O QUE MOTIVA VOCÊ?
Estamos sempre buscando recompensas – que podem aparecer em forma de bens materiais, prazeres sensoriais, afeto ou sentimentos de profunda autorrealização – e evitando punições. Na prática, pessoas motivadas procuram se superar e buscar melhores resultados, são mais entusiasmadas, responsáveis, comprometidas – e, principalmente, mais felizes e realizadas. O problema é que nem sempre nosso empenho está alinhado com os resultados obtidos. Novas pesquisas indicam a importância de rever o que queremos e, eventualmente, corrigir rotas.
Todo mundo que cursa psicologia – ou mesmo outras formações na área de ciências humanas – em algum momento assiste à aula sobre a famosa pirâmide de Abraham Maslow (1908-1970). O psicólogo americano estabeleceu uma hierarquia, expressa graficamente, localizando as necessidades mais básicas (como alimentação, por exemplo) na base da figura geométrica. No topo, ficam aspectos ligados à realização pessoal. Psicólogos e neurocientistas acreditam, porém, que as coisas não são tão simples. O que nos faz trabalhar, estudar, viajar, tomar banho, fazer ginástica, correr riscos, iniciar e manter relacionamentos? Resolvidas as necessidades básicas, o que nos move mesmo é uma exigência interna de autonomia, conhecimento, envolvimento e dinamismo. Fácil? Nem tanto. Em plena era da tecnologia, em que as possibilidades se multiplicam diante dos nossos olhos, muitos pesquisadores têm questionado ideias simplistas sobre as necessidades e os anseios humanos. Alguns estudiosos veem a maior fonte da motivação humana na ampliação das próprias competências e falam de dois sistemas de razões antagônicas que se formaram ao longo da evolução: curiosidade e medo, ambos repletos tanto de oportunidades quanto de riscos. É o caso do psicólogo Clemens Trudewind, pesquisador da Universidade de Bochum, na Alemanha, que durante algum tempo estudou essa interação. Ele comprovou algo que muitos pais e educadores já sabiam: crianças curiosas e destemidas resolvem problemas com mais eficácia do que as temerosas e passivas. No entanto, a curiosidade e o medo não são opostos: meninas e meninos muito medrosos e ao mesmo tempo curiosos também se revelaram bons solucionadores de problemas, segundo Trudewind. Razões supostamente antagônicas, portanto, não são obrigatoriamente excludentes.
TRÊS ELEMENTOS CRÍTICOS
Uma grande vantagem bastante prática da motivação é que ela nos faz mais entusiasmados, comprometidos, empenhados em buscar os melhores resultados e, em última instância, felizes – no que quer que estejamos empenhados. Além disso, aumenta a capacidade criativa e favorece as habilidades de comunicação. Especialistas chegam a argumentar que a motivação – aquilo que move a ação – pode ser até mais importante e decisiva para o sucesso do que o talento. Mas, afinal, de onde vem esse ânimo de direcionar a energia (um misto de empenho de tempo, capacidade intelectual e afetiva) em direção a um objetivo? A psicologia identifica três “elementos críticos” que oferecem suporte à motivação. A boa notícia é que todos podem ser ampliados e ajustados em nosso próprio benefício.
AUTONOMIA.
Os psicólogos Edward L. Deci e Richard M. Ryan, da Universidade de Rochester, acreditam que aumentamos nosso grau de motivação quando nos sentimos responsáveis. Os pesquisadores trabalham com grupos de estudantes, atletas e funcionários e descobriram que a percepção de autonomia prediz a energia com a qual os indivíduos perseguem uma meta.
Junto com o psicólogo Arlen C. Moller, Deci e Ryan desenvolveram vários experimentos para avaliar as consequências emocionais e cognitivas de uma ação controlada por outras pessoas em comparação aos efeitos das próprias escolhas. Eles descobriram que os voluntários que tiveram a oportunidade de desenvolver uma ação com base em suas opiniões (contra ou a favor de algum tema) persistiram mais tempo em uma atividade subsequente de resolução de um quebra-cabeça (tarefa aparentemente desvinculada da anterior). Os cientistas afirmam que agir sob coação gera uma espécie de “tributário mental”, enquanto perseguir um objetivo no qual acreditamos nos deixa energizados.
VALOR.
