DO LUTO À LUTA
Um diagnóstico devastador de uma doença sem cura abala qualquer pessoa. Mas alguns casos podem surpreender e contrariar as expectativas dos médicos.
Essa é uma história de resiliência que mostra como o equilíbrio psicológico é tão importante na vida de todos nós. Quem conversa hoje com a astróloga de 55 anos Denise Medeiros, vivendo a expectativa de lançar um livro, não imagina que ela esteve à beira da morte em 2011. Na verdade, quando começou a escrevê-lo, nem sabia se conseguiria terminá-lo: o diagnóstico de miocardiopatia dilatada (doença progressiva do músculo cardíaco, agravada por um bloqueio total pelo ramo esquerdo) trouxe, na época, a sentença de três meses de vida e muito medo. Mesmo sem cura, depois de quatro cirurgias e muitos processos, Denise vive agora sem os sintomas. Onde o Deserto Encontra o Mar (Autografia) é o registro diário, contado em detalhes, de quem perdeu a saúde e passou a conviver com a antinaturalidade do estar doente. Denise precisou se reencontrar nesse caminho, desde a descoberta da doença até o resultado, passando pela experiência de quase morte e assumindo a montanha-russa de sentimentos que tomaram conta dela: da revolta pelo diagnóstico à aceitação e decisão de lutar pela vida.
“A aceitação do diagnóstico passa por diferentes fases e pode ser comparada ao processo de luto. Uma das teorias mais conhecidas sobre o processo de luto foi desenvolvida por Elizabeth Kübler-Ross, em seu livro Sobre a Morte e o Morrer, que divide o luto em cinco fases: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Ao receber o diagnóstico de uma doença crônica grave, o indivíduo precisa fazer o luto daquele corpo saudável e passar a conviver com as limitações impostas pela nova condição, pois jamais terá o mesmo vigor que tinha até então. Portanto, é comum que o indivíduo flutue entre essas fases, assim como fez Denise, até chegar na aceitação e, a partir daí, se movimentar para se adaptar a uma nova realidade.”
A história real e transformadora de Denise é uma injeção de coragem e faz pensar sobre o quanto o ser humano é capaz de superar desafios, ainda que derradeiros. O importante, no caso de Denise, foi buscar fazer dar certo, aliado ao tratamento adequado e ao acesso a médicos, enfermeiros e outros profissionais determinantes para a guinada na sua condição.
“Não é fácil, nem imediato, mas é preciso estar determinado ao sucesso, mesmo diante daquilo que parece impossível. É aí que um novo universo vai se abrir. Meu envolvimento com esse livro é muito profundo, nasceu dentro de mim em um momento bem diferente do atual. Hoje, a emoção me inunda de tal forma que tenho certeza de que fiz a coisa certa” acredita Denise, alinhada à missão de dividir com pessoas que vivem uma situação difícil o relato de esperanças, vitórias e superação.
“Essa capacidade que Denise demonstrou de lidar com a adversidade e fortalecer-se a partir do seu diagnóstico é denominada de resiliência. Em situações de doença grave, por vezes, o indivíduo pode apresentar elevados sintomas de estresse, deixando o organismo ainda mais suscetível à doença. Apesar de difícil, estar resiliente nesse contexto pode contribuir com a melhora dos sintomas. Muitos fatores pessoais e sociais influenciam na maneira como o indivíduo utiliza seus recursos internos, mas um fator importante é o suporte oriundo do sistema familiar. Atualmente, reconhece-se a necessidade de implementar ações, no contexto de doença crônica, que visem o fortalecimento da resiliência, dados seus benefícios para estes pacientes.
