O MUNDO NÃO É COMANDADO PELO PENSAMENTO
Inúmeras pessoas têm o hábito de apostar no teor do pensamento, acreditar que dará certo por ter pensado assim, mas é preciso que o sujeito saiba que, ainda assim, as coisas podem sair de outro modo.
O mundo não é comandado (talvez seja uma forma de guia de primeira viagem) pelo pensamento, ainda que assim desejemos. O lúdico, grande aliado das crianças em lidar com o mundo, segue essa lógica: no brincar, tudo pode, tudo se reorganiza. O brincar é o melhor remédio para a infância. Deseja que a criança tenha um futuro? Deixe-a brincar, inclusive brincando com ela! Na ludicidade, a criança se torna ativa onde na vida é passiva e vice-versa, faz atos do desejo impossível e satisfaz seus quereres. A criança desejaria que o mundo fosse uma brincadeira sem risco. Porém sabe que chega a hora de guardar os brinquedos na caixa e que terá que sair da ilusória vida criada para a vida que a espera, atormentando-a em determinados momentos. Lógica parecida surge nos games, drogas alucinógenas, redes virtuais, leitura, mentira, falar da vida dos outros, correr, praticar esportes, pescar, vícios lícitos e ilícitos, trabalhar em demasia e outros meios de distanciamento da realidade rumo a algo. São artifícios pontuais, que apaziguam, mas que não passam disso. Dizem que “beber, passa”, passa, mas volta. “Beber faz passar, jogar faz passar, navegar na internet faz passar…” A vida passa! Passa, mas volta e volta com o teor destrutivo, acumulado, persistente, pois não se foge de si mesmo.
Há um real em jogo no mundo que transcende, e muito, o poder dos pensamentos. Esse real não cessa de se inscrever. É bonitinho, romântico apostar tanto no teor do pensamento, acreditar que dará certo por ter pensado assim. Porém é preciso que o sujeito se comprometa e saiba que ainda assim as coisas podem sair de outro modo. Em sua origem, a palavra delírio traz o sentido de sair do trilho. No entanto, é delirante crer que a vida é um trem que não sai dos trilhos. Ainda que não possamos ser felizes totalmente e o tempo todo, ainda que cada um fabrique seus sintomas como modo de dizer de sua história descarrilhada, ainda que produzir sonhos não seja suficiente, ainda que, tal como nos vende o capitalismo urbano, a felicidade não possa ser adquirida e ainda que a busca do princípio de prazer não possa ser toda satisfeita, não se trata de desistir ou recuar, pelo contrário: inventar-se. Algo neste impossível é possível. Vivemos frente a um não todo possível.
“O programa de tornar-se feliz que o princípio de prazer nos impõe não pode ser realizado; contudo não devemos – na verdade, não podemos – abandonar nossos esforços de aproximá-los da consecução, de uma maneira ou de outra” (Freud, 1930).
Somos fisgados devido a nossa carência de ter uma garantia, de sermos acolhidos, determos o poder das certezas, o falo do controle, o império do saber, o gozo de dominar etc. Fisgamo-nos, tal como o peixe no anzol, ele se pega, o pescador apenas completa e oferta meios, mas é o peixe que se pega. A busca cega pela felicidade encontra muitas coisas, mas encontra a felicidade?
A FAVOR DOS RESILIENTES
Como modo de lidar com o desamparo habitual do humano e fetichizado com o poder, inaugurou-se o seguinte dizer: “O mundo é dos espertos”, frase esta que legitima a anulação do outro em nome da esperteza, uma brecha, pode pisar, o mundo é dos espertos, dizem. Esse discurso que soa bonito não é sem consequências, é preciso ficar atento e indagá-lo. Em tempos objetizantes, ser esperto é ter alguma coisa a mais, é ser mais, é transbordar-se de maravilhas, de estética da amostra e ser superior. É ter o mundo, como numa mania de grandeza delirante. Então, de quem seria o mundo? A esta pergunta talvez não tenhamos resposta, mas resvalaremos no espaço de cada um em seu ser, em seu mundo. Então, de quem é seu mundo?
O viver do falante é com laços, nunca só. Carregamos conosco aprendizados e partes de onde vamos relando pela vida afora. Integramos partes do mundo, assim somos desde crianças, comendo e colocando tudo na boca, para sentir, para mais do que ter, para ser. Investimos afeto nas pessoas com quem temos convívio, nas coisas que estão no nosso dia a dia, nos fatos e até nos embaraços.
Para lidar com as crises, precisamos não recuar perante elas. Necessitamos muito mais do que a lógica da autoajuda (se faz bem, beleza, mas que não seja a única saída, que não seja a solidão de uma aposta na vida), do passo a passo a ser seguido, e ainda que manquejando, carecemos de nos comprometer, ter capacidade de resiliência e, com isso, lidar com a castração, reconhecendo a junto ao nosso limite de que nem tudo que sonhamos pode ser alcançado. Só ali podemos nos reinventar, no desamparo que nos é tão caro. Negá-lo, traçar um mundo retilíneo uniforme, de fuga, de unicórnios, afável, sem os atravessamentos do real do mundo, é secundarizar o que é do humano, sua essência desejosa, a falta como motora de seus desejos! Renegar a castração do mundo, combater o que não vai bem, tamponando-o, parece ser bonito quando se pensa, mas ineficaz para realojar a posição de sujeito que vai muito, mas muito, muito além do pensamento positivo.
“Infelizmente, o que a história nos conta e o que nós mesmos temos experimentado não fala nesse sentido, mas, antes, justifica a conclusão de que a crença na bondade da natureza humana é uma dessas perniciosas ilusões com as quais a humanidade espera que seja embelezada e facilitada sua vida, enquanto, na realidade, só causam prejuízo” (Freud, 1933).
