros Neto, ansiolíticos devem ser usados com reserva. “Podem causar de pendência química e problemas de memória quando há uso prolongado”. O tratamento com antidepressivos é mais eficaz quando combinado à psicoterapia. “Há estudos somente com psicoterapia, outros somente com medicação. Em trabalhos que avaliam a combinação, os resultados costumam ser superiores, porém há ainda controvérsias”, diz Bernik. “Para evitar recaídas, de modo geral deve-se prolongar o tratamento por um ano. Poucos pacientes precisam de tratamento continuado de longo prazo.”
MEDO DE GENTE
O mais comum dos transtornos de ansiedade é a fobia social, ou ansiedade social, que afeta de 3,5% a 16% da população geral – os dados variam devido à metodologia e às amostras dos diferentes estudos. Os primeiros sinais costumam surgir ainda na infância. Bernik enumera possíveis sintomas do transtorno nessa fase da vida, que devem ser examina dos com cuidado. “Ansiedade de separação, uma preocupação exagerada em se afastar dos pais ou de que algo ruim aconteça com eles. Situações em que a criança fala somente na presença dos pais ou parentes próximos, recusa-se a ir para a escola ou manifesta sofrimento excessivo na véspera de provas ou competições esportivas.”
A fronteira entre a timidez excessiva e o transtorno é difícil de demarcar – basicamente, é necessário tratamento quando o receio de ser observado e avaliado pelos outros começa a causar sofrimento ou prejuízos em algum campo da vida, seja profissional, como a perda do emprego por evitar o ambiente de trabalho, seja pessoal, como a dificuldade em travar relacionamentos. “O fóbico social costuma ser monossilábico, econômico nas palavras. Isso é geralmente interpretado pelas outras pessoas como desinteresse. A pessoa com o transtorno tende, assim, a se isolar. Evita situações cotidianas nas quais pode se sentir constrangida, como comer ou escrever na frente dos outros”, diz Barros Neto. Além disso, a ansiedade social está particularmente relacionada ao abuso de álcool e outras drogas que facilitam a interação social.
O tratamento da fobia social é feito com antidepressivos e terapia comportamental, que compreende estratégias como terapia de exposição e treino de habilidades sociais. O terapeuta simula em consultório situações que geram ansiedade – como incentivar o paciente a preencher um cheque na presença de outras pessoas e, principalmente, iniciar e manter conversas. A ideia é que a exposição repetida e prolongada diminui gradualmente a sensibilidade ao estímulo.
Mais recentemente, é possível contar com a tecnologia para o tratamento da ansiedade social. Na terapia de exposição à realidade virtual, o paciente vivencia, num cenário fictício e controlável, a situação que teme. Um estudo do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (IPQ-USP) analisou os efeitos da terapia de exposição à realidade virtual (ERV) não imersiva em 21 pessoas diagnosticadas com fobia social. Feita com imagens tridimensionais (3D) em monitores de computador, com o uso de óculos estereoscópicos e fones de ouvido, essa modalidade tem menor custo que a RV imersiva, que demanda o uso capacetes. Assim, orientados pela psicóloga Cristiane Gebara, autora do estudo, cada participante interagiu com um programa de computador que apresentava várias simulações: desde caminhar na rua – e ser observado por transeuntes – e arriscar pedir uma informação até receber convidados em uma festa e discursar para todos em agradecimento, lidando com imprevistos, como um celular que toca e pessoas que cochicham. O tratamento se completou, em média, em sete sessões e o tempo de habituação aos estímulos foi de cerca de 20 minutos. A média de redução dos sintomas de ansiedade social foi de mais de 70%. A pesquisadora reavaliou os pacientes seis meses depois do fim do tratamento e constatou que a melhora se manteve. “A técnica de exposição à realidade virtual preserva a privacidade do paciente, o que aumenta as chances de ele aderir ao tratamento, que pode ser oferecido em consultório”, explica a autora.
REAÇÕES PRIMITIVAS
A maior parte das mudanças químicas e estruturais observadas nos transtornos de ansiedade é similar às do estresse crônico. Um exemplo são as alterações do eixo endócrino hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA), que tem papel fundamental na resposta aos estressores psicológicos. Também há diminuição do controle dos receptores de CRF (fator ou hormônio liberador de corticotrofinas) sobre a produção do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), que estimula as glândulas adrenais, nos rins, a liberar cortisol, o hormônio do estresse. Nos quadros de fobias e pânico, há diminuição do controle do córtex pré-frontal (responsável, entre outras funções, por inibir comportamentos) sobre o funcionamento da amígdala – região subcortical, isto é, mais primitiva do cérebro -, associada ao processamento de emoções como medo e raiva.