ETAPAS
Em Onde o Deserto Encontra o Mar, o leitor conhece as etapas diversas desse pedaço da vida da autora, incluindo, entre outros, a reação das pessoas e as decisões médicas. Ela aponta, como uma das passagens principais, o estado de ânimo que se instalou nela como fundamental para mudar o destino, encontrar as pessoas certas e chegar a um resultado surpreendente. O livro mostra como Denise decidiu que o que chegasse primeiro, a morte ou a vida, a encontraria preparada. ”A doença foi a minha melhor professora. Nesses sete anos vivi séculos, sou muito grata a ela: “São muitas as pesquisas que destacam o papel positivo da espiritualidade no tratamento de doenças crônicas, como as doenças cardíacas. Vale destacar que espiritualidade se trata da relação do indivíduo com valores, significados e sentidos de vida, enquanto que a religiosidade está ligada à devoção por alguma coisa. Existe um estudo bem importante que avaliou 4.028 indivíduos com cardiopatias congênitas, em 15 países de cinco continentes, e encontrou que a espiritualidade e a religiosidade estavam associadas com maior qualidade devida e satisfação com a vida, além de comportamentos voltados para maior cuidado com a saúde. Essa busca de Denise por uma nova forma de viver, a partir de um diagnóstico tão devastador, foi permeada por recursos da sua espiritualidade, uma vez que ela precisou conectar-se ao sentido de sua vida e ressignificá-la. É comum que a gente viva no piloto automático, sem nos darmos conta do que acreditamos ser o sentido da nossa vida, até nos depararmos com esse tipo de situação: Após ter o seu caso negado em diversos hospitais, foi no Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul que Denise encontrou parceiros na luta por recuperar a sua saúde. A primeira tentativa, um tratamento medicamentoso para insuficiência cardíaca, não conseguiu controlar a progressão da doença e dos seus sintomas. “Era necessário realizar um procedimento que fosse capaz de melhorar a qualidade e expectativa de vida de Denise. Para o seu caso, as possibilidades giravam em torno de um transplante cardíaco ou do implante de um marcapasso ressincronizador’ relembra um dos cirurgiões cardíacos que acompanharam o caso, dr. Roberto Sant’Anna.
Apesar de reverter completamente o quadro da insuficiência cardíaca, o transplante é um procedimento de alto risco que depende da doação de um órgão compatível. Por isso, a escolha dos médicos foi apostar no marcapasso ressincronizador, tecnologia que faz com que o coração funcione de forma sincrônica e assim recupere sua força de contração.
O implante de marcapasso é um procedimento pouco invasivo e pode ser realizado apenas com anestesia local e sedação. A cardiologista que acompanha o caso de Denise, dra. Imarilde Giusti, considera a intervenção um sucesso. “Ela teve uma resposta excelente à terapia de ressincronização cardíaca. Isso, em conjunto com o tratamento clínico, permitiu que a função cardíaca se recuperasse gradualmente.
Hoje os sintomas da insuficiência cardíaca como falta de ar e fraqueza quase não estão mais presentes e a expectativa de vida da Denise é normal. Uma situação completamente diferente da que encontramos quando ela chegou até nós”, diz a especialista.
PSICÓLOGA
Denise também teve atendimentos com uma psicóloga, que foi importante durante todo o tempo de tratamento, desde o descobrimento da doença até nas fases de recuperação de cirurgias e no pós-cirúrgico e lembra que essa profissional foi de suma importância para o seu tratamento. Com isso, percebe-se a importância da assistência psicológica em pacientes com doença crônica, que tem por finalidade minimizar o sofrimento do paciente que apresenta esse diagnóstico e promover a melhoria da qualidade de vida através de intervenções que possam auxiliar os pacientes e seus familiares e profissionais da saúde no enfrentamento da patologia.
Há algum tempo, o psicólogo trabalhava somente nos aspectos relacionados à saúde-doença, ou em instituições que promoviam saúde mental. Hoje se sabe que esse profissional possui uma atuação mais ampliada em diversos setores da saúde, realizando promoção e manutenção da saúde, prevenção e tratamento de doenças. O psicólogo começou a adquirir seu espaço em hospitais, unidades básicas, postos de saúde, dentre outras instituições, sendo figura de extrema importância nesses serviços para suporte a pacientes, familiares e toda equipe de profissionais.
De acordo com a definição do órgão que rege o exercício profissional do psicólogo no Brasil, o psicólogo especialista em Psicologia Hospitalar tem sua função centrada no âmbito de atenção à saúde, atuando em instituições de saúde e realizando atividades como: atendimento psicoterapêutico; grupos psicoterapêuticos; grupos de psicoprofilaxia; atendimentos em ambulatório/ unidade de terapia intensiva; pronto atendimento; enfermaria geral; psicomotricidade no contexto hospitalar; avaliação diagnóstica; psicodiagnóstico; consultoria e interconsultoria, refletindo no número de demandas para esses profissionais, inclusive na área da oncologia (CFP, 2003). Nesse sentido, a Psicologia, atuando em pacientes com doenças crônicas, consiste na área de atuação ampliada que se aplica no acompanhamento psicológico ao paciente com doenças crônicas e a sua família e aos profissionais de saúde envolvidos em seu tratamento, na reabilitação e na fase terminal da doença (se for o caso), utilizando conhecimento educacional, profissional e metodológico proveniente da Psicologia da Saúde. O psicólogo também pode atuar na pesquisa e no estudo de variáveis psicológicas e sociais relevantes para a compreensão da incidência, da recuperação e do tempo de sobrevida após o diagnóstico. Além disso, pode auxilia r na organização de serviços que visem ao atendimento integral do paciente, enfatizando de modo especial a formação e o aprimoramento dos profissionais da saúde envolvidos nas diferentes etapas do tratamento.