O real do mundo não é positivo, tampouco negativo. Ele é, ele acontece, ele atravessa, ele é não todo controlado e menos ainda previsível, de forma que listinhas de afazeres dessem conta. Para Freud, o sofrimento do qual não podemos fugir e que sustenta o mal-estar, não é estar mal, é malestar, diz de um posicionamento, nos aparece em três direções: “O sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência; do mundo externo, que pode se voltar contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos relacionamentos com os outros homens” (Freud, 1930).
SABER FAZER
A resiliência para lidar com esses três meios do mal-estar, nos desassossegarmos, é que nos faz sentir vivos. Resiliência não é esperteza de se fazer saber e, sim, de um saber fazer, algo prático que encara o que deve ser encarado. A relação com os outros homens, segue Freud, é a mais difícil e laboriosa ameaça. E se vestir de ditadura da felicidade, cobrando-se ser o que o mundo nos demanda, ser feliz de forma ininterrupta, tomar a felicidade pelo que o outro espera, ser feliz como cobrança e não como estado de espírito são tornar-se infeliz por excelência com máscaras sorridentes. Tal como quando pelas cobranças de ter que ser potente, não falhar, os homens começam a transar por pressão, para provar que dão conta (tendem a falhar) e não por prazer. Se faz bem, ótimo, mas que não seja a única saída, existe poesia!
A AUTOMUTLIAÇÃO DOS VÍNCULOS
Hoje, uma pessoa me solicitou textos acerca da automutilação. Nesse tema, apenas nesse tema, o texto que tenho é esse que aqui escrevo e você lê. A automutilação dos vínculos, continue lendo, não automutile esse laço. Hoje, acontece muito disso, as pessoas se desinteressam pelo que é do outro e rompem, crendo estar mutilando o outro, automutilam a relação. Eu não tinha o texto, poderia acabar ali. Mas não, quero usar detalhes do cotidiano para trabalhar o tema. Quantas vezes não paramos para escutar o que o outro está nos dizendo? Até de modo sutil, pois enquanto o outro nos fala, inúmeros de nós já estamos pensando no que falaremos, pensando em nosso tema a dizer sem dialogar com o que o outro está dizendo. Não estamos ouvindo, e sim preparando uma fala. Quantas vezes irrompem numa mesa de bar disputas pelo mais, pelo que tem mais, pelo que viaja mais, pelo que ganha mais, pelo que pega mais ou pelo que tem mais sofrimento, mais dificuldades, mas raramente dialogam? Quantas vezes o outro, ao dizer de sua dor, inúmeros de nós tomamos as palavras ditas como armas do falante e lhe atiramos críticas, julgamentos, e sequer paramos para escutar mais? Quantas vezes o assunto do outro nos faz bocejar, nos apressa a querer sair? Quantas vezes hein? Diálogo, trem de dois, trem que transpira novidades, é joia rara nos dias atuais. Quantas vezes o outro dizendo de seus problemas não estamos pensando em “que chato, só reclama”, “quer aparecer”. “que conta tenho com isso?”, e quando termina de falar, ao inverso de tecermos conversa, lacramos o assunto no caixão dizendo, pregando palavras, “vai ficar bom”, “não pense assim”, “que chato, viu aquela abelha voando ali?”, “que calorão…”. Quantas vezes deixamos de render diálogos e acolhidas? Temos medos de acolher? Ou na carência de ser acolhido não suportamos acolher? Independe, estamos automutilando os vínculos. O desamparo é a navalha da relação Adolescentes cortam o corpo, pois não lhes resta mais nada para cortar, tudo já se cortou. Jovens abrem sua pele para evaporar linguagem, pois não têm onde falar sem serem julgados, moralizados e penalizados. Preferem cortar o corpo para a dor psíquica ser menor que a dor no corpo. Apaziguar, pois quando falam, o outro o corta na alma e esta dói mais que no corpo. Não raro estes, ao serem mais e mais pressionados, na ausência do simbólico, atuam na carne. Carnificina do próprio ser. Deve ter leitor dizendo a si mesmo: “E daí? Ele que tem que simbolizar!” Sim. ele, mas não só! O mundo nunca é só. Precisamos e carecemos de parar de automutilar nossas relações. Será assim que poderemos trabalhar o tema. Aproximando, acolhendo, escutando. Cortando e costurando o desamparo, a solidão.
DIVÃ MÓVEL DO DESEJO
O divã não é cama de Procusto, onde se arrancam ou esticam os sujeitos para moldá-los a uma ditadura da normalidade. Diva é móvel de desejo e modos de descobrir um saber fazer com as pulsões. Móvel. não no sentido concreto de objeto físico. E sim no sentido abstrato de mover, de criar elasticidades, de descobertas, de permitir certa anormalidade que compõe a loucura que habita cada singularidade. Divã sem escuta e sem associação é sofá. O divã, em seu uso clinico, é móvel que move o sujeito rumo à responsabilização de suas estranhas entranhas mentais!
INSPIRAÇÃO NA TELA
O cinema sempre traz roteiros, em geral, recheados de superação e sucesso para inspirar os espectadores. Em O Lado Bom da Vida. o personagem de Bradley Cooper tenta se recuperar do fim de seu casamento e reconstruir sua vida mantendo o pensamento positivo.
Em A Procura da Felicidade, o personagem de Will Smith decide investir todas as suas economias em um negócio que não dá certo, acaba perdendo o emprego, a casa, a esposa, mas não a confiança de que conseguirá dar a volta por cima. O filme é baseado na história real de Chris Gardner.
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