Motivação também costuma persistir quando permanecemos fiéis às nossas crenças. Atribuir valor a uma atividade pode restaurar o senso de autonomia, uma descoberta de grande interesse para os educadores. Em um artigo de revisão, os psicólogos Allan Wigfield e Jenna Cambria, pesquisadores da Universidade de Maryland, observaram que vários estudos haviam encontrado correlação positiva entre a valorização de um assunto na escola e a vontade do estudante de investigar a questão de forma independente. Felizmente, valores podem ser mudados. O psicólogo Christopher S. Hulleman, professor da Universidade da Virgínia, descreveu uma intervenção realizada no final do semestre letivo com dois grupos de estudantes do ensino médio. Um deles escreveu sobre como a ciência se relacionava com sua vida e outro deveria simplesmente resumir o que fora aprendido nas aulas de ciências. Os resultados mais marcantes vieram de estudantes com baixas expectativas de desempenho. Aqueles que descreveram a importância da ciência em sua vida melhoraram suas notas e relataram maior interesse, em comparação aos alunos em situação semelhante no grupo de resumo-escrita. Em suma, parece que pensar sobre algo (uma situação, uma área de conhecimento etc.) tende a aumentar nosso comprometimento. Não por acaso, um tema básico de meditação analítica do budismo é o fato de que o praticante vai morrer, mas não sabe quando isso vai acontecer, o que leva à reflexão sobre a preciosidade da vida – e à motivação para desfrutá-la de forma significativa.
COMPETÊNCIA.
Gostamos do que fazemos ou fazemos o que gostamos? Tudo indica que, à medida dedicamos mais tempo a uma atividade, percebemos que nossas habilidades melhoram nessa área e adquirimos senso de competência. Psicólogos das universidades Democritus da Trácia e da Tessália, ambas na Grécia, entrevistaram 882 alunos sobre suas atitudes e o engajamento com o atletismo durante um período de dois anos. Os estudiosos descobriram uma forte ligação entre o sucesso obtido por um aluno nos esportes e o desejo de praticar determinada modalidade. A conexão funcionou em ambas as direções – a prática tornou os jovens mais propensos a se considerar competentes e o senso de competência determinou a perseverança na prática esportiva. Estudos semelhantes, considerando atividades como música e rendimento acadêmico, reforçam essas constatações. A psicóloga Carol S. Dweck, pesquisadora da Universidade Stanford, mostrou que a competência está bastante associada às próprias crenças. Em uma série de estudos, ela descobriu que aqueles que se apoiam mais em talentos inatos que no trabalho árduo desistem mais facilmente quando enfrentam um novo desafio, porque temem que ele exceda sua capacidade. Já acreditar que o esforço promove a excelência pode inspirar a continuar aprendendo. Em geral, quando enfrentamos uma dificuldade em relação a atingir aquilo que desejamos, convém perguntar o que está faltando. Muitas vezes, a resposta está em uma (ou mais de uma) destas três áreas: falta de autonomia, sensação de que a tarefa é inútil ou dúvida sobre sua capacidade. Enfrentar essas fontes de resistência pode fortalecer sua determinação. A escolha é pessoal, claro.
BUSCAR E ALCANÇAR
No começo da década de 50, o psicólogo James Olds, professor da Universidade McGill, no Canadá, chegou à conclusão de que a busca pela satisfação e a satisfação em si são processadas na mesma região no cérebro dos ratos. Outras pesquisas realizadas depois revelaram que o funcionamento mental de seres humanos segue a mesma lógica. Isso explica por que buscamos prazeres continuamente. Mas a maioria das pessoas também consegue postergar a realização dos seus desejos: na expectativa de viver algo que queremos, nosso cérebro já nos dá uma provinha da satisfação. O professor de psicologia da Universidade de Michigan Kent Berridge fez uma descoberta fundamental sobre motivação: nosso cérebro tem dois sistemas de recompensa, um que nos leva a querer e outro, à sensação de satisfação. Sentimos vontade de obter algo e, na sequência, a alegria da conquista. Por estarem muito próximos, esses dois movimentos mentais confundiram os cientistas, mas hoje se sabe que eles podem funcionar separadamente. Quando estamos muito ansiosos, estressados, ou sob o efeito de drogas, por exemplo, a vontade de conseguir o que almejamos é potencializada e a capacidade de escolha fica comprometida. Talvez você mesmo já tenha se flagrado, em momentos de grande tensão e cansaço, comprando e comendo com avidez (mesmo sem fome) guloseimas pouco saudáveis, das quais sequer gosta de verdade. Podemos pensar que naquele momento você queria aquilo, embora realmente não gostasse. O neurocientista Jaak Panksepp, pesquisador da Universidade de Washington, mapeou centenas de cérebros de animais e constatou que o prazer está muito mais em buscar o que queremos do que em conseguir. Talvez isso explique, do ponto de vista da neurociência, por que suportamos postergar o recebimento de recompensa – como o pagamento no fim do mês ou uma boa nota depois de passar o fim de semana estudando para a prova. Segundo Panksepp, isso também é observado no comportamento de muitos mamíferos que preferem procurar comida a encontrá-la de uma forma fácil. Entre humanos, a lógica pode ser a mesma em muitas áreas da vida. Por exemplo, na paquera ou no início do namoro, em que existe a constante motivação da conquista, em contraste com a “calmaria” da relação estável após algum tempo.
