AS RAÍZES DA PAIXÃO
Todos querem se apaixonar. Apesar disso, temos pouco ou nenhum controle sobre esse estado de encantamento que provoca alterações bioquímicas e comportamentais que podem colocar o indivíduo em uma posição de fragilidade.
“O que se faz por amor está muito além do bem e do mal”. Nietzsche
A paixão está por trás das maiores alegrias e dores humanas. Todos conhecem histórias marcantes sobre esse sentimento na vida real, nos livros e filmes. Ela tem suas raízes culturais que datam do surgimento do Romantismo – movimento artístico que surgiu na Europa no final do século XVIII e consolidou-se no século XIX – em contrapartida ao Iluminismo, que era pautado por ideias centradas na razão. Com o surgimento do Romantismo, o subjetivismo, o homem e a satisfação dos desejos ficam em evidência.
A paixão é tema das tragédias nas histórias da mitologia greco-romana, em que as relações acontecem entre deuses, semideuses e mortais. Podemos dizer que esse afeto só se configura por meio da idealização do parceiro. Considera-se o outro como um deus ou semideus, a pessoa mais especial e encantadora já encontrada. O conhecido mito em que o deus Eros toma por sua esposa Psique, uma mortal, ilustra as etapas do processo de individuação que se dá através do relacionamento com o outro. Sem dúvida, a maior oportunidade de autoconhecimento é por meio das relações nas quais aparecem nossas sombras e projeções.
Pessoas apaixonadas ficam à mercê de alguém, do seu carinho, afeto e atenção como uma coisa vital. Exatamente como quando nascemos e dependemos de alguém para sobreviver. Uma das melhores sensações humanas é o amor correspondido. Isso nos leva ao início de tudo: o aconchego do colo materno, onde o mundo se resume ao bebê e sua mãe com toda atenção voltada para ele. Por toda a nossa vida, procuramos recriar esse momento em que não havia nada entre nós e nosso objeto de amor. Winnicott, psicanalista inglês, fala sobre a “mãe suficientemente boa”. Postula que se houve qualidade nas primeiras relações com a mãe, o pai ou figuras substitutas, isso possibilitará a constituição mais saudável, ou menos saudável, da psique. Esses fatores podem influenciar diretamente a capacidade do indivíduo de ter mais ou menos condições de estabelecer e manter faturas relações afetivas na vida adulta.
Apaixonar-se libera neurotransmissores como a dopamina, que estimulam a pessoa a buscar a manutenção desse estado. Como uma droga, o objeto da paixão pode causar abstinência, compulsividade, alterar a crítica e o equilíbrio emocional.
Essa recompensa bioquímica, entre outros fatores, pode levar os indivíduos a viverem essas experiências sem se importar com as consequências para sua vida e para a de outras pessoas. Uma boa ilustração do aspecto destrutivo da paixão está no filme Perdas e Danos. Nesse longa-metragem de 1992, o personagem de Jeremy Irons é um ministro de Estado que se apaixona pela noiva de seu filho. Apesar de saberem que havia grande possibilidade desse romance destruir as suas famílias, eles o mantêm.
A permanência nesse estado destrutivo da paixão revela aspectos não integrados da psique do indivíduo. A impulsividade pode derivar de uma dificuldade de o paciente perceber suas motivações, fixações e simbolizá-las. Esses aspectos, quando conscientizados, permitem ao indivíduo não mais atuar a partir de seus padrões de comportamentos repetitivos e compulsivos. Esses fatores influenciam a escolha do parceiro e a forma de estabelecer relações afetivas na vida adulta. “Impulsividade baseia-se em uma inabilidade para tolerância à frustração, assim como em uma perturbação da realidade e da autocrítica, estando a motilidade ou atividade marcadas por uma qualidade dramática”.
Em alguns casos, a paixão não é correspondida e pode vir acompanhada de muito sofrimento e angústia. A capacidade do indivíduo em julgar a situação e tomar decisões fica prejudicada. Apesar daquela situação não lhe fazer bem, não consegue desvencilhar-se e sua autonomia fica comprometida.
O nível de obsessão e dependência na paixão está diretamente ligado à formação saudável da estrutura da psique. Alguns aspectos patológicos do indivíduo vão influenciar diretamente a forma de encarar a ameaça da perda do objeto de amor que pode ser mais ou menos desestruturante. Muitas vezes, é impossível para o sujeito suportar a ameaça de ruptura da relação, levando a estados depressivos graves e até ao suicídio. Assim, mesmo que aquela relação traga sofrimento e consequências ruins para sua vida, a pessoa não consegue romper o vínculo.
A análise é uma oportunidade de verbalizar ao invés de atuar. A conscientização permite ao indivíduo encontrar dentro de si aspectos falhos e insuficientes dos primeiros anos de vida e elaborá-los.
Nesse processo, a relação transferencial pode reproduzir os vínculos objetais mal estabelecidos e, com sucesso, possibilitar a reconstrução das lacunas na formação da identidade do indivíduo. O fortalecimento do ego propicia que parte da energia investida no objeto seja redirecionada para si.
ELAINE CRISTINA SIERVO – é psicóloga, Pós-graduada na Área Sistémica – Psicoterapia de Família e Casal pela PUC-SP. Participa do Núcleo de Psicodinâmica e Estudos Transdisciplinares da SBPA (Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica). Atuou na área de dependência de álcool e drogas com indivíduos, grupos e famílias.
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