A ansiedade foi um mecanismo importante para a evolução. Se não houvéssemos nos preocupado com nossos predadores e outros perigos, não teríamos tomado medidas de preservação da espécie. “O processo biológico de luta ou fuga do estresse permanece. A mente cria fantasias: uma ameaça fictícia é capaz de desencadear toda a bioquímica do estresse”, diz o psicólogo e psicanalista Rubens de Aguiar Maciel, coordenador da Clínica de Redução do Estresse da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP), que ensina técnicas de meditação de atenção plena (mindfulness) a pessoas com problemas de saúde relacionados ao estresse. A prática consiste basicamente em tentar focar a atenção no momento presente e observar pensamentos e sensações que transitam na mente. “A mente ansiosa é uma mistura do mecanismo ‘sempre alerta’ que adquirimos durante a evolução e de pensamento catastrófico. A meditação permite olhar para dentro e reconhecer ‘o lado negro da força’: medo, raiva e demais emoções que devem ser trabalhadas. E isso incomoda”, explica Maciel.
A prática compreende, por exemplo, a conscientização dos movimentos respiratórios. Inspirar e expirar o ar lentamente induz ao relaxamento e à introspeção, o que tem impacto imediato sobre sintomas físicos da ansiedade. As relações biológicas entre sistema respiratório e crises de ansiedade são pesquisadas por Nardi e seus colegas no Laboratório de Pânico e Respiração da UFRJ. Os ataques de pânico têm sintomas comuns à síndrome de hiperventilação (aumento da frequência e quantidade de ar que chega aos pulmões quando respiramos rápida e profundamente): palpitações, tremores, sensação de desmaio. Assim, a hiperventilação é capaz de desencadear a parte “automática” de um ataque. O excesso de ar ventilando nos pulmões reduz as concentrações de gás carbônico (C0) no sangue alterando o equilíbrio ácido-base do sistema nervoso central, o que desencadeia os sintomas cardiorrespiratórios. Assim, explica Nardi, as técnicas respiratórias são capazes de reestabilizar o pH sanguíneo e bloquear o automatismo da crise. Além disso, “mantêm o pensamento ‘longe’ do foco de ansiedade, ajudando a relaxar”, diz. Tanto é que uma das estratégias da terapia de exposição interoceptiva (que consiste em aumentar a conscientização das variações físicas que ocorrem no próprio corpo) para transtorno de pânico é provocar a hiperventilação. Com orientação do terapeuta, o paciente aprende a reconhecer que os sintomas físicos do distúrbio podem ser administráveis.
AGULHAS QUE TRATAM
” Da perspectiva da medicina tradicional chinesa não se fala em estresse, mas em adoecimento físico e emocional causado pelo contexto de vida do indivíduo”, explica a médica especialista em acupuntura Márcia Yamamura, do Setor de Medicina Chinesa – Acupuntura da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Cada emoção está relacionada a um órgão – a ansiedade está associada ao coração. A técnica consiste em aplicar agulhas em pontos definidos, distribuídos pelos meridianos – canais energéticos – correspondentes ao órgão em desarmonia, de forma a equilibrar disfunções ainda no nível energético e impedir, de acordo com a medicina tradicional chinesa, que evoluam para os graus funcional (inflamatório, quando há alterações na função do órgão) e orgânico (quando há lesão no tecido). O diagnóstico considera a saúde física e mental do paciente como um todo.
A acupuntura da medicina chinesa tem também efeito preventivo, como a alimentação saudável e a prática de atividade física. Pode evitar que o desequilíbrio psicoemocional venha a se desdobrar em problemas orgânicos no futuro. “No nível orgânico, a acupuntura é um tratamento coadjuvante à medicina convencional, não curativo. Ela atua no fator emocional desencadeante da doença, no grau energético”, diz a especialista, que estuda e aplica a técnica de mobilização do Qi mental, desenvolvida no mesmo setor da Unifesp. Basicamente, consiste em voltar a mente para as próprias emoções e reconhecer e trabalhar aquelas que levam à doença antes que se tornem alterações funcionais e orgânicas. “A maioria das pessoas não se previne contra doenças, muitas delas diagnosticáveis no nível energético”.






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