O QUE VALE A PENA?
Durante uma das mais comentadas palestras do TED, a maior convenção de ideias do mundo, que acontece anualmente na Califórnia, o professor do departamento de psicologia da Universidade de Chicago Mihaly Csikszentmihalyi fez uma pergunta à plateia: “O que faz a vida valer a pena?”. Em 15 minutos de apresentação, ele chegou à seguinte conclusão: Não podemos ter uma ótima vida sem o sentimento de que fazemos parte de algo maior do que nós mesmos. Talvez seja esse o propósito maior da nossa motivação. Além de atender às nossas necessidades biológicas de sobrevivência, de sermos recompensados por aquilo que fazemos bem feito e realizar com autonomia algo que importa, precisamos ter a sensação de que o que queremos e do que gostamos tem um significado. Ganhar dinheiro? Assistir a séries? Viajar? Receber elogios? Ter um corpo considerado bonito segundo os padrões de beleza vigentes? Tudo isso é ótimo. Mas se empenhar continuamente em conseguir o que se deseja pode ser muito mais gratificante. Principalmente se o objetivo não for obter apenas satisfação pessoal, mas encontrar um objetivo maior para motivar suas ações.
PIRÂMIDE DE MASLOW
O psicólogo estabeleceu uma hierarquia, expressa graficamente, localizando as necessidades mais básicas na base da figura geométrica e, no alto, os aspectos ligados à realização pessoal
PISTAS PODEM ESTAR NO CORPO
Um dos inimigos do “passar à ação” para realizar objetivos nas diversas áreas, de maneira compatível com nossos valores, anseios e expectativas, é a falta de clareza a respeito do que se deseja. Por isso, é tão importante ter consciência das próprias metas. Nesse caso, é possível contar com a ajuda preciosa dos marcadores somáticos, que são sinais da memória emocional, onde todas as experiências são armazenadas e classificadas. Essa referência mnêmica influi permanentemente sobre os dados captados do ambiente. A capacidade de uma pessoa saber o que é importante e bom para si mesma depende em grande parte da atenção que dispensa às mensagens enviadas por seus marcadores somáticos. Essas informações são decisivas para tomar decisões na possibilidade de encontrar motivação para concretizar objetivos. Os marcadores somáticos funcionam como orientadores internos: são percebidos como sensações físicas, sentimentos ou uma mistura de ambos. Embora tenham origem na experiência emocional, sua base neurológica é um agrupamento de estruturas cerebrais que memoriza e classifica eventos significativos. Vivências desagradáveis, que devem ser evitadas, produzem marcadores negativos; já as experiências que provocam prazer geram sinais positivos. No fundo, a memória das experiências emocionais constitui nada mais do que o “eu” de uma pessoa. Ou seja, aquilo que faz com que ela se reconheça como indivíduo, independentemente de eventuais transformações que enfrente ao longo da vida. Sob condições favoráveis, é possível manter um nível habitual de motivação – e, consequentemente, de satisfação. Aqueles que desenvolvem autopercepção para registrar conscientemente os sinais de seu eu – seus marcadores somáticos – adquirem maior consciência de si e podem, com isso, estimular ativamente a busca de bem-estar, independentemente das circunstâncias externas. A longo prazo, só costuma ficar realmente satisfeito com a própria vida quem tem autonomia para fazer escolhas e arcar com as consequências delas.
SE FOR DIFÍCIL DEMAIS, DESANIMA
Existe uma complexa relação entre esforço, motivação e capacidade intelectual; aparentemente, nosso cérebro confunde facilidade de apreender instruções sobre tarefas com a simplicidade da execução.