APOIO
O papel do psicólogo em doenças crônicas propõe o apoio psicossocial e psicoterapêutico diante do impacto do diagnóstico e de suas consequências. Além disso, mostra a possibilidade de auxílio para melhor enfrentamento e qualidade de vida do doente e de seus familiares, através de um apoio psicossocial no enfrentamento dos efeitos negativos do tratamento contra a doença. Também demandam intervenções psicoterapêuticas especializadas. Além disso, as funções desse profissional devem: favorecer a adaptação dos limites, das mudanças impostas pela doença e da adesão ao tratamento; auxiliar no manejo da dor e do estresse associados à doença e aos procedimentos necessários; auxiliar na tomada de decisões; preparar o paciente para a realização de procedimentos invasivos e dolorosos, e enfrentamento de possíveis consequências dos mesmos; promover melhoria da qualidade de vida através de intervenções que possam auxiliar os pacientes e seus familiares no enfrentamento e na aceitação da realidade; auxiliar na aquisição de novas habilidades ou retomada de habilidades preexistentes; e revisão de valores para o retorno à vida profissional, familiar e social ou para o final da vida.
Sugere-se que o trabalho da equipe multidisciplinar seja pautado no enfoque integral do sujeito, com o intuito de possibilitar a ressignificação da doença e aumentar sua sobrevida. Outra constatação importante é a formação do vínculo que ocorre entre profissionais da saúde e pacientes, visando assegurar a sua adesão às propostas e às orientações combinadas, no sentido de fortalecer sua autonomia, competência e segurança na busca das metas, para que alcancem resultados positivos em sua saúde e, por conseguinte, em sua qualidade de vida. As estratégias utilizadas para se atingir essa condição devem ser inspiradoras para o indivíduo, almejando seu envolvimento no processo. Também é fundamental o respeito à autonomia do educando por parte do educador, evitando o autoritarismo. Quando o vínculo se estabelece, propicia-se mais facilmente a identificação das necessidades de respostas mais apropriadas, ficando facilitado, com isso, o acompanhamento dos indivíduos e das famílias nos diferentes momentos da vida.
Ademais, a equipe multidisciplinar tem papel fundamental na educação de pacientes e familiares, para que tenham um entendimento completo em relação aos efeitos na sua doença. Os objetivos desse processo são ensinar, reforçar, melhorar e avaliar constantemente as habilidades dos pacientes para o autocuidado. Sob esse prisma, o psicólogo é o profissional tecnicamente capacitado para abordar os aspectos emocionais e deve ser membro permanente nas equipes, auxiliando no tratamento e contribuindo, assim, para uma melhor adesão ao processo, fornecendo subsídios para os pacientes enfrentarem as várias mudanças que ocorrerão no estilo de vida.
DOENÇAS CRÔNICAS: DESAFIOS DA ERA CONTEMPORÂNEA
As doenças crônicas se apresentam como um grande desafio da época contemporânea, por ainda serem associadas à dor, ao sofrimento e, muitas vezes, à morte, requerendo tratamentos dolorosos, invasivos e, muitas vezes, mutiladores, que comprometem a qualidade de vida dos indivíduos. Os pacientes precisam lidar com as questões do dia a dia, acrescidas pelas características e necessidades de tratamentos agressivos e longos desse tipo de patologia. A doença crônica pode produzir diversos sintomas. como baixa autoestima, depressão, incertezas sobre o futuro, pânico, tristeza profunda, revolta, angústia, insegurança. Com todo esse sofrimento emocional, os pacientes e seus familiares não conseguem lidar como problema e, muitas vezes, o paciente tem dificuldades de aderir ao tratamento, o que acarreta perdas importantes na qualidade de vida dos indivíduos com esse diagnóstico.
MIOCARDIOPATIA DILATADA
Trata-se de uma doença do músculo do coração, que impede o bombeamento eficiente de sangue para o corpo, provocando problemas, como arritmias, coágulos de sangue, e até morte súbita. A miocardiopatia dilatada atinge, especialmente, o ventrículo esquerdo, uma importante câmara de bombeamento do coração. O ventrículo esquerdo fica ampliado e as fibras musculares se esticam ao máximo.
TANATOLOGIA
A psiquiatra suíça Elizabeth Kúbler-Ross (1926-2004) publicou seu livro mais famoso em 1969, com o título “Sobre a Morte e o Morrer. A obra marcou o rumo de seu trabalho, que foi enriquecido, em seguida, por contribuições de especialistas de uma área específica da profissão médica: a tanatologia. No livro. Elizabeth identifica fases nos períodos que antecedem a morte e cria métodos para médicos, enfermeiros e familiares acompanharem e ajudarem um paciente terminal.
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