O cartunista americano Rube Goldberg (1883-1970) ficou conhecido por ser o criador das “máquinas de Goldberg”. Cada uma de suas invenções cômicas mostrava um conjunto de instruções complexas para realizar o que deveria ser uma tarefa cotidiana simples. Seu “guardanapo automático”, por exemplo, apresentava 13 passos sequenciais, envolvendo um papagaio, um acendedor de charutos, um foguete e uma foice – junto com diversos elásticos, tiras e pêndulos. As charges se tornavam engraçadas porque, com bom humor, cutucavam uma ironia fundamental da psicologia humana: não raro, as pessoas tendem a tornar tarefas simples mais complicadas do que o necessário. Na realidade, o oposto, em geral, também é verdadeiro: as confusas regras de “como fazer” de Goldman podem nos fazer rir, mas também nos deixam exaustos. Se for necessário fazer tudo aquilo para usar um guardanapo, por que tentar? Psicólogos estão muito interessados em descobrir mais sobre a complexa relação entre esforço, motivação e cognição – a facilidade com a qual pensamos sobre tarefas. É possível que a simplicidade (ou complexidade) com a qual uma atividade é descrita e processada, de fato, afete nossa atitude com relação a essa atividade e, por fim, nossa vontade de realizá-la. Dois psicólogos da Universidade de Michigan em Ann Arbor, nos Estados Unidos, decidiram investigar essa ideia em laboratório. O desafio de Hyunjin Song e Norbert Schwarz era conseguir motivar um grupo de universitários de 20 anos a praticar atividade física regularmente. Eles deram instruções escritas aos voluntários para que estabelecessem uma rotina com exercícios regulares, mas utilizaram um método para tornar as orientações de “como fazer” cognitivamente agradáveis ou desafiadoras: alguns alunos receberam as instruções escritas com a fonte Arial, plana e desenvolvida para facilitar a leitura; outros receberam em fonte Brush, que, basicamente, parece letra manuscrita com um pincel japonês, o que dificulta a leitura. Depois que os alunos haviam lido as instruções, os pesquisadores perguntaram a eles, por exemplo, quanto tempo acreditavam que levaria a conclusão das atividades, se fluiria naturalmente ou pareceria não ter fim, se seria chata ou interessante. Eles questionaram também sobre a probabilidade de tornar os exercícios parte de sua rotina. As descobertas foram surpreendentes: os que haviam lido as instruções em uma fonte simples estavam mais dispostos a realizar a tarefa – acreditavam que duraria pouco tempo e que fluiria de maneira fácil. E, mais importante, eles tinham mais vontade de tornar o exercício parte da rotina. Aparentemente, o cérebro dos estudantes confundiu a facilidade em ler sobre os exercícios com facilidade para realizar flexões e abdominais, e essa confusão motivou-os a pensar em uma mudança de vida. Os que brigaram com as pinceladas japonesas não tinham a menor intenção de ir à academia; a leitura, por si só, já os deixou cansados. Song e Schwarz decidiram verificar novamente esses resultados com outra pesquisa, envolvendo outra atividade: a culinária. Novamente usaram uma fonte mais clara e outra rebuscada. Mas, nesse caso, as instruções ensinavam a fazer um rolinho de sushi. Depois de os voluntários lerem a receita, deveriam estimar o tempo para execução do prato e se estavam ou não inclinados a fazê-lo. Os resultados foram basicamente os mesmos, conforme publicado no periódico científico Journal of Psychological Science: aqueles que leram as instruções muito rebuscadas, que pareciam exigir grande capacidade intelectual, acharam que a tarefa seria demorada e necessitaria de alto nível de habilidades culinárias; os participantes observaram a estranheza da escrita como sendo da própria tarefa e, como resultado, tentaram evitá-la. Já aqueles que receberam informações de forma mais objetiva ficaram bem mais dispostos a ir para a cozinha. Conclusão: o cérebro emprega todos os tipos de truques e atalhos para que o indivíduo atravesse o dia com o mínimo de esforço físico e mental, mas é bom prestar atenção nesses julgamentos automáticos. Se não forem verificados, a tendência de confundir pensamentos e ações pode levar a opções duvidosas, que parecem ser mais fáceis e desejáveis do que de fato são, ou pode afastar as escolhas saudáveis e a exploração criativa.
Você precisa fazer login para